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from Ideias de Chirico

Capa de ““Clássico anticlássico”, de Giulio Carlo Argan.

Dos tempos em que cursei arquitetura, pelos idos de 2017, ainda lembro de um livrinho que a professora de História da Arte e Arquitetura recomendou como leitura complementar sobre Maneirismo. Tratava-se de “Clássico anticlássico”, do historiador italiano Giulio Carlo Argan.

Como já diz o seu subtítulo ― “O Renascimento de Bruneleschi a Bruegel” ―, “Clássico anticlássico” contempla a arte e a arquitetura do Renascimento e também do Maneirismo ― o entr'acte entre o Renascimento e o Barroco.

Mas não é sobre arte propriamente que quero escrever, mas sim desse precioso paradigma que Argan inaugurou: “Clássico anticlássico”. Clássico anticlássico! A tradição que nega a si, mas que, ao mesmo tempo, gira em torno de si. A tese-antítese ― sem síntese. Isso me evoca quase que instantaneamente aquela figura do cachorro que corre atrás do próprio rabo sem, no entanto, mordê-lo.

Em um certo prisma, podemos ler o “Clássico anticlássico” como o establishment que, com propósitos mais ou menos escusos, surge em momentos de crise como antiestablishment a fim de se afirmar como solução prática e definitiva para um problema estrutural e complexo. São os Collors, os Bolsonaros e os Mileis da vida.

Mas também, por outro prisma, entrevemos no paradigma do “clássico anticlássico” a genialidade do criador que soube manobrar uma cultura remota ao tempo presente sem lançar mão da nostalgia ou do reacionarismo estético, mas sim captar “de um belo olho velho a flama invicta” ― como escrevia o poeta Ezra Pound em um de seus Cantos. São os Joyces, os Chomskys e os Andrades ― “Passado é lição para refletir, não repetir”, é uma frase atribuída a um dos modernistas de 1922.

Como não sei se essas possibilidades de leitura do paradigma arganiano estão claras para o leitor, vou ilustrá-lo a seguir com alguns exemplos nos quais substituo “clássico” por outra palavra, exemplos que tenho coletado com o passar dos anos ou que me ocorreram durante a escrita deste texto. Lembrem-se, porém, que este é um work in progress, logo, eventualmente irei atualizar esta lista à medida que mais exemplos surgirem...

Clássicos anticlássicos: 1. arte antiarte: Marcel Duchamp; 2. político antipolítico: Jair Bolsanaro ― um “clássico anticlássico” por excelência; 3. música antimúsica: John Cage; 4. trabalhador antitrabalhador: o pobre de direita; 5. poesia antipoesia: Décio Pignatari e os demais concretistas; 6. intelectual anti-intelectual: Olavo de Carvalho; 7. prosa antiprosa: James Joyce em seu “Finnegans”; 8. brasileiro antibrasileiro: o brasileiro; 9. Estado antiEstado: Javier Milei, Collor de Mello, Margaret Thatcher etc., etc., etc. 10. homem anti-homem, branco antibranco, hétero anti-hétero etc.: o esquerdomacho.

Durante os tempos de isolamento social da Covid-19, no período de atos contra o então presidente Bolsonaro, rolava pela internet um template da Ação Antifascista, no qual as pessoas escreviam qualquer profissão, ocupação livre ou identidade específica seguida de “antifascista”. Desse template surgiu uma infinitude de memes do tipo “calvos antifascistas”, “agiotas antifascistas” e coisas que tais. Ocasionalmente surgiu um “fascista antifascista”. Como não consegui pensar em alguém que se enquadrasse nesse exemplo de “clássico anticlássico”, convido vocês a pensarem em um “fascista antifascista”.

(Continua...)

#cotidiano


 
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from Ideias de Chirico

Imagem em preto e branco de um campo de futebol visto de trás das grades.

Campo de futebol no bairro Messejana de Fortaleza

Nos últimos meses tenho fotografado em preto e branco através de um esmartefone Motorola e20. O aparelho funciona perfeitamente bem e as fotos não passam por filtros ou edições. Não a princípio. Apenas as vejo em primeira mão por uma tela sem cores. Tenho experimentado usar meu aparelho com as cores de sua tela desativadas. Que se tenha claro desde já que fazê-lo não interfere no arquivo final da fotografia. Somente a visualização das fotos pelo esmartefone fica em preto e branco ― seu arquivo permanece em cores.

No link acima citado, do Manual do Usuário, há algumas razões que me convenceram de não usar meu aparelho com tela colorida. Em uma publicação futura, detalharei todas elas e também os benefícios práticos que obtive. Neste texto me concentrarei apenas na vivência de fotografar com essa configuração.


Somente a visualização das fotos pelo esmartefone fica em preto e branco ― seu arquivo permanece em cores.


Meus companheiros do Fediverso sabem que tenho um espaço dedicado para compartilhar fotos dentro do protocolo Activity Pub. Por ora, no entanto, gostaria de, além de expôr as imagens, discutir alguns efeitos que a ausência de cor provoca no processo de suas capturas.

Processo de “revelação”

Foto em preto e branco de um homem barbudo, de toca e camiseta pretas fumando em uma varanda cuja visão dá para os edifícios altos de uma cidade.

Rafaboy fumando em uma varanda do bairro Meireles de Fortaleza. Os edifícios e os corpos humanos caem bem em preto e branco.

Alguns dos efeitos imediatos de não ver a foto colorida imediatamente após a captura são a ritualização do processo fotográfico e a valorização das cores ― ou de sua ausência.

Nos primeiros dias, ao tirar uma foto pelo celular, eu ficava ansioso para subi-la para a nuvem, a fim de ver por outro dispositivo como ela ficava em cores.

Essa vivência de fotografar “às cegas”, sem ter ideia imediata do resultado final, me lembrou daqueles que trabalham com equipamentos fotográficos analógicos, que só podem ver o produto de seus cliques após semanas, meses ou mesmo anos, através de uma revelação dos filmes em sala escura.

Claro, ao contrário da revelação de filmes analógicos, o meu processo de “revelação” é gratuito, rápido e prático, dependendo só de outro dispositivo com uma tela colorida e ligado à nuvem ― já que evito ao máximo recolocar as cores no esmartefone.

No entanto, esse simples processo de retardamento de “revelação” faz com que eu me engaje integralmente no processo de fotografar, sem me importar tanto com o modo em que saiu a foto, mas me concentrando totalmente na sorte de poder registrar um momento que nunca mais se repetirá.


Ao ver a fotografia integralmente por outro dispositivo, suas cores vinham para mim como coisas inéditas.


Ao ver a fotografia integralmente por outro dispositivo, suas cores chegavam para mim como coisas inéditas. A partir daí, me caberia saber se valeria mais a pena compartilhá-la em cores ou sem elas.

Estetização do real

Imagem de uma visão panorâmica de edifícios em Fortaleza.

Noturnos também são uma boa pedida para imagens em preto e branco. Em fotos monocromáticas, o branco se torna figura (recebendo mais destaque) e o preto se torna fundo.

Desde que comecei a utilizar o celular sem cores, a vinculação entre realidade e reprodução do real arrefeceu-se de todo. Percebe-se com muito esforço que a nossa experiência com o mundo através do olho não coincide com nossa experiência mundana através de algum veículo.

Não vejo nisso, no entanto, um demérito para as tecnologias. Marshall McLuhan, em seu “Understanding Media” (1964), chama a atenção para a especificidade que os aparelhos eletrônicos têm de funcionarem como amplificadores de nossas faculdades corporais e mentais.

Ver uma paisagem natural por, por exemplo, um aparelho televisivo não embota nossa experiência de vê-la a olho nu, mas faz com que percebamos, através desse “amplificador visual”, atributos que não seriam perceptíveis de outro modo.

Nos frustramos ao ver que as fotos que tiramos não ficaram nem um pouco parecidas com a imagem que vemos a olho nu ― o que acontece 90% das vezes. Ao desligar as cores, me dei conta de como elas impactavam na minha percepção da realidade.

Me dei conta também de que a reprodução do real não deveria, a priori, emulá-lo talqualmente, mas que poderia, em vez disso, “vesti-lo”.

Bem, passada aquela primeira fase de ansiedade e estranhamento pela falta de cores, pouco a pouco, no entanto, fui aceitando essa natureza da tela, e, ocasionalmente, vendo sua beleza. Eventualmente, quando a foto está muito boa em preto e branco, não quero sequer saber de como ficou a sua versão colorida.

Temas

Foto em preto e branco de um homem de dreads, regata e chapéu chinês dançando. Ao fundo, um grande edifício.

Novamente Rafaboy posando. Desta vez, no Parque do Cocó de Fortaleza.

Há todo um culto em torno da fotografia monocromática. No entanto, fotografar em preto e branco não resulta em puro glamour em todos os temas. Há aqueles em que as cores devem de ser forçosamente invocadas. Somente fotografando sem cores me dei conta de que não é frequente encontrar por aí fotografias monocromáticas de comida ou de naturezas-mortas — o. s., frutas, plantas, louças ou legumes organizados em uma composição de fotografia ou pintura. Isso porque grande parte da beleza de uma comida está em sua cor.

Lembro de certa vez em que fotografei um conjunto de pedras sobre um tanque de peixes. Tirei, então, sua saturação a fim de que ficasse em branco e preto. Ao publicá-lo, algumas pessoas pensaram que aquilo se tratasse de um prato com carne. Me pareceu naquele momento que a natureza não foi feita para ser fotografada sem cores.

Tenho a impressão de que, em geral, a fotografia em preto e branco cai bem sobretudo a tudo aquilo que é obra do homem, tudo o que é ortogonal, composicional, rítmico: edifícios, campos de futebol, automóveis ou o próprio corpo humano. Além disso, como a cor foi extraída da fotografia, cabe a esta revelar texturas, pondo à disposição do olho os valores táteis das coisas.

Downgrading

Foto em preto e branco de um emaranhado de fios elétricos ligados a um poste de luz. O ângulo da foto é de baixo para cima.

A desorganização parece ser enfatizada pela ausência de cor.

Diz-se que, quando há o embotamento de algum dos sentidos, há o fortalecimento dos demais. Por exemplo, caso uma pessoa perca um pouco de sua visão, sua sensibilidade auditiva, por uma questão de sobrevivência, é catapultada. Tive uma experiência similar a esta quando realizei esse “downgrading” do dispositivo e passei a fotografar sem cores. Tive uma melhora em meu senso de reconhecimento de enquadramento e de texturas, estes que são atributos que as cores distraem.

Entrementes, me tornei mais paciente, uma vez que tinha de esperar pela “revelação” da foto, sem contar que vivi mais os momentos sem me preocupar tanto com a finalização dos registros. Acima de tudo senti o mundo de uma maneira diversa da que eu vivia até então, percebendo novos padrões de beleza visual.

#cotidiano #tecnologia


 
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from daltux

Solicitação enviada à equipe responsável pela VPN privativa de liberdade de uma universidade pública brasileira, por dificuldade de uso com cliente livre.

Desde ao menos esta manhã, ao tentar abrir conexão à VPN, como de praxe há tantos anos, utilizando vpnc, tanto do DebianSid” (mais recente possível dessa família) quanto do Ubuntu (Pro) 18.04, não há sucesso, tanto pelo usual NetworkManager com suporte a essa VPN instalado pelo pacote network-manager-vpnc-gnome, quanto tentando executar o vpnc diretamente, observando-se o seguinte registro:

vpnc: configuration response rejected:  (ISAKMP_N_ATTRIBUTES_NOT_SUPPORTED)(13)

Seguem informações do programa vpnc no Debian “sid”:

vpnc version 0.5.3+git20220927-1
Copyright (C) 2002-2006 Geoffrey Keating, Maurice Massar, others
vpnc comes with NO WARRANTY, to the extent permitted by law.
You may redistribute copies of vpnc under the terms of the GNU General
Public License.  For more information about these matters, see the files
named COPYING.
Built with certificate support.

Supported DH-Groups: nopfs dh1 dh2 dh5 dh14 dh15 dh16 dh17 dh18
Supported Hash-Methods: md5 sha1
Supported Encryptions: null des 3des aes128 aes192 aes256
Supported Auth-Methods: psk psk+xauth hybrid(rsa)

Já com o plugin OpenConnect do NetworkManager (pacote network-manager-openconnect-gnome), cujo suporte a GlobalProtect está disponível nas versões mais recentes (não na do Ubuntu 18.04), felizmente a conexão é bem-sucedida. No Debian sid, o pacote openconnect está na versão 9.12-1, enquanto no Ubuntu 18.04 disponibiliza-se 7.08-3. Segundo seu changelog, o suporte a PANGP iniciou na versão 8.0.0 do OpenConnect. Detalhes sobre o PANGP no OpenConnect também estão disponíveis.

Assim, o presente chamado é para dar notícia de que algo parece ter mudado na VPN, ontem ou hoje, que lamentavalmente não foi anunciado, tornando-a subitamente incompatível com o vpnc, e, portanto, solicitar que, sendo possível, considerem reabilitar o suporte ao mesmo, tendo em vista que é o cliente mais amplamente disponível e estável, em matéria de software livre, não privativo de liberdade, injusto e duvidoso por definição, questão que o poder público não deve esquecer, sobretudo no setor educacional. OpenConnect é, felizmente, uma opção razoável, embora menos estável, porém está disponível apenas às máquinas mais atualizadas. Por sua vez, vpnc foi utilizado com sucesso desde que a VPN foi disponibilizada pela universidade, até ontem. Caso tenha havido uma alteração dolosa e/ou seja impossível que ele volte a funcionar, protestamos diante da falta de consciência geral sobre o tema, cada vez mais grave, e que não houve anúncio, prévio ou posterior, sem permitir qualquer período de adaptação a esse tipo de alteração, direito normalmente concedido somente a usuários em regime de software privativo de liberdade.

#SoftwareLivre #VPN #InfoSec #ServiçoPúblico #universidade

 
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from Felipe Siles

Infelizmente, pra maioria das pessoas não dá pra ficar sem

O Whatsapp, do Grupo Meta, se consolidou no Brasil como um verdadeiro oligopólio em termos de aplicativos de mensagens. Quando é derrubado pela Justiça o país pára. Mesmo serviços gornamentais utilizam a plataforma, como por exemplo a ferramenta recente “Canais”. Isso sem falar nos diversos serviços que atendem pelo aplicativo.

Só pra citar dois exemplos na minha vida que foram ilustrativos do quanto o whatsapp é fundamental em coisas básicas. O plano de internet que eu uso na minha casa faz todo o atendimento ao cliente pelo whatsapp. Quer outro exemplo? Fui criar um perfil no aplicativo TOP, de transporte público da região metropolitana de São Paulo. Usei um email seguro e uma senha forte e, por alguma razão (pode ter sido também pela VPN que eu uso no celular) ele bloqueou minha conta, dizendo que não é segura. No fim das contas, sem ter acesso ao aplicativo eu só consigo comprar os QR Codes pra andar de ônibus na região metropolitana de São Paulo pelo whatsapp. Resumo da ópera: sem whatsapp eu não tenho atendimento pra minha internet e nem ando de ônibus...

Existem formas e formas de se relacionar com o aplicativo. Existem aqueles que usam para falar com amigos e família, mas existem aqueles, assim como eu, que acabam usando pra trabalho. Eu diria que uns 90% da minha comunicação de trabalho acontece pelo whatsapp. Isso sem falar nos grupos que eu faço parte, de teatro, do terreiro de culto aos orixás, todo mundo se comunica pelo whatsapp. Isso se agrava ainda mais pelo fato de eu não ter Instagram, já que percebo que as pessoas também utilizam muito a DM dele também para conversar. No meu caso vai tudo para o whatsapp mesmo.

Até utilizo o Telegram e o Element/Matrix, mas para falar com pessoas e grupos muito específicos e que normalmente são da bolha tech/dev/linux/etc. Pra mim está fora de cogitação sair do aplicativo, a não ser que aconteça uma mudança cultural nesse sentido no país. E eu acredito que se tal mudança acontecer, provavelmente vai ser pra pior como, por exemplo, o TikTok substituindo os buscadores 🤮. E, como eu disse antes, muita gente se comunica comigo por ele, pessoas pertencentes a diferentes grupos. E o fato de eu ser um músico freelancer faz também com que a maioria dos contatos de prestação de serviços ocorra por ali.

Problemas

Vou ser sincero, quem conhece meus textos sabe que eu tenho aversão à Meta, não tenho conta pessoal nem no Facebook, nem Threads e muito menos Instagram, tenho pavor desses serviços. Dito isso, acho o Whatsapp um dos aplicativos menos problemáticos da empresa. Ele entrega um mensageiro simples, intuitivo, seguro (pelo menos assim prometem), criptografado de ponta-a-ponta. Um dos grandes problemas do whatsapp aconteceria em qualquer mensageiro privado: é um campo fértil para a extrema direita trocar mensagens e disseminar suas notícias falsas sem a curadoria de um algoritmo ou uma moderação. Só pra reforçar, esse tipo de conteúdo circula também no Telegram e no Matrix, acho difícil ter controle sobre isso, o controle implicaria em quebrar a segurança do aplicativo, então fica dificil dizer o que seria pior.

O problema mais prático pra minha vida é o excesso de mensagens. Eu morro de inveja quando vejo as pessoas no metrô que conversam só com alguns amigos e uns familiares no aplicativo. No meu é mensagem do grupo de teatro, da macumba, gente me procurando pra freela, amigos, familiares, gente me pedindo dinheiro, golpe, gente me pedindo nota fiscal, enfim... tudo junto e misturado no mesmo aplicativo. Inclusive eu adoraria que o whatsapp tivesse o recurso de setorizar os contatos e grupos, e abrisse abas diferentes pra família, trabalho e amigos, por exemplo, seria ótimo! Mas enquanto esse recurso não chega, vou explicando como vou me virando pra usar a ferramenta sem ficar soterrado no fluxo insano de mensagens.

Corro do fluxo de mensagens rápidas e curtas como o diabo foge da cruz

Eu acho que essa é a maior armadilha pra perder tempo no whatsapp: entrar no fluxo de mensagens curtas e rápidas.

oi oi tudo bem? tudo bem e vc?

Eu corro desse tipo de diálogo como o diabo foge da cruz, porque esse é o comportamento que mais faz a gente perder muito tempo no whatsapp. Quando eu percebo que alguém quer conversar comigo nesse fluxo eu simplesmente dou uma ignorada e demoro propositalmente para responder, pra não engatar o fluxo. Outra opção é dar uma resposta gigantesca pra pessoa, que também ajuda a interromper o fluxo, ou ela não vai responder, ou vai responder também com uma resposta gigantesca, que vai exigir mais tempo e reflexão, interrompendo o fluxo curto. E outra opção, quando percebo que um amigo muito próximo quer entrar nesse tipo de fluxo é ligar, tenho preferido falar com a pessoa no telefone do que ficar ali horas no chat.

Whatsapp Web

A minha forma preferida de utilizar o whatsapp é pelo computador. Utilizo um aplicativo chamado Ferdium, que é uma espécie de navegador dedicado apenas a mensageiros. Uso o Ferdium com Whatsapp, Telegram e Matrix. Eu gosto de fazer assim porque no meu caso responder whatsapp é TRABALHO, mesmo quando estou falando com amigos e família. Nem todo trabalho é remunerado, só pra citar um exemplo, limpar a própria casa é trabalho, mas não necessariamente remunerado. Então, como se trata de TRABALHO, eu gosto de fazer no computador, porque já tenho uma relação estabelecida com ele: se eu ligo o notebook é para trabalhar (inclusive eu não o uso para lazer, prefiro videogame, tv box, entre outras coisas para o entretenimento). Eu gosto dessa separação porque uma das armadilhas da vida moderna é justamente diluir essa fronteira entre o trabalho e as outras áreas da vida, e assumir essa tarefa como trabalho ajuda nessa clareza e separação, inclusive de melhores aparelhos.

No mundo ideal, eu gostaria de reservar apenas 1 hora do meu dia, sentar na frente do computador, abrir o Ferdium e responder todas as mensagens, e só voltar a ver mensagens no dia seguinte. Na prática, existem situações onde preciso ficar esperto com a chegada de uma mensagem, então acabo deixando o Ferdium ligado (com notificações) enquanto faço outras tarefas. Odeio, porque costuma tirar a concentração do que estou fazendo (principalmente a galera do fluxo rápido e curto), mas existem situações que não me dão muita opção. Inclusive a maioria das pessoas, pelo menos no Brasil, ficam com o nariz enfiado no celular o dia inteiro e subentendem que todas as outras fazem o mesmo. Ou então deixam habilitadas as infernais notificações (com som ainda pra ficar mais pavloviano) e acham que todos fazem da mesma forma. Só pra citar exemplos: eu tenho amigos que quando vão na minha casa nem chamam mais, nem tocam a campainha, avisam que chegaram pelo whatsapp, aí infelizmente eu preciso ficar meio de olho, senão nem fico sabendo que a pessoa está na frente da minha própria casa. Mas dito isso, tenho tentado separar essas situações específicas (que infelizmente estão se tornando cada vez mais frequentes) e me focado a manter o hábito de 1 hora de mensageiros por dia, e só.

Meu whatsapp oculto no celular

Eu ocultei o ícone do whatsapp no celular, porque percebi que ficava tentado a olhar várias vezes, e isso me deixava ansioso, principalmente se estava esperando a resposta de alguém. Dificultar um pouco o acesso me fez acessar o aplicativo só quando realmente preciso enviar alguma mensagem importante. Ah, e obviamente o meu whatsapp está com as notificações desabilitadas no celular, assim como a maioria dos aplicativos com poucas exceções.

Outras configurações

Eu gosto de desabilitar o download automático de mídia, porque isso faz com que a sua memória vá embora muito rápido. Eu evito ao máximo abrir as mídias no celular, justamente pra não ficar ocupando memória do aparelho (ou tendo que apagar depois pra livrar a memória). Prefiro ver todas as mídias no computador, sempre que possível.

Também deixo habilitada a opção de auto-apagar mensagens depois de um tempo, já que antes de existir essa configuração eu já fazia essa limpeza manualmente de tempos em tempos. Não gosto de usar whatsapp como nuvem ou como backup, eu não acho que ele seja muito confiável pra isso. Prefiro usar aplicativos de anotações pra guardar informações importantes, e deixar o whatsapp, telegram e cia só pra comunicação mesmo. Então essa história de grupo comigo mesmo, que um monte de gente usa, acho um convite pra você perder as suas coisas, zero confiável. Fora que quando você quiser acessar essas informações vai ter que abrir o mesmo aplicativo que vai ter um monte de mensagens pra te distrair. Enfim, sei que muita gente faz isso, mas não recomendo essa prática, de forma alguma.

Outra configuração marota que eu faço, e não sei mais viver sem é usar o Whatsapp como se fosse um email, arquivando as mensagens já lidas. Aprendi essa técnica no site do Manual do Usuário e achei uma abordagem muito boa, que deixa a caixa de entrada limpa. Como eu sou praticamente uma Marie Kondo digital, minha alma agradece, depois de passar 1 hora respondendo as pessoas de ver a caixa de entrada simplesmente VAZIA, com todas as mensagens lidas arquivadas. Qualidade de vida!!!

Por último, eu não suporto os stories do Whatsapp, se eu quisesse esse recurso estaria no Instagram. Então eu silencio manualmente, um a um, de cada contato. Um pouco trabalhoso, mas vale a pena. No Telegram, eu uso o Forkgram para desabilitar os stories, já que o aplicativo não possui essa opção nativamente.

Minha ética particular no mensageiro

Eu participo de grupos profissionais, ou relativos ao meu doutorado e coletivos que eu integro. Evito ao máximo grupos de piadas, de lazer, do bairro, da família, não estou em nada disso. Mesmo grupos de trabalho, estudo e coletivos, eu faço uma limpa de tempos em tempos nos grupos inativos.

Outra coisa, eu considero 24 horas um bom prazo para alguém responder uma mensagem. Então não cobro de ninguém, nem de mim mesmo, uma resposta antes desse prazo. Eu acho que esse prazo até poderia ser maior, mas infelizmente sabemos que o fluxo de mensagens se tornou tão rápido que demorar mais de 24 horas faz com que cheguem tantas mensagens que você corra o risco de protelar ou procrastinar demais a resposta, e é capaz que você acabe nem respondendo. Por isso acho a regra das 24 horas bem razoável, dado o contexto.

Por fim, odeio de verdade quando alguém não me responde. Acho um profundo desrespeito. Não ligo se a pessoa demorar pra responder, mas não responder eu vejo como um comportamento tóxico, independente da intenção. Enfim, uma questão minha, talvez até pra psicanálise. Mas digamos... se eu falasse com alguém na rua “bom dia” e essa pessoa não me respondesse isso seria tratado como falta de educação. Eu não entendo porque nos mensageiros, pela questão assíncrona, essa falta de resposta acabe naturalizada, normalizada, não consigo aceitar isso de maneira nenhuma. Mas, infelizmente, eu percebo que existem as pessoas que esquecem de responder (na maioria das vezes por desleixo, desorganização, desatenção ou simplesmente não dar conta), e pra elas eu evito mandar mensagens que precisam de resposta (até pra evitar meu próprio sofrimento) e tenho preferido ligar direto.

Conclusão

Eu odeio ter que depender do Whatsapp, mas moro num país onde 98% da população usa essa ferramenta. Até entendo que tem gente que consegue ficar sem usar, convence os contatos mais próximos a migrar pro Telegram, Signal, XMPP, Matrix, sei lá...

Eu mesmo já fui a pessoa que ficava convencendo geral a usar o Telegram, mas depois desse episódio aqui eu simplesmente perdi a coragem de cobrar isso de alguém.

Na minha dinâmica de vida, onde me relaciono com muitas, muitas (muitas mesmo) pessoas, levar todo mundo pro Matrix, XMPP, Signal ou pro raio que o parta torna-se praticamente inviável. Ceder faz parte de guerrear. Dentro dessa dinâmica possível, tenho tentado, às vezes com maior ou menor sucesso, fazer um uso mais saudável da plataforma, evitando ao máximo perder o meu tempo de vida precioso nela, minutos valiosos que eu poderia usar cozinhando, brincando com meus cachorros, encontrando amigos pessoalmente, dando uma volta na praça, lendo um bom livro, bom... você entendeu.

 
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from Ideias de Chirico

Imagem: Kris De Decker utilizando um de seus IBM Thinkpad, enquanto o recarrega através de seu projeto de captação de energia fotovoltaica.

Disclaimer: Minha nova ideia de Chirico foi traduzir um texto que já há algum tempo me encanta. Trata-se de “How and Why I Stopped Buying New Laptops”, do inventor belga — agora residente da Espanha —, militante ambientalista, anarquista, jornalista e escritor Kris De Decker.

Publicado em seu blogue Low-tech Magazine (LTM) ― hospedado em servidor do próprio autor e alimentado por energia solar ―, esse texto me fascina tanto pelas ideias antiestablishment sobre a tecnologia (para mim então inéditas), quanto pela forma clara de escrita, próprio de um autor acadêmico, sim, mas capaz de escrever numa linguagem acessível para o grande público.

Com traduções em francês, alemão, neerlandês, espanhol e polonês, notei que o texto não tinha ainda uma tradução em português, nem em seu site, nem em outro pela internet, deixando o texto fora dos meios lusófonos.

Procurei manter nesta tradução a organização e formatação textuais originais do texto de Decker, além de suas imagens. Também mantive os hyperlinks originais que, por na maioria das vezes direcionarem o leitor às outras publicações do LTM, abrem páginas em inglês. Além disso, também fiz uma conversão simples de euro para real, considerando somente a cotação atual, para que os leitores brasileiros tenham uma ideia básica do que Decker gastou em cada compra.

Espero que gostem de ler esta que talvez seja uma das melhores expressões da resistência contemporânea à obsolescência programada.

Como e por que parei de comprar novos notebooks

Publicado por Kris De Decker em 20 de dezembro de 2020. Tradução em português por Arlon de Serra Grande.

Como um jornalista freelancer ― ou um trabalhador de escritório, como queira ―, sempre acreditei que eu deveria comprar regularmente um novo notebook. Mas máquinas antigas oferecem mais qualidade por menos dinheiro

Imagem: Low-tech Magazine agora é escrito e publicado em um ThinkPad X60s dos anos 2006.

Enquanto jornalista independente ― ou trabalhador de escritório, como queira ― sempre pensei que eu precisava de um computador decente e que eu devia pagar por qualidade. Entre 2000 e 2017, usei três notebooks que comprei novos e que me custaram em torno de 5 mil euros (23 mil reais) ao todo ― mais ou menos 300 euros (1,5 mil reais) por ano durante todo o período. A média de vida útil dos meus três notebooks foi de 5,7 anos.

Em 2017, em algum momento ao conseguir meu escritório, decidi não mais comprar notebooks novos. Em vez disso, fiquei com uma máquina de segunda-mão dos anos 2006 que comprei pela internet por 50 euros (265 reais) e que faz tudo que quero e necessito. Incluindo uma nova bateria e um aprimoramento simples em hardware, investi menos do que 150 euros (795 reais).

Se meu notebook de 2006 durar tanto quanto minhas outras máquinas ― se ainda rodar por pouco mais de um ano e meio ― ele me custará só 26 euros (138 reais) ao ano. Isso é menos do que 1/10 do que custou meus notebooks anteriores. Neste artigo, explicarei meus motivos de não comprar mais notebooks novos, e como você poderia fazer o mesmo.

Uso de energia e materiais de um notebook

Não comprar notebooks novos economiza um bom dinheiro, mas também muitos recursos, e evita a destruição do meio-ambiente. De acordo com a mais recente análise do ciclo de vida, leva-se de 3 101 a 4 340 megajoules de energia primária para se produzir um notebook ― isso inclui a extração de materiais, a fabricação da máquina, e o frete até o mercado¹.

A cada ano, compramos entre 160 e 200 milhões notebooks. Usando os dados acima, isso significa que a produção de notebooks requer um consumo anual de energia de 480 a 868 petajoules, o que corresponde entre um quarto e quase a metade de toda a energia solar fotovoltaica produzida mundialmente em 2018 (2023 petajoules)². A fabricação de um notebook também envolve o alto consumo de materiais, que inclui uma ampla variedade de materiais que podem ser consideradas escassas devido a diferentes tipos de restrições: econômica, social, geoquímica e geopolítica³ ⁴.

A produção de microchips é um processo de uso intensivo de energia e de materiais, mas este não é o único problema. O alto uso de recursos dos notebooks ocorre também porque eles têm uma vida útil muito curta. A maior parte dos 160 a 200 milhões de notebooks vendidos a cada ano são compras para substituição. O notebook médio é substituído a cada três anos (em empresas) ou até cinco anos (em outros ambientes)³. Minha experiência de 5,7 anos para cada notebook não é excepcional.

Notebooks não mudam

O estudo acima citado é de 2011, e refere-se a uma máquina fabricada em 2001: um Dell Inspiron 2500. É compreensível que você pense que “o mais recente estudo de ciclo de vida de um notebook” está datado, mas não está. Um artigo científico de 2015 descobriu que a energia incorporada dos notebooks foi constante durante o tempo⁵.

Os pesquisadores desmontaram 11 notebooks de tamanho similar, produzidos entre 1999 e 2008, e pesaram seus diversos componentes. Além disso, mediram a área de matriz de silício de todas as placas-mãe e 30 cartões de memória DRAM produzidas mais ou menos no mesmo período (até 2011). Eles descubriram que a massa e o material de composição de todos os componentes principais ― bateria, placa-mãe, disco-rígido, memória ― não mudaram significativamente, ainda que os processos de produção tornaram-se mais eficientes no uso de energia e material.

A razão é simples: melhorias em funcionalidade equilibram os ganhos em eficiência obtidos no processo de produção. As massas da bateria, memória, e do disco-rígido decaíram por unidade de funcionalidade, mas apresentaram totais constantes por ano. A mesma dinâmica explica porque notebooks novos não apresentam consumo de eletricidade operacional menor comparados a notebooks mais antigos. Novos notebooks podem ter maior eficiência energética por potência computacional, mas esses ganhos são compensados com uma maior potência computacional. Não há lugar em que o paradoxo de Jevons seja tão evidente quanto na informática.

O desafio

Tudo isso significa que não há benefício ambiental ou financeiro qualquer que seja em substituir um notebook velho por um novo. Ao contrário, a única coisa que o consumidor pode fazer para melhorar a sustentabilidade ecológica e econômica de seu notebook é usá-lo o máximo possível. Isso é facilitado pelo fato de que os notebooks são agora tecnologicamente maduros e têm mais do que suficiente energia computacional. Há um problema, entretanto. Consumidores que tentam manter-se trabalhando em seus velhos notebooks tendem a acabar se frustrando. Vou explicar brevemente minhas frustrações abaixo, e estou bem convencido de que eles não são excepcionais.

Imagem: os três notebooks que usei entre 2000 e 2017.

Meu primeiro notebook: Apple iBook (2000-2005)

Em 2000, quando eu trabalhava como jornalista freelance de ciência e tecnologia na Bélgica, comprei meu primeiro notebook, um Apple iBook. Pouco mais do que dois ou três anos depois, meu carregador começou a dar problemas. Quando soube do preço de um novo carregador, tomei tanto desgosto pela prática de vendas da Apple ― carregadores são bem baratos de se produzir, mas a Apple os vende muito caros ―, que me recusei a comprar. Em vez disso, procurei manter o carregador funcionando por mais alguns anos, primeiro pondo-o debaixo do peso de livros e móveis, e, quando parou de funcionar, apertando-o firmemente com uma abraçadeira.

Meu segundo notebook: IBM Thinkpad R52 (2005-2013)

Quando meu carregador finalmente morreu de vez em 2005, decidi procurar por um novo notebook. Eu tinha só uma exigência: que ele deveria ter um carregador que durasse ou cuja troca ao menos fosse barata. Encontrei mais do que estava procurando. Comprei um IBM Thinkpad R52, e foi amor ao primeiro uso. Meu notebook IBM era a contrapartida do Apple iBook, não apenas em termos de design (uma caixa retangular disponível em todas as cores, desde que seja preto). Mais importante ainda, toda a máquina foi feita para durar, feita para ser segura e feita para ser reparável.

Produtos circulares e modulares estão em alta hoje em dia, sua vida útil poderia ser estendida intermitentemente por reparo e substituição graduais de cada parte da qual ele é constituído. A questão não é como a gente pode evoluir para uma economia circular, mas sim por que a gente continua a evoluir distante dela.


A questão não é como a gente pode evoluir para uma economia circular, mas sim por que a gente continua a evoluir distante dela.


Meu Thinkpad foi mais caro do que meu iBook, mas ao menos não investi todo o dinheiro em um design bonitinho mas sim em um computador decente. O carregador não deu problemas, e, quando o perdi durante uma viagem e tive de comprar um novo, pude adquirir por um preço justo. Pouco sabia que minha compra feliz viria a ser uma experiência única na vida.

Imagem: O IBM ThinkPad R52, de 2005.

Meu terceiro notebook: Lenovo Thinkpad T430 (2013-2017)

Corta para 2013. Agora moro na Espanha e mantenho o Low-tech Magazine. Ainda trabalho com o meu IBM Thinkpad R52, mas há alguns problemas à vista. Primeiro de tudo, a Microsoft vai em breve me forçar a atualizar meu sistema operacional, já que o suporte para Windows XP encerrará em 2014. Não estou a fim de gastar alguns centos de euros em um novo sistema operacional que, de qualquer modo, poderia demandar demais do meu velho notebook. Além disso, o notebook tem ficado um pouco lerdo, mesmo depois dele ter sido restaurado à sua configuração de fábrica. Em resumo, caí na cilada que as indústrias de hardware e software nos montaram e cometi o erro de pensar que eu precisava de um novo notebook.

Estando tão afeito ao meu Thinkpad, nada mais lógico do que adquirir um novo. Eis o problema: em 2005, pouco depois de eu ter comprado meu Thinkpad, a Lenovo, uma fábrica chinesa que agora é a maior produtora de computadores do mundo, comprou o negócio de computadores pessoais da IBM. Companhias chinesas não têm reputação em fazer produtos com qualidade, não especificamente naquele tempo. De qualquer modo, visto que a Lenovo seguia vendendo Thinkpads que pareciam quase idênticos aos fabricados pela IBM, decidi tentar a sorte e comprar um Lenovo Thinkpad T430 em abril de 2013. A um preço exorbitante, mas considerei que por qualidade se paga.

Meu erro estava claro desde o início. Tive de devolver o notebook novo de volta duas vezes porque a carcaça estava deformada. Quando finalmente consegui um que não ficava em falso sobre minha mesa, rapidamente me deparei com outro problema: as teclas começaram a quebrar. Ainda consigo lembrar da minha incredulidade quando isso aconteceu pela primeira vez. O Thinkpad da IBM é conhecido por seu teclado robusto. Se você quer quebrá-lo, precisa de um martelo. Lenovo obviamente não achou isso tão importante e sutilmente substituiu o teclado por um inferior. Veja, até posso digitar agressivamente, mas nunca quebrei nenhum outro teclado.

Aborrecido, pedi a substituição da tecla por 15 euros (80 reais). Meses depois disso, a substituição de teclas tornou-se um custo recorrente. Depois de gastar mais de 100 euros (530 reais) em teclas de plástico, que em breve poderiam se quebrar outra vez, calculei que meu teclado tinha 90 teclas e que substituí-las todas duma só vez me custaria 1350 euros (7155 reais). Parei de usar o teclado por completo, temporariamente tendo a solução em um teclado externo. De qualquer modo, isso era antiprático, especialmente para trabalhar fora de casa ― e por que mais eu iria querer um notebook?

Já não havia mais retorno: eu precisava de um novo notebook. Outra vez. Mas qual? Com certeza não poderia ser algum feito pela Lenovo ou Apple.

Imagem: substituir todas as teclas do meu Lenovo T430 teria me custado 1350 euros (7350 reais).

Meu quarto notebook: IBM Thinkpad X60s (2017-atualmente)

Não encontrando o que eu procurava, decidi voltar no tempo. Àquela altura, ficou claro que notebooks novos têm uma qualidade inferior se comparadas aos velhos, mesmo que carreguem etiquetas com preços mais altos. Soube que a Lenovo trocou os teclados por volta de 2011 e comecei a pesquisar sites de leilões de Thinkpads fabricados antes desse ano. Eu poderia voltar ao meu Thinkpad R52 de 2005, mas por ora, estava acostumado ao teclado espanhol, e o R52 tinha o bélgico.

Em abril de 2017, fiquei com um Thinkpad X60s usado, do ano 2006. A partir de dezembro de 2020, a máquina estará em operação por quase 4 anos e tem 14 anos ― de três a cinco vezes mais longevo do que um notebook médio. Se eu amei o meu Thinkpad R52 de 2005, sou doido pelo meu Thinkpad X60s de 2006. Ele é tão robusto quanto ― já sobreviveu a uma queda de uma mesa até um chão de concreto ― mas é ainda menor e também mais leve: 1,42 kg vs. 3,2 kg.

Meu Thinkpad X60s faz tudo o que quero que ele faça. Uso-o para escrever artigos, pesquisar, e manter sites. Tenho o utilizado também para dar palestras em auditórios, projetando imagens em uma tela grande. Só há uma única coisa que faz falta no meu notebook, especialmente hoje em dia, que é uma webcam. Resolvo isso ligando o maldito notebook de 2013 com as teclas quebradas sempre que necessito, feliz por dar-lhe um uso que não envolva o teclado. Isso poderia também ter sido resolvido mudando para um Thinkpad X200 de 2008, que é uma versão mais recente do mesmo modelo, mas com uma webcam.

Imagem: Meu Thinkpad X60s.

Como fazer um notebook velho rodar como se fosse novo

Nunca mais comprar notebooks novos não é tão simples quanto comprar um notebook usado. É recomendável que se aprimore o hardware, e é essencial que se reduza a versão de software. Eis duas coisas que você precisa fazer:

1. Usar software de abaixo consumo energético

Em meu computador roda Linux Lite, um dos vários sistemas operacionais de código aberto programados especialmente para funcionar em computadores antigos. O uso de um sistema operacional Linux não é mera sugestão. Não tem condições de você reviver um notebook velho se você se agarra a sistemas operacionais da Microsoft Windows ou da Apple, porque a máquina instantaneamente trava. Linux Lite não tem os efeitos visuais exuberantes das mais novas interfaces da Apple e da Windows, mas tem uma interface gráfica familiar e parece qualquer coisa que não obsoleta. Ele toma muito pouco espaço do disco rígido e demanda menos poder operacional. O resultado é que um notebook velho, independente de suas especificações, roda tranquilamente. Também uso navegadores leves: Vivaldi e Midori.

Tendo usado Microsoft Windows por tanto tempo, achei que sistemas operacionais Linux são notavelmente melhores, ainda mais porque são livres para serem baixados e instalados. Além do mais, sistemas operacionais Linux não roubam seus dados pessoais e não tentam lhe prender neles, que nem fazem os mais recentes sistemas operacionais tanto da Windows quanto da Apple. Dito isso, mesmo com Linux, a obsolescência não pode ser desconsiderada. Por exemplo, Linux Lite vai parar de dar suporte para máquinas de 32-bits em 2021, o que significa que em breve terei de procurar por um sistema operacional alternativo, ou comprar um notebook de 64-bits um pouco mais novo.

2. Trocar a unidade de disco rígido (HDD) por uma unidade de estado sólido (SSD)

Nos últimos anos, as unidades de estado sólido (SSD) ficaram disponíveis e adquiríveis, e são bem mais rápidas do que as de disco rígido (HDD). Embora você possa reviver um velho notebook simplesmente passando para um sistema operacional mais leve, se você também trocar a unidade de disco rígido por uma de estado sólido, você também terá uma máquina que é tão rápida quanto um notebook novo em folha. Dependendo da capacidade que você queira, um SSD custará a você entre 20 euros (106 reais) por 120 GB, e 100 euros (530 reais) por 960 GB.

A instalação é bastante prática e está bem documentada pela internet. Unidades de estado sólido rodam silenciosamente e têm uma resistência maior a impactos físicos, mas eles têm uma expectativa de vida mais curta do que as unidades de disco rígido. A minha tem funcionado por quase quatro anos. Me parece que, tanto do ponto de vista ambiental quanto do financeiro, um notebook velho com um SSD é uma escolha muito melhor do que comprar um notebook novo, mesmo que, vez ou outra, a unidade de estado sólido precise ser trocada.

Notebooks reservas

Nesse meio-tempo, minha estratégia tem mudado. Comprei dois modelos idênticos por um preço similar, em 2018 e no início de 2020, para usar como notebooks reservas. Agora planejo me manter trabalhando com essas máquinas por quanto tempo for possível, tendo mais do que o suficiente de peças reservas disponíveis. Desde que comprei o notebook, ele teve dois problemas técnicos. Depois de cerca de um ano de uso, a ventoinha morreu. Tive o conserto com entrega imediata em uma lojinha bagunçada de informática mantida por um chinês em Antwerp, na Bélgica. Ele me falou que minha ventoinha consertada poderia rodar por mais seis meses, mas ela tem funcionado mais de dois anos depois.

Daí, no último ano, meu X60s de repente parou de carregar sua bateria, um defeito que também surgiu no meu notebook desgraçado de 2013. Esse parece ser um problema comum com Thinkpads, mas que ainda não pude resolver. Nem precisaria, já que tenho um notebook reserva pronto, que comecei a usar sempre que preciso ou quero trabalhar fora de casa.

Imagem: três notebooks idênticos do ano de 2006, todas em funcionamente, por menos de 200 euros (1060 reais).

Imagem: Interior do Thinkpad X60s. Fonte: Manual de Manutenção de Hardware

O mágico cartão de memória SD

Agora, deixe-me lhe apresentar ao meu mágico cartão de memória SD, que é outro aprimoramento de hardware que facilita o uso de notebooks velhos (mas também novos). Muitas pessoas têm seus documentos pessais armazenados em seus discos rígidos e logo fazem becapes em um dispositivo de mídia externo se está tudo certo. Faço isso ao contrário.

Tenho todos os meus dados em um cartão de memória de 128 GB, que posso plugar em qualquer um dos Thinkpads que possuo. Então faço becapes mensais do cartão, que eu guardo em um dispositivo de armazenamento externo, bem como becapes regulares de documentos nos quais estou trabalhando, que eu temporariamente guardo na memória do computador em que estou trabalhando. Isso tem se provado bem confiável, ao menos para mim: parei de perder trabalho por conta de problemas computacionais e becapes insuficientes.

Outra vantagem é que posso trabalhar no computador que eu quiser e que não dependo de uma máquina em particular para acessar meu trabalho. Você pode ter vantagens similares ao manter todos os seus dados em uma nuvem, mas cartão de memória é a opção mais sustentável, e funciona sem acesso à internet.

Hipoteticamente, eu poderia ter dois erros de disco rígido no mesmo dia e me manter trabalhando como se nada tivesse acontecido. Uma vez que uso alternadamente dois notebooks – um com bateria, outro sem – posso também deixá-los em diferentes localidades e rodar por entre esses cantos enquanto carrego somente o meu cartão na minha carteira. Tente isso com seu notebook novinho e caro. Posso também usar meus notebooks juntos se preciso de uma tela extra.

Em combinação com uma unidade de disco rígido, o cartão SD também melhora a performance de um notebook velho e pode ser uma alternativa à instalação de uma unidade de estado sólido. Meu notebook reserva não tem um e ele pode ficar lerdo ao navegar por sites pesados. De qualquer modo, graças ao cartão SD, abrir um mapa ou um documento acontece quase instantaneamente, assim como rolar por um documento ou salvá-lo. O cartão SD também mantém o disco rígido rodando tranquilamente, já que está em geral vazio. Eu não sei o quão prático é usar um cartão SD em outros notebooks, mas todos os meus Thinkpads têm um eslote para isso.

Os custos

Façamos um cálculo de custo completo, incluindo o investimento em notebooks reservas e cartões de memória, e os preços usuais tanto para unidades de estado sólido quanto para cartões de memória, que se tornaram ainda mais baratos desde que os comprei:

• ThinkPad X60s: 50 euros (265 reais) • Notebook reserva ThinkPad X60s: 60 euros (318 reais) • Notebook reserva ThinkPad X60: 75 euros (397,5 reais) • Duas trocas de bateria: 50 euros (265 reais) • Unidade de estado sólido (SSD) de 240 GB: 30 euros (159 reais) • Cartão de memória SD de 128 GB: 20 euros (106 reais) • Total: 285 euros (1510,5 reais)

Mesmo se você comprar tudo isso, gastará somente 285 euros. Por esse preço, você talvez possa comprar o computador novo mais capenga do mercado, mas isso certamente não te propiciará dois notebooks reservas. Se você planeja seguir trabalhando com esse arranjo por dez anos, seu notebook poderia custar 28.5 euros (151 reais) ao ano. Você talvez precise trocar algumas unidades de estado sólido e cartões de memória, mas isso não fará muita diferença. Além disso, você evita o dano ecológico que é causado pela produção de novos notebooks a cada 5,7 anos. As necessidades do meu notebook estão atendidas por um futuro previsto.

As necessidades do meu notebook estão atendidas por um futuro previsto.

Não exagere

Ainda que eu tenha usado meu Thinkpad X60s como exemplo, a mesma estratégia funcionaria com outros modelos de Thinkpad ― aqui há um panorama de todos os modelos históricos ― e notebooks de outras marcas (das quais não sei nada a respeito). Se você preferir não comprar em sites de leilão, pode ir à loja de usados mais próxima e arrumar um notebook de segunda mão com uma garantia. É provável que você não precise sequer comprar um, já que tem muita gente com notebooks velhos por aí.

Não há necessidade de voltar para uma máquina de 2006. Espero que esteja claro que estou tentando traçar um argumento aqui, e provavelmente fiquei bem atrás de onde se pode manter as coisas práticas. Minha primeira tentativa foi um Thinkpad X30 de 2002, mas ela foi um passo muito distante. Ele tem um tipo diferente de carregador, não tem eslote para cartão de memória, e eu não poderia manter a conexão de internet sem fio funcionando. Para muitas pessoas, talvez seja melhor escolher um notebook um pouco mais recente. Isso lhe proporcionaria uma webcam e uma arquitetura de 64-bits, o que torna as coisas mais fáceis. Claro, você também pode me superar e voltar aos anos 1990, mas aí você teria que se virar sem portas USB e internet sem fio.

A escolha de seu notebook também depende daquilo que você quer fazer com ele. Se você o usa sobretudo para escrever, navegar, se comunicar e se entreter, pode fazer o mesmo que fiz pelo mesmo preço baixo. Se você trabalha com visual ou audiovisual, fica mais complicado, porque neste caso você provavelmente seja um usuário de Apple. A mesma estratégia poderia funcionar em um notebook um pouco mais recente e mais caro, mas eu sugeriria a mudança de um Mac para um sistema operacional Linux. Quanto a aplicações para escritório, Linux é evidentemente melhor do que as alternativas comerciais. Por falta de experiência, não posso lhe relatar se o mesmo vale para outros softwares.

Isso é um truque, não um novo modelo econômico

Embora o capitalismo possa nos oferecer notebooks usados por décadas a fio, a estratégia descrita acima deve ser vista como um truque, não como um modelo econômico. É um modo de lidar ou de escapar de um sistema econômico que tenta forçar você e eu a consumir o máximo possível. É uma tentativa de romper esse sistema, mas não é uma solução em si mesma. Precisamos de um outro modelo econômico, no qual possamos fabricar todos os notebooks como os Thinkpad pré-2011. Como consequência, a venda de notebooks cairia, mas é especificamente disso que precisamos. Além disso, com a eficiência computacional de hoje, poderíamos reduzir significativamente o uso de energia operacional material de um laptop se revertermos a tendência de uma funcionalidade cada vez maior.

Claramente, mudanças em hardware e software levam a uma rápida obsolescência de computadores, mas o segundo tem sido o fator mais crucial. Um computador de 15 anos tem tudo de hardware que você precisa, mas não é compatível com o software (comercial) mais recente. Isso é verdade para sistemas operacionais e todo tipo de software, desde jogos, passando por aplicações para escritório, até sites. Consequentemente, para tornar o uso de notebooks mais sustentável, a indústria de software deveria começar a fazer cada nova versão de seus produtos mais leves em vez de mais pesados. Quanto mais leve for o software, mais duradouros serão nossos notebooks, e de menos energia precisaremos para usá-los e produzi-los.

Imagens: Jordi Manrique Corominas, Adriana Parra, Roel Roscam Abbing


  1. Deng, Liqiu, Callie W. Babbitt, and Eric D. Williams. “Economic-balance hybrid LCA extended with uncertainty analysis: case study of a laptop computer.” Journal of Cleaner Production 19.11 (2011): 1198-1206. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0959652611000801
  2. International Renewable Energy Agency (IRENA). https://www.irena.org/solar
  3. André, Hampus, Maria Ljunggren Söderman, and Anders Nordelöf. “Resource and environmental impacts of using second-hand laptop computers: A case study of commercial reuse.” Waste Management 88 (2019): 268-279. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0956053X19301825
  4. Kasulaitis, Barbara V., et al. “Evolving materials, attributes, and functionality in consumer electronics: Case study of laptop computers.” Resources, conservation and recycling 100 (2015): 1-10. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0921344915000683
  5. Kasulaitis, Barbara V., et al. “Evolving materials, attributes, and functionality in consumer electronics: Case study of laptop computers.” Resources, conservation and recycling 100 (2015): 1-10. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0921344915000683 

#tecnologia


 
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from Felipe Siles

Introdução

Ao contrário do que se espera do estereótipo de uma pessoa de esquerda, artista, anarquista, contra-colonialista, tenho muito interesse em métodos de organização e produtividade, sempre foram assuntos que me interessaram bastante. Mas diferente do estereótipo do “farialimer”, meu interesse nesse material não é de produzir mais, mas de ter mais qualidade de vida e otimizar meu trabalho, justamente para ter mais horas de lazer e descanso. Foi nessa que o Bullet Journal acabou entrando no meu radar, e resolvi dar uma chance para testar porque estava muito insatisfeito com a forma como eu gerenciava as minhas tarefas. Já tinha testado diversos aplicativos para celular (entre eles o divertido Habitica), post-its, lousa, grupo comigo mesmo no Telegram, mas enfim... nada que trouxesse um resultado satisfatório.

O Bullet Journal

Pra quem não está familiarizado, Bullet Journal é uma metodologia de registros em caderno físico, criada por Ryder Carrol e desenvolvido e aperfeiçoado pela comunidade entusiasta no assunto. Chama a atenção a versatilidade e possibilidades de customização do modelo, diferente das velhas agendas, onde não podemos editar suas seções, pelo menos não se for uma agenda física; além da simplicidade na necessidade material, um caderno simples e um lápis já são suficientes para começar.

Comprei o livro do Ryder Carrol, O método Bullet Journal, e aprendi a metodologia. Confesso que não gostei muito do livro, achei que tem um tom de auto-ajuda que me irritou em alguns momentos, e tem muita “encheção de linguiça” (escrevi uma pequena resenha na Velha Estante sobre), é o famoso livro que poderia ser um post de um blog. Resumidamente, o primeiro capítulo do livro já é suficiente para aprender o método.

Se você quer apenas aprender o método e começar, acho desnecessário adquirir o livro, penso que um tutorial, como o que encontrei no WikiHow é suficiente. Agora, se você quer compreender melhor o contexto que o autor criou o método (que é interessante), e está com paciência ou gosta de livros auto-ajuda, manda ver, leia o livro.

Meu caderno

Comprei um caderno pequeno, no estilo Molesquine, mas de uma marca com preço mais acessível (Cícero), com capa de papel craft. Comprei o caderno pontilhado, que é o recomendado para bullet journal, embora não seja obrigatório. Nunca curti cadernos pautados (a não ser que a pauta seja musical), já comprava cadernos sem pauta antes, e encarei o desafio de escrever no pontilhado, no começo tive um pouco de dificuldade, mas me adaptei rápido. E o caderno pontilhado realmente ajuda bastante a desenhar quadros, tabelas, gráficos, bem legal, eu recomendo!

Comprei um caderno de 96 folhas e já estou percebendo que não vai durar o ano inteiro, no meio do processo com certeza precisarei comprar outro, ou outros, mas tudo bem, faz parte. Acredito que esse caderno vai ser suficiente para o primeiro semestre. Gosto de fazer as anotações com lapiseira (lápis eu gosto mais de usar para desenho, não escrita), não gosto muito de caderno cheio de rasuras, prefiro usar a borracha.

Rotina

Uma coisa que me impressionou é como a rotina do Bullet Journal foi incorporada na minha rotina com rapidez e naturalidade. Talvez isso tenha acontecido porque eu sempre fui de fazer muitas anotações. Mas anotava algumas coisas num post-it, outras num caderninho, outras num aplicativo, e, quando precisava, nunca encontrava onde estava alguma anotação específica.

Esse, por enquanto, tem sido o maior benefício do bullet journal pra mim: concentrar todas as anotações em um lugar só. Eu anoto tudo nele: tarefas, registros, hábitos alimentares, nomes de pessoas que não quero esquecer, pautas de reunião, anotações de palestras e cursos, etc. A única coisa que anoto num caderno à parte são as transações financeiras, tenho um livro caixa exclusivo para isso.

Uma coisa que me fez perceber como o hábito de fazer registros no bullet journal se estabeleceu de maneira muito forte na minha rotina foi numa viagem curta de trabalho que esqueci de levá-lo. Em vários momentos eu sentia vontade de fazer registros no caderno, mas ele não estava lá. Acabei fazendo quando cheguei de viagem e, desde então, levo ele pra todo lado, mesmo em viagens mais curtas.

Minhas adaptações e customizações

Eu segui à risca as orientações do livro de quantas páginas devo deixar para índice, registro futuro, etc. Mas, passados dois meses, tenho a impressão de que não vou fazer assim tantos registros futuros e marcar tantas coisas assim no índice. O registro futuro e registro mensal pra mim não funcionaram tão bem, porque eu já possuo o hábito bem estabelecido de utilizar aplicativo de agenda. Acredito que se um dia eu abandonar o aplicativo pode ser que eu acabe usando mais esses registros, mas no momento eu não vejo muito porque desfazer um hábito que já está estabelecido e funciona. Estou pensando de, talvez, num próximo caderno deixar apenas uma página para índice, uma página para coleções, duas páginas para registro anual e duas páginas para registro futuro, acredito que para o meu uso é o suficiente.

Até o momento criei três coleções: rotina, hábitos alimentares e calendário Osé Ifá (da minha religião, o culto tradicional aos orixás). Como a minha doutrina religiosa segue um calendário da cultura iorubá, onde a semana possui apenas quatro dias, eu tenho feito no registro diário: a data numérica, o dia da semana e o dia da semana do calendário iorubá. Tem sido muito útil para fazer meus rituais nos dias certos.

Sobre as legendas, eu tenho utilizado basicamente quatro categorias de registros. Utilizo o tópico para registros comuns, as caixinhas para tarefas, horário para registros cronológicos e quadros para coisas mais específicas, como por exemplo: pauta de uma reunião, anotações que fiz em uma palestra, etc.

O meu problema original: gerenciamento de tarefas

Registro todas as tarefas no dia em que a demanda aparece, com uma caixinha. Quando cumpro a tarefa, risco o texto (assim) e dou uma ticada na caixinha ☑️. Quando a tarefa é adiada, risco o texto e coloco na frente dele uma seta ➡️ indicando que farei aquilo mais pra frente. E quando a tarefa é cancelada marco com a caixinha com um ❎, e também risco o texto. Riscar o texto é bem importante pra mim, dá uma boa sensação de que aquela questão foi resolvida ou pelo menos encaminhada. E além dessa marcação na tarefa originalmente escrita, também coloco no dia do cumprimento da tarefa um registro de que ela foi cumprida.

Toda vez que tenho tempo livre para resolução de tarefas vou foleando meu caderno em busca de caixinhas vazias. Quando algumas tarefas já começam a ficar muito para trás no caderno, ou quando elas estão muito espalhadas, gosto de reorganizar a lista e concentrar todas numa página só. Até agora, em dois meses de uso, só precisei utilizar esse recurso uma única vez.

Além disso, criei uma ordem de prioridades de 1 a 4 para as tarefas, de acordo com a sua natureza. Tarefas relativas ao doutorado são prioridade 1, relativas aos meus freelas são prioridade 2, relativas aos coletivos que faço parte são prioridade 3 e todas as outras são prioridade 4. Coloco sempre (que lembro) o número da prioridade na frente da descrição da tarefa. Quando a tarefa tem prazo, coloco a data também.

Conclusão

De tudo que já testei em termos de gerenciamento de tarefas, o bullet journal foi o método que mais me agradou e tem funcionado bem. Quando utilizava aplicativos eu percebia que conforme as tarefas acumulavam eu ia deixando de abrir o aplicativo, grupo de Telegram, idem. Também tive alguns problemas com os aplicativos na questão de colocar data nas tarefas, muitos deles apresentavam alguns bugs, principalmente quando você trabalha no formato CalDav. A lousa e o post-it tinham o problema de não visualizar as tarefas já cumpridas, e também o fato de que também é possível ignorá-los, transformá-los em paisagem.

Já o caderno, como tem a questão dos registros diários, meio que não tem como ignorar, se você estabelecer bem o hábito, você vai lidar com ele todos os dias, e as tarefas estarão ali. Nesse sentido, acho bem importante as tarefas serem misturadas com o diário, se houvesse uma sessão só com tarefas eu provavelmente a evitaria, como evitava abrir os aplicativos.

Além disso, como já foi dito anteriormente, o bullet journal me ajudou a concentrar todas (ou quase todas) as anotações em um lugar apenas. Inclusive, o caderno aliado ao aplicativo de agenda funciona muito bem. Por exemplo, eu quero achar as anotações que fiz em uma reunião: vou até o calendário, olho a data da reunião, vou até essa data no caderno e vejo todos os registros do dia, excelente!

A única parte que ainda não me adaptei é a questão de registros futuros e de registrar os compromissos no caderno, já que o hábito de utilizar aplicativo de calendário já está estabelecido. Mas eu percebi uma leve mudança já, agora estou anotando no aplicativo de agenda apenas compromissos esporádicos, já não estou mais anotando os compromissos rotineiros, esses tenho preferido registar no caderno. Quem sabe um dia eu acabe abandonando o aplicativo de calendário, veremos...

 
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from Resenha Cibernética

Bits, Dits, Sits

Bits: entropia informacional (incerteza) de Shannon medida quantitativamente por códigos sintáticos.

Dits: informação semântica (distintiva). Medida por signos em grandezas quantitativa e qualitativa. Constituídas por linguagens.

Sits: informação situacional ou referencial. Medida de sentido em grandezas apenas qualitativas (virtuais). Composta por sistemas de sentido (sociais).

 
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from Resenha Cibernética

IA e a explosão de conteúdo

Na era das mídias de difusão, havia poucos produtores de conteúdo e muitos receptores.

Com as redes sociais, todo receptor se tornou também um emissor. Houve então uma explosão na produção de conteúdo. Mas não houve um aumento na recepção. Ela continuou de tamanho comparativamente semelhante.

O resultado foi um aumento na oferta de conteúdo sem o mesmo aumento de demanda (atenção). Isso causou uma redução no valor da produção de conteúdo.

Aí entraram os algoritmos. Estes provocam uma redução na oferta, selecionando o “conteúdo relevante” para a recepção. A razão disso foi para elevar o preço do conteúdo. Usuários passaram a pagar para “turbinar” seu conteúdo.

Ao mesmo tempo, entrou conteúdo “redundante”, isto é, conteúdo de marketing. É esse conteúdo que efetivamente interessava às redes sociais.

Basicamente com as IA generativas aumenta ainda mais a oferta de conteúdo. Mas a demanda de recepção permanece basicamente inalterada.

Isso indica uma tendência à “superprodução” de conteúdo e a redução de seu valor global. Segundo a teoria do valor trabalho, o preço do conteúdo informativo tende a zero.

Veremos então um acirramento do uso de algoritmos para reduzir o alcance do conteúdo. Algoritmos servirão como uma represa para impedir o escoamento do conteúdo.

Veremos até que ponto o “transbordo” da geração de conteúdo irá efetivamente mudar as condições de produção do “intelecto coletivo”.

 
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from Resenha Cibernética

O problema do liberalismo

Se alguém se considera “liberal”, tudo bem. O único problema é que cedo ou tarde irá cair em inconsistências e aporias.

O liberalismo se baseia no princípio de que o indivíduo vem primeiro do que a sociedade. Ou seja, a sociedade é feita da reunião de indivíduos.

Alguns liberais mais radicais, ditos “neoliberais” chegam mesmo a dizer que a “sociedade não existe, existem indivíduos e famílias”. Mas a contradição já chega aí, ao aceitar que a sociedade é no máximo uma “grande família”. Aliás, curiosamente se pode dizer que nenhuma organização tolhe mais o indivíduo do que justamente a família.

Mas fiquemos com os liberais mais moderados que toleram a existência da sociedade. Para explicar a formação desta a partir dos indivíduos que a precedem eles recorrem à tese contratualista: a sociedade nasce do contrato livre entre indivíduos.

Em geral, esses indivíduos que criam o contrato social são geralmente do sexo masculino. Não se sabe onde estavam as mulheres nesse momento de assinar o contrato social.

Mas vamos deixar mais esta contradição de lado. Há outra pior: com que linguagem os indivíduos se reuniram para redigir o contrato original?

Algum liberal poderia tentar explicar como os indivíduos em sua vida solitária constituiram sua linguagem, provavelmente para falar consigo próprios.

Neste caso, cada indivíduo teria criado uma linguagem própria, diferente dos demais. Como eles conseguiram se entender já deve ter sido um grande problema.

Na verdade, não pode existir nada mais “social” do que a linguagem. Alguém que fala, o faz para um interlocutor. O paradoxo está que o contrato social original precisou ser construído antes do surgimento da linguagem e ao mesmo tempo depender dessa mesma linguagem.

Nenhum liberal consegue realmente fugir desse paradoxo que o leva para uma aporia: como foi possível aceitar um contrato antes do surgimento de uma linguagem? Talvez por isso os neoliberais defendam que não existe sociedade. Mas isso não resolve realmente o problema.

Inconsistências como essa são graves porque sempre seguem adiante. O liberal pode até tentar desvencilhar-se delas, mas elas se agarram no raciocínio porque elas já estavam lá desde o início.

Inconsistências não conseguem sustentar o raciocínio lógico. Este serve justamente para evitar aquelas.

O que neste caso resulta a dizer que a sociedade precede o indivíduo. Sociedades não são feitas de indivíduos, indivíduos é que são feitos de sociedade. E a marca desta no indivíduo se chama precisamente linguagem.

 
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from Ideias de Chirico

Salvador, Cidade Baixa. Foto de Bárbara.

Salvador, Cidade Baixa. Foto de Bárbara.

Em plena era do avião e do veículo leve sobre trilhos, viajar longas distâncias por terra para alguns pode parecer uma bela de uma ideia de Chirico. Em minha condição de estudante e trabalhador em terra estrangeira, no entanto, viajar por esse meio era o que me estava à mão, já que sou contemplado pelo programa ID Jovem.

Por meio dele, pude viajar de Fortaleza para Salvador gratuitamente, tendo de pagar somente a taxa de embarque. Permaneci na capital baiana por duas semanas ― a última de janeiro e a primeira de fevereiro. Devi minha estadia ao querido casal de amigos soteropolitanos Bárbara, a “Bá”, e André, o “Dé”. Por ela ter uma redação de projeto de doutorado por fazer, ele é quem me acompanhou a maior parte dos dias.

Compartilho com vocês algumas impressões “a quente”, feitas no momento da viagem, que vêm de notas de um pequeno diário que levei na mochila. Depois, algumas impressões mais “a frio” de Salvador, percepções que escaparam durante a viagem, as quais não tive tempo de registrar ou que vieram com a distância do meu retorno. Intercalando-as, fotos que tirei pelo meu celular ou que Bárbara tirou em sua câmera digital, além de estáticos de vídeos que fiz pela cidade.

Notas a quente

24 de janeiro (quarta-feira): Em um ônibus Guanabara de dois andares, passo por Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe. Nas três paradas consecutivas, sinto que a natureza e as gentes suas não são diferentes das do Ceará. Mesmo o sotaque da gente paraibana, da parte de onde parei, lembra um pouco o sotaque da Costa Norte, do oeste e norte cearenses. O Nordeste é tão diverso... Por que manter esse mito de unidade, de cactos e sóis imóveis?

25 de janeiro (quinta-feira): Em Salvador, no Parque da Cidade com Dé. Bárbara “Suei” ficou em casa enquanto passeamos. O tempo está nublado, e há na cidade um quê paulista.

26 de janeiro (sexta-feira): Em SESC Nazaré, ainda em Salvador. Dormi em casa de Alex Simões, um poeta local que eu conhecera em 2021, pelo curso de Poesia Expandida. Ontem fomos ao Pelourinho com Clarisse Lyra, outra poeta de Salvador, e apareceram também Augusto, um pesquisador de Jorge Amado ― gaúcho ―, Camila ― paulista ―, e Mateus ― carioca ―, também escritor. Tive de sair da casa de Alex, pois não poderia ficar comigo. Mato o tempo até as duas da tarde, quando Dé poderá me pegar.

27 de janeiro (sábado): Pelo Pelourinho com Carol. Era noite. Luzes quentes e baixas das tradicionais arandelas de rua. (...) Sobre as escadarias da Fundação Jorge Amado, falou de seu contínuo resgate a antepassados indígenas. Sua fala cantada ― brilhante. Falou a certa volta: “Não tenho medo de morrer (...), mas tenho medo de esquecer o que vivi” (...).

Post scriptum: Carol foi quem me recebeu na primeira vez em que fui a Salvador, em 2019. Nesta volta, levei-lhe alguns mimos cearenses, entre os quais Sequilhos ― biscoitos de leite em pó ―, pedaços de rapadura de amendoim, uma lata do refrigerante de caju São Geraldo, e um cartão-postal da Praia de Iracema, de Fortaleza.

28 de janeiro (domingo): Fui almoçar com Dé e Bá na UFBA. Lugar incrível. É inconcebível como são capazes de fornecer almoço aos domingos. (...)

29 de janeiro (segunda-feira): No Passeio Público com Dé. (...) À noite, saímos eu, Dé, Bá, Luísa e Pedro Sol para um restaurante indiano-árabe-oriental.

Post scriptum: Este restaurante chama-se Pasárgada e fica no bairro Rio Vermelho, próximo (ma non troppo) da Casa de Iemanjá, onde ocorre o famoso cortejo anual à Iemanjá, a todo 2 de fevereiro.

30 de janeiro (terça-feira): No Museu de Arte Contemporânea fui violentamente censurado por um turista (...) por eu ter tocado numa peça que era sonora. Isso, por habilidade de Dé, não acabou nosso passeio. Comemos uma empadinha de doce de leite numa padaria onde tivemos o melhor atendimento possível; conversamos em inglês com dois londrinos num bar de beco; descemos a Ladeira da Barra vendo a Baía de Todos-os-Santos bem na hora dourada, chegando às proximidades do Farol ao pôr-do-sol.

31 de janeiro (quarta-feira): Eu, Bá e Dé saímos em disparada para um cinema às 12:00, onde haveria a projeção de “Il sol dell'avvenire” às 13:00. Iríamos lhe assistir com Vinícius e Gabriel. Almoçamos de improviso algumas marmitas no Shopping Paseo. Dé quebrava as talheres [de plástico] de minuto a minuto. Comi à parmegiana ― saudades de meu pai. Mais tarde nós meninos fomos ao Lago dos Patos, em Pituba ― Bá ficara em casa para escrever. Logo depois, a pegamos e saímos a um restaurante chinês. Nos empanturramos de yakissoba!

1 de fevereiro (quinta-feira): Andei sozinho por um tempo durante a manhã. Pela tarde eu e Dé fomos ao Mercado Modelo ― lembra-me muito das feiras artesanais de Fortaleza. Lá comprei uma camiseta do Olodum e um ímã com uma gravura do Elevador Lacerda, por onde subimos até a Cidade Alta. Era já hora de pôr-do-sol. A Baía de Todos-os-Santos resplandescia. O céu partia-se em laranjas, amarelos e gris. Logo depois, o brilho das cidades ao horizonte. Por fim, tomamos uns copos de cerveja num Bar do Pelô. Dé é um grande amigo!

Crepúsculo a partir da Cidade Alta. Estático de um vídeo.

Crepúsculo a partir da Cidade Alta. Estático de um vídeo.

2 de fevereiro (sexta-feira): Festa de Iemanjá. Dé, Bá e eu acordamos cedinho. Não pudemos ver a partida do cortejo. (...) Pudemos fazer oferendas. Comemos. Almocei fora bem baratinho. Caminho um pouco sozinho. Voltei para casa ensopado e trombei com Vinícius e Gabriel, que saíam para a Barra, onde tomamos sorvete e coco! Pela noite nos encontramos no Rio Vermelho para comer acarajé. Por conta das festas profanas, lá estava um caos.

3 de fevereiro (sábado): Passo o dia sozinho. Bárbara e André ficam em suas casas a fim de finalizar os trabalhos dela. Decido ir à Avenida 7 de setembro para comprar sandálias (as minhas anteriores quebraram durante a Festa de Iemanjá), e “Capitães de Areia”. Compro as sandálias, mas não encontro um sebo aberto sequer. Como estava próximo ao Elevador Lacerda, decido descer à Cidade Baixa. Acabo comprando um chapeuzinho chinês.

Post scriptum: Este chapéu estava em moda naquele momento. Comprei-o porque tinha certeza de que não o encontraria outra vez com facilidade.

4 de fevereiro (domingo): Eu, Dé e Bá almoçamos no Shopping Salvador. (...) Lá haveria um encontro extraordinário do Clube Poliglota local. Falei em inglês com Suzy, em espanhol com Leandro, e em italiano com Gerlon. (...) Mais tarde, eu e Bá fomos ao Museu de Arte Moderna da Bahia. Visitamos a exposição de Walter Firmo e fotografamos o edifício.

Post scriptum: “extraordinário” aqui no sentido de “fora do programado”. Os encontros do CP de Salvador ordinariamente ocorrem aos sábados. No entanto, no primeiro sábado em que estive na cidade, caiu um toró, e no segundo, começavam os preparativos para o carnaval, o que inviabilizava qualquer outra coisa que não a folia.

Foto de Bárbara tiradas por mim na Praia da Gamboa, próxima ao Museu de Arte Moderna da Bahia.

Foto de Bárbara tiradas por mim na Praia da Gamboa, próxima ao Museu de Arte Moderna da Bahia.

5 de fevereiro (segunda-feira): Quando o carnaval está prestes, Salvador prepara tapumes defronte a suas fachadas e muros ― qual estivesse se preparando para uma batalha prevista. Tudo aqui é belo, e tudo aqui é interessante ― mesmo as favelas e mesmo os bairros nobres mais exclusivos ―, mas, (...) tudo é caro, (...) e não há o menor espaço para o ciclista. Não retornarei a Salvador enquanto eu for um estudante pobre.

6 de fevereiro (terça-feira): (...) O ônibus partiria às 8:30. Carol prometera estar lá às 8:00, mas seu metrô atrasou. Carol pisou na plataforma assim que o ônibus manobrava para partir. Sequer pude vê-la. (...) chorei (...). Carol prometeu viajar a Fortaleza em junho.

Notas a frio

Travessia

Brilhar pra sempre,/ brilhar como um farol,/ brilhar com brilho eterno,/ gente é pra brilhar

“Brilhar pra sempre,/ brilhar como um farol,/ brilhar com brilho eterno,/ gente é pra brilhar”, Vladímir Maiakóvski. Foto minha do Farol da Barra.

Lembro-me de uma certa anedota que ouvi do meu amigo serragrandense Nelson. Ele me falava de uma caravana de monges orientais que levavam sete dias na travessia entre uma montanha e outra. Ao fim dessa peregrinação, realizavam uma habitual missão espiritual.

Um engenheiro inglês que viajava pela região, vendo a situação de aparente dificuldade, ofereceu-se-lhes para construir uma ponte da última tecnologia europeia.

Com esse suporte, a peregrinação, que durava sete dias, agora poderia durar apenas dois. Os monges contestaram-no: “Mas de que outra forma poderemos conversar e meditar durante os cinco dias que nos restariam?” Para esses peregrinos, o que interessava não era o destino, mas a travessia.

A vantagem de se viajar por terra é que o atrito com o espaço faz com que se conheça mais do espaço pelo qual se viaja. Parece óbvio, mas em um trajeto por terra de uma hora partindo de um ponto A a um ponto B, um viajante conhece muito mais de A-B do que outro viajante que viaja pelo mesmo trajeto em um mágico tempo de ― digamos ― vinte minutos. Assim, a viagem é cômoda e conveniente, mas, por consequência, previsível.

Já por terra, há mais fricção. Diz algum teórico da comunicação (ou algum marxista): só há informação nas diferenças. Pela fricção, a dialética. Pela fricção, o outro. Pela fricção, o novo.

Na trajetória entre Fortaleza e Salvador, cruzei os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e, claro, Bahia. A cada parada dessa longa viagem de pouco mais de um dia de duração, eu ouvia um sotaque diferente, comia uma comida diversa, via uma paisagem distinta da anterior.

Cruzar o Brasil nordestino por terra é ver desabar o folclore forjado aqui e alhures de um Nordeste homogêneo. Claro, como foi registrado na nota “quente” do dia 24 de janeiro, vez ou outra eu (ou)via o meu povo em outro povo ― o que me surpreendia, pois eram semelhanças que eu não esperava encontrar. Mas mesmo essas semelhanças reforçam a diversidade nordestina, pois fogem das caricaturas de Nordeste.

Terra

Interior baiano. Estático de um vídeo meu.

Interior baiano. Estático de um vídeo.

Atravesso as matas baianas que, imagino, encontram-se próximas do litoral. Daí a algumas horas, chego a Salvador. Essa paisagem rural evoca aquela de “Grande Sertão: Veredas”, romance do mineiro João Guimarães Rosa. Não por acaso: se não falseio, aquela era a região ao sul de Bahia, fronteiriça com Minas Gerais, onde também acontece o romance rosiano.

De minha janela avultam buritizais, mata miúda e verde, eventualmente carnaubais, tortas veredas, cancelas branquinhas, pequenas casas de largos beirais. Emoldurando essa paisagem, um tempo extraordinariamente nublado, que durou os três primeiros dias em que estive em Salvador.

Cidade

Elevador Lacerda. Foto de Bárbara.

Elevador Lacerda. Foto de Bárbara.

Como relatado na nota “quente” do dia 25 de janeiro, havia àquele dia nessa cidade uma atmosfera paulista. Salvador é, contrariando desde 2019 minhas espectativas, uma cidade cosmopolita. Salvador é, como São Paulo, uma antena do mundo ― e também um porto do mundo. Não à toa, há um grande intercâmbio entre a gente paulistana e a gente baiana.

Nas duas cidades predomina o carro, a geografia acidentada e imprevisível desenha as ruas, viadutos e linhas de metrô arranham os arranha-céus. No entanto, em São Paulo é possível lobrigar, aos poucos, uma cidade feita para o pedestre, há uma presença considerável e a contrapelo da bicicleta, e uma reivindicação pelo transporte não motorizado e público.

Por outro lado, nada disso é visível em Salvador. Aqui, o carro engoliu por completo as ruas que, apesar de curvas e feitas inicialmente à medida do pé, acomodaram-se totalmente ao corpo do automóvel.

Em todos os meus trajetos por Salvador, percebo uma “costura” entre os edifícios e entre os bairros, que falta a maioria das grandes cidades que visitei ou morei, como Fortaleza. Nesta, há uma quebra brusca entre o que é, digamos, Messejana e Bairro de Fátima, ou Mucuripe e Meireles; entre todas há portais, sinais claros do término e do início de tudo. Por vezes, até a sensação de clima muda, as gentes mudam, e, ato contínuo, a cultura muda. Há Fortalezas em Fortaleza. E há, em Fortaleza, fortalezas ― semióticas.

Já não o é em Salvador. Há entre todas as regiões soteropolitanas uma firme coesão; uma mal anuncia a outra; sabe-se, quase que por mágica, quando o bairro Graça passa a ser o bairro Canela, ou quando o Pelourinho passa a ser Santo Antônio Além do Carmo ― uma sensibilidade que custa ao viajante assimilar. O fato de que, para cada bairro nobre, há uma periferia “pendurada” ― como me fez perceber André ―, auxilia nessa “costura” urbana.

Gente

Foliões próximo ao Museu de Arte Moderna da Bahia. Foto de Bárbara.

Foliões próximo ao Museu de Arte Moderna da Bahia. Foto de Bárbara.

Uma característica que me chamou muitíssima atenção na gente de Bahia nessa volta foi sua grande afeição ao eavesdrop, i.e., “ouvir de perto alguma conversa privada sem que os falantes notem” (dicionário Cambridge).

Fazê-lo, nesse caso, não é propriamente fofocar, mas estar atento ao entorno acústico, seja para se entreter, seja para se informar do espaço imediato. Os baianos, me parece, têm ouvidos apurados e facilidade de pegar as coisas no ar.

Dessa cultura, creio, é que nasce o melhor da literatura da Bahia. Gary Provost mesmo, autor do best-seller100 ways to improve your writing”, dedica uma bela seção só para falar dos benefícios do eavesdropping ao escritor.

Com frequência, enquanto eu conversava com alguns amigos soteropolitanos em um local fechado, eles acompanhavam mais de uma conversa que rolavam no mesmo recinto, sem entretanto perder o fio do que conversávamos ― e eu, que sou mais visual do que acústico, mal conseguia compreender o que acontecia em nossa mesa, tamanha a azáfama.

Por consequência, são gente de uma refinada educação oral. Interessam-se genuinamente pelo que alguém está falando, sem interrompê-lo. No Ceará, por outro lado, é comum a interrupção da fala do outro ou que mais de uma pessoa fale ao mesmo tempo. Isso é um traço cultural cearense e não tem nada a ver com educação. Mesmo em ambientes formais, é o que acontece.

Retorno

Detalhe de grade do Museu de Arte Moderna da Bahia. Foto de Bárbara.

Detalhe de grade do Museu de Arte Moderna da Bahia. Foto de Bárbara.

Fui a Salvador quase de improviso. Como viajar pelo ID Jovem não depende de minha vontade, mas sim da disponibilidade de vagas, tomei o primeiro ônibus que surgiu em novembro ― ingenuamente sem consultar Bárbara e André sobre suas disponibilidades.

O casal ― natural de Salvador, mas nessa cidade também de férias, como eu ― ocupava-se de outros afazeres, e tinha de muito heroicamente dividir a atenção a familiares, a mim e a outros amigos.

Seus sacrifícios eram notáveis e paulatinamente fizeram-se notar ainda mais. E como eu não estava a par de tudo, muitos desencontros e mal-entendidos surgiram. Pudemos, entretanto, sentar para conversar e acertar tudo. A partir dessa viagem tão longa, sinto que, só agora ― depois de adulto ―, aprendi o valor do diálogo, do amor, e da amizade.

Aprendi também a valorizar o andar sozinho em terra estrangeira. Não era toda a hora que eu poderia contar com a companhia de André. E havia lugares em que eu próprio gostaria de ir sozinho. O jeito, então, era tomar a minha própria mão e passear comigo mesmo.

O fato de se estar temporariamente em terra estrangeira, onde não tenho raízes e onde não sou conhecido, me deu uma sensação desafiadora de liberdade antes inconcebível.

O retorno me deu ganas de buscar explorar minha própria cidade, e me fez perceber que perdi o encanto que eu tinha por ela quando me mudei para cá em 2016, encanto que era ainda mais forte do que tive por Salvador durante esta viagem.

Durante a viagem de retorno decidi que, ao pôr os pés de volta na capital cearense, procuraria turistar como quando cheguei há oito anos. É inegável a dificuldade de ver novidade naquilo que nos é familiar. Como adverte o romancista francês Marcel Proust, “A imobilidade das coisas que nos cercam talvez lhes seja imposta (...) pela imobilidade de nosso pensamento perante elas”. Tudo em um átimo pode ser novo quando nos fazemos novos.

#cotidiano


 
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from Resenha Cibernética

Eros x Tânatos

Em o Mal-estar da Civilização, Freud tenta “sociologizar” a psicanálise. Ele expande a teoria das pulsões para a sociedade com dois princípios opostos: Eros e Tânatos. Eros é o construtor dos laços sociais e Tânatos o destruidor dos laços.

Como sabido, por causa do clima dos anos 30 do século passado na Europa, o clássico freudiano é um exemplo de pessimismo cultural: apesar dos esforços de Eros, no final das contas Tânatos vencerá.

Isso corresponde socialmente a prevalência da pulsão de morte sobre a pulsão de vida. Mas esse dualismo pulsional já havia sido rejeitado por Freud. Tanto Eros como Tânatos são exorbitâncias sociais da pulsão de morte.

A pulsão de morte é estritamente “psíquica”. Quando vamos para a sociedade não há continuidade, mas uma bifurcação pulsional.

Eros é pulsão “vinculada” enquanto Tânatos é pulsão “solta”. Mas ambos os princípios sociais são derivados da mesma pulsão.

Do ponto de vista evolutivo, é um erro dizer que Tânatos (ou a morte) tem a última palavra. A morte de um único ente está a serviço da preservação da espécie como um todo. Tânatos serve a Eros e não o oposto.

Na perspectiva evolutiva, são mais importantes as “cópulas” tanto intra como interespécies, pois são as cópulas que geram diversividade genética.

A evolução é tecida por Eros. Tânatos, no entanto, tem função regenerativa, que está a serviço da criação do tecido.

Assim, a extrema-direita ao mobilizar Tânatos como princípio parece “vencer o jogo”, mas ao final das contas quem vencerá são aquelas forças que acreditarem nos impulsos libidinais.

 
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from Resenha Cibernética

Fake News como destruição de sentido

Fake news são formas narrativas de desinformação. A pergunta que fica é se elas podem manipular o “público” de extrema-direita.

Fake news a princípio são informação (banal) que pode ser codificada (transformada em dados) e informação semântica que pode ser semiotizada (virar signo).

Mas do ponto de vista da “informação pragmática”, elas são destruidoras de sentido (desorientadoras). A função da fake news é desorientar.

Elas fazem isso porque confundem o mapa com o território. O mapa que elas traçam é o próprio território.

Ou seja, o mapa traçado deve ser material de outras comunicações. Por isso, fake news desorientam por não serem capazes de produzir distinções.

O público desorientado chama-se “rebanho”. A desorientação (alienação política) é útil, pois assim o rebanho pode ser melhor orientado (manipulado) via algoritmos.

A verdade das fake news é que elas são desinformação. Mas só entendemos isso quando somos capazes de distinguir entre informação sintática (em bits), informação semântica (em signos) e informação pragmática (em ideias).

 
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from Lento, pero escrevo

O DIA QUE A CIDADE PAROU (por causa de uma fila)

Essa crônicazinha foi escrita em 22 de Agosto de 2018 após a fila do busão para a Universidade de Brasília, a linha 0.110, dar a volta na rodoviária todinha por conta de falta veículos e de obras inacabáves na rodoviária do Plano Piloto. Fazia não muito tempo, o passe estudantil de geral tinha sido bloqueado

2030, futuro próximo da distopia estudantil. Um policial observa um grupo de estudantes enfileiradas(os), fecham o Eixo Monumental e o Eixão Sul, avenidas enormes e de alta velocidade. Puto, ele saca o spray de laser, ergue o cassetete que dá choque, aciona seus colegas de motos voadoras pela telepatia e pergunta ao estudante mais perto:

“Ei caralho, vai estudar! Sai dessa rua, muleque. Por que você tá aí?”

“Perdão, senhor. Quero estudar, mas estou apenas esperando a fila do 0.110, como todo mundo aqui no eixo monumental.”

“E por que porra tem um monte de estudante enfileirados fechando Eixão Sul, seu mentiroso?”

“Aquela é a fila do DFTRANS, senhor. As pessoas estão apenas tentando resolver o problema do seu passe estudantil.”

Frustrado e sem poder fazer nada para diminuir as filas, o policial desistiu da sua lombra institucional. O DFTRANS continuou paranoico atrás de “fraudes no passe livre”. A quantidade de ônibus do 0.110 continuava a mesma, independente da UnB ter se tornado uma cidade a parte com 200.000 estudantes, que flutuava no céu com a força da pedância e o sonho de alguns acadêmicos em viverem mais perto do mundo da lua empresarial.

As filas cresceram e já podiam ser vistas pelo satélite lançado diretamente da base de lançamento aeroespacial Alcântara Business, vendida para uma multinacional dos Estados Unidos. A fila já fazia os contornos do DF, chegando perto do entorno. “O quadradinho do lobby” se transformou no quadradinho da fila estudantil.

Assim, finalmente, o DF parou. “O poder se sabotou”, gritou a fila com alívio, alegria e cansaço.

O futuro da fila está próximo.

Arte feita sobre o Mapa do DF, em tons roxeados, chapiscados como ruído de televisão

 
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from john

é daqueles filmes que tem cara de filme indie. aquela carinha de festival sundance, sabe? ele tem uma trilha sonora bem gostosa de ouvir e tem aquela moça com jeito de gente normal (Melanie Lynskey). recentemente ela aparece como uma antagonista em The Last of Us e só funciona pq ela tem essa cara de gente normal. aqui é a mesma coisa, a história doida tem mais impacto pq a protagonista parece tanto uma pessoa comum. o filme conta a história de uma moça chamada Ruth, que trabalha em uma clínica de tratamentos paliativos e que fica cada vez mais cansada da falta de consideração e gentileza do mundo. é uma motivação meio piegas, mas a revolta de Ruth com a insensibilidade e falta de empatia dos outros acaba colocando ela em situações bizarras que vão escalando cada vez mais. a participação do elijah wood como o vizinho muito doido que acompanha Ruth em suas confusões também ajuda a comédia a acertar bem no tom. no geral, achei que o conceito do filme ficou meio qualquer coisa, mas em um nível mais superficial de história é uma narrativa bem divertida e que entretém. excelente pra um sábado a tarde despretensioso.

#filmes

 
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from Felipe Siles

Como me mantenho razoavelmente informado numa perspectiva (pelo menos tentando ser) slow web

Desde que saí do falecido Twitter e priorizei o Mastodon como minha rede social principal, me dei conta de que tinha pego nos últimos anos o péssimo hábito de me informar na rede (que era) do passarinho azul. Como já possuía familiaridade com o RSS principalmente por conta do agregador que uso de podcasts, o AntennaPod, acabei por concluir que seria mais interessante seguir notícias por esse método.

Acabei testando diversos programas, clientes, e principalmente: no começo (na empolgação) enchi a minha linha do tempo de assinaturas RSS. Assinei também várias newletter, e não consegui ler praticamente nenhuma. E a avalanche de postagens chegando por RSS me fazia mais ansioso, não estava ajudando muito. Fui fazendo ajustes, diminuindo, vendo o que era realmente fundamental eu estar informado.

Foi legal acontecer essa avalanche de postagens, porque acabei percebendo que a minha fila praticamente infinita de podcasts também estava me deixando cansado e ansioso. Todas essas coisas acabavam por parecer tarefas incompletas para mim, coisas a fazer que não eu não dava conta. E se você somar a isso as mensagens do whatsapp, emails, um inferno de ansiedade e que acaba gerando também cansaço mental.

Percebi que precisava controlar o tamanho da largura do duto onde passava a informação. Esse é um processo contínuo, sempre estou fazendo ajustes, portanto aí vai uma fotografia de como ele está neste momento.

Notícias, blogs, textos

No computador eu acabo utilizando uma extensão do Firefox chamada Feedbro. Acho mais prático consumir as notícias assim porque o navegador já está todo configurado com extensões que uso para ler essas notícias (leitura sem distração, adblock, removedor de paywall, tradutor, entre outras ferramentas). Ele também tem uma função bem interessante que é procurar feeds RSS em qualquer site que você abrir, bem prático!

Eu sigo no Feedbro feeds de quatro associações de pesquisadores que eu sou associado, para saber de eventos, congressos, chamadas para artigos, etc. O fluxo de postagens desse grupo é bem esporádico. Também assino duas feeds para ter informações sobre a minha cidade: a prefeitura e um portal de notícias. O fluxo aqui é um pouco mais intenso, mas não muito difícil de acompanhar, o site da prefeitura tem postagens meio esporádicas, o de notícias, de duas a quatro postagens por dia. Sigo também as feeds de dois portais que eu gosto e admiro bastante: Agência Pública e Manual do Usuário. Eu gosto e admiro o trabalho de muita gente, contudo o que foi decisivo para inclui-los na minha rotina no Feedbro foi o fluxo de notícias, costumam postar mais ou menos umas 3 por dia, coisa que dá pra acompanhar sem ficar maluco. E, por fim, acompanho o Cultura e Mercado para ficar antenado em aberturas de editais e leis de incentivo.

No iPad eu utilizo o NetNewsWire, o logo dele infelizmente é meio tosco, fica um verdadeiro patinho feio perto dos logos bonitos do IOS, mas o aplicativo é bem funcional, além de ser livre e código aberto. Gosto de colocar no iPad os feeds RSS de blogs, principalmente blog de amigos. Eu considero a leitura de textos longos mais agradável no iPad do que no computador, por isso faço dessa maneira.

E no meu celular, Android, utilizo o Feeder, instalado via F-Droid. Assinei 4 feeds de portais de notícias bem conhecidos (Carta Capital, Jornal da USP, Jornal GGN e Nexo Jornal). Como aqui o fluxo de notícias é bem alto, configurei o app para me mostrar no máximo 50 postagens e coloquei a visualização em formato supercompacto. Eu não costumo ler a maioria dessas notícias do celular, apenas fico ali rolando pela linha do tempo vendo os títulos para ficar mais ou menos por dentro do que está acontecendo. A ideia é ter essa feed mais ágil para consultar quando estou na rua, que já se mostrou muito útil para me informar sobre greves, paralisações e outros eventos que afetam o transporte público. Diferente dos outros dispositivos, aqui eu não tenho a preocupação de ler tudo.

Outra coisa importante é que se tem alguma postagem em qualquer um dos três dispositivos que eu tenho interesse mas quero ler com calma depois, salvo no Omnivore. O aplicativo funciona bem e roda nos três dispositivos.

As newsletter para mim simplesmente não funcionaram, pode ser que funcione para muita gente, mas para mim não deu certo. Eu acabava lendo no começo, mas com o passar do tempo comecei a ter relação com esses e-mails praticamente de spam.

Podcasts, rádios, música

Sou entusiasta de podcasts, consumo a mídia desde 2018, tenho meu podcast próprio, e também colaboro em outros projetos de amigos. Sou apaixonado por essa mídia, pela distribuição livre e também pela praticidade de ouvir no ônibus, no almoço, enquanto lava louça, sem a obrigação de ficar com os olhos ali grudados numa tela. Já tive o meu momento de seguir muitos podcasts e querer maratonar todos eles, o que com o tempo foi me deixando muito ansioso e cansado mentalmente.

Um belo dia perdi todo meu histórico no aplicativo que eu uso, o AntennaPod, e acabei aproveitando a tragédia para fazer uma mudança radical na forma como eu consumia a mídia. Elegi apenas alguns podcasts, que estão ainda em atividade, e, ao invés de ficar preocupado em maratonar, configurei o download automático de episódios novos. Dessa forma eu não fico preocupado em maratonar nada, apenas em dar conta da linha do tempo. Outra coisa que me ajudou foi esconder o contador de episódios não ouvidos, uma coisa que me deixava ansioso e soava como pendência.

Atualmente sigo doze podcasts, dentre eles: – dois são diários (segunda a sexta), mas são curtos, costumam durar entre 15 e 30 minutos; – dois possuem duas edições semanais, esses são mais longos, duram cerca de 60 minutos; – um deles é semanal e dura cerca de 30 minutos; – um deles (teoricamente) é quinzenal e dura cerca de 60 minutos; – um deles possui uma periodicidade meio caótica, mas costuma publicar uns dois ou três episódios por semana, com durações variadas; – os cinco demais são aperiódicos e vários deles são publicados por temporada, só têm episódios novos quando tem temporada nova. Costumam ser episódios mais longos de cerca de 60 minutos.

Dessa forma eu consigo facilmente terminar a fila de podcasts do dia nas refeições ou andando de ônibus. Quando acaba a fila, nada de maratonar podcast, eu costumo colocar em alguma rádio ou até mesmo vou fazer outra coisa, fico em silêncio, ouço uma música. Inclusive recomendo a ótima Rádio Aconchego, que eu ouço pelo bom e velho VLC no celular. Também gosto da Rádio USP, Rádio Unicamp e Rádio Yande.

E, por último, para ouvir música tenho gostado bastante do RiMusic para o Android, que pode ser instalado pela F-Droid. Ele é um cliente/front-end do Youtube Music, mas com aquela cara de aplicativos de streaming como Spotify, inclusive dando a opção de salvar as músicas para ouvir offline.

Também possuo ainda esse hábito jurássico de baixar alguns mp3, no celular e principalmente no computador, e costumo ouvi-los no VLC mesmo. Já fui entusiasta no computador do aplicativo Nuclear, mas ultimamente tenho achado que ele deixa a desejar, tem muito álbum que acaba vindo com música trocada, então tenho preferido baixar mesmo. Ou então ouvir um disco de vinil, já que possuo toca discos.

Videos, filmes, séries

Consumo o conteúdo do Youtube apenas em front-ends e clientes. No computador e iPad utilizo o Individious (pelo navegador) e no celular e tv stick o NewPipe. Gosto de consumir dessa forma porque esses clientes tiram as propagandas e também possuem mais opções de customização. Eu gosto de customizar esses aplicativos para valorizar a linha do tempo, já que a ideia é apenas seguir conteúdo de uns poucos canais e playlists. Nada de ficar vendo conteúdo sugerido, clicando em vídeos relacionados, ou olhar o que está “bombando”, de jeito nenhum. Consumo igual ao podcast, quando acaba a fila vou ver outra coisa... um anime ou até ler um livro. Atualmente sigo o conteúdo de apenas sete canais e quatro playlists.

Eu parei de consumir séries, porque elas acabavam tomando muito tempo e essa ideia de maratoná-las me deixava tão ansioso quanto ficava por maratonar os podcasts e sempre com a sensação de pendência e cansaço mental. Resolvi consumir então mais filmes e animes. Filmes duram ali duas, três horas... e pronto, acabou... começo, meio e fim... nada de um novo capítulo, no máximo uma continuação da franquia, excelente!!! E animes podem ser gigantescos (como o meu preferido, One Piece) mas os episódios costumam durar só uns 20 minutos, o que deixa leve e gostoso para acompanhar lentamente ali no dia-a-dia, vendo de um a quatro episódios seguidos, dependendo do tempo disponível.

Outra coisa importante é que eu evito ficar assistindo muito vídeo no celular, computador e iPad. Prefiro assistir na televisão mesmo, possuo uma tv stick e consegui instalar o aplicativo do NewPipe. Gosto de fazer isso principalmente quando já terminei as minhas tarefas do dia, eu gosto de fazer essa separação do computador como ambiente de trabalho e a televisão como fonte de lazer e entretenimento. Filmes eu prefiro assistir no final de semana, nos dias úteis eu vejo mais o conteúdo do Youtube e alguns animes.

Mensagens, emails, redes sociais

Gosto de usar aplicativos agregadores de mensagens, como o Ferdium para os mensageiros e o Thunderbird para emails. É uma forma de otimizar a tarefa de ver as mensagens e respondê-las, gosto de pegar uma hora todo dia apenas para isso. Na maioria das vezes essa uma hora é suficiente para ler e responder tudo. Faço esse trabalho no computador e depois evito ficar trocando muita mensagem no celular, dou umas olhadas de vez em quando, só para checar possíveis urgências e ir administrando para não deixar muita mensagem acumulada para a prática do dia seguinte no computador.

Gosto de manter a prática de arquivar mensagens e e-mails lidos, isso deixa a caixa de entrada vazia e me dá uma sensação excelente. Inclusive eu fico desesperado só de ver a caixa de email de outras pessoas, tenho vontade de morrer com a quantidade de emails não lidos, ignorados. Spams, propagandas, emails de notificação, costumo me descadastrar de todas as listas. É uma coisa bem rápida de se fazer e que evita que sua caixa se encha com esses emails. Emails e mensagens que vão demandar um trabalho um pouco maior eu só arquivo quando termino a tarefa. Ver o email ou mensagem pendente ali na caixa de entrada também é uma forma de não esquecer de cumprir a tarefa em questão.

Tenho várias contas de email, cada uma com uma função. Um mais público ou profissional, um universitário, um para logins e um só para situações que envolvam pagamentos. Parece exagero, mas essa segmentação me ajuda muito a não acumular muitas mensagens num e-mail só. E acaba que, a depender da função, não preciso olhar todos esses e-mails todo dia. O e-mail de logins, por exemplo, olho uma vez por semana, o de pagamentos só quando faço ou recebo alguma transação.

Os mensageiros uso três basicamente: Whatsapp (não tem o que fazer), Telegram e Element/Matrix. E o mais importante: desabilito as notificações de todos esses aplicativos e emails, a saúde mental agradece. Tendo uma hora todo dia dedicada para isso, não há a menor necessidade de notificação. Basta abrir o Ferdium e o Thunderbird e começar o trabalho.

Redes sociais eu tenho utilizado apenas o Mastodon e o Lemmy. No computador e iPad uso no navegador mesmo (não gostei de nenhum dos clientes para iOS). Já no celular uso o Tusky como cliente do Mastodon, gosto da pegada dele bem minimalista, customizável e com botões para clicar. Para o Lemmy utilizo o Jerboa, praticamente pelo mesmo motivo: simples, funcional e customizável. E nada de ficar vendo muita notícia nessas redes, inclusive evito perfis e comunidades que postam muita notícia. A ideia aqui é a interação social e a troca de ideias.

Conclusão

Essa é a maneira como eu controlo a metafórica largura o duto de informação, para ter um fluxo saudável e evitar ansiedade, sensação de pendência e cansaço mental. Olhando o texto parece até um paradoxo, um verdadeiro textão propondo uma relação mais minimalista com a informação. Mas tenho certeza de que se você colocar no papel toda informação que consome e por onde ela chega é provável que vá se assustar, inclusive se eu descrevesse minhas fontes de informação antes de sistematizar esse filtro mais rigoroso, acho que este texto seria um livro e não um post de um blog (rs).

Lógico que esse é meu uso pessoal, e cada pessoa possui demandas bem diferentes. Este texto não tem pretensão de ser um guia, um manual, apenas o registro, um relato de como eu faço. Levei muito tempo para organizar essa rotina em lidar com a informação e continuo fazendo ajustes, então achei que uma ou outra coisa pode servir de ideias para outras pessoas. Fiquem à vontade para testar, adaptar ou até ignorar a maneira como faço.

 
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from Ideias de Chirico

Desde a infância me fascino pelo vário que é as línguas dos povos. Sempre me faltaram, no entanto, ferramentas para entendê-las. Por muito tempo tive por mim que aprender um idioma estrangeiro era para uma dada elite da qual nunca participei. Mas, depois de muita pesquisa, desde 2020 tenho aprendido inglês, espanhol e italiano. Em fins de 2023 comecei a estudar francês. Aprendi-os por conta própria, sem visitar aulas, nem receber tutoria particular.

Antes de relatar a minha experiência, quero explicar o título deste texto. Alguns de vocês devem ter torcido o nariz quando leram “poliglota” no topo. E com razão! “Poliglota” é um termo desses como “erudito”, “polímata”, “artista” ou alguma outra dessas palavras relativas e relativizadas, proibidas à autorreferenciação, já que só podem ser expressas por uma autoridade, mais “poliglota” ou mais “artista” do que aquele de quem se fala.

Ninguém é capaz de se olhar no espelho e falar seriamente de si para consigo, p. e., “sou um artista” sem que esboce um médio sorriso de autocomicidade ou cinismo contido (se você é capaz de fazê-lo sem rir, tenho uma má notícia, e, não, não tenho o contato de um bom psiquiatra). Segundo o nosso silencioso senso comum, ninguém pode ser por si um poliglota, alguém só pode aspirar a ser um poliglota.

Normas psicossociais à parte, “poliglota” não possui consenso de definição. Usemos um parâmetro quantitativo para o definir. Uma pessoa pode ser chamada de “poliglota” a partir do momento em que domina quantas línguas? Nos três dicionários que tenho em casa tem-se “pessoa que sabe várias línguas” e “pessoa que sabe ou fala muitas línguas”. O sítio do dicionário online Dicio, mais corajoso, diz que a partir do domínio de duas línguas estrangeiras é que alguém pode ser considerado um poliglota.

Evanildo Bechara, o famoso linguista brasileiro, costuma dizer que “devemos ser poliglotas em nossa própria língua”, isto é, termos consciência de nossa língua materna em toda a sua variedade por classe, por gênero, por idade etc. Essa é a definição de “poliglota” que endosso.

Para mim, há poliglotas que só falam uma língua estrangeira, porque a assumem em sua complexidade, em todas as suas variações, que percebem o peso que leva um sotaque ou uma palavra em um dado contexto.

A partir desse pressuposto, defendo que não é propriamente um poliglota aquele que vê as línguas como corpos estanques, entidade etérea de um povo, numa só variante, ou mesmo aquele que vê nelas uma mera utilidade: a língua para trabalhar no exterior, a língua para ler os papers para a pós-graduação, a língua para falar com parentes distantes etc. Para o poliglota a língua nunca é “para algo”, mas sim uma língua é sempre uma língua ― e basta.

O poliglota não tem uma competência, mas uma atitude. Ele é um curioso irremediável a respeito do estrangeiro, a ponto de querer apreender a fala deste em primeira mão ― e não o julga de modo algum. Um não poliglota separa as línguas entre “relevantes” ou “irrelevantes” por um parâmetro arbitrário, como o número de falantes ou a quantidade de artigos científicos numa plataforma acadêmica tal ou qual.

Para o meu irmão Anderson, é uma ideia de Chirico aprender o francês, pois esta tem poucos falantes, se a compararmos com o espanhol, p. e. Escapa-lhe, no entanto, a longeva história da língua francesa, sua influência sobre outros idiomas (inclusive sobre o português), ou mesmo a produção intelectual de seus falantes, sejam ex-colonizadores ou ex-colonizados, que faz com que ela seja não só uma língua de milhões no presente, mas de trilhões na história.

Encerrado este preâmbulo do qual eu não poderia correr, neste texto relatarei o meu percurso para aprender línguas, i. e., o método de aprendizado que adotei, os canais e os grupos que me auxiliaram, e a minha relação com elas antes, durante e depois da aquisição linguística. Espero que isto ajude àqueles que pretendem se aventurar no aprendizado de línguas ou àqueles que precisam de mais meios pelos quais estudá-las.

Inglês

Minha jornada com inglês inicia em 2019. Eu pelejava para aprendê-lo nesse período durante as horas vagas da minha graduação em Língua Portuguesa, com conversações entre colegas do curso de inglês. No entanto, a frequente correção de pronúncia (e sempre, sempre de pronúncia) me desanimava. Além disso, eu tinha uma implacável resistência ao inglês por não ter, naquele momento, o menor interesse pelos Estados Unidos (como se este fosse o único país anglófono!). Iria aprendê-la como passatempo e não tinha então um motivação razoável para seu estudo.

Vem 2020, o ano um da pandemia de Covid-19, e, consigo, vêm a reclusão doméstica, o isolamento social e, também, muito tempo livre. Precisava ocupar a cabeça. Se não me deprimi durante a pandemia, foi graças ao estudo de inglês.

Com o passar dos meses, conheço outras referências de países anglófonos. Senti vontades de ler, p. e., o Understanding Media, do teórico em comunicação canadense Marshall McLuhan, um best-seller a respeito do efeito dos meios de comunicação sobre a sociedade. Senti vontades de ler Dubliners, livro de contos do irlandês James Joyce. Além desses, durante esse período eu quis reler ABC of Reading, um longo ensaio do poeta estadunidense Ezra Pound a respeito da literatura anglófona, que eu lera traduzido anos antes, e que, no entanto, apresentava a maioria dos poemas em inglês. Decidi aprender a língua para tentar lê-los em texto original.

Agora eu tinha um “porquê” de aprendê-la, faltava o “como”. E esse “como”, que era o “estímulo compreensível” (Comprehensible Input), me foi apresentado por um vídeo que conheci em um fórum de discussão. Em lugar de explicá-lo, prefiro que vocês assistam ao vídeo por si mesmos (possui legendas em português):

Focado mais na aquisição de vocabulário contextualizado do que na de vocabulário “em estado de dicionário”, mais no prazer do que na disciplina, Comprehensible Input é o método de aprendizado ideal para estudantes autodidatas. Como é mostrado no vídeo acima, ela parte de uma hípotese de aquisição de linguagem apontada pelo linguista estadunidense Stephen Krashen, e foi muito divulgada pelo poliglota e youtubeiro canadense Steven Kaufmann, quem viria a ser a minha maior referência para o aprendizado de inglês.

Com Steve aprendi que uma das coisas mais importantes para desenvolver bem a escuta de um idioma é ouvi-lo por um voz agradável. Enquanto ele ensinava como aprender línguas, eu aprendia inglês ouvindo sua dicção impecável ― aprendizagem com meta-aprendizagem. Também com ele aprendi que é possível aprender no que ele chama de lazy mode (ou como se diz no Brasil, “por osmose”), com atividades que não exigem tanto foco e que me agradem, como assistir a vídeos na internet ou ouvir podcasts, o que me foi importante, porque eu detestava estudos à moda escolar, como fazer exercícios de fixação e revisar conteúdo.

Além dos livros que li, e de muita escuta de Steve Kaufmann, para aprender inglês revi alguns filmes de que gostava, assisti bastante a séries, sempre com legendas em inglês, como manda a cartilha Comprehensible Input. Às vezes lhes assistia até a contragosto, porque não sou muito de série, mas ao fim acabava gostando. Twilight Zone, The Office estadunidense e The Office britânico são algumas delas (e vamos combinar aqui que The Office britânico é bem mais consistente e criativo do que o estadunidense). Cofcof... Sigamos.

Espanhol

Em 2022, quando vi que era capaz de ler um livro em língua inglesa sem engasgar, decidi que já era hora de estudar espanhol ― parada obrigatória para estudantes falantes de línguas neolatinas.

Ignorante que era da cultura hispânica ou latino-americana, esperava muito pouco do estudo de espanhol ― y entonces me mordí la lengua. O carro-chefe desse estudo foi novamente a literatura: queria ler os escritores do el boom latinoamericano ― García Marquez, Jorge Luiz Borges, Julio Cortázar etc.

No entanto, eu precisava de outra mídia fonte de estudo que não fosse o livro ou o vídeo online, uma vez que, pouco antes, eu começara a trabalhar, tendo de usar transporte público por duas horas diárias. Ler em movimento dentro de uma topique debaixo de sol a pino, vocês sabem, ninguém merece! Além disso, na maior parte do tempo eu estava sem internet móvel, impossibilitado de assistir a vídeos.

A solução: podcasts. Logo de cara, numa pesquisa sobre programas de áudio da América Latina, conheci dois dos meus favoritos até hoje: El Hilo e Radio Ambulante. Ambos são iniciativas da rádio estatal estadunidense NPR, cuja maior parte da equipe é argentina. O primeiro faz reportagens semanais aprofundadíssimas sobre temas quentes do continente, e o segundo conta crônicas latino-americanas. O trabalho de sonoplastia dos dois é impecável. Só de ouvir a introdução do episódio semanal de El Hilo já me arrepio da cabeça aos pés!

A famigerada abertura aparece em 1:15.

Pelos dois programas gargalhei, chorei, me informei, até participei das enquetes de balanço de público, e só não contribuí com a iniciativa, porque, vocês sabem... estudante universitário etc. e tal. Mas acima de tudo me senti mais sintonizado com a minha “quebrada latino-americana” (como dizem os meninos do Xadrez Verbal, outro podcast de que gosto).

E o melhor desses programas é que oferecem as transcrições nos seus sites, que inclusive podem ser recebidos via RSS. No início, quando eu ainda não tinha me acostumado com a velocidade da fala hispânica e nem com o sotaque portenho, na maior parte do tempo estava lendo as transcrições enquando ouvia os episódios ― o que também faz parte da cartilha Comprehensible Input.

Dentre os youtubeiros que me auxiliaram no estudo de espanhol está o Spanish After Hours, canal da simpaticíssima, engraçadíssima, didática, carismática e (ai...) apaixonante Laura (seu nome fictício), que também segue o método Comprehensible Input, e cujos vídeos têm edições impecáveis. Infelizmente Laura tem publicado pouco desde o último ano. Mas o seu acervo já ajuda bastante estudantes iniciantes e intermediários.

Das séries em espanhol, assisti à Casa de Papel, a qual parei na segunda temporada (a sequência me pareceu indigerível), e também à Nada, série argentina de 2023 com participação de Robert De Niro.

A língua espanhola é hoje a língua estrangeira que mais utilizo, seja para me entreter ou me informar, seja para conversar com os imigrantes ou turistas hispanohablantes com que me esbarro nas ruas de Fortaleza.

Italiano

A língua italiana me foi um problema porque, apesar de ela me agradar muito, todas as minhas referências desse país eram não verbais: me agradava a sua arquitetura moderna e antiga, a sua pintura moderna e antiga e a sua música de concerto (instrumental). Seu cinema até poderia me auxiliar, mas ele é desde sempre muito sofisticado, e não o entender poderia me frustrar. Tentar ler livros sobre esses assuntos já no início do estudo seria precoce demais. E para completar, eu não conhecia de antemão nem um nome sequer da literatura italiana.

Ainda havia o agravante da Itália não ter uma grande cultura de compartilhamento na internet. Só para se ter ideia, encontrei o ensaio Saper vedere l'architettura, de Bruno Zevi, traduzido em todas as línguas por mim conhecidas: português, inglês e espanhol ― mas não em italiano.

Por muito tempo esse vácuo linguístico me atormentou. Até que um dia meu amigo Nelson me doou alguns gibis italianos traduzidos, como Tex Willer, Mágico Vento e Julia Kendall. Aí a ficha caiu: vi o quanto o trabalho quadrinista italiano era criativo! Olhei algumas reproduções dos quadrinhos originais. Seu texto era coloquial, mas não difícil de ser compreendido. Decidi então me concentrar nessa mídia para aprender italiano.

Pesquisei quadrinhos por alguns meses em portais de torrent. Como havia poucas sementes, encontrá-los exigiu um trabalho análogo ao da arqueologia e ao da agricultura (que vocês me perdoem o trocadilho). Dentre os disponíveis estavam Dylan Dog, Corto Maltese, além do já mencionado Tex. Além desses, em sebos encontrei uma edição caprichada de L'Uomo Ragno, versão italiana do Homem-Aranha.

Para fazer o “meio de campo” linguístico, segui o canal Learn Italian With Lucrezia, que não segue propriamente o Comprehensible Input, pois se concentra muito em gramática (Lucrezia é professora de formação), mas que publica vídeos em formato de vlog, em que mostra as cidades que ela visita, o que ajuda muitíssimo a agregar vocabulário.

Mais recentemente comecei também a acompanhar o canal do Youtube Daily Cogito e, pelo TikTok, o perfil @whitewhalecafe, dois canais em que se fala sobre filosofia ― aparentemente um dos temas preferidos da gente italiana. Dentre os filmes italinas dos quais gostei estão La Vitta è Bella e Cinema Paradiso.

Francês

Sinto que o aprendizado de francês será duro, mas fluido, uma vez que, desde muito cedo ouço falar da língua. Já no primeiro mês de estudo, eu era capaz de ler textos didáticos em francês sem engasgar. Além disso, conheço de antemão três outras muito influenciadas por ela: inglês, italiano e português. Quero ler Arthur Rimbaud, assistir ao Godard, folhear as Aventuras de Tintin, cantar as peças de Clément Janequin. Por enquanto, estou mais preocupado em adquirir vocabulário. Dois dos principais meios para tanto tem sido os vídeos de ensino de língua francesa, focados em vocabulário, com que me esbarro pelos reels do Instagram, e um canal do Youtube chamado French Comprehensible Input, do suiço Lucas.

O Clube Poliglota

O meu esforço contínuo durante meus estudos era de manter uma boa variedade de mídias de estudos, buscando meios de ler, ouvir e assistir em um idioma estrangeiro sobre os mais diversos temas. Falar em outra língua nunca foi uma prioridade para mim, até porque, como defende Steve Kaufmann, não é sequer necessário falar em outros idiomas para ser um poliglota ― basta compreendê-los. Mas assim era também porque, como estudante autodidata, eu não tinha incentivo externo para praticá-los.

Essa foi a situação até meados de 2023. Enquanto estava de férias na Serra Grande em julho daquele ano, pelo grupo de Whatsapp da minha graduação, recebo um print de uma notícia do jornal O Povo a respeito do Clube Poliglota, um encontro gratuito e não institucional para conversação em idiomas estrangeiros. Decido que, ao retornar a Fortaleza, faria uma visita a um de encontros que ocorriam semanalmente nas noites de sábado, numa praça de um bairro nobre fortalezense.

Desde então, os encontros semanais se tornaram um programa obrigatório para mim. Por conta da socialização com pessoas de todas as idades e nacionalidades, além de aprender organicamente durante os encontros, tenho recebido mais referências das línguas que estudo, e me sentido cada vez mais motivado a estudá-las.

Mais recentemente soube com coordenadores do Clube Poliglota que este é um projeto voluntário e internacional. A maioria das metrópoles brasileiras são contempladas com uma célula do CP, entre as quais estão São Luís, Salvador, Natal, São Paulo, Belo Horizonte, além de Fortaleza, cidade pioneira do projeto no Brasil, se não a primeira no país. Caso queira saber se a sua cidade possui uma célula ou pretende iniciar uma, entre em contato com alguns desses perfis de Instagram acima linkados.

So what? ¿Y ahora? Che cosa fare?

Ainda penso em aprender outras, as mais diferentonas que há: uma língua artificial, como esperanto; uma língua morta ou antiga, como o latim ou o grego antigo; e uma língua sem alfabeto romano, como o russo ou o chinês-mandarim. No entanto, pelo método que adotei, me esbarro na limitação de só poder estudar línguas verbais e com registro midiático. Pelo Comprehensible Input, eu enfrentaria sérios obstáculos se partisse para o estudo de uma língua não verbal, como LIBRAS, ou uma língua minoritária, como o tupi-guarani. Espero que com a experiência dos anos esta dúvida se sane, e os caminhos de novas línguas se abram para mim.

Decidi escrever este texto tanto como uma forma de introduzir aos interessados em aprendizado em línguas ou de auxiliar aqueles que necessitam de mais recursos de estudo. Mas também o escrevi para fazer uma homenagem a esta que tem sido minha atividade favorita dos últimos anos.

Por conta do estudo de línguas, me aprimorei como pessoa: eu que era tão introvertido, passei a me comunicar mais; criei novos hábitos, como assistir a séries, ler quadrinhos e ouvir podcasts; passei a valorizar mais as tecnologias de comunicação, que tem incentivado cada vez mais pessoas a aprender as coisas em geral, e os idiomas estrangeiros em especial; aprendi mais sobre a minha própria língua materna; ampliei minha perspectiva sobre o mundo por conta dos contatos que tive com estrangeiros etc., etc., etc.

Além disso gostaria ainda de fazer loas àqueles que, de longe, sem me conhecer e sem pedir nada em troca, mais me incentivaram a estudar idiomas estrangeiros. Thanks, Steve! Gracias, Laura! Ti ringrazio, Lucrezia! Merci, Lucas!

Colagem em grade 2x2 com quatro imagens. Na primeira, está o canadense Steve, um homem idoso branco e sem barba, de cabelo branco, vestindo casaco azul de zíper. Na segunda está a espanhola Laura, uma mulher jovem e branca, de cabelos castanhos curtos, vestindo uma regata cinza de alças. Na terceira, está a italiana Lucrezia, uma mulher jovem e branca, de cabelos longos e pretos, vestindo óculos de grau e uma camisa longa e branca com colarinho em detalhe preto. Na quarta está o suiço Lucas, um homem jovem branco e com barba rala, vestindo touca cinza e camiseta preta, e está segurando com as duas mãos uma página de folha onde está manuscrito “Lucas”. Todas as imagens são reproduções de vídeos de seus canais no Youtube.

#cotidiano


 
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