Ayom

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from Ni idea

Ontem fui pra uma festa junina e na volta senti muito frio. Aí pensei em como fui burra de não sair com cachecol de casa e como a gente não aprende de certos erros. Aí pensei ok vou escrever la no blog sobre como às vezes a gente não aprende.

Mas não formei nem meia ideia e pensei em desenvolver isso depois. No caminho pra casa ia sentindo frio e pensando pensamentos e varios deles concluiram em ok vou fazer um post no blog sobre ESTE outro tema. Já nem lembro quais coisas eram. Eram varios e parecian por 5 segundos ser uma boa ideia.

Como resolve isso? Tenho uma séria desconfiança de que ir anotando todas as ideias num caderninhos quando as tengo e ver o que rola escrever depois não vai funcionar e vai ser como as notas de ideias geniais que tenho quando to drogada: ao estar sobria perdem o sentido.

Bateu até uma tristeza pensei que não poderia sustentar um blogue assim, sem nunca ter nem metade de uma ideia mais ou menos formada. Espero poder mesmo assim. Veremos. Me desejem sorte.

Enfim. Se vc ta saindo e pensa não vou voltar pra buscar coisa x (óculos escuro, gorro, agua...) pra nao atrasar porque o uber/pessoa ta esperando... VOLTE pegue essa coisa. Aprenda do meu erro.

 
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from Ideias de Chirico


Imagem de um vaso sanitário sendo utilizado como vaso de plantas em um canto abandonado.

Imagem: Flickr. O hábito de lavar banheiros pode se tornar uma experiência do sagrado ― ou seja, de auto-observação.

As maiores lições da vida, penso, vêm do chão diário. O ordinário é a escola dos pobres, das crianças e dos curiosos.

Pense no espaço mais visitado de sua casa. (Visitado, não permanecido). Você dirá “Meu quarto, claro!” ou “A cozinha!”. No entanto, provavelmente você não dorme, trabalhe ou come com tanta frequência quanto se lave ou use o vaso sanitário...

Meu banheiro é esse espaço, o menor de minha casa de solteiro ― ele tem em torno de seis metros quadrados ― e onde menos permaneço. Apesar disso, frequentemente eu sentia um desprazer ou até vergonha de estar ali.

Tentei de tudo para amenizar esse mal-estar: desde organizar meus objetos de higiene, de modo a deixar no espaço somente aquilo que eu utilizasse de verdade, até pôr ali um aroma de essência, de modo a “enganar” o mal cheiro. Nada feito. Segui desgostoso quanto àquele espaço tão visitado.

Certa volta, pesquisando algumas resenhas sobre o filme “Dias Perfeitos” (2023) no Youtube, encontrei um vídeo não relacionado que falava de 10 hábitos domésticos do Japão. Longe de entrar na real simbologia deste hábito, encantou-me em especial o hábito japonês de lavar o banheiro todos os dias, logo pelas manhãs.

Ótimo! Essa talvez fosse a solução para o meu infindável desprezo pelo espaço sanitário.

O primeiro dia de limpeza foi o mais extenuante de todos ― muito trabalho a fazer. Porém, conforme os dias passavam, percebia certos efeitos a partir desse hábito. E certas lições!

Todo ato no presente é um presente para o futuro

Penso na higiene do espaço sanitário como um ato de autocuidado. É como ir ao dentista: o começo da operação incomoda, mas você sairá de todo o processo satisfeito consigo mesmo de ter tido a iniciativa. Trata-se de um desses sacrifícios que nos fazem bem. Assim é a psicoterapia, a academia de musculação e a universidade.

Quando termino a tarefa, saio com a sensação de que estou cuidando de mim. Ao fim do dia, quando vejo que o banheiro ainda está em boas condições de uso, agradeço ao meu eu do passado por ter me dado aquele presente...

Talvez por conta dessa singela sensação de recompensa, sempre que estou prestes a dormir, sinto-me estranhamente animado ao pensar que no dia seguinte limparei meu banheiro novamente. Seja como for, no momento mesmo da limpeza, ponho boa música para tocar enquanto sinto a brisa matinal. Essa é uma forma de me incentivar a seguir com o serviço.

Ao fim de tudo, sinto uma grande autoestima por ter cumprido uma tarefa pesada logo no início do dia. Vejo que depois que adotei esse hábito, minha rotina tornou-se mais flúida, talvez por conta mesmo desse ímpeto de produtividade que a limpeza do banheiro causou...

Lavar o banheiro tornou-se uma necessidade corporal, como tomar banho e escovar os dentes.

Lavar o banheiro é uma ponte entre o presente, o passado e o futuro. Um regalo que me dou a mim mesmo.

Tarefas difíceis tornam-se fáceis quando repetidas

Os primeiros dias em uma linha de montagem industrial devem ser os mais difíceis. Não estamos ainda habituados às ferramentas; não sabemos qual será o nosso produto final; a nossa excelência varia de turno para turno. Ao cabo de um mês, entretanto, somos peritos em nossos ofícios.

Fazer e fazer e fazer até fazer-se.

Quando trabalhei na Guarda Municipal de Fortaleza como estagiário, cheguei a fazer as tarefas mais repetitivas do mundo ― de digitalizar pilhas de documentos a preencher formulários através de atendimento ao público. À medida que eu sentia menos atrito entre mim e as ferramentas de trabalho, senti-me mais confortável para fazer algo em plano de fundo, como ouvir música ou podcast, ao mesmo tempo que sentia mais satisfação com o próprio trabalho, já que meu grau de excelência subia.

Diz-se que a inspiração no mundo oriental está ligada à constância da prática. Se você pratica muita escrita em prosa, ocasionalmente escreverá uma boa peça literária; se pinta telas regularmente, em algum momento se tornará um grande artista. Não se trata do velho ditado “A prática leva à perfeição”, mas sim “A prática leva à inspiração”.

Assim penso na realização das coisas. A inspiração não vem dos céus, da aleatoriedade ou do mundo das ideias, e sim da terra, da prática e do chão diário. O poeta João Cabral de Melo Neto não mencionava sequer a palavra “inspiração” para falar da criação de seus poemas, mas “fermentação”. “O canto é que faz cantar”, já dizia um dos Fernandos Pessoas.

Dito isso, penso que “estar inspirado” em uma tarefa quer dizer “fazer uma tarefa tranquilamente”, smoothly. É difícil estarmos inspirados para lavar banheiros ― porque é uma atividade que pouco fazemos (mesmo aqueles afeitos ou obrigados à limpeza doméstica). Lavar o banheiro todos os dias, no entanto, tem me ensinado que um trabalho difícil torna-se fácil quando é feito diária e religiosamente. Tem me ensinado a ser paciente com aquilo que é difícil, enfim.

No primeiríssimo dia em que passei a realizá-lo, havia muito por limpar: a pia não fluía, o espelho não refletia como esperado, o vaso sanitário fedia. Levei em todo o processo de limpeza mais ou menos uma hora. Pouco a pouco, porém, conforme os dias passavam e eu ficava mais confortável com os procedimentos, havia menos peças sanitárias a limpar. Consequentemente, o tempo transcorrido para a limpeza diminuía. Nos últimos dias antes de finalizar este texto, não levo mais do que 15 minutos para deixar todo o banheiro pronto para o uso no restante do dia.

Lavá-lo deixou de ser um trabalho e passou a ser uma tarefa.

Rotina é a descoberta das coisas que já conheço

Sempre que higienizo meu banheiro, percebo algo novo a ser cuidado ― uma quina que me passara despercebida no dia anterior, algum produto ou instrumento que cairia melhor em uma dada peça, ou mesmo a própria descoberta de que a atividade em si está mais prática do que antes. Por fim, percebo a mim mesmo como um ser novo. Noto então que ter uma rotina não se trata de fazer tudo da mesma forma todos os dias, mas sim de aperfeiçoar-se a cada nova realização.

A partir do momento em que percebi que ter uma rotina não é repetir, passei a me descobrir dia após dia. Ter uma rotina passou a ser então um meio de auto-observação. Ao fazer atividades previstas e necessárias, tenho a oportunidade de reparar como me saio nelas ou mesmo como me comporto quando elas não saem como esperado. Difícil é a auto-observação a partir de coisas inéditas. Para se conhecer é necessário algum controle ou previsibilidade situacionais. Até por isso, a meditação budista limita-se a estar sentado.

Para nos conhecermos e nos conhecermos melhor, creio também que seja preciso de mais atrito com nossos espaços, isto é, que tenhamos o mínimo de mediadores possível. Como melhor se conhece Brasília: vendo vídeos no Youtube sobre a cidade, falando com alguém que para lá viajou, lendo livros de história do urbanismo brasileiro, ou viajando à Brasília mesmo?

(Em chão brasiliense, está-se de todo, não há mediadores).

Por isso também, sempre que possível, ando a pé. Adoro caminhar. Caminhar, além de matar o tédio, mostra-nos que os trajetos nunca são os mesmos. Os veículos, mesmo os mecânicos ― como a bicicleta e o patinete ―, isolam-nos de nosso entorno e, consequentemente, de nosso percurso. Em um automóvel, percebemos muito menos as mudanças da cidade do que quando caminhamos. A pé, entretanto, cada pedra, cada brisa e cada sombra importa; e assim a descoberta torna-se constante.

E em que lugar temos o mínimo de mediadores no mundo? Em nossas casas. É aí onde podemos ficar nus, onde despejamos no chão nossos sapatos e nossas máscaras sociais. Por coincidência, é em nossas casas onde as rotinas fazem-se mais presentes. E é em nossas casas onde podemos, de algum modo, criar alguma ambiência de previsibilidade e de meditação. Nada nos é mais previsível do que nós mesmos. Logo, nada pode ser melhor compreendido por nós do que nós mesmos ― em nosso #cotidiano.


 
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from Ideias de Chirico


Imagem de um círculo feito com pincel grosso e tinta nanquim. À esquerda e à direita há inscrições em japonês.

Círculo Ensō, símbolo sagrado do Zen Budismo. Ensō simboliza coisas como força, elegância, o universo, mente unificada, o estado mental do artista no momento da criação e a aceitação da imperfeição como algo perfeito.

Um compêndio de links, recomendações e textos curtos que não renderiam uma publicação à parte. Enjoy.

A habilidade mais difícil para um introvertido

Depois de aprender informática básica, quatro línguas estrangeiras, taquigrafia, escrita criativa, violino e bateria, estou aprendendo a habilidade mais difícil de todas: falar abobrinha.

Kisscrolling

Lembrei de quando era adolescente e tinha um romance digital com uma moça da cidade vizinha, lá na gloriosa Serra Grande, nos idos de 2010.

Quando eu recebia uma foto dela, costumava beijar a tela do meu Nokia de botõezinhos.

Hoje em dia isso já não daria certo, porque, se você beija a tela sensível ao toque, pode acabar excluindo a foto...

Chère-lock Holmes

Bordão do Detetive Paixão para investigados pegos no flagra:

Conheço você com a palma da minha mão...

Japão estanque: ex-tanque

Ando pensando nesse meu fascínio que tenho pelo Japão. Um fascínio quase ingênuo, de coisa exótica. Nos últimos dois anos tenho lido e estudado sobre tudo que acho da cultura nipônica ― fugindo do lugar comum e do pop.

Agora mesmo estou assistindo a um filme do Ozu, um cineasta clássico do Japão. O conheci pelo Wim Wenders, que fez inclusive um filme dedicado ao diretor nipônico, chamado “Tokyo Ga”.

Falo tudo isso porque enquanto estou nessa obsessão por uma cultura estrangeira, penso que há algo muito semelhante bem “do lado de casa” ― os povos indígenas do Brasil.

Alguns intelectuais japoneses de esquerda defendem o decrescimento como uma tendência positiva, e o percebem exatamente no Japão. Ailton Krenak, escritor indígena brasileiro, também tem ideias que apontam o desacelacionismo como meio de conservação da natureza e, por consequência, da humanidade.

Não sei ainda organizar esse pensamento. Até lá, fico fascinado pelo que de extraordinário tem o Japão antigo ― o gosto pela sombra e pelo estático ―; e pelo que de comum têm o Brasil e o Japão ― a antropologia cultural.

Sobre o feed infinito e a noção de passado

Ouvi uma crítica justa aos stories e outras mídias similares, vinda do antropólogo Michel Alcoforado. O que vemos em um story damos por “presente”. Não interessa se o rosto do perfil publicado está muito diferente desde a última vez em que o vimos.

Em um certo fim de semana, publiquei imagens minhas no Instagram que estavam distantes temporalmente, imagens com cinco anos de diferença. Todas as pessoas que comentaram foram levadas a pensar que tudo aquilo acontecia comigo naquele momento.

Esmartefone + feed infinito: ideia de um presente contínuo interminável. Há aí tanto a mudança da noção de tempo, quanto a mudança da ideia de história e de nostalgia.

“O Centro é o lugar do imprevisível ):)”

Outro dia fui a um passeio didático pelo centro da cidade feito para meus alunos estrangeiros do curso de português.

Chamaram um professor de geografia que fez loas ao caráter caótico do centro da cidade, contrastando-a com os shopping-centers:

Se você for ao shopping, tudo acontecerá como planejado; mas se você for ao centro da cidade, pode ser surpreendido a todo momento.

Só que, momentos depois, enquanto ele falava, dois moradores de rua começaram a intervir no que ele falava, batendo palmas, interceptando. Vocês não conseguem imaginar a cara de contrariado que ele tinha…

Linkroll

Ótima resenha da New Yorker sobre o filme Perfect Days (2023), também resenhado nestas Ideias de Chirico.

• Perfect Days and the perils of minimalism.

Esse texto me atentou para um traço incomum da personagem Hirayama, que o torna ímpar e fora do zeitgeist contemporâneo: ele é um indivíduo sem curiosidade. Depois que li esse texto, fiquei pensando sobre o porquê de eu mesmo levar o cenário de Perfect Days como ideal, já que não me vejo no futuro como um homem sem curiosidade. O título é um pouco impreciso, porque se fala pouquíssimo sobre o minimalismo do ambiente do protagonista.

Mina Le, ensaísta e influenciadora do campo da moda, fala em seu vídeo-ensaio sobre o porquê de as redes sociais não serem mais divertidas.

• why is social media not fun anymore?

Os motivos apontados por Le: o algoritmo de curadoria de conteúdo e a ironia crônica das comunidades atuais. Em outras palavras, somente o algoritmo: ele é anticultural, porque sempre vai ofuscar a recomendação orgânica ― de pares para pares ―, e é anticomunitário, porque sempre vai privilegiar o discurso inflamatório (no qual está a ironia), que retém mais engajamento dos usuários. Enquanto todos temem e criticam a inteligência artificial generativa, eu digo: o algoritmo de recomendação de conteúdo é muito mais danoso para a cultura e para a criatividade do que qualquer outra tecnologia que será desenvolvida a partir de agora.

O filme Jaws (na versão brasileira, “Tubarão”) nesta sexta-feira (20/06) completará 50 anos desde o seu lançamento em 1975. Por que esta efeméride é interessante, paralém da relevância desse suspense estadunidense? Porque foi o filme Tubarão que se inaugurou a expressão blockbuster como alcunha de filmes de grande sucesso.

Block em inglês significa quadra. No dia do lançamento do longametragem, a fila para o cinema rodou o quarteirão. Os jornais da época então mencionaram Jaws como um blockbuster. Blockbuster seria aquilo que “destrói quarteirões” ― um termo primeiramente utilizado para se referir a bombas no contexto da Segunda Guerra Mundial.

Soube desta efeméride pelo podcast Xadrez Verbal nº 423 e tirei outras informações a partir destes textos:

• Why Hit Movies Are Called Blockbusters.

• 50 years ago, ‘Jaws’ scared us senseless. We never got over it.

Um youtubeiro decidiu trancar o próprio esmartefone em um cofre, porque estava cansado de ler notícias sobre as quais não queria saber. O movimento de entropia é interessantíssimo: para compensar a ausência do aparelho, ele comprou cadernetas, um despertador analógico e um telefone com fio.

I hate my phone so I got rid of it

O problema de toda essa experiência, acho, está em tentar acessar os mesmos espaços sem esmartefone como se vivesse com um. Já espoilerando: em alguns momentos ele precisou pedir emprestado o aparelho de outras pessoas enquanto esteve fora de casa.

Experiências assim fazem pensar que é preciso inventar um viver distinto àqueles que não se adequam ou se negam a viver a vida digital compulsória. O clube ludista de Nova York já deu o primeiro passo.

Imagem monocromática de Matt Smith, programador de jogos para ZX Spectrum, um homem jovem de cabelos altos e lisos, utilizando um moletom. Ao seu redor há vários teclados ou computadores do modelo ZX Spectrum. À sua frente há uma televisão, que antigamente era utilizada como tela de computador.

Matt Smith, programador de jogos para ZX Spectrum.

Citações

Poems are basically like dreams... Something that everybody likes to tell other people, but nobody actually cares about when it's not their own.

― Autoria desconhecida.

Poema é igual a peido ― cada um só aguenta o seu.

Uma variação da citação anterior.

Jamais vou me esquecer de quando eu fui em um planetário e alguém vaiou quando mostraram a terra

― Algum vídeo curto que vi por aí.

Sinto que muita gente abre uma empresa e acaba caindo no modelo de que “somos uma família”, certo? E isso é um sinal de alerta gigante porque toda família é disfuncional. Todas, todas são.

― James Hoffmann, via Manual do Usuário.

Quando algum gringo zombar do seu sotaque diga: “Você fala inglês porque é o único idioma que você sabe; eu falo inglês porque é o único idioma que você entende”.

― Algum vídeo curto.

A vida é como uma toalha de banho: o lado que você passa na bunda hoje pode passar na sua cara amanhã”

― Um meme boomer.

A computer is like air conditioning – it becomes useless when you open Windows.

― Linus Torvalds.

Email is the cockroach of the internet – it outlives every wave trying to kill it. Forget Slack, forget Discord, forget chat apps. Email is universal, decentralized, and asynchronous. It's not sexy, but it's the ultimate survivor.

― JA Westenberg (@Daojoan@mastodon.social)

#cotidiano #tecnologia


 
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from Ni idea

Esses dias li um texto bacana num blogue e percebi qual é uma das principais razões pra eu enrolar tanto pra escrever o meu: eu não sei escrever em estilo blogue.

Antes eu só argumentava que não sei escrever. Mas isso é genérico e meio falso, como podem ver estou escrevendo e sendo entendida (espero)

Mas é que em blogue bacana tem uma estrutura basica apesar de possiveis variações que é que os assuntos tem uma conclusão. A pessoa começa contando uma história (às vezes bem tangente ao assunto e só pra efeito dramático) aí chega na parte principal, conta os conflitos surgidos com o assunto e no final chega a uma conclusão, uma moral da história, um final feliz, uma resposta, enfim, deu pra entender.

Aí percebi que sempre que eu pensava em escrever aqui ficava procurando uma RESPOSTA ao assunto pra poder seguir essa estrutura, e como eu quase nunca tenho essa resposta pq to constantemente confusa com tudo e ignoro coisa demais, ficava uma ideia meio solta que eu sentia que simplesmente não dava pra escrever.

Ironicamente e talvez pela única vez, hoje tenho uma resposta. E é o ato mesmo de escrever e publicar. E é que eu vou simplesmente escrever nem que seja uma ideia solta. Não vai ter um fio narrativo/argumentativo como os blogues legais, sinto muito.

Se liberar de travas auto impostas é bom demais, recomendo.

 
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from Felipe Siles

Introdução

Como sou uma pessoa de origem nas classes mais populares, que até conseguiu através dos estudos uma relativa mobilidade social, o impulso de gastar, consumir, se recompensar é um fantasma que está sempre me rondando. Como quase todo mundo que tem cartão de crédito, já perdi a mão e adquiri uma dívida gigantesca. Como não tenho parentes ricos para recorrer, sou sempre eu mesmo quem precisa corrigir as minhas próprias merdas, então fui ao longo dos anos consumindo diversos materiais de educação financeiro: textos, vídeos, livros, etc. Mas a maior dificuldade diante da maioria desses materiais, é que nunca tive a disciplina e paciência de anotar tudo o que gasto. Inclusive, sempre achei uma tarefa meio burra, já que existem outras formas de fazer esse registro, como o próprio extrato do banco ou do cartão.

Como a maior parte da minha carreira profissional é como profissional autônomo, a sazonalidade dos pagamentos aumentavam o caos financeiro. Daí que descobri, quase que por acaso, o livro Finanças para autônomos de Eduardo Amuri e, de tudo que eu consumi sobre o assunto, foi o que mais faz sentido pra mim. Acabei adaptando algumas dicas do livro, e outras inventei. Vou enumerar, então, que medidas são essas que uso para controlar meu dinheiro e indicar se foram tiradas/adaptadas ou não desse livro.

Este texto é despretensioso, não tem objetivo de ser um guia financeiro para ninguém, apenas um registro de como eu faço as coisas, do meu jeito, que pode servir ou não para outras pessoas. Mas não sou especialista em finanças, se precisar de ajuda de verdade, procure um profissional especializado.

Capa do livro Finanças para autônomos, de Eduardo Amuri

1. Calculo a média das coisas

Essa é uma dica retirada do livro. Como para praticamente todo mundo os valores das receitas e principalmente despesas flutuam, é bem importante calcular as coisas pela média. Quanto maior a amostragem, mais perto vai estar da realidade concreta do dia-a-dia. Então eu tenho uma planilha mensal com receitas e gastos. As receitas e gastos que são fixos, simplesmente coloco o valor, e as que são flexíveis, coloco a média mensal. Organizo tudo detalhado: receitas como bolsa de doutorado, e despesas como assinaturas, faxina, transporte, alimentação, etc. Ah, os investimentos que faço de maneira recorrente, minha reserva de emergência e meu pé de meia, estão nessa planilha também. Essa planilha me ajuda a ter uma visão do todo. E do lado dela coloco colunas referentes aos meses do ano, e vou ticando conforme vou efetuando ou recebendo os pagamentos.

2. Cartões pré-pagos

Uma dica que eu achei muito interessante no livro, mas não achava muito prática no mundo contemporâneo: o autor aconselha o leitor a sacar dinheiro físico toda semana, e usar apenas o montante sacado. Já tentei fazer isso, mas a falta de troco dos estabelecimentos me fez perder tempo e passar raiva. Mesmo assim, a ideia nunca saiu da minha cabeça, do meu radar, e eu ficava pensando como aplicar o conceito no mundo dos bancos digitais e do pix. Eis que encontrei a solução: cartão de débito ou crédito pré-pago. Existem diversos bancos e financeiras que oferecem esse serviço, não vou dizer quais por dois motivos: primeiro, não vou fazer propaganda de banco (me poupo dessa vergonha); e segundo, porque o texto periga ficar datado, já que instituições podem acrescentar ou retirar esse produto de seu cardápio de serviços oferecidos.

Eu possuo três cartões pré-pagos: em um deles deixo todos os débitos automáticos (contas, assinaturas, doações, etc), e recarrego esse cartão uma vez por mês, assim que cai a minha bolsa de doutorado. Tenho um cartão de débito pré-pago para utilizar no dia-a-dia, principalmente para comer em restaurantes, feiras, padarias, etc, eu brinco que é o meu VR. E um cartão de crédito pré-pago que uso para pequenos gastos esporádicos em aplicativos (basicamente carro particular, entrega de comida e recarga de bilhete de transporte público). E como uso menos esse cartão de crédito, ele ainda me salva quando o de débito, que utilizo mais, acaba o saldo. Esses dois cartões, que utilizo no meu cotidiano, são recarregados toda segunda-feira. E, lógico, coloco os valores das recargas como gastos fixos na minha planilha. Como existem meses de 4 e de 5 semanas, eu multiplico esse gasto na planilha mensal por 4,5. Costuma funcionar.

3. Poupo, logo existo

Meio óbvio, mas acho importante mencionar: todo mês eu destino 10% do que eu ganho para uma reserva emergencial e 10% invisto no meu pé de meia, que é um dinheiro que eu pretendo sacar só quando eu me aposentar. Dessa forma, 20% do que eu ganho é investido. Eu queria até investir mais, mas já notei que quando eu invisto mais que isso, meu dinheiro acaba mais rápido e eu preciso ficar mexendo na reserva emergencial. Dentro do patamar do que eu ganho e consumo, esses 20% até que ficam equilibrados.

4. Vendo coisas que não usa mais

Uma coisa que eu gosto muito de fazer é vender coisas que tenho e não uso mais. Como eu disse no começo do texto, houve épocas onde eu consumi muito, até para me recompensar e sentir o processo de mobilidade social (aquele prazer de comprar algo que você não podia ter antes, como por exemplo o álbum de figurinhas da Copa do Mundo). Acabou que eu acumulei muita coisa que não uso. Hobbies e coleções que comecei e depois abandonei, principalmente. E pode ser que o que está parado na sua casa possa ser útil para outra pessoa.

Já testei diversos sites de vendas, eu gosto muito daquele lá que as pessoas vendem coisas que elas enjoaram kkkk, pelo menos é um site brasileiro. As taxas são altas, mas o serviço é bom, e é um dos únicos lugares onde dá pra vender livros, já que o público desse site é majoritariamente de classe média. Já vi muita gente reclamando da galera fazer ofertas baixas, e conheço muita gente que fica alimentando aquele fetiche de que suas coisas podem ser vendidas bem caras para um colecionador. Eu sou bem desapegado, faço uma pesquisa de preço e coloco tudo na média ou até abaixo do preço médio, para desapegar logo. Pra quem não tem nada, meio é dobro. Eu acho que se um objeto render qualquer troco é melhor do que a situação dele parado na minha casa rendendo R$0,00. E não me preocupo em recuperar o que investi nesses objetos ou até com uma eventual valorização de um objeto raro, vejo mais esse hobbie como uma contenção de danos, já gastei dinheiro que não podia mesmo, como que eu recupero pelo menos uma parte dele?

E lembre-se, essa tarefa demanda um trabalhinho: é fazer o anúncio, responder eventualmente alguma pergunta de cliente, embalar o produto, levar no correio ou na transportadora, então planeje-se. Eu saco o dinheiro obtido com essas vendas uma vez ao mês, e jogo numa conta separada, que uso para algo bem específico, que prefiro não dizer o que é, por questões de privacidade.

5. Tenho várias contas bancárias (todas gratuitas), cada uma com uma função diferente

Em primeiro lugar, se você paga mensalidade da sua conta bancária, eu sugiro dar uma olhada em um conteúdo da Nath Finanças, onde ela ensina como obter contas gratuitas em praticamente todos os bancos famosos. Vai naquele site de vídeos que você sabe qual é, digita Nath Finanças, o nome do seu banco e “conta gratuita”, você certamente achará o tutorial (não vem me pedir o link, pelo amor de Jah, acha você).

Eu tenho contas separadas para receitas e gastos separados. Tenho uma conta apenas para receber minha bolsa de doutorado. Outra conta só para receber os freelas. Tenho as contas dos cartões pré-pagos que eu mencionei. A reserva de emergência ainda fica em outra conta de banco. Essa é a forma que eu encontrei para evitar gastos acidentais e principalmente pra ficar organizado, e até mesmo para dificultar meu próprio acesso a algumas dessas contas.

Eu tenho dois dispositivos móveis, onde estão meus aplicativos de banco. No meu celular, está apenas um desses aplicativos de banco, aquele banco do meu cartão pré-pago, e onde eu já deixo aquele famoso dinheiro do ladrão, caso eu seja assaltado. Os demais aplicativos de banco ficam em outro dispositivo, do qual não vou entrar em maiores detalhes, por questões de segurança pessoal.

Conclusão

Faz pouco mais de um ano que me organizo dessa maneira e vem dando muito certo. Consegui nesse período até pagar 3 dívidas grandes que tinha com banco. Minha reserva de emergência foi suficiente para me salvar de alguns perrengues: comprei um computador de gabinete quando meu notebook deu pau, ajudei meu irmão a pagar a cirurgia de uma das nossas cachorras, e volta e meia salvo algum amigo ou parente que tá numa situação financeira complicada.

Não sou um exemplo de sucesso, sou apenas uma pessoa de classe média baixa, que trabalha muito, cozinha a própria comida e se locomove na maior parte do tempo de ônibus, mas esse método me ajudou a tirar a preocupação financeira da minha cabeça, que já tirou muitas noites de sono, felizmente não me assombra mais... vamos ver até quando... tomara que por muito tempo...

Ainda não estou 100% satisfeito e quero ao longo dos anos adotar formas mais simples e baratas de viver, até para conseguir poupar mais dinheiro. Minha vida já é bem austera, mas sinto que ainda dá pra fazer pequenos ajustes para torná-la ainda mais simples, os saudosos Pepe Mujica e Papa Francisco são meus musos inspiradores. Mas para a minha vida hoje, tá funcionando direitinho e me poupando de passar sustos e perrengues.

P.S.: não confio nesses aplicativos de controle financeiro que puxam a movimentação direto do aplicativo do banco, não me parece seguro fazer isso.

P.S.2: hoje em dia não utilizo cartão de crédito nem cheque especial, a duras penas aprendi a fugir dessas duas armadilhas.

P.S.3: nunca negocie dívida direto com o banco, existem instituições terceiras que fazem a negociação muito mais vantajosa para o devedor. Uma dessas instituições é aquela onde o nome da pessoa vai parar quando ela está devendo.

 
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from Felipe Siles

Peço licença povaria!

A BBC News Brasil publicou uma matéria da jornalista Thais Carrança, analisando os dados do Censo 2022 relativos à religião. A manchete destaca o arrefecimento do crescimento evangélico, inédito desde 1960. Ao longo da matéria podemos também constatar que o Brasil nunca foi um país tão religiosamente diverso como no momento.

Mas a grande notícia para o povo do asé, é que as religiões de matriz africana (umbanda e o candomblé) mais do que triplicaram seu tamanho em relação ao censo anterior, obtendo o maior crescimento percentual dentre todas as religiões no Brasil. Se em 2010 éramos 525,6 mil, em 2022 subimos nosso número para 1,8 milhões, representando 1% da população brasileira. Trata-se de um número ainda pequeno, se comparado aos cristãos por exemplo (só de católicos são 100 milhões), mas não se trata de um número desprezível. 1,8 milhões de pessoas está num patamar parecido com a população da cidade de Curitiba e de países como Letônia, Kosovo e Bahrein.

Ao olhar com mais calma a matéria e os dados trazidos por ela, alguns pontos que me chamam a atenção:

  1. Muitas pessoas que eram adeptas de religiões de matriz africana, mas antes se declaravam como católicas ou espíritas, passaram a afirmar sua religiosidade e ancestralidade. A própria matéria fala sobre isso no item 2, e o declínio no número de espíritas e católicos pode ser um indício que fortaleça esse argumento. Acho esse ponto particularmente positivo, pois apesar de todo o preconceito, racismo e intolerância religiosa que sofremos, as pessoas estão perdendo o medo de assumir suas identidades, o que é muito positivo. É muito provável que o número de adeptos de religiões de matriz africana não era de 525,6 mil na realidade concreta de 2010, certamente esse número estava subestimado;

  2. No item 8 a matéria discute a escolaridade dos grupos religiosos. Os espíritas são de longe os mais escolarizados, 48% possuem nível superior, porém os adeptos de candomblé e umbanda vêm logo atrás, com 25,5%. Acredito que isso seja um reflexo da política de cotas raciais nas últimas décadas. Uma parcela da população passou a acessar a universidade pública, e passou a produzir discurso oficial. Muitas dessas pessoas encontraram um ambiente hostil nessas instituições, e precisaram se reconectar com suas negritudes justamente no espaço do terreiro. Formou-se uma nova classe média negra e parda, intelectualizada, que produz e consome conhecimento, informação e cultura afro-centradas. Esse engajamento intelectual e religioso da classe média negra nos terreiros acaba emprestando legitimidade e respaldo à causa, criando um ambiente em que mesmo as pessoas que não pertencem a essas classes médias negras passem a perder o medo de assumir sua religiosidade. Creio que esse mesmo fenômeno esteja conectado ao aumento de pessoas que se declaram como pretas e pardas, já que o debate em torno do letramento racial ganhou popularidade e capilaridade nos últimos anos;

  3. Acredito que o número de adeptos de religiões de matriz africana pode até estar subestimado, já que existe uma grande zona cinzenta que é a categoria “Outras”, onde estão 7 milhões de brasileiros. Creio que muita gente pode ter se declarado como pertencente a religiosidades afro-brasileiras menos numerosas que o candomblé e a umbanda, como por exemplo: o culto tradicional iorubá Esin Orisa Ibilé (ao qual pertenço), o Terecô maranhense, a vertente cubana do culto de Ifá, entre muitas outras expressões espirituais africanas, afro-brasileiras e afro-indígenas. Por essa matéria, não conseguimos ainda dados mais precisos da categoria “Outros”, talvez valha a pena aguardar novas divulgações do IBGE com mais dados, para fazer uma nova análise.

Na condição de devoto do orixá, fico extremamente feliz com o crescimento, espero que seja um pequeno indício de que, apesar de tantos retrocessos que estamos passando com o avanço mundial da extrema direita, a semente de um mundo com maior diversidade cultural e religiosa começou a brotar.

Asé!

 
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from Ideias de Chirico


Imagem de uma pessoa escrevendo agilmente em um teclado de notebook

Imagem: Flickr.

Imagine que você vive em um mundo no qual não se usa outro meio de transporte a não ser o das próprias pernas. Todas as pessoas nesse mundo caminham, não importa qual a distância. Não se pilota motocicleta, não se dirige carro, não se voa de avião, nem mesmo se pedala com bicicleta ― muito embora essas tecnologias já existam. Vem alguém e lhe oferece um curso gratuito de automóvel, no que você retruca: “Por que eu deveria aprender mais uma habilidade de locomoção? Levei três anos para caminhar!”. “Aprender a pedalar? Eu já dou no pé todo dia, obrigado”. “Avião? Por que voar se posso andar?”

Volte ao mundo em que você vive. A situação imaginada acima sobre locomoção é parelha com a situação real da escrita nos dias de hoje. Uma brutal parte das pessoas digitam, escrevem longos textos, namoram, fazem negócios e cálculos utilizando uma tecnologia do século XIX e não o percebem... Surgem outras mais atualizadas e propícias para novas necessidades e ainda assim as pessoas recusam. “Já está bom assim”. “Não preciso aprender outra habilidade”. “Por que eu deveria reaprender a escrever?” etc., etc., etc.

Essa tecnologia a que me refiro é a máquina de escrever. Você sabia que a disposição das nossas teclas nunca mudou desde a invenção desse equipamento mecânico? Escrevemos em nossos telefones, em nossos tablets e em nossos computadores pessoais da mesma forma como se escrevia há quase dois séculos!

Escrevo este texto para mostrar meu testemunho do porque é importante reaprendermos a viver, isto é, aprimorarmos atividades tão cotidianas como é o próprio escrever.

Este texto que vocês leem é um desses de metalinguagem em que comento sobre uma tecnologia ao tempo que a utilizo para o redigir. Elaborei a publicação sobre gravador de voz tecendo notas esporádicas com um aplicativo de gravador de voz para telefone, assim como escrevi sobre o uso de máquina de escrever escrevendo com minha Remington 15.

Estou neste momento escrevendo em um teclado de leiaute Dvorak. Não sinto meus dedos tensos. Mal os movimento. Quem me observa de longe, provavelmente pensa que estou blefando minha escrita: não tiro a mão esquerda da linha central; mesmo a direita, mais ativa, quase não sai do lugar ― a não ser para teclar backspace. Por consequência, o teclado não faz tanto ruído, e de certa forma mantem-se conservado, já que a digitação não é tão agressiva. A escrita do dia a dia é bem mais prática e até os atalhos mais comuns são mais confortáveis, pois as teclas mais frequentes são mais próximas umas das outras.

O teclado Dvorak é designado como um padrão feito para movimentar ao mínimo os dedos, uma vez que as teclas mais utilizadas (a princípio, em língua inglesa) são postas na linha central. Ao tempo que a mão esquerda ocupa-se da digitação das vogais e das pontuações, a direita fica com as consoantes, com os acentos gráficos e com o backspace. Disso resulta que boa parte das palavras podem ser escritas sem que se movimente tanto as mãos.

Tem sido assim há pouco mais de um ano e não penso em deixar de teclar dessa forma. Assim como pedalar e falar em inglês, aprender um novo leiaute é uma dessas habilidades que requerem uma dura dedicação de alguns meses, mas seus frutos são para toda a vida. É um presente que você dá para o seu eu do futuro.

Sei,sei... Nesta ideia de Chirico me superei. Por que diabos perder tempo reaprendendo a digitar? Eu poderia muito bem só digitar olhando para o teclado, “catando milho” com dois dedos, como fazem os estudantes italianos, não é mesmo?

Porém, antes de me chamarem de doido, procurem me entender.

Precedentes

Não sou o primeiro e não serei o último a estranhar a naturalização da utilização de instrumentos e modelos disfuncionais. Um dos registros de reclames mais antigos sobre o leiaute padrão de máquinas de escrever e computadores vem do escritor de ficção científica Isaac Asimov, que no prefácio de seu livro “Histórias de Robôs – Volume 3” declara como

Mais estranha ainda é a tenaz oposição a qualquer modificação no teclado das máquinas de escrever, embora o padrão universal de hoje em dia seja um disparate criado pelo inventor do instrumento por motivos banais. O mais avançado dos computadores atuais [...] emprega este teclado. Na realidade, ele diminui a velocidade datilográfica por causa da utilização desproporcional das duas mãos, principalmente ao favorecer a maior aplicação da canhota num mundo em que noventa por cento da população é mais hábil com a direita.

Por que essa atitude refratária com as mudanças?

Simplesmente pelo medo que se tem do processo de reeducação! As pessoas adultas gastam infinidades de horas para se habituar com polegadas e milhas, com os vinte e oito dias de fevereiro, com letras que não se pronunciam, em night e debt por exemplo, com exercícios de datilografia e sabe Deus mais o quê. Introduzir algo completamente inédito implica recomeçar tudo de novo, voltar à estaca zero da ignorância e correr no velho risco, tão conhecido, de possíveis fracassos.

Citação de Asimov a partir da fotografia da página do livro.

Reprodução do prefácio “Os robôs, os computadores e o medo” do livro “Histórias de Robôs”, de Isaac Asimov. Cortesia de @diegopds@bolha.us

Desde que ingressei no curso de Letras, em 2019, o volume de textos por digitar no computador aumentou. Somado a isso, durante 2020 comecei a trabalhar como ~semiescravo~, digo, treinador de inteligência artificial. Forneci input por quase um ano ao sistema de transcrição automática de texto da ByteDance, empresa chinesa que administra o TikTok.

A digitação tornou-se, então, cotidiana. Havia dias em que eu mais escrevia do que falava. Com a pandemia, surgiu um tempo livre para estudar datilografia. Através de treinos pelo sítio web KeyBR (que, apesar do nome, não é um domínio brasileiro), aprendi touchtyping, uma técnica pela qual se digita através da memória muscular, sem olhar para o teclado.

A partir do touchtyping, passei a digitar rápida e focadamente, pois, sem a necessidade de dividir a atenção entre a tela e o teclado, a chance de me perder na linha sobre a qual escrevo é bem menor. Saber essa técnica também me deu mais segurança para ocasionalmente buscar um leiaute datilográfico alternativo.

Inicialmente poder digitar tão confortavelmente e com agilidade foi uma boa decisão. Todavia, passados alguns anos, meu teclado foi degringolando, até que ocasionalmente parou de funcionar. Minha hipótese é de que o teclado QWERTY, o padrão universal de teclados, facilitou o processo de danificação da membrana. Ora, uma vez que no padrão QWERTY as vogais são dispostas muito distantes umas da outras, somos impelidos a movimentar mais os dedos, consequentemente aplicando mais força sobre as teclas.

Logo: datilógrafo agressivo + texto sob prazo apertado + leiaute desenhado para movimentar mais os dedos = laptop velho partido ao meio.

A partir da leitura do Dvorak Zine, que conheci pelo Mastodon em 2023, passei a me interessar por esse leiaute alternativo. Muita informação esparsa sobre o pouco explorado mundo da digitação pode ser encontrada nesse genial textinho do começo do século. A leitura desse zine digital vale a pena sobretudo pela história da falida jornada de August Dvorak em promover a sua invenção.

As pessoas esquecem-se de que o leiaute padrão dos computadores descendem das máquinas de escrever, cujo leiaute, por sua vez, tem suas concepção cercada de mistérios. Diz-se por um lado que a organização do QWERTY parte da tentativa de retardar a digitação do datilógrafo a fim de evitar que ele trave as sapatas da máquina de escrever; por outro, diz-se que a disposição de seus caracteres buscou facilitar a transcrição de decodificadores de código Morse. Ambas as hipóteses demonstram que o QWERTY é uma configuração que já não faz sentido no contexto computacional, que não trabalha nem com sapatas mecânicas, nem com código Morse.

Por sorte, os computadores são flexíveis quanto ao arranjo de seus periféricos, e, por consequência, a troca da disposição de teclado.

Imagem de uma máquina de escrever com o padrão Dvorak

Imagem: máquina de escrever com padrão Dvorak (c8.alamy.com). Apesar da homérica jornada de August Dvorak de tentar tornar o seu leiaute um padrão comum, o ineficiente padrão QWERTY segue como predominante até os nossos dias.

A promessa do padrão Dvorak, originalmente desenhado para as máquinas de escrever, era a de uma digitação mais ergonômica e potencialmente mais rápida. Esse último aspecto, no entanto, encontra divergências pelo baixo número de digitadores em Dvorak. Mesmo datilógrafos dvorakianos recordistas, como a escritora Barbara Blackburn, têm os seus resultados postos em dúvida. Logo, não há bastantes dados demostrando que a escrita nesse padrão datilográfico seja mais ágil propriamente do que a escrita no velho padrão de máquina de escrever.

Não é por isso, entretanto, que o Dvorak não apresente outros benefícios.

Ergonomia

A primeiríssima razão pela qual alguém abandona o teclado default é por conta do desconforto causado pelo sua disposição caótica. De fato, movimentamos demasiadamente nossos dedos enquanto digitamos. Vez ou outra vejo algum amigo desenvolvedor sofrendo de tendinite. E nisso o teclado com o qual escrevemos tem parte. Escapa aos fabricantes e consumidores uma percepção: o teclado QWERTY não foi feito para uma escrita confortável.

De nada adianta que o modelo do teclado seja ergonômico se se basear no leiaute da máquina de escrever, que não foi pensada para o uso doméstico, mas sim para datilógrafos de escritório do século XIX; se suas teclas não são dispostas de um modo que se movimente ao mínimo os dedos, de nada adianta um teclado ergonômico.

A situação do leiaute dvorakiano é diferente. Ele é por design um padrão feito para que se retirem ao mínimo os dedos da linha central do teclado. Dvorak é por concepção, um padrão ergonômico, que, aí sim, somado a um teclado dito “ergonômico” trará um real benefício à saúde manual do datilógrafo.

Relação entre o leiaute Dvorak e a língua portuguesa

Quando publiquei sobre o leiaute Dvorak no fórum Órbita, do Manual do Usuário, houve alguns comentários como “Mas isso não é um problema para quem não escreve em inglês, já que August Dvorak desenhou o leiaute partindo dessa língua?”

Pela minha experiência, garanto que a escrita em língua portuguesa é na verdade favorecida por essa disposição de teclas. E diria mais: a escrita em língua portuguesa por esse padrão é mais favorecido do que a escrita em língua inglesa. Nas vezes em que escrevi alguma mensagem em língua inglesa, achei esquisita como consoantes comuns em inglês, como “Y” e “K” estão mais para o interior do teclado.. Ademais, o português e o inglês apresentam algumas raízes e influências em comum, como o francês, o grego e o latim, causando algumas felizes palavras cognatas.

Apesar disso, creio também que isso independe da similaridade linguística. Como escreve o programador dvorakiano Nando Florestan sobre esse leiaute:

Pessoalmente não me interessei tanto [pelo Brasileiro Nativo, variante do Dvorak para português], por acreditar que, embora o Dvorak Simplified Keyboard seja otimizado para o inglês (as letras mais usadas ficam na “home row”), o português seja parecido a ponto de não fazer quase nenhuma diferença. Além disso, muitos brasileiros escrevem bastante coisa em inglês...

Pelo sim, pelo não, o QWERTY também não foi desenhado para o português, não é? De qualquer forma, a designação feita por August Dvorak para uma escrita confortável em inglês acaba por beneficiar também lusodigitadores.

Esquema do padrão Dvorak adaptado para português.

Imagem: esquema Dvorak com acentos e o caractere “ç”, adaptada para a língua portuguesa. Ilustração de Heitor Moraes, via blogue do Nando Florestan. Este é a variante que utilizo.

Como as vogais no modelo Dvorak estão mais próximas, torna-se mais fácil fazer ditongos. “A” é ao lado de “O”, que é ao lado de “E” o que permite fazer nossos primorosos “ão” e “ões” com muita fluidez; a vogal “E”, por sua vez, está exatamente ao lado de “U”, o que nos permite o “EU” com muita mais facilidade. Também o fato de que as vogais estão com a mão esquerda e os acentos gráficos estão com a mão direita ajuda a variar a atividade das duas mãos e, por consequência, a tornar a escrita mais flúida e rápida.

Não somente existe proximidade entre as vogais, como também existe entre as consoantes que fazem encontros consonantais, como “TR”, “CR”, “CH” e “NH”. “M”, que sempre antecipa o “B” intervocálico, também se avizinha da letra “B” nesse leiaute alternativo.

Atalhos

Apesar do padrão Dvorak ter sido desenhado bem antes da concepção dos computadores domésticos, a disposição de seus caracteres permite o acionamento de atalhos de uma forma mais prática.

Como falado anteriormente, a maior característica do teclado Dvorak é que as vogais do alfabeto foram dispostos ao lado esquerdo, enquanto que as consoantes ficaram para a mão direita. Essa disposição permite que a mão esquerda fique ocupada com a pressão sobre a tecla Ctrl, enquanto a direita aciona os atalhos, com a possibilidade de acionar três ou quatro comandos sem tirar a mão da mesma posição. Atalhos como Ctrl + C (copiar), Ctrl + V (colar), Ctrl + T (fechar janela), Ctrl + W (fechar aba de navegador), Ctrl + Z (desfazer ação) e Ctrl + F (buscar palavra) podem ser acionados sem que se tire as mãos do lugar. Isso evita distensões de uma mão só com comandos do tipo Ctrl + T, ou Ctrl + V, que são muito comuns para a configuração QWERTY; e tudo isso sem que o datilógrafo precise olhar para o teclado, já que o Dvorak tem como o pilar a escrita através de memória muscular ― o touchtyping.

Outra vez a máquina de escrever...

Apesar de ter encontrado e aprendido um leiaute de teclado que é mais confortável e mais prático e mais conveniente do que o leiaute QWERTY, também tenho uma máquina de escrever. Com o leiaute QWERTY, claro. Para bater em papel. “Anrã... Qual o sentido disso?”, você deve me perguntar, cínico leitor.

Acontece que, como especifiquei em um texto recente, cada ferramenta de escrita cria uma atitude diferente perante o texto, o influenciando. “Nosso equipamento participa na formação dos nossos pensamentos”, escreveu Friendrich Nietzsche em carta para um amigo que elogiou os últimos textos do filósofo alemão depois deste ganhar uma máquina de escrever.

Imagem: reprodução de “A Geração Superficial”, de Nicholas Carr, com o relato de Nietzsche sobre a importância da máquina de escrever em sua escrita. Cortesia de @diegopds@bolha.us

O escritor belga Lionel Dricot ― vulgo “Ploum” ― publicou recentemente um romance distópico, o Bikepunk ― les chroniques du flash. Trata-se de uma história passada 20 anos depois do assim chamado flash, uma imensa luz vertiginosa que emanou sobre toda a terra, e deixou toda a humanidade cega, infértil e sem energia. A personagem protagonista, Gaïa, nascida no ano do flash e farta de sua comunidade sedenta por mulheres férteis, parte para uma fuga com Thy, um ermitão sexagenário que misteriosamente não foi impactado pelo fenômeno. Neste ambiente sem eletricidade, amoral e decadente, a bicicleta é um instrumento de emancipação.

E também a máquina de escrever.

Ploum decidiu lançar mão sobre este instrumento a fim de sentir-se climatizado dentro do enredo. Mas não só: Ploum é entusiasta do low-tech e um grande crítico da imposição de meios elétricos ― apesar de ser professor de informática de código aberto em uma Universidade belga. Além disso, o autor também queria desconectar-se para a redigir o seu livro.

Quando estou sentado de frente para a máquina de escrever, estou impelido por um retorno acústico-tátil da sapata de cada letra chocando-se sobre o papel, o que é capaz de me manter por horas a fio diante do texto e me fazer sentir que estou conectado a ele. Esse feedback falta ao computador. Além disso, um computador, mesmo com um novíssimo disco SSD, tem uma latência em sua inicialização; ao tempo que não levo mais do que dois minutos para acertar o papel sobre o carro da máquina de escrever.

Não minto que já fiz algumas experiências de tornar o computador um instrumento centrado para a escrita e até configurei o programa com o qual escrevo como padrão na inicialização. A retomada de textos já iniciados, entretanto, não é muito feliz: tenho de me esbarrar com filas e mais filas de arquivos, o que acaba por me distrair.

Sim, eu poderia conseguir uma máquina de escrever com o padrão Dvorak. No entanto, além de ser raro uma máquina com Dvorak, me faltariam os acentos, que só vieram ao Dvorak em uma padronização recente nesse leiaute.

A escrita sobre a máquina de escrever pode ser mais lenta, sim, porém é mais focada, não exige muitos recursos, como internet ou eletricidade. Ah, e ― adivinhem só: o papel não emite luz! ― o que é uma salvação para alguém com astigmatismo, como eu.

Somado a tudo isso, tenho utilizado o Ghostwriter, um programa especializado para a escrita de textos longos. Ele me permite escrever no computador sem que o backspace seja habilitado (um recurso conhecido como Hemingway mode), me impedindo de editar o texto. Só me resta então digitar sem “olhar para trás”, como se faz com a máquina de escrever. Além disso, Ghostwriter me permite escrever e visualizar o texto em linguagem Markdown, com o qual publico neste blogue; sem contar com outras disposições, como apresentar o texto sendo escrito sempre próximo ao centro da tela, o que torna a experiência ainda mais similar à máquina de escrever.

Dado esse setape, é como se eu escrevesse em uma máquina de escrever elétrica com leiaute Dvorak. Isso não resolveria todos os meus problemas. Lembro de um causo sobre Gabriel García Marquez que diz que quando o Nobel-laureado escritor foi reclamar com o prefeito da cidade onde morava pelas constantes quedas de energia que atrapalhavam os textos batidos em sua máquina de escrever elétrica, o político respondeu: “Balzac, que era muito melhor do que você, escrevia com pena e papel”.

Certo de que esse causo ilustra sobretudo o descompromisso do governo com a manutenção do bem estar e da cultura, isso faz refletir sobre a necessidade de se ter sempre um plano B, ou mesmo de “se virar com pouco”.

A máquina de escrever mecânica segue como o instrumento de escrita mais resistente. E ainda tem a vantagem de exigir baixa manutenção: só requer uma tampa, a trava de carro (para evitar que alguma peça quebre em uma eventual queda) e uma eventual lubrificação. Agora mesmo escrevo com meu notebook em um jardim da universidade, e estou mais preocupado se meu notebook não toma sol do que se meu texto está bem feito. Claro, será um problema também se cair água sobre uma máquina de escrever, no entanto, deve haver uma grande carga d'água para que lhe dê uma boa ferrugem.

Salvo modelos mais antigos, como a linha Thinkpad da antiga IBM, os notebooks em geral são peças que demandam mais de recursos e de cuidados. Computadores são equipamentos frágeis. Por isso ― para parafrasear Henri Thoreau ―, nós mais pertencemos aos nossos computadores do que eles nos pertencem. É preciso não sermos servos de uma #tecnologia.


 
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from Ideias de Chirico


Close no rosto de um homem japonês. Ele tem cabelos longos, ao estilo dos anos 50. Tem uma mão apoiada no queixo e olha, de pálpebras baixas, para um ponto baixo. Foto em preto e branco.

O terno olhar de Osamu Dazai, escritor moderno japonês.

Uma daquelas publicações sem temas específicos, apenas com textos soltos que escrevo por aí, curadoria de links e citações.

Pensar em um computador desconectado

Depois de ler um texto do @ploum@mamot.fr falando sobre a construção de um computador que dure 50 anos ― onde também se fala do princípio de offlinefirst / localfirst ―, tive ganas de criar um repertório de documentos para deixar no disco rígido para consulta rápida e sem internet.

Já baixei alguns mapas (América do Sul, Brasil, Ceará etc.) e alguns dicionários. Tentei baixar o mapa de infraestrutura da minha cidade pelo OpenStreetMaps, mas não consegui direitinho. Penso em baixar o repositório da Wikipédia.

O mundo de fantasia dos motéis japoneses

O sítio web Flashbak, voltado a curiosidades históricas, publicou um artigo com algumas fotografias do francês François Prost mostrando a arquitetura de motéis do Japão.

Aí vê-se de tudo: navios, OVNIs, castelos encantados.

Se no mundo ocidental ou ocidentalizado, a discrição é essencial para um espaço sexual, não é este o caso dos motéis japoneses.

Sex In A Japanese Love Hotel

Reclames sobre um podcast

Odiei um recente episódio da Radio Ambulante, podcast hispanófono que conta crônicas da América Latina. Foi sobretudo com esse programa de áudio que aprendi a língua espanhola. Desde o período que comecei a o escutar ― 2022 ―, a vaibe do programa têm piorado muito.

Costumo pensar dez vezes antes de escutar algum episódio, porque com frequência ao fim dos episódios fica aquele clima de melancolia, de evento mal resolvido. Um episódio recente, La concursante, foi além disso, ele relata o assassinato de uma jovem adulta que participou de um populista programa de auditório do Peru, e que morreu por isso.

Estou espoilerando exatamente porque a escuta não vale a pena, apesar de que a construção narrativa do episódio seja muito bem tecida, e o trabalho de sonoplastia seja impecável, uma das especialidades da Radio Ambulante.

No entanto, afora o clima extremamente apelativo da história, que beira aos programas policiais, os produtores não nos contaram sobre como os meios de comunicação peruanas reagiram depois do episódio de assassinato, dos quais eles próprios foram catalisadores.

Uma pena.

Coisas de que mais gosto no Fediverso

  1. a comunidade capivarinha.club;

  2. a comunidade ayom.media e o seu ecossistema;

  3. o humor incessante do @miugnutos@bolha.one;

  4. a disponibilidade e gentileza geral dos membros;

  5. a diversidade de integrantes ― eu não tinha interagido na internet com pessoas neurodivergentes, surdas ou cegas até eu chegar aqui;

  6. a não hegemonia de usuários de língua inglesa;

  7. o tino slow web, com posts concentrados que só com muito esforço podem viciar o integrante fediversal;

  8. a autogestão;

  9. o respeito à privacidade em todos os sentidos ― você não precisa mostrar nenhuma informação pessoal se quiser, mas se quiser pode;

  10. Jefferson, flearows e bamblers;

  11. a infinidade de opções de plataformas e de interfaces disponíveis para interagir ― código aberto é poder!;

  12. o fato de que ninguém nunca obterá este espaço como mercadoria ou poderá censurá-lo, já que ele é 🌠 descentralizado 🌠 ;

  13. instâncias bem, bem barristas, tipo a masto.nyc (para usuários de Nova York) e a mastodon.bahia.no (para usuários da Bahia);

  14. e por falar em bairrismo e identidade, gosto também de como cada instância pode ter uma cara própria, com emojis próprios e uma cultura própria;

  15. a polyglot.city, que é a minha comunidade espiritual;

  16. o fato das redes fediversais serem de baixa manutenção, ou seja, você não precisa estar entrando todo dia nem de se esforçar para conseguir seguidores para, a curto ou longo prazo, ter uma boa experiência;

  17. ah, já ia me esquecendo do principal: não há influenciadores, trolls, propagandas ou empresas;

  18. a curadoria musical do @gaviota@weatherishappening.network (te amo, Gaviota!);

  19. como o Fediverso nunca segura o membro em seu espaço, já que estamos sempre nos redirecionando para outros sítios web;

De todas as filias, a pior é a filIA

Li em um blogue a seguinte frase:

Nós que somos entusiastas de IA.

Entusiastas de IA. Entusiastas de IA. Entusiastas de IA. Entusiastas de IA...

Incrível é como é comum encontrar esse perfil dentro da neoblogosfera!

Novamente o computador

Não sou de ter saudade, mas sinto falta de quando o computador era a grande tecnologia do momento. Com o computador como portal único da internet, havia um limite entre estar desconectado e conectado. Todos os meus esforços para tornar meu telefone um aparelho offline first provavelmente vá nesse sentido...

Offpunk

Estou simplesmente encantado pelo navegador #Offpunk/ #XKCDpunk, desenhado pelo escritor belga @ploum@mamot.fr. É um navegador para protocolo #Gemini, que roda totalmente no #terminal do sistema e que pode funcionar sem internet, mantendo páginas visitadas ou agendadas em cache.

Agora passo a maior parte do meu tempo no computador desconectado e a sensação é ótima.

Você pode saber como clonar ou instalar o Offpunk por aqui.

Explicando o Fediverso

Como vcs explicam pra alguém de forma simples o q é o fediverso?

Fediverso é Twitter, Youtube, Facebook e Instagram, tudo junto e misturado, só que sem influenciador, parente e nem bilionário.

Outra imagem do mesmo homem, mostrando o seu dorso. Ele está vestido em um kimono, na mesma posição. Tem seu punho sobre uma mesa, no qual pende uma pena, e abaixo do qual está um papel. Ele olha diretamente para a câmera.

Outra vez Osamu Dazai.

Youtube formicapunk

Partindo de um conceito vindo do @bouletcorp2@mastodon.social, o formicapunk ― aqui a arte de onde vem o conceito ―, o @ghettobastler@mastodon.art desenhou e executou o 3615-Youtube, um gravador de vídeos do Youtube para fitas VHS a partir de um Minitel, um terminal francês de vídeo-texto de 1978.

Aqui o vídeo do projeto sendo operado: https://www.youtube.com/watch?v=kMp8XH5ZHtM

Favoritismos

No último dia 14, fui à palestra do escritor cearense de biografias Lira Neto sobre seu recém-lançado “Oswald de Andrade: Mau Selvagem”, no auditório da reitoria da UFC. No último momento da palestra, na rodada de perguntas, elaborei uma questão que pensara durante toda a sua fala. Saquei o telefone do bolso, no bloco de notas escrevi

Eu me interesso por Oswald de Andrade, porque me interesso por Décio Pignatari, cujos amigos denominaram o “Oswald magro”. Como um fio puxa outro, queria saber se, em suas andanças acadêmicas, houve alguma relação entre você e Pignatari, mesmo que bibliograficamente. Além disso, poderia falar mais sobre a relação entre Oswald de Andrade e o movimento de Poesia Concreta?

e o guardei.

Passaram-se duas falas de pessoas célebres da cultura de Fortaleza; outras de pessoas não tão célebres, mas próximas ao autor; outras de pessoas nem tão célebres e nem tão próximas ao autor, mas arrumadinhas. Quando o meu sinal para a pergunta foi notado, o organizador da palestra disse que o tempo para perguntas já havia encerrado. Com o livro debaixo do braço, humildemente saí do auditório, sabendo que essa pergunta não seria respondida ali. De qualquer forma, na maioria das vezes a audiência não é tão interessante quanto o palestrante.

Publico essa dúvida neste espaço na esperança de que alguém me a responda e como forma de protesto contra eventos literários, que sempre parecem ser feitas para dez pessoas.

Na palestra. Flagra do ator Ricardo Guilherme, no canto superior direito da foto.

Frasezinhas e ready-mades

Openbar é pá pimbar.

― Ouvi de relance em algum lugar.

Vantagens de ensinar para adultos: eles se comportam e prestam atenção na aula. Desvantagens de ensinar para adultos: eles não desenham o professor e nem lhe escrevem cartinhas.

Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.

— Pepe Mujica (R.I.P.), esse Hirayama do Uruguai.

Lidar só com gente simpática em Fortaleza ― meu Deus... que solidão.

O bom de falar em LIBRAS é que ninguém cospe no outro.

Interpreto capinha como “roupinha de telefone”. Quando ele está em casa, fica sem nada, peladinho como veio ao mundo.

#Notas #tecnologia #cultura


 
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from daltux

notícia de que o projeto Redis — moderno sistema de banco de dados chave-valor largamente utilizado — passa a ter sua publicação regida pela Licença Pública Geral Affero GNU (AGPLv3), que prevê Copyleft de programas de computador (software) executados em máquinas remotas (“servidores”) e acessados através das redes (por “clientes”).

Matérias jornalísticas relatam que a grande indústria ainda não estaria tão contente com essa decisão, por considerar a licença adotada “restritiva demais”. Essa queixa era de se esperar, pois a ideia desse tipo de licença é, justamente, impedir que software feito para ser livre seja subvertido para retirar a liberdade dos usuários. AGPLv3, especificamente, é uma variação da Licença Pública Geral GNU (v. 3) adicionando uma cláusula que enfatiza a cooperação comunitária quando o programa é executado em servidores e consumido remotamente. Ela proíbe que modificações do código-fonte original fiquem escondidas: além de seguir a mesma licença, o código das alterações, segundo AGPLv3, deve estar disponível para quem acessa esse sistema. Isso possibilita que todos se beneficiem dos aprimoramentos, inclusive quem realizou o desenvolvimento anterior, formando um círculo virtuoso.

As licenças mais fortes de software livre foram redigidas com o propósito de manter livre o software livre. É tão difícil às pessoas entenderem isso? Deve ser, já que preferem terminologias de “código aberto/fechado” etc. sem considerar ou menosprezando suas implicações. No caso concreto, o problema é que, assim, ninguém — lamentavelmente, tampouco a imprensa — considera a questão a partir das liberdades dos usuários. Mesmo assim, se prestar atenção, está implícito que a privação de liberdade teria afastado “desenvolvedores” e, consequentemente, diminuído o ritmo do projeto Redis, como admite a nota divulgada pela empresa responsável. Isso ocorreu após o considerável fiasco de ter adotado uma licença própria, de mero “código disponível”, há pouco mais de um ano. Ou seja, Redis está claramente preocupado com reaver a participação da comunidade, sem a qual o projeto fica menos viável, comercialmente mesmo. Aí está o motivo de sua nova decisão.

💡 Fazendo um parêntese, quando abordamos a liberdade “dos usuários” de software, conceitualmente, a quem nos referimos? Estão contempladas direta ou indiretamente nessa definição todas as pessoas físicas ou jurídicas, sejam elas menos capazes (liberdades 0 e 2) ou mais capazes de produzir modificações (liberdades 1 e 3).

Talvez a movimentação de Redis tenha sido intempestiva. A duvidosa estratégia da liderança do projeto, contudo, parece vir de longo prazo e seu eventual fracasso poderia ter sido evitado. Se você quer publicar seu trabalho garantindo liberdade a quem vai consumi-lo, sem permitir que tubarões se apropriem indevidamente dele, adote desde o princípio uma licença que determine que as modificações devem continuar livres. Esse conselho vale para muitos tipos de trabalho intelectual.

📢 Outro recado geral, para qualquer pessoa, mas em especial às que escrevem sobre o tema, é: não confundam conceitos basilares como se fossem sinônimos. Podemos dar mais atenção ao ponto de vista de quem utiliza ( #SoftwareLivre ) e menos do ponto de vista predominante da indústria ( #BigTech / #OpenSource ).

 
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from daltux

De 1 a 4 de maio de 2025, quinta-feira a domingo, pela primeira vez na região Nordeste do Brasil, a capital do estado de Alagoas sediará um encontro nacional sobre Debian composto por palestras, oficinas, sprints, festa de caça aos bugs e eventos sociais.

Logotipo do evento mesclando formatos de vela de jangada e o redemoinho do Debian com os dizeres MiniDebConf Maceió 2025A MiniDebConf Maceió 2025 é um evento aberto a todas as pessoas, independentemente do seu nível de conhecimento sobre Debian [GNU/Linux]. O mais importante será reunir a comunidade para celebrar um dos maiores projetos de Software Livre no mundo e, por isso, a organização deseja receber desde usuários(as) inexperientes que estão iniciando o seu contato com o Debian até Desenvolvedores(as) oficiais do projeto. Ou seja, estão todos(as) convidados(as)!

MiniDebConfs são encontros locais organizados por membros do Projeto Debian para atingir objetivos semelhantes aos da DebConf — a conferência Debian global — mas em um contexto nacional. Durante todo o ano, são organizadas MiniDebConfs ao redor do mundo.

Esta será a sexta edição de uma MiniDebConf no Brasil, e a primeira realizada no Nordeste. Em Maceió, serão quatro dias dedicados a temas ligados ao Debian.

📅 Programação: https://maceio.mini.debconf.org/schedule/

📹️ Transmissão do Auditório: https://maceio.mini.debconf.org/schedule/venue/1/

📝 Perguntas remotas poderão ser enviadas pelo canal #debian-br-eventos na rede OFTC de IRC. Na página da transmissão, há uma ligação para entrar facilmente no canal pelo navegador Web — JavaScript de qwebirc.org (GPLv2).

💡 Programe-se para o horário das atividades que pretende assistir, já que o vídeo normalmente é transmitido exclusivamente ao vivo. Gravações costumam ser publicadas posteriormente em https://meetings-archive.debian.net/pub/debian-meetings/

Texto parcialmente extraído da página oficial do evento — © 2025 Comunidade Debian Brasil (CC Atribuição) — adaptado ao blogue, modificado e complementado por Daltux.

#Debian #GNU #GNUlinux #SoftwareLivre #eventos

 
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from Ideias de Chirico


Disclaimer: no último dia 15 de fevereiro, na aula de Estágio Supervisionado da minha graduação de Letras, minha professora-orientadora desenvolveu um debate sobre o papel da escola em torno do letramento digital. Quando elogiei o papel das tecnologias para a formação cultural dos indivíduos com acesso a elas, minha fala foi vista como romântica. Por conta da desordem de falas, coisa natural em sala de aula, não pude desenvolver uma tréplica.

No dia seguinte, a mesma professora convidou-me para articular em texto o meu ponto de vista, que não pôde ser exposto a tempo hábil em sala de aula. O texto deveria ser publicado no grupo de Whatsapp da turma. O Whatsapp, vocês sabem, não é o ambiente ideal para o debate. Decidi então redigir uma mensagem de texto e enviar-lhe por um e-mail, cujo assunto era “O que pode a tecnologia, o que não pode a tecnologia e o que podemos fazer sobre ela”. Ela gostou tanto da mensagem que decidiu convertê-la em pdf e compartilhar com meus colegas.

O debate seguiu por escrito e hoje mesmo recebi uma resposta sobre o que escrevi.

Segue aqui embaixo a reprodução da minha mensagem. Creio que esse texto resume minhas ideias (em geral mal interpretadas) a respeito de tecnologia e sua relação com cultura e educação.

O que pode a tecnologia, o que não pode a tecnologia e o que podemos fazer sobre ela

Bom dia, professora!

Desculpe-me por não ter lhe respondido no mesmo dia em que me perguntou. Acabei protelando este texto para uma hora em que eu pudesse sentar para escrever, e essa só chegou agora de manhã [dia 18 de fevereiro]. Além disso, preferi enviar esta mensagem durante o feriado porque é quando (provavelmente) você teria algum tempo para me ler. Envio o texto por e-mail porque não acho que o Whatsapp seja um bom lugar para o debate.

Primeiro de tudo, acho natural que você interprete as minhas loas à tecnologia como uma forma de romantização sobre ela. Essa interpretação é natural em um contexto universitário, já que estamos passando por um processo de anti-intelectualismo, que se concentra bastante na internet. Qualquer elogio à internet ou algo que lhe tangencie é visto como uma romantização, já que é por essa mesma internet que se ameaça as instituições, que se busca deslegitimar os cientistas e que se agregam grupos extremistas. No entanto, essa internet faz parte de uma internet comercial, monopolizada e centralizada, dominante sim, mas que não pode resumir o uso da tecnologia.

Deve-se ter consciência neste momento das diferenças entre forma e conteúdo, estrutura e evento, veículo e informação. Claro que em certos momentos, é impossível fazer essa separação; mas que há limites, há. Minha formação não é para a qualificação binária sobre as coisas, mas para o reconhecimento do continuum entre elas. Quando as pessoas criticam a tecnologia, fazem-no à tecnologia enquanto conteúdo, evento e informação. Quando elogio a tecnologia, me refiro à tecnologia-forma, à tecnologia-estrutura e à tecnologia-veículo. Vejo que acadêmicos e estudantes da área de humanidades têm uma grande dificuldade de separar essas duas áreas e perceber também onde há uma simbiose entre elas.

Mas isso é muito natural, já que, por conta do nosso próprio objeto de estudo ― o livro ―, tornamo-nos tecnofóbicos. A tecnofobia é uma reação natural de eruditos clássicos, ultraespecialistas e estudiosos conservadores. Polímatas, poliglotas, artistas, crianças e estudantes autodidatas não têm medo das novas tecnologias e com frequência se apropriam delas para impulsionar, expandir e publicar seus próprios projetos e experimentações, em uma espécie de antropofagia midiática.

Com frequência ouço de estudantes e profissionais de Letras que eles não se importam com forma, que estilo é firula, que “o que interessa é a mensagem do texto”. No entanto, estudando poesia concreta, estudando Bakhtin, estudando semiótica, entendi que forma é discurso. “O meio é a mensagem”, Marshall McLuhan. E, como dizia o poeta concreto Haroldo de Campos, parafraseando Olavo Bilac:

Não estamos mais em tempo de ”ouvir estrelas”, mas sim de ouvir estruturas.

No primeiro momento da minha fala na aula do último dia 15, falei que as tecnologias eletrônicas impulsionam as faculdades mentais das pessoas, e que ela nos impele a sermos menos especialistas e mais polímatas. Isso não é novidade. Os primeiros a expressá-lo foram os artistas do século passado. Se por um lado, durante o século XIX tínhamos a ideia do artista como um gênio, dono de sua própria obra, especialista de sua linguagem, na virada do século XX, com a invenção de uma parafernália de tecnologias eletrônicas, vemos cada vez mais os artistas interessando-se pelos veículos de comunicação em massa, agregando-se em grupos e coletivos, e ficando mais e mais interessados por outras linguagens.

Durante o século XX, vimos um poeta como um Stephane Mallarmé interessado em jornalismo, música e escultura; um compositor como Eric Satie interessado por arquitetura, teatro e pintura; um romancista do tipo de James Joyce interessado por música, cinema e teatro; um cineasta como Jean-Luc Godard interessado por quadrinhos, fotografia e música. Já dizia o tão amaldiçoado Oswald de Andrade: “Só me interessa o que não é meu”. Mais da relação entre a arte moderna e as novas tecnologias pode ser lido nos antológicos “Understanding media” do canadense Marshall McLuhan, e “Contracomunicação”, do poeta e ensaísta Décio Pignatari.

Diz o midiólogo Marshall McLuhan que as tecnologias, sejam elas analógicas ou eletrônicas, são extensões de nossas faculdades corporais. Para o autor canadense, a roda é a extensão do pé, a roupa é a extensão da pele, a casa é a extensão do corpo. Ainda McLuhan acredita que a eletricidade foi capaz de tornar o mundo uma “aldeia global”, não porque a conectou através da comunicação, mas porque para ele a eletricidade é uma extensão do sistema nervoso. Tecnologias potencializam também sensibilidades.

Não é de se admirar que foi no período da popularização do rádio, da televisão, do telefone, do avião e de outras tecnologias eletrônicas, que houve um bum de movimentos de minorias, entre elas o movimento negro, o movimento feminista e o surgimento da adolescência como transição entre a infância e a vida adulta. O homem pisou pela primeira vez na lua quase no mesmo momento em que o hippie pisou pela primeira vez em Woodstock. Eram dois mundos que se abriam, promovidos pelas possibilidades e sensibilidades da eletricidade. Se por um lado as tecnologias eletrônicas proporcionam a comunicação à velocidade da luz, por outra também agrega grupos minoritários e aproxima grupos distintos, distantes por questões geográficas e culturais.

Claro que existe um trade-off na tecnologia. Já Aristóteles alertava o risco da escrita reter as faculdades mnemônicas, e pôr em risco a cultura oral. Foi o que aconteceu a partir da invenção da máquina de imprensa. Pouco a pouco, conforme a escrita foi se tornando um meio mais confiável e um suporte mais seguro de comunicação e de registro, perdemos parte de nossa memória. Durante o período medieval, era comum que os escribas recitassem de cor livros inteiros. Mais dessa relação do homem com a invenção da escrita e a natureza do texto enquanto veículo de comunicação pode ser lida no livro “A galáxia Gutenberg”, também de Marshall McLuhan.

Alguns teóricos da filosofia da tecnologia, como o britânico Andy Clark, reconhecem que a fusão homem e natureza é natural ― ou biológica até. Em seu “Natural-born cyborgs” (“Ciborgues natos” em tradução livre), esse autor britânico chama atenção para o fato de que alguns processos humanos, como cálculos complexos e desenho, são impossíveis de serem realizadas sem um suporte material. Para Clark, o papel, a tela ou a calculadora são extensões de nossa mente.

Se por um lado os meios eletrônicos proporcionam expressão e a agregação de minorias, aprimoramento de alguns processos matemáticos e artísticos, por outra ela causa o sectarismo e o embotamento de alguns sentidos (como a memória ou a atenção).

Pulemos para o século XXI. Com o bum da internet (mesmo com o fracasso do estouro da bolha .com), criamos uma euforia sobre o computador como meio educativo. Vieram os mensageiros instantâneos (mIRC, MSN, e-mail, e o já dominante Whatsapp), as redes sociais (MySpace, Orkut, Facebook e esse Frankestein que é o Instagram) e outras tantas plataformas de entretenimento (blogues, Youtube e TikTok). Nesse ínterim, a escola lançou mão aqui e ali sobre alguns desses recursos.

A partir dessas tentativas, observou-se o fracasso que era a aplicação de tecnologias eletrônicas em sala de aula. O jornalista e empresário David Sax dedica uma seção sobre escola em seu livro “A vingança dos analógicos: ou porque os objetos ainda importam”. Pouco a pouco fornecendo telefones inteligentes para crianças, viu-se um decréscimo da interação social entre elas. Aqui cito o autor:

A recomendação amplamente feita por pediatras de todo o mundo para evitar que crianças com menos de dois anos sejam expostas a telas não vem da preocupação de que o conteúdo destas telas possa danificar seu cérebro, mas do medo de que elas poderão substituir atividades sensoriais valiosas, como colocar suas mãos em uma caixa de areia ou comer um pote de massinha de modelar.

A escola é um espaço de conhecimento, mas sobretudo é um espaço de interação social. É o lugar onde o estudante modelará o seu eu e reconhecerá o espaço no mundo que lhe cabe. As telas, por si só, já obstruem essa fase.

Outro malefício das telas é que elas como veículo de comunicação, não permitem a participação do usuário no processo de significação e entregam a informação completa (são, o que McLuhan chamaria de “meio quente”). Essa natureza das tecnologias eletrônicas modernas podem pôr em risco a cognição das crianças. Aponta também Sax que

Os melhores brinquedos, em comparação, são 10% brinquedo e 90% criança: tinta, papelão, areia. O cérebro da criança faz o trabalho pesado e, no processo, aprende.

A escola pode ser importante para o estudante porque, sendo um espaço primariamente analógico, pode promover processos semióticos de primeiro grau (imaginação) e a criação a partir de um marco zero, com poucos recursos. Quando se lhe põe a tela, corta-se o caule da imaginação, porque através da linguagem audiovisual, tudo é definido, tudo está dado. Novamente: isso não tem nada a ver com o seu conteúdo, mas com a estrutura desse veículo.

Apesar disso, não sou contra o uso de tecnologias eletrônicas como meio de aprendizado. É possível aprender através do computador e do telefone. Pela minha própria experiência, eu não teria lido tantos livros e textos marcantes e conhecido tantas pessoas que me ensinaram se não tivesse acesso à internet; foi através sobretudo do Youtube que aprendi quatro línguas estrangeiras; é pelo meu telefone que escuto uma infinidade de podcasts que me ensinam sobre ciência, história e geopolítica.

Mas saliento: isso tudo me aconteceu nos últimos dez anos, quando eu já tinha saído da escola. Tive uma educação profissionalizante que, apesar de ter sido na área da informática, 70% das aulas eram realizadas só à base de lousa, livro e caderno. A partir da biblioteca escolar, de alguns professores e de alguns amigos, passei a valorizar o estudo, e nele anos depois me encontrei.

Tecnologias são extensões de nossos corpos e mentes. Se quero estender o poder do meu punho, uso um martelo; se quero ampliar o poder de minha unha, uso uma faca; se quero potencializar meu raciocínio lógico, uso uma calculadora ou um computador para programar; se quero estender a minha voz, gravo um podcast, publico nas redes, abro um site. Uma faca pode tanto cortar uma cebola para fazer o almoço para minha família, quanto pode cortar o dedo do meu maior inimigo. O mal está não no veículo faca, mas no seu “conteúdo”, a violência.

Percebo que a maior parte das críticas às tecnologias, não vem de uma leitura de sua natureza estrutural, mas do “conteúdo” delas: extremismo político, bullying, pressão de padrões de beleza inatingíveis. Ora, quem tem feito a curadoria desse conteúdo não são mais os usuários dessas tecnologias, mas as empresas que promovem as redes sociais e as plataformas de entretenimento. Não estamos mais na época de uma internet descentralizada e organizada pelos indivíduos, mas de uma internet monopolizada, muralizada e curada através de algoritmos de recomendação de conteúdo.

Está mais do que provado que as mídias algoritmizadas privilegiam discursos extremistas, não porque são relevantes, mas porque proporcionam mais engajamento, logo, mais lucro. E o pior de tudo: caso um filho tenha contato com alguma informação danosa, a plataforma não se lhe responsabiliza ― o culpado é o pai ou a mãe que o permitiu ter um telefone.

Por um lado, as tecnologias promoveram o interesse nas mais diversas áreas e o acesso ininterrupto e descentralizado de informações; por outro sua centralização sob a guarda de corporações de informática que ganham sobre a economia de atenção as infectou. A esta altura deste capitalismo de vigilância, temos de reconhecer nosso real inimigo: temos de combater não o uso de celular, mas sim a Big-Tech. Temos de regularizar as redes sociais.

#tecnologia


 
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from vereda

O compartilhamento deste texto é permitido segundo a licença CC BY-ND 4.0.

Tags: #Militância #Pessoal

Os últimos meses foram turbulentos. Nessa turbulência, desenvolvi a habilidade de me automutilar e formulei planos de tirar minha própria vida. Mudanças irresponsáveis na prescrição medicamentosa feitas por um médico que mentia ser psiquiatra coincidiram com a interrupção da melhora que eu relatei na última publicação. Deveria ser óbvio, mas eu precisei passar por muito sofrimento até me ensinarem que especialistas médicos habilitados devem apresentar, além do CRM, também um RQE referente a sua especialização. Consultando pelo portal do CFM, descobri que os médicos que me acompanharam nos últimos 4 anos não tinham RQE e portanto não poderiam ter se declarado psiquiatras.

O lado bom dessa experiência, além de eu ainda estar aqui para escrever esse texto, é que a crença de que eu estava irreparavelmente quebrada foi substituída pela crença de que eu estava apenas sendo sabotada por médicos imperitos. E isso bastou para reviver uma forte pulsão de vida em mim. Se o problema estava na inadequação do tratamento, havia esperança. A mente superdotada engajou com o problema, assumindo para si a responsabilidade de prescrever um tratamento assertivo.

Por esta experiência, nesse momento confio mais em mim do que em qualquer profissional médico. E a auto confiança gera ação, que gera resultados, que melhora a tão surrada autoestima. Faz algumas semanas que estou bem, sem ideações, sem autolesão, sem planejamento, apenas com pensamentos ordinários que tenho conseguido responder de forma rápida e autônoma. Sei que é pouco tempo e que estou longe de estar curada. Ainda estou sensível e disfuncional, mas a diferença é facilmente notada por pessoas próximas, e por mim própria.

As ações autodestrutivas que eu cometi não foram de todo ruins. O processo de isolamento e introspecção, altamente catabólico, permitiu que eu expurgasse elementos obsoletos da minha vida. Assim, meu olhar se desconectou de quem eu fui, do que fiz e do que desejava para observar as possibilidades que pairam no horizonte.

Preciso reaprender a sonhar e, para isso, o primeiro obstáculo que se impõe é conhecer o que é verdadeiramente possível, afinal sonhos sem materialidade não inspiram ação. Voltei a estudar e a cuidar de mim, e estou intrinsecamente motivada. Tenho agora um plano dentro de minhas capacidades.

Adeus

Por questões de segurança, estou eliminando meus rastros digitais. Não abandonarei a tecnologia, afinal creio que devemos obter o máximo possível do que estiver disponível, inclusive aproveitando-nos de ferramentas e infraestrutura hostis. Não há motivo para pânico, mas tampouco é sensato ignorar a intensa vigilância e controle fortalecendo-se ano após ano e aprisionando-nos cada vez mais. O meio digital não é seguro, especialmente para grupos minorizados.

Mais do que reduzir a quantidade de informações sobre mim que são coletadas, quero principalmente reduzir a influência da máquina ideológica sobre mim e prevenir que minhas opiniões formadas por estudo insuficiente tenham lugar no debate público. Portanto não espere por meu retorno neste blog ou em qualquer outra plataforma de mídia social. Caso alguém reivindique esta identidade em qualquer lugar da Internet daqui pra frente, assuma ser um homônimo, fraude ou coação.

Em tempo, gostaria de retificar algumas posições que tomei anteriormente, à luz do meu vigente entendimento. Não retiro as críticas feitas à FE, pois tenho hoje ainda mais certeza de que agi corretamente em me desfiliar de uma organização eleitoreira, mas é necessário aqui um tanto de autocrítica para que meus textos anteriores não sejam influenciadores de reflexões incorretas.

Inclusão

Meu maior erro provavelmente foi tropeçar na ideologia liberal e acreditar que direitos legislados eram garantidos. Entendo hoje que, mesmo em organizações progressistas, sempre haverão as posições mais atrasadas que devem ser combatidas de forma permanente. A classe é o principal motor do fazer político, mas nenhuma organização pode fechar os olhos para as necessidades concretas de elementos específicos, principalmente aquelas que se propõem a lutar pelo fim da desigualdade social e de toda opressão.

Meu erro prático na Força Esperança foi não saber reconhecer quais as minhas demandas particulares e esperar que me ajudassem apenas baseado em uma identidade. Ausente essa autopercepção, estive inapta para solicitar adaptações e fiquei a mercê do que a sociedade capacitista estava disposta a oferecer sem luta: nada. Eu deveria também ter sido mais acolhedora comigo mesma, com minhas próprias limitações, inclusive as temporárias, e não cedido à pressão do ritmo e modo de trabalho dentro da organização. Isso teria evitado crises e atos impulsivos inapropriados, mas o erro às vezes é o custo do aprendizado.

Parte do meu isolamento atual é justamente um esforço para me desenvolver protegida dos estímulos, longe da reatividade da Internet e da máscara social que eu construí tentando me adequar a identidades e papéis que não me serviam.

Big Tech

A raiz da minha discordância é hoje o ponto que menos sinto capacidade de opinar. Aceitei que eu preciso de muito estudo ainda para poder desenvolver de forma robusta uma argumentação sobre o impacto causado pelo avanços das tecnologias da informação/comunicação nas táticas revolucionárias do século XXI.

Posso não ter a competência para defender minha visão, mas tenho a profunda convicção que a atuação truculenta e violenta dos serviços de inteligência e de polícia possui sinergia com o aparato de mídia burguesa e a assimilação inesgotável de “dados” à respeito de nossa vida privada e pública. E que todo esse conjunto opera para esmagar até as menores aspirações progressistas.

Posso estar errada, mas posso estar no caminho certo também, e para debater isso eu preciso estudar mais para merecer a atenção de pessoas capazes de mais do que rotular sem argumentar, esquivando-se de um debate que poderia consolidar a linha correta.

Felizmente existem muitas pessoas inteligentes no mundo, e se existir algo para ser descoberto, eventualmente alguém irá descobrir, se é que já não foi descoberto. Pode demorar anos ou séculos, mas o proletariado fiel à doutrina das condições de sua própria libertação vencerá, libertando assim toda a humanidade. A idade média durou mil anos, mas mesmo com todo o poder que a igreja católica romana acumulou para si, a ordem social mudou. Sou otimista em acreditar que a mudança da era atual para a próxima levará bem menos que mil anos, e que já estamos em seus anos finais.

Hoje entendo a questão do desenvolvimento e soberania nacionais como tarefas secundárias. A prioridade é apoiar as massas camponesas em sua luta organizada contra o agronegócio, dando fim às atrasadas relações semifeudais e realizando a Revolução Agrária, bandeira unificadora de todas as classes exploradas no Brasil.

Classe

Declarei anteriormente fazer parte da classe trabalhadora. Hoje entendo que essa nomenclatura dilui a nível teórico as diferenças de classe. Afinal, mesmo os bilionários declaram “trabalhar” dezenas de horas por semana e tem-se tornado lugar comum dizer que os empreendedores, ou pequenos proprietários, são os que mais trabalham dentro de um negócio.

O mais correto seria reconhecer que eu, e minha família, apesar de assalariados e desprovidos de meios de produção, somos ainda assim pequenos-burgueses. O distanciamento das condições do proletariado corrompe nossa visão de mundo e nos torna vacilantes. Não é nossa renda, mas a forma como participamos na produção, que permite afeiçoarmo-nos à ideologia burguesa.

Palavras finais

Eu não sou uma intelectual. Eu sou apenas uma pessoa criativa, com facilidade para aprender e que articula bem as ideias. É por minha inclinação para ser polímata e não por arrogância que eu extrapolo minha formação acadêmica e mergulho hoje nas humanidades.

Por minha condição de minoria social, é de meu genuíno interesse superar o quanto antes a sociedade atual e suas opressões; é por meu estado de organismo vivo, de vital necessidade reverter as mudanças climáticas e impedir o desenrolar de uma nova guerra mundial nuclear interimperialista; porém, enquanto pequeno-burguesa, sou sedutoramente tentada pelo oportunismo que coloca as débeis vitórias da social-democracia e as vantagens pessoais imediatas, como melhores condições de trabalho e renda, acima dos interesses permanentes e de longo prazo da classe proletária.

A certeza permanece de que o proletariado tem como única arma a organização na sua luta pelo poder, mas eu não sou uma proletária ainda. Apesar da inevitável decadência da pequena-burguesia, essa é a posição que eu me encontro e da qual me recuso a abandonar voluntariamente, ao menos até que a revolução democrática avance.

Sendo pequeno-burguesa, é mais fácil conquistar migalhas para si e uns poucos do que pão para todos. Porém, se os frutos positivos desse esforço são apropriados de maneira privada, ou por um pequeno grupo, nada mais justo também que os frutos negativos sejam suportados pelos mesmos que nos períodos positivos se beneficiaram, afinal são os riscos do empreendimento previstos na ideologia burguesa. Não há nada que se possa exigir do povo quando viramos-lhe as costas. A partir daqui seria desonesto me lamuriar pela crescente degradação ambiental, social e econômica em minha vida. Isto pois, diante da oportunidade de me proletarizar e servir ao povo lutando de forma científica contra o capitalismo, eu optei pela via liberal burguesa, julgando ser mais provável e capaz de ainda conquistar uma vida melhor para mim agindo de forma individualista e corporativista, assim como fazem, conscientemente ou não, tantos outros elementos da esquerda liberal e da direita civil.

Admito que essa suposta escolha pouco tem de livre, pois opera sobre a ignorância parcial das leis da natureza e exibe a dominação de sentimentos oscilantes de medo e potência sobre a razão. Como tal, é uma posição mutável que depende do conhecimento possuído a respeito das necessidades do mundo material e do estado de agudização da crise capitalista.

Por essa vacilação, verifico que a pequena e média burguesia não podem ser revolucionários legítimos, mas tão somente companheiros situacionais enquanto estiverem a lutar contra o latifúndio e o imperialismo de forma prática e não apenas em palavras e desejos. Compete ao proletariado e semi-proletariado, aliando-se à classe campesina em sua luta pela terra, guiados pelo socialismo científico e unidos em uma Frente Única dos trabalhadores, dirigir a Revolução de Nova Democracia como processo ininterrupto para o socialismo. Afinal, estes sim, nada tem a perder a não ser os seus grilhões.

Referências

 
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from daltux

Publico a cópia de um e-mail que enviei como resposta a algo que, graças à Web Social federada, tem me deixado encafifado em outros contextos. Talvez possa vir a ser útil como inspiração ou cópia em situações similares. Foi reação a uma mensagem recebida pela lista geral de servidores do órgão para o qual trabalho, com apenas uma imagem contendo texto:

Caros(as) colegas da Comissão de Ética da [universidade],

Desde logo, muito obrigado pelo texto inspirador.

Escrevo esta mensagem na esperança de gerar reflexão a respeito de qual seria a necessidade de converter um texto para imagem antes de transmiti-lo, tanto do ponto de vista da eficiência computacional quanto da acessibilidade universal.

Quantos caracteres teria o texto de uma lauda? Talvez, cerca de dois mil? Supondo essa quantidade, o arquivo em questão, no formato JPEG, resultado de compressão com perdas, com cerca de 800kB, ocupa, em tese, quatrocentas vezes mais que o texto original, potencialmente em cada caixa destinatária de correio eletrônico e outros locais. Ao ser aberta e carregada na memória do computador cliente, na realidade essa imagem possui cerca de 20MB de dados, dez mil vezes mais do que o texto. Antes mesmo disso, para gerar a imagem e comprimi-la, houve um considerável processamento, leia-se energia/água, que não seria necessário caso o texto tivesse sido diretamente transmitido, assim como também há para abri-la em cada destino.

A principal questão aqui, todavia, da forma como está, é a dificuldade ou impossibilidade de acesso ao conteúdo por quem não puder ver a imagem, por qualquer razão. Um texto puro tem condições de ser lido de diversas maneiras em dispositivos bem mais simples e, também, por intermédio de mecanismos de “texto para voz” (TTS). Não sou especialista em acessibilidade e nem necessito seu uso no momento, felizmente, além de também estar diante de um equipamento capaz de exibir imagens. Mesmo assim, solidário às necessidades de outras pessoas, tenho aderido à ideia de contribuirmos com a universalização do acesso ao conhecimento com algo tão simples como isto: transmitir texto e descrever imagens.

Caso entendam a matéria relevante, além de adotarem a ideia, fica ainda como sugestão de pauta para alguma publicação futura.

At.te,

#acessibilidadade #ética #universidade #email

 
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from Felipe Siles

Após a última derrota acachapante da seleção brasileira masculina de futebol para a Argentina, em partida válida pelas Eliminatórias da Copa, ocorrida em 25 de março de 2025, fui pesquisar em portais conhecidos para ler opiniões sobre o ocorrido. Porém, o texto que me chamou a atenção foi publicado no mesmo dia da partida às 11h33 da manhã, ou seja, é anterior ao certame. A publicação tem autoria da jornalista Milly Lacombe e é entitulado Declarações de jogadores da seleção indicam por que Neymar virou um culto. Lacombe demonstra, de forma brilhante, como Neymar se tornou um mito, que representa algo de um passado mítico do futebol brasileiro que desejamos resgatar, mas ao mesmo tempo em que, em termos materiais, ele não é um jogador de futebol de elite, na prática, há pelo menos sete anos. Para reforçar a questão do mito, Lacombe exalta também o quanto transformamos artificialmente esse jogador num camisa 10, sendo que em sua melhor versão (entre 2015 e 2017), Neymar era um ponta esquerdo, agudo, driblador, ou seja, um camisa 11. Essa crença cega — por parte de jogadores, comissão técnica, e até parte da torcida e imprensa — em um mito, um culto, um herói que, sozinho, vai resgatar a mágica do futebol brasileira e nos trazer o hexa, me chamou a atenção para um descompasso entre o meio do futebol masculino (e seus muitos agentes) e a realidade concreta e material. Mas observando outros fatos, percebi que se trata de uma recorrência e não de um caso isolado.

Em minha opinião pessoal, Neymar é uma pessoa que usou o futebol para atingir seu objetivo verdadeiro, o de se tornar uma celebridade. No Brasil, um país com desigualdade social terminal e sérios problemas estruturais, é de se imaginar que as camadas populares desejem a mobilidade social. Sempre foi assim, inclusive. Para os mais pobres, historicamente, a música e o esporte foram caminhos mais pavimentados para isso, então é normal que, nesse contexto, jovens de origem popular se identifiquem com estrelas do esporte e da música, e sonhem com esse estrelato, para que tenham acesso ao que foi negado a eles: uma vida de conforto material. Isso inclusive é legítimo. Porém, o fenômeno da instagramação da vida distorce esse sonho legítimo, prometendo fama e fortuna para qualquer suposto reles mortal que conseguir seguidores, engajamento e joinhas. Um prato cheio para a juventude que sonha com uma vida melhor, que vê no Neymar como alguém que alcançou esse sucesso. É bom lembrar que o brasileiro passa, em média, 56% do seu tempo acordado em frente à telas de smartphones e computadores, e os aplicativos onde passa maior parte de seu tempo são todos da chamada big tech, sendo o Instagram o grande campeão, consumindo 35% desse tempo online. Trocando em miúdos, o brasileiro passa, em média, mais tempo em um mundo fictício moldado pela publicidade e pelo oligopólio do que lidando com a realidade concreta e material.

Essa instagramação da vida aprofunda um deslocamento com a realidade material, que culmina em fenômenos interligados: fake news, negacionismo climático e científico, mitomania recorrente de políticos e chefes de estado, entre outras coisas. Quando olhamos para a realidade social da maioria dos jogadores, é fácil notar (até pela cor de suas peles e pela textura de seus cabelos) que a maioria esmagadora veio das classes populares, mais suscetíveis a esses fenômenos, tendo o Instagram como uma das poucas formas acessíveis de lazer e entretenimento (já que a polícia brasileira mata jovens negros em bailes funk, melhor ficar vivo vendo Reels mesmo). Olhando por essa forma, fica factível compreender porque o fenômeno da extrema direita no Brasil tem grande lastro popular, e isso afeta esses jogadores, mesmo os que atuam na Europa. É relativamente comum ver jogadores brasileiros de futebol masculino se manifestando politicamente do lado da extrema direita. Um dos mais conhecidos nesse sentido é o ex-volante com passagem marcante pelo Palmeiras, Felipe Melo. Felipe Melo, um simbolo dessa bravataria viril, naturalmente aplaudiu as declarações de “porrada nos argentinos” dadas pelo atacante da seleção Raphinha no podcast do ex-atacante e ídolo da seleção Romário. O resultado, vexatório para Raphinha e para o futebol brasileiro, veio na forma de porrada simbólica no futebol praticado pelos argentinos na partida.

Engajamento, likes e número de seguidores, nas regras atuais do futebol, não alteram o placar de uma partida, atualmente são os gols que fazem isso. Mas ao invés de se concentrar em realizar um trabalho pé no chão para que os gols aconteçam, toda a cadeia do futebol brasileira dobra a aposta na bravata. Tite, um técnico de personalidade mais pragmática, procurou montar o time de forma sólida, olhando para a realidade do futebol brasileiro no mundo, colocou a seleção de forma honrosa no lugar compatível com seu futebol praticado: quartas de finais nas últimas duas Copas do Mundo, ou seja, entre as oito melhores seleções do mundo, um lugar decepcionante se pensarmos na história do futebol brasileiro, mas bem ok, se pensarmos na desorganização e estrutura desse mesmo futebol na atualidade. Mas pragmatismo e realidade não geram engajamento com essa população que passa metade de sua vida no Instagram, e o técnico Tite até hoje é extremamente impopular, sendo que os representantes do futebol arte no imaginário comum ainda são os integrantes da seleção de 2006 cujos heróis mitológicos, pasmem, alcançaram o mesmo resultado de Tite na Copa: quartas de final. Essa parcela da população, que venera 2006, é a mesma que espera que o Tigrinho ou alguma BET traga o hexa para nós.

Após o término do contrato de Tite, em 2022, o Brasil se organizou atrás de uma promessa, a vinda de Carlo Ancelotti para o comando da seleção. Para aguardar o término de contrato do italiano, colocou dois técnicos interinos no comando da amarelinha: inicialmente Ramón Menezes e, posteriormente, Fernando Diniz, ambos com resultados catastróficos. Diante da realidade material da renovação de contrato de Ancelotti com o Real Madrid, Ednaldo Rodrigues contrata Dorival Júnior, que assume o posto mobilizando o discurso do resgate desse futebol mítico, com a famigerada e desgastada cartada de valorização dos atletas que atuam no território nacional. Aproveitando o fato de que infelizmetne citei o famigerado personagem Ednaldo Rodrigues, é bom lembrar que foi recentemente reeleito presidente da CBF com declarações denominando como “triunfo da democracia” o pleito em que foi candidato único. Voltando à Dorival, alguns meses antes, em setembro de 2024, o técnico prometeu o Brasil na final da Copa do Mundo.

A bravata, a promessa e a ilusão (des)estruturam e (des)organizam o futebol brasileiro atualmente, que chegou a um nível de aprofundamento de sua natureza no entretenimento e escapismo à condição radical de inimigo da realidade material. Bem na época em que o futebol se torna mais racional, científico, onde se consolida na metrópole comercial e econômica, a Europa, o futebol dos dados, estatísticas, scouts e profissionais com conhecimento científico. O Brasil confirma sua vocação vira-latas e vai ficando para trás nesse quesito, e esperneia com a bravata de que nosso jeito de fazer as coisas ainda é melhor, na base do improviso, do talento, das soluções fáceis e da resolução através de um herói mítico individual. Em uma terra fértil para o pensamento coach (que curiosamente significa treinador esporivo em inglês), a bravata se torna método em todas as etapas da cadeia de trabalho do futebol masculino, desde o seu presidente (que é quem deveria dar o exemplo) ao garoto que está ingressando na categoria de base de um clube com sonho de jogar na Europa, passando por jogadores profissionais e comissões técnicas, são todos aliados nessa guerra contra a realidade material.

Tenho convicção de que não há solução: podem convocar para a seleção brasileira masculina de futebol apenas jogadores que atuam no Brasil, ou jogadores que atuam na Europa. Podem convocar jogadores cascudos ou bailarinos. Podem convocar jogadores medalhões ou desconhecidos. Podem contratar um técnico estrangeiro renomado. Podem contratar até um técnico de outro planeta. O problema não será resolvido. Porque o problema é cultural e está entranhado em raízes do senso comum do povo brasileiro, que tem sua percepção de realidade moldada pela big tech. No cenário atual nos resta continuar acompanhando esse defunto vivo, chamado seleção brasileira masculina de futebol, que morreu em 2014 no Mineirão, mas que para nosso desespero continua nos assombrando a cada data FIFA.

 
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from yuribravos

Outro dia estava escutando o podcast Fio da Meada, o episódio com a Paola Carosella sobre cozinhar como um ato de rebeldia.

Ela falava sobre como lhe cansava os vídeos que um tomate cai numa bancada e aparece completamente picado, um frango é jogado numa frigideira e surge já dourado e de como tudo isso não ensina a cozinhar coisa nenhuma.


Uma das coisas inusitadas que faço é dar aulas de acrobacia. Pratico desde 2013, com um ano de pausa enquanto fiz intercâmbio. Isso soma mais de dez anos de prática. Alguns alunos ficam assombrados com certas coisas que demonstro para tentar ensinar. Quase sempre é possível ver na cara deles o pensamento que diz se eu tivesse talento como ele tem...

Não dá pra comparar dez anos de prática com dois meses.

Sempre ressalto que as coisas levam tempo. Como eles, eu também tentei várias coisas, repetidas vezes, sem conseguir executar de forma minimamente decente. Mas à força de repetição as poses e técnicas foram evoluindo até o que hoje eles veem como um único movimento perfeito do início ao fim. Sendo que, na realidade, eu estou num nível só ligeiramente acima da média. Tem tantos movimentos que ainda não domino completamente e tantos outros que até executo, mas estão longe de serem executados de forma limpa e fluida.

Os vídeos da internet que muitas vezes usamos como inspiração para as aulas são também uma armadilha, pois nunca revelam quanto tempo de prática foi preciso para executar aquilo num único take cravado.

Até nos vídeos que mostram tentativas até acertar, o olho mais treinado sabe que as pessoas estão errando de mentirinha para dar a impressão que em três ou quatro tentativas tiveram êxito.

Muitas vezes meu papel de instrutor é lembrar que não dá pra comparar dez anos de prática com dois meses.


Voltando ao podcast com a Paola, ela conta como não aceitou fazer vídeos rápidos ensinando a cozinhar e que decidiu fazer vídeos de uma hora. E que eles estavam indo bem.

Verdade que o Youtube privilegia vídeos mais longo atualmente, pois eles são passíveis de monetização para o criador (ou você não notou que todos os vídeos agora tem mais de dez minutos?) e porque podem inserir mais propagandas dentro da duração. Mas a Paola está certa em mostrar que cozinhar leva tempo. Jogar o tomate na bancada não vai fazê-lo aparecer picado, bater seis fotos em stop motion da colher de pau dentro da panela com molho e transformar num gif não vai reduzir esse molho instantaneamente. Você não pode apressar o fogo.

Ou pode. Sua comida vai queimar.


Vi também um canal, que acho até interessante sobre coquetelaria, ensinando a fazer um super suco de limão que dura muito tempo na geladeiras.

Note que esse vídeo tem 17min pra entrar exatamente naquela questão da monetização do Youtube, mas vamos relevar dessa vez.

Suco de limão é algo que se torna muito azedo se não for consumido pouco tempo depois de feito. Faz parte da oxidação dessa bebida. No vídeo o rapaz explica com detalhes como isso gera desperdício do próprio suco de limão e de tempo, já que é preciso espremer uma quantidade enorme de limões todos os dias para ter o suco necessário para fazer os drinks.

Então para acabar com todo esse desperdício, descobriram que se você colocar proporções exatas de ácido málico e ácido cítrico com cascas de limão, deixar extrair os óleos da casca e depois juntar o suco de dois limões e completar com água você faz um “super suco de limão” que rende muito e dura muito tempo na geladeira!

E assim nós adentramos o mundo dos drinks ultraprocessados! 🍹


É claro que, em restaurantes ou bares que fazem centenas de drinks por dia e que os clientes esperam ser atendidos com a rapidez de um reels, pode ser que consigamos justificar o fato de criar uma bebida sabor limão com 10% de suco integral para fazer drinks.

Ou não. Eu gostaria de beber um drink feito com suco de limão de verdade, mesmo que talvez demore dois minutos a mais para ser feito (o que eu acredito que seja o tempo médio de preparo de suco de um limão).

Eu realmente não gostaria de beber algo feito com dois pózinhos brancos adicionados de água feito para me enganar. Não importa quanto tempo ele dure na geladeira ou se ele tenha sabor artificial idêntico ao natural. As papilas gustativas não saberão diferenciar, talvez, mas quais serão as consequências de saúde dessa ligeireza mentirosa?


Conclusões

As coisas levam tempo e nós só estamos enganados quanto ao efeito instantâneo das redes sociais e da internet. Nada é instantâneo, só não sabemos quais foram os artifícios usados para acelerar o resultado. Se por um lado diminuir o tempo de algumas coisas é muito bom, por outro, acreditar que sempre dá para ser mais rápido é fonte de alienação e frustração. Isso irá nos enganar ou nos esgotar.

Avisos da Paróquia

O Danilo jogou ao vento que eu poderia fazer um blog de sommelier de RPG e talvez faça algo assim mesmo! Provavelmente uma coluna aqui, falando dos jogos que estejam ocupando meu imaginário e o que estou pensando disso.

É isso, e até lá!

 
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from daltux

As corporações, financeiras em especial, acabam mais confundindo os usuários do que ajudando sua conscientização sobre phishing em correio eletrônico. Eis uma tentativa de explicar como foi chegar a essa conclusão:

É sabido que, ao ler uma mensagem, não convém abrir um link para domínio suspeito, ou seja, diverso daquele já conhecido do remetente. Contudo, fica consideravelente mais complicado para leigos lidarem com isso enquanto praticamente todas as mensagens reais remetidas por grandes empresas contêm rastreadores diversos. Esses rastreadores geralmente são usados no intuito de registrar, no mínimo, quem, quando, em que condições e de que origem abriu qual ligação. Pior ainda, algumas vezes essas mensagens chegam a utilizar a mesmíssima ardilosa técnica do phishing: deixam visível no texto da ligação um endereço que claramente seria institucional, quando, no fundo, ela faz referência a outro — de rastreamento. O endereço real normalmente fica oculto. Quando você aciona a ligação e acaba parando na página de destino, mesmo que esta seja correta, pode sequer ter ciência de que passou pelo rastreador intermediário, exceto se prestar atenção ao canto da tela antes de clicar. Isso, pelo menos, é mais fácil perceber em cliente de e-mail ou navegador da Web no computador, digamos, tradicional. Já quando a mensagem é lida em tornozeleira eletrônica de bolso 📱, a pessoa incauta dificilmente nota isso, a não ser que tome precauções ligeiramente mais trabalhosas.

Exemplo de trecho visível de mensagem sobre onde baixar relatórios de rendimentos:

Acesse nosso portal: https://dominioCorretoDaCorporacao.exemplo

Porém, na realidade, tecnicamente falando, a mensagem que aparece poderia ser o resultado da formatação do seguinte trecho de HTML:

Acesse nosso portal: <a href="https://track.qqcoisa.exemplo/BlaBlaBla">https://dominioCorretoDaCorporacao.exemplo</a>

Ao clicar em https://dominioCorretoDaCorporacao.exemplo e possivelmente achando que vai abri-lo diretameente, na prática saria aberto primeiro o endereço https://track.qqcoisa.com/BlaBlaBla que, sendo um rastreador “legítimo”, poderia fazer, além do registro do acesso, o redirecionamento para o tal portal.

Algumas organizações não terceirizam o rastreamento, porém, mesmo assim, realizam o embuste de exibir um endereço que vai dar em outro, ainda que em domínio da própria instituição.

Como fica a cabeça de uma pessoa sem experiência? “Devo clicar ali mesmo senão vou ficar sem a informação” ou “corre que é cilada, Bino”? É fácil dizer que deve procurar pela informação diretamente na página oficial previamente conhecida das instituições. Será que vai mesmo? E como? A probabilidade de deslizes ao consultar notórios mecanismos de busca na Web também não deve ser menosprezada.

A maneira mais segura para identificar o conteúdo ardiloso seria, provavelmente, abrir as mensagens sempre em formato de texto simples. Por que quase todos os leitores de e-mail, sejam eles dedicados ou na Web, formatam as mensagens HTML por padrão? Você sabe como configurar isso no seu? E não vai voltar atrás quando constatar que a maioria das mensagens dessas empresas fica ilegível? Elas realmente não facilitam.

O pessoal acaba ficando cada vez mais receoso com o correio eletrônico — ferramenta que, concebida e em uso há tanto tempo, embora não seja perfeita, serve bem a seus propósitos de forma descentralizada — e acha que deve se comunicar apenas por algum mensageiro instantâneo ou plataforma de publicidade direcionada privativos de liberdade na moda.

Enfim, sem as organizações que mais enviam mensagens supostamente legítimas colaborarem, o oceano de incautos para pescaria por mensagens mal intencionadas permanecerá vasto mesmo.

#phishing #infoSec #engenhariaSocial #segurança #email #golpes

 
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