Ayom

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from Ideias de Chirico


Há muito tempo, quando frequentei o Twitter, me incomodava a quantidade de vezes com que o tuiteiro médio recorria a si mesmo em suas postagens. Com essa consciência, fiz uma promessa para mim mesmo: nunca falaria de mim em redes sociais. Com o tempo, fui vendo que, ao contrário do que imaginava, é possível, sim, escrever um texto interessante tendo a si como ponto de partida.

Além disso, falar de outra pessoa, de certo modo, é também falar de nós mesmos, pois isso denuncia como essa figura nos influenciou ou por que ela nos é relevante. Há uma frase atribuída ao poeta francês Arthur Rimbaud que diz: “Mim é um outro” ― considerando a adaptação para este scherzo, claro.

Ultimamente tenho pensado em textos intitulados scherzo, que faria pelo prazer de escrever, trabalhando sobre algum aspecto estético. Já pensei em redigir um scherzo todo feito na dashboard do blogue, feito de uma sentada só; ou outro somente com palavras iniciadas com a letra “p” ou com a letra “a”; ou ainda outro no qual é vetado o uso do verbo “ser”. Mas me faltava o ímpeto. Enquanto lia na cama “On writing”, de Stephen King, aceitei o autodesafio de escrever sobre mim mesmo sem recorrer ao primeiro pronome pessoal no singular do caso reto ― vocês sabem qual.

Estou sendo café-com-leite neste mesmo scherzo porque me dei a permissão de escrever verbos em primeira pessoa, bem como a de utilizar pronomes possessivos da primeira pessoa ― o que forçosamente acusam o “mim”. Pode ser que em outro scherzo me dê a doida e exclua de todo o texto esses recursos gramaticais ― o que provavelmente daria uma bela tralha acadêmica, com o convencional abuso do pronome apassivador mesmo ao se falar de experiências pessoais, como em “Percebeu-se uma grande dor no cotovelo direito”.

Por que os scherzos? Porque precisava de algum estímulo de escrita enquanto alguma ideia séria de texto não surgia. Queria algum artifício análogo ao improviso para a música ou o croqui para o desenho, um exercício de linguagem que impulsionasse a expansão de seu campo de possibilidades e que pudesse ser feito despretensiosamente, em uma tarde de domingo, só pelo puro prazer. Em algum outro texto destas Ideias de Chirico devo ter escrito que a prosa é uma linguagem que não permite naturalmente que possamos escrever pelo mero prazer de escrever...

Scherzo significa “jogo” ou “brincadeira” em língua italiana; também é um movimento musical da música erudita, uma parte da peça musical desenrolada velozmente. Da mesma forma, tento escrever com a maior velocidade possível.

Este que vos escreve poderia muito bem também escrever um texto avulso sobre si mesmo, copicolá-lo em um Gepetto qualquer desses desta onda de IA e pedir-lhe para que retire todos os pronomes pessoais. Como parte do jogo, estou escrevendo a primeira versão deste texto na minha querida Remington 15, sem chance sequer de utilizar o backspace. O limite de páginas? Quem sabe. Bref. Tenho falado de tudo, menos de mim. Como este será o primeiro texto que publico no ano, falarei sobre o meu Réveillon.

Virei o ano de 2024 para o de 2025 na casa de minha cunhada, junto com meu irmão e alguns de seus amigos. Estive muito indeciso nesta opção porque aquele fora um espaço no qual passei uma parte não muito agradável da pandemia. Mas ou era isso, ou atravessar um mar de gente na festa pública na praia de Fortaleza, longe de casa e sob os perigos noturnos.

Outro motivo que me fez optar por reveillar indoors foi a própria presença do meu irmão, que atualmente mora nos Estados Unidos, trabalhando com pesquisa na área de produção animal. Só posso vê-lo uma vez ao ano, quando muito duas. Como estaremos longe um do outro em breve ― voltará lá para cima em meados de janeiro ―, preferi ficar com ele. Os amigos e familiares que moram próximo e que foram à praia poderiam esperar...

Nesta virada de ano fiz coisas comuns, mas que não costumo fazer. Imaginem o quê? Dançar e cantar. Depois da virada, me apareceu uma mulher, amiga de minha cunhada, que me puxou para dançar. Como se fala em “Promessa ao amanhecer”, “O que uma mulher quer, Deus também quer”. Mesmo sem ter dado um passo de forró na vida, aceitei o desafio de aprender a dirigir com o carro andando. Não me saí mal, mas, de qualquer modo, ainda bem que não houve registros da festa ― não que se saiba.

Ao pé da varanda da casa, os anfitriões montaram um pequeno espaço com projetores de tela, caixa de som e microfones. Ou seja, montaram um palco de karaokê! Como já dava meia noite e meia, como ninguém começara a cantar, e como a cerveja já esquentava na barriga, tive a iniciativa de cantar uma das poucas músicas que sei de cor: “Bella Ciao”. Não, não a aprendi por conta de La casa de papel. Sim, sei língua italiana e a cantei fora do tom. Mas como “Bella ciao” é cantada em estádios de futebol italianos por torcidas antifa, me senti confortável ao desafinar.

Desta vez tentei contrastar a experiência do Réveillon do ano passado, que passei involuntariamente sozinho por vários motivos, entre os quais a falta de férias no trabalho que eu tinha então. Como não foi uma boa, decidi fazer o oposto daquilo, e brincar enquanto boa parte das pessoas do mundo também brincavam.

Certas datas festivas, como Natal e Carnaval, consigo atravessar sozinho. Nunca gostei das alegrias planejadas desses dois dias. Não é o caso do Ano Novo. Desde criança me acostumei a sair com a família e com amigos para ir a algum lugar aberto, onde se possa ver fogos de artifício, rir e beber cerveja. Meu organismo já está programado para fazê-lo na primeira hora de todo ano.

Acho que já está bom por este scherzo. Na hora da revisão, espero não ter perdido o jogo mais vezes do que esperava enquanto escrevia. Obrigado pela leitura e feliz Ano Novo!

 
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from daltux

Avatar do F-DroidFui instigado por uma publicação no Mastodon que pergunta:

Que apps vcs usam do fdroid?

Como a resposta não coube em 500 caracteres, resolvi redigir, aqui, uma lista com aplicativos que tenho utilizado na tornozeleira eletrônica de bolso Android, instalados com o F-Droid (conheça), sejam eles provenientes do repositório padrão, sejam do repositório IzzyOnDroid ou de outros a serem citados. Todos são software livre, regido por diversas licenças assim consideradas, embora às vezes possam ainda ter dependências não-livres, com eventuais observações na página de cada pacote. Tento ainda colocar para que servem, com o mínimo de palavras.

  • Aegis Authenticator – segundo fator de autenticação (2FA) nos padrões TOTP e HOTP
  • AntennaPod – podcasts
  • Autu Mandu (IzzyOnDroid) – gestão de gastos de automóvel
  • BreezyWeather (IzzyOnDroid | F-Droid) – previsão do tempo
  • Commons – envio de imagens e edição de metadados para Wikimedia Commons
  • DAVx⁵ (IzzyOnDroid) – sincronização de agendas (CalDAV) e contatos (CardDAV). Utilizo com Nextcloud.
  • Download Navi – gerenciador de baixação de arquivos com maior controle
  • Etar – agenda
  • Fedilab – cliente para redes sociais federadas Mastodon, Pleroma, Pixelfed, PeerTube, GNU Social, Friendica e variantes
  • HeliBoard – teclado
  • Imagepipe – remove dados Exif e reduz tamanho de imagem antes de compartilhá-la
  • Jerboa – cliente Lemmy (Ayom Fórum)
  • Jitsi Meet – videoconferência
  • K-9 Mail – cliente de correio eletrônico, utilizado para múltiplas contas
  • KeePassDX – gestor de senhas. Sincronizo com Syncthing.
  • KingInstaller (IzzyOnDroid) – instala aplicativo marcando-o como se tivesse sido instalado por Play Store, a fim de tentar contornar restrições
  • Librera Reader – leitor de e-book
  • Logseq – gestão de conhecimento. Utilizo para anotações. Sincronizo com Syncthing.
  • Monocles chat – mensagens e chamadas individuais e em grupo (XMPP)
  • ~Mull~ – navegador Web compilado a partir do código-fonte do Firefox, porém com mais privacidade e remoção de blobs
    • Projeto descontinuado em 2025. A equipe F-Droid sugere Fennec em seu lugar.
    • Navegadores “amigos da privacidade” podem ser obtidos também pelo FFUpdater
  • NewPipe – cliente leve para YouToba
  • Nextcloud – acesso a arquivos de Nextcloud
  • Nextcloud Talk – mensagens e videoconferência integrada a Nextcloud
  • ntfy – cliente de serviço de notificações push de inúmeras fontes, até por cURL
  • Obtainium – obter/atualizar alguns aplicativos diretamente dos desenvolvedores.
  • OpenKeychain: Easy PGP – criptografia no padrão OpenPGP, podendo ser usado por K-9 Mail, entre outros
  • openScale – gestor do “peso” e de outras métricas corporais
  • Organic Maps – navegação (“GPS”) leve com mapas baixados mensalmente do OpenStreetMap
  • OsmAnd~ – navegação (“GPS”) extremamente minuciosa com mapas baixados mensalmente do OpenStreetMap, opcionalmente podendo ser atualizados a cada hora. Indispensável a quem colabora com o mapa.
  • OSS Document Scanner (IzzyOnDroid) – digitalização de documentos físicos com a câmera da tornozeleira eletrônica de bolso
  • Pano Scrobbler (repositório F-Droid do próprio desenvolvedor) – envia músicas ouvidas nos aplicativos do aparelho para serviços do gênero – utilizo com ListenBrainz
    • Também pode ser instalado pelo Obtainium
  • RiMusic – cliente leve de YouToba Music
    • Ultimamente, baixo o apk do GitHub (com Download Navi) e o instalo com KingInstaller, manobra lamentavelmente necessária se quiser que o aplicativo seja reconhecido por Android Auto e utilizável no aparelho embutido no carro.
  • RustDesk – acesso remoto a ambiente gráfico
  • SalvarEm – permite salvar em qualquer diretório um arquivo compartilhado por qualquer aplicativo
  • SatStat – dados de localização por satélites, bússola, rede celular, WiFi e outros sensores do aparelho
  • SCEE – versão um pouco mais avançada de Street Complete, app para facilmente ajudar a melhorar o OpenStreetMap
  • Syncthing-Fork – cliente do Syncthing, para sincronizar diretórios entre seus dispositivos, sem necessitar de “nuvens”
  • Termux – distribuição GNU dentro do Android com Bash e gerenciamento de pacotes similar ao APT do Debian.
  • Translate You – tradutor
  • VLC – tocador de praticamente qualquer arquivo de mídia. Utilizo com o diretório de músicas locais sincronizadas por Syncthing
  • WiFiAnalyzer – mostra metadados das redes WiFi

Atualizações

  • 2024-01-08
    • Mull/Fennec/FFUpdater e RustDesk, após informe da equipe F-Droid.
    • K-9 Mail, que tinha incrivelmente faltado na lista, bem como OpenKeychain, usados em conjunto, aqui instalados dentro de dita “Pasta Segura” do dispositivo.

Descrição da imagem no início

É o ícone do projeto F-Droid, uma figura em formato que lembra um robô com cabeça verde e corpo azul, retangulares, sem membros. A cabeça, mais achatada, possui dois olhos circulares brancos e de suas extremidades superiores saem duas antenas curtas, também verdes. O corpo ostenta, em azul mais escuro, uma letra C invertida, contida num círculo, o que representa a ideia de Copyleft.

The F-Droid logo – Copyright 2012 William Theaker, 2013 Robert Martinez, 2015 Andrew Nayenko – CC-BY-SA 3.0 Unported || GPLv3+

 
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from Felipe Siles

Esse é um texto bem com cara de final de ano. Afinal, vem o recesso e a maioria dos trabalhadores pode ter um pouco mais de tempo livre, descanso e muitos aproveitam para fazer andar a fila de filmes e séries. Não sou diferente, e apesar de ainda estar trabalhando, por conta da minha vida de profissional autônomo, tenho utilizado essa quebra na minha rotina normal para fazer testes, reflexões, consolidações e ajustes na maneira como eu escolho meu entretenimento audiovisual.

Mas Siles, que chatice! Precisa ser organizado até nisso? Não é só sentar na TV, relaxar e assistir o que quiser? Pode ser, se funciona assim pra você, ótimo! Mas eu acho que se a gente não precisasse de curadoria, não haveriam algoritmos de streamings e redes sociais nos entupindo de sugestões de filmes e séries. Quem conhece bem este blogue, já sacou que eu sou bem avesso a esses algoritmos e sua propaganda, acredito que cada sujeito ou grupo social deveria exercitar investigar o que realmente gosta de consumir, procurando se alienar dessa publicidade (na medida do possível) com o objetivo de auto-conhecimento, auto-descoberta e qualidade de vida, que realmente nos faça descansar do trabalho, e não gere ainda mais ansiedade. Fazendo um paralelo com alimentação, nunca vi propaganda na televisão de alimentos orgânicos, mas apesar disso eles são a parte principal da minha alimentação há muitos anos.

No sentido de evitar a ansiedade, eu sigo alguns princípios, que funcionam para mim. Podem não funcionar para você, mas isso aqui não é um guia ou manual da coisa certa a se fazer, apenas um relato pessoal da experiência que funciona para mim, e aproveite o quanto esse relato for útil para você. Minhas regras, por um entretenimento menos ansioso, são:

  • Prefiro me alienar de lançamentos e de hypes, com exceção de quando tenho a oportunidade de ir ao cinema, porque aí vou inevitavelmente assistir algo que está em cartaz. Mas dentro da minha casa, na frente da minha televisão, tento ao máximo ignorar o que todo mundo tá vendo, afinal sou um radical daquela regra da mamãe: “você não é todo mundo”;
  • Proibido mexer no celular ou em qualquer aparelho digital enquanto assisto um filme, série, etc;
  • O horário de televisão, assim como sua duração é pré estabelecido dentro da minha rotina;
  • Menos é mais, melhor ver poucas coisas e se divertir com elas do que tentar dar conta de várias e ficar perdido, ansioso e entediado, ou ficar criando listas e metas intermináveis e depois lidar com auto-cobrança.

A última regra e uma opinião muito impopular: pessoalmente, evito as séries. Na minha opinião elas são produtos meramente comerciais e sua explosão e popularização só se justifica na necessidade dos serviços de streaming demandarem produtos que vão prender o usuário na assinatura. No meu caso, um trabalhador com tempo livre escasso, as séries além de consumir muito tempo livre, ainda geram um nível de ansiedade, já que elas são produzidas para viciar e provocar a maratona. E sou uma pessoa que valoriza a rotina, as 8 horas de sono, as refeições no horário correto (as minhas costumam ser acompanhadas de um podcast), então dispenso esse formato de entretenimento. E tem uma pitada de old school e saudosismo também, ainda acho que a sétima arte, o cinema, os filmes, ainda é uma forma de entretenimento superior, seja lá o que isso queira dizer.

Substituto as séries por animes, que em geral são ótimos produtos culturais, com duração bem mais curta dos episódios. Enquanto uma série em geral tem episódios de cerca de 1 hora, um anime dificilmente chega a 30 minutos. Ou seja, ao invés de assistir dois episódios de uma série, eu prefiro assistir um filme (ou seja, uma história com começo, meio e fim, pelo menos assim espero rs), ou então 4 episódios de anime (animes diferentes, ou o mesmo anime, se eu estiver maratonando).

Outro detalhe interessante, com essa coisa de diversos streamings irem reduzindo o compartilhamento de assinaturas, fui deixando diversos serviços e atualmente assino apenas dois, que me contemplam bem (Max e Telecine), e compartilho a senha do Crunchyroll, assinado pelo meu irmão. Para as coisas que eu gosto de assistir essas assinaturas são suficientes. E se tiver algum produto cultural que eu queira muito ver, que esteja em outro serviços, sempre existem meios de assistir, se é que você me entende...

Contextualizado o meu gosto pessoal, minhas regras, vamos a como eu monto a minha curadoria:

  • Animes: acabo escolhendo por recomendações de amigos mesmo, esse é um assunto que eu sempre converso em determinadas rodas de amizades. Gosto de acompanhar alguns que ainda estão sendo produzidos, assistindo semanalmente o episódio novo. Gosto muito mais dessa forma de consumir do que as maratonas, acho mais gostoso e menos ansioso assistir desse jeito. Mas não posso negar que às vezes gosto de maratonar um anime, quando ele me pega muito. Vou acompanhando esses que estão sendo produzidos na atualidade uma vez por semana, e também pego um mais “antigo” para ir assistindo aos poucos. Esse “antigo” eu gosto de pegar bem os clássicos mesmo, consagrados pelo gênero e assisto um de cada vez, no máximo dois, não gosto de conciliar vários. Outra coisa, eu evito deixar a “lista de favoritos” muito grande, deixo só os novos que estou acompanhando, e o(s) “antigo(s)”, e quando termino de ver o(s) “antigo(s)”, tiro ele da lista. Atualmente estou considerando como ideal assistir no máximo 4 episódios de anime por dia, e se for futuramente mexer nesse número será para diminuir, e não aumentar;

  • Filmes: eu odeio aquela sensação de indecisão ao escolher um filme. Então já salvo vários que quero assistir na famosa “minha lista” e gosto de definir algum critério para a sequência que vou assistir. Exemplos: todos os filmes do Studio Ghibli (ou de outro estúdio), todos os filmes do Spike Lee (ou de outro diretor), filmes biográficos, filmes com um ator específico, filmes de um gênero específico, todos os filmes de uma trilogia ou coleção, etc. Esse tipo de critério ajuda muito na escolha do filme que vou assistir, já que a escolha é um processo cansativo para o cérebro e a ideia é relaxar e se divertir. E é legal que você fica no clima de um determinado tipo de filme. Por exemplo, assisti na sequência filmes biográficos sobre Pixinguinha e Elis Regina, foi uma experiência interessante e acabei traçando mentalmente diversos paralelos entre essas duas produções. Se nos animes eu evito a “minha lista” muito longa, aqui vou simplesmente adicionando tudo que quero ver, sem muito filtro, mas também não me cobro pra ver tudo num prazo específico, apenas penso nesse monte de filme como se fosse a minha locadora pessoal (essa só o pessoal dos anos 1980 e 1990 vai pegar a referência kkkk).

Outra coisa que acho legal é produzir um registro das coisas que assisto. Tenho utilizado as plataformas Justwatch e Letterboxd para isso. E elas também são muito úteis para descobrir em qual serviço de streaming está algum produto cultural que eu queira ver. Se você quiser me seguir no Letterboxd.

Mais uma coisa: eu não sou dessas pessoas que acha que todo entretenimento tem que ser “cult”, tem que levar à reflexão, etc. tem horas que eu amo assistir um filme de porrada para desligar o cérebro mesmo, viva o escapismo! Mas trocar a realidade dura de trabalhador no capitalismo tardio por um entretenimento raso 100% do tempo, é algo que eu evito também, então tento minimamente equilibrar. Normalmente eu gosto de assistir as coisas mais rasas durante a semana, depois de um dia cansativo de trabalho e deixar a arte mais profunda, “cult”, nobre, etc para os feriados e finais de semana.

Última coisa, prometo: não precisamos ocupar todo o tempo livre também, com filmes, séries, leituras, podcasts, músicas, passeios... o ócio também faz parte da vida, e lidar com ele tem sido um desafio na conteporaneidade, mas penso que valha a pena encará-lo, em nome de uma vida melhor.

Bom descanso, e bom entretenimento!

 
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from Ideias de Chirico


Capa do disco “Nadadenovo”.

Em um tempo quando ouvir música na internet não era fácil, tive o hábito de gravar CDs com álbuns que eu, com muito esforço, baixava. Ao passar dos anos, guardei alguns deles e, ao contrário do restante dos meus arquivos pessoais, eles perduraram. Com o tempo, fui os acumulando e organizando por ano (o disco de 2016, de 2017 etc.) ou por ordem alfabética (A-P, M-Z etc.).

Até que um dia decido revisitar alguns desses discos, que estiveram todos esses anos guardados no fundo da gaveta de minha escrivaninha. Na superfície de um deles, escrevi “2015”. Aquele fora um ano de muita experimentação e de pesquisa de novos gêneros musicais. Eu era capaz de ouvir qualquer coisa que me recomendassem...

Foi nesse período que comecei a ouvir o jazz de um Miles Davis, as sinfonias de Antonín Dvořák ou de Heitor Villa-Lobos, o folk de Bert Jansch e uma série de grupos do assim-chamado “post-rock”, como Godspeed You! Black Emperor, Bark Psychosis e Stereolab. Eu tinha então 19 anos, estava em um período de pré-vestibular, ainda por me entender e me descobrir, com todo o futuro em aberto.

De todos esses grupos, saquei um ao qual no tempo não dei tanta atenção, que fizera muito sucesso entre 2005 e 2015, e que, sabe-se lá o porquê, acabei gravando no disco: “Nadadenovo”, o primeiro do grupo de rock alternativo Mombojó, gravado em 2004.

No princípio da reescuta, me agradou o nostálgico que era o ouvir: ele me fazia recordar daquela época da infância quando se passava a maior parte do tempo em frente à televisão, assistindo à MTV ou qualquer outra bobagem da rede aberta; dos romances que eu ouvia de amigos mais velhos; dos passeios em família, nos quais meu irmão mais velho punha música no carro de nossos pais; também de outras bandas de rock alternativo brasileiro como Los Hermanos, Vivendo do Ócio e Móveis Coloniais de Acaju, que eram muito ao gosto dos hipsters de então; e, por fim, daquele mesmo ano de 2015, de uma difícil, mas feliz, solidão.

Mas claro, não há música de qualidade que sobreviva só de nostalgia. Depois do primeiro encontro, vem o segundo interesse: Mombojó é de um som imprevisível. Como o disco “Ao som dos planetas”, sobre o qual já escrevi nestas mesmas Ideias de Chirico, nas canções de “Nadadenovo” somos a todo momento jogados de um gênero musical a outro, de um ritmo a outro. Mas, diferentemente desse disco de Alberto Continentino, essas variações acontecem em uma mesma faixa, e acontecem gentilmente, por vezes timidamente, sem um movimento brusco.

Temos por exemplo, “Deixe-se acreditar”, a segunda faixa do disco, que se introduz com um envolvente surf music, para então partir para um rock arisco com acordes oitavados, típicos do hardcore, e é encerrada com um tema de bossa-nova ― tudo isso em um pequeno raio de três minutos. Durante a escuta do disco, com muita frequência somos carregados nessa montanha russa rítmica.

Outro ponto forte de “Nadadenovo” é a vastidão de sua paleta de timbres. Durante o disco acompanhamos toda sorte de instrumentos acústicos (como violões clássicos e flautas transversais ― um forte das composições) e instrumentos eletrônicos (como baterias sintéticas e teclados elétricos), bem como o tratamento elétrico-acústico de vocais, com manipulação de frequências, como em “Nem parece”, no qual ouvimos o vocal alternando ora para um timbre limpo de estúdio, ora para um timbre de ligação telefônica.

As letras não possuem muita variação de temas. A maior parte delas são a respeito de romances acabados ou mal acabados, algumas com uma roupagem por vezes surreal ― como em “Faaca”, cujo refrão diz repetida e alegremente:

Eu quero ver você dançar

em cima duma faca

molhada de sangue

enfiada no meu coração.

Somado a esse surrealismo, junta-se um curioso uso de samples por vezes non-sense, como em “Estático” ― disparado a minha faixa preferida. Sua letra fala a respeito de um amante desiludido que acha que o relacionamento “Não vale mesmo a pena, não”. O que faz o contraponto com o vocal principal? As gravações de uma criança na primeira fase da linguagem, que balbucia coisas como “Vai ter de tomar tudo!”, “Eu vou inventar!” e “Vamo'fritar o boi!”

“Nadadenovo” com certeza é um dos discos mais originais de sua geração ― digo... da geração de grupos de rock alternativo. Por isso, guarda os males de um grupo de rock ― sobremaneira o de manter uma linguagem musical convencional.

As composições são em grande parte em compasso quaternário, típico da música mainstream, e não há modulações harmônicas de nenhuma espécie, que são comuns em outros gêneros musicais e que tornam as músicas mais dinâmicas. Isso faz com que algumas mudanças rítmicas soem familiares e gentis, sim, mas, por vezes, sem fundamento.

Apesar daquela mudança constante de gêneros e ritmos, ela não é feita sob costura sígnica alguma, isto é, parece arbitrária, não constrói significados. Isso mantém a parte instrumental e a parte “verbal” em planos distintos, como se um não se reconhecesse no outro.

À parte disso, “Nadadenovo” é um disco que vale a pena revisitar quando já o temos esquecido por anos no fundo de uma gaveta, logo depois da primeira escuta ― que deve ser feita de preferência sob o céu limpo de uma tarde de namoro.

 
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from Ideias de Chirico


A esta altura do blogue, vocês já devem ter percebido que sou aficcionado pelo protocolo RSS. Gosto do prático do RSS, das possibilidades de curadoria que permite, do ritmo lento que impõe na rotina, da abertura para as mais diversas mídias, como podcasts... Tenho um ritual semanal de ler o feed de textos em todo lugar que vou no meu querido Kindle, para então chegar a sexta-feira e atualizá-lo de novo. Me agrada ver a caixa de textos aos poucos se enchendo inteiro outra vez. É um ciclo viciante!

Entre as listas de leituras que mantenho, está a de favoritos ― sítios web dos quais não perco uma atualização sequer. Nela mantenho o feed de “In the margins”, blogue de Mike Grindle, que, como seu nome denuncia, é um escritor anglófono. Quando o leio, consigo quase ouvir a sua voz... Há um vivaz frescor em sua escrita, é algo que flui. Isso não tem a ver em absoluto com o fato de ele utilizar palavras familiares ― com frequência consulto o dicionário. Essa consulta constante nem de longe estraga o prazer da leitura. Tomo este trecho aleatório de um de seus últimos textos:

This home of my mother’s parents has hosted our family for generations. My mother and her mother grew up there, and their mothers and fathers before that. Several in-laws, uncles, aunties, and even I have also lived there at some point or another. And like any good family home, so many of our memories are tied to the place, from Christmas mornings to after parties of family events, rainy days and happy moments.

But today, everyone is gone, having all moved on or passed away.

The only person left is my grandmother, who will soon be moving home herself. The place is far too big for her now and home to what I can only imagine are far too many ghosts. A new family would better put the place to use. And my nan would be much better off starting anew somewhere else.

(“Saying Goodbye to a Family Home”).

Por qual razão me agrada o ler? Graças à gramática simplificada, o inglês não tem grandes diferenças de estilo entre a fala e a escrita. Essa proximidade pode influenciar a recepção do texto. Ao falar de fluidez na leitura, lembro do escritor e blogueiro belga Lionel “Ploum” Dricot. Talvez alguns de vocês não possam compreender o idioma francês, mas basta que vejam a “mancha” na tela e notem o comprimento das frases deste recente texto seu:

Nous sommes désormais connectés partout, tout le temps. J’appelle cela “l’hyperconnexion” (et elle ne passe pas nécessairement par les écrans).

Parfois, je tente de me convaincre que mon addiction personnelle à cette hyperconnexion est surtout liée à mon côté geek, que je ne peux généraliser mon cas.

Et puis, quand je roule à vélo, je me rends compte du nombre de piétons qui n’entendent pas ma sonnette, qui ne me voie pas arriver (même de face), qui ne s’écartent pas et qui, lorsqu’ils réalisent ma présence (qui va, dans certains cas, jusqu’à nécessiter une tape sur l’épaule), ont un air complètement abruti, comme si je venais de les extirper d’un univers parallèle.

Et puis je vois cette mère, dans une salle d’attente, dont la petite fille de deux ans tente vainement d’attirer l’attention « Regarde maman ! Regarde ! ».

(Hyperconnexion, addiction et obéissance).

Apesar de eu ainda estar aprendendo a língua francesa, não tenho grandes dificuldades para compreender Ploum. Seu vocabulário é ordinário ao lado do de Grindle, mas o francês, em termos gramaticais, é muito mais complexo do que o inglês. Redundante dizê-lo, mas um texto em inglês não é interessante só pelo fato de estar em inglês, assim como um texto em francês não é interessante só pelo fato de estar em francês. Porém, cada língua promove um timbre e uma linguagem diferentes. O que então os textos de Grindle e de Ploum têm em comum?

Ritmo.

Tenho dedicado este ano de 2024 ao estudo da escrita em prosa. Alguns dos livros que mais me fizeram refletir e aprender sobre a prosa, esse “signo do demônio” (segundo o poeta Décio Pignatari), não foram livros de literatura ou de filosofia, mas dois manuais de instrução: “100 ways to improve your writing” e “Make every word count”. Ambos os títulos são do autor estadunidense Gary Provost, e pretendem deliberadamente mostrar como escrever um bom texto em prosa de ficção ou de não ficção.

Pode ser que você tenha franzido o cenho quando falei que esses são livros instrucionais. A diferença deles para outros manuais é que, além de serem excepcionalmente bem escritos, ensinam algo que está sendo feito no ato da leitura. Um raro fenômeno de um texto que ensina a sua própria concepção...

Provost nos dois livros recomenda escrever com base na oralidade e na musicalidade da fala, pensando em uma eventual leitura em voz alta. Creio que essa seja a diferença entre os autores citados daqueles de textos ordinários, como os da publicidade e da burocracia. Tanto Grindle quanto Ploum me possibilitam a leitura oral de suas publicações, independente de vocabulário ou de gramática que utilizem.

Mas bem, o que difere então o ritmo da fala do ritmo da escrita? Quando falamos, paramos para pensar melhor... damos tons de hesitação... deixamos que nosso ouvinte tenha um silêncio de nós mesmos; enfatizamos certas palavras ― variamos o comprimento de nossos enunciados e os alongamos quando temos plena certeza do que falamos. Descontinuamos.

Já a escrita nos permite um não mais cessar de frases e de ideias extremamente elaboradas pelas quais temos a possibilidade de construir frases ad infinitum até chegar ao paroxismo de um enunciado de Marcel Proust que foi capaz de construir uma frase que se alinhada poderia alcançar dois metros de comprimento ― talvez a contrução mais longa da história...

A escrita marcha. A fala samba.

Aproximar a fala da escrita, porém num tem nadavê cõ escrevê assim ou mesmo utilizar gíria rocheda ou uma gramática familiar, 'tá ligado? Escreve Provost em “Make every word count”:

Notice, I said good writing mimics speech. I didn’t say it duplicates it. It hums the music but it doesn’t sing the words. The ear and the brain are tuned in to the patterns of language. It is those patterns, the music of spoken language, that you want to duplicate in your writing.

O olho, assim como o ouvido, requer um descanso. O silêncio é o descanso para a fala; o ponto final é o descanso para a escrita. O que está entre esses dois silêncios é o que constitui a música textual. Me parece correta a tese de Provost de que padrões que funcionam em uma fala atraente são os mesmos que comandam uma escrita atraente.

A menção de dois autores anglófonos neste texto não é fortuita. Tenho a impressão de que os autores de língua inglesa, por conta da proximidade gramatical entre sua fala e sua escrita, rapidamente compreendem que as formas da língua falada também são interessantes em estado de escrita. Ou pode ser que haja uma formação comum entre toda a comunidade de língua inglesa, quem sabe?

Autores lusófonos e italófonos, por sua vez, estão infectados de um ranço academicista que os impede de ouvir o que escrevem e de perceber as formas orais de expressão. Um exemplo disso pode ser este trecho de um texto recente do ótimo blogue de cinema e política, o Cinegnose, tocado pelo acadêmico de comunicação Wilson Roberto Vieira Ferreira:

De toda a complexidade política e econômica da engenharia de um golpe de Estado, ficou no imaginário coletivo para a posteridade as fotos de tanques cercando o Congresso Nacional, soldados armados perseguindo civis nas ruas, mas, principalmente, o trauma histórico do AI-5, prisões, sequestros, desaparecimentos de cidadãos e torturas nos porões de delegacias contra opositores da ditadura militar.

(”'Plano Punhal Verde e Amarelo', não-acontecimento e paralisia estratégica”).

Cinco linhas de uma mesma frase, das quais duas são enumerações mais ou menos prescindíveis. Leia o trecho com a voz; em seguida o leia em silêncio. No primeiro caso a voz cansa; no segundo a mente cansa.

Você pode até indagar que há assuntos ou argumentos que requerem uma frase longa, um parágrafo longo, ou que a prolixidade pode ser utilizada estilisticamente. E eu não tenho opção a não ser concordar com isso. A chave de tudo é o balanço. A mente, os olhos e os ouvidos requerem variações, e requerem novidade.

Mas não ficarei aqui apenas regurgitando as lições provostianas (leiam Gary Provost!), insisto que um texto interessante, mais do que ter argumentos interessantes, tem uma forma interessante. Tenho muita mais facilidade de aceitar uma ideia quando ela é bem escrita. Também por isso rapidamente me alinhei às ideias sobre tecnologia de Marshall McLuhan por exemplo. É por esta razão também que tenho resistência a ler textos filosóficos e tanta tolerância a ler textos de ensaios e de blogues: nesses últimos as ideias são escritas não apenas para serem entendidas, mas também dissecadas e apreciadas. São ideias com corpo.

Outro aspecto pouco discutido sobre estilo é a influência do instrumento utilizado no processo do texto. Com a ubiquidade do computador, as pessoas esqueceram-se de que é possível escrever por outras vias, inclusive com a voz, como já escrevi neste blogue. Sabendo mesmo dessa grande oferta de instrumentos, até construí uma caixa de ferramentas de escrita.

Da mesma forma que a tinta e o pincel dão um resultado diverso em relação à espátula ou ao carvão na mão de um artista plástico, ou como cada instrumento musical proporciona um humor diferente para a mesma melodia, cada ferramenta de escrita desenvolve um texto de natureza distinta...

Quando escrevo no computador e apago, perco o registro do que fiz (malgrado a existência do Ctrl + Z). Já quando escrevo em papel, percebo dois efeitos: a consciência das decisões tomadas em cada parte do texto e a expansão que acontece a cada revisão.

Quando edito um rascunho no computador, tendo a reescrevê-lo somente uma vez, ao passo que, quando estou trabalhando em papel, reescrevo, expando e reviso o texto mais vezes. O texto em tela permite a visualização integral. o texto em papel permite sua fermentação. Além disso, se quero a leitura comentada de uma pessoa, é muito mais provável que ela o faça com papel em mãos do que se eu lhe enviar um .pdf...

Cada instrumento de escrita parece impor um ritmo distinto ao texto. O bloco de notas, que não comporta mais do que quatro palavras por linha, leva a uma escrita curta e compacta, a golpes, em cápsulas que procuram comprimir ideias ― é o meio perfeito para a construção de aforismos; a escrita em um caderno é flúida, mas muito concentrada ― é a escrita-tricô, ideal para textos meditativos, intrapessoais; o gravador de voz não suporta um texto acabado, oscila entre projeto e “arte final”, é a escrita-montanha-russa dos brainstorms; já o computador, com o seu magnânimo backspace, faz com que a escrita sofra de um constante coito interrompido, que seja descontinuada e retomada diversas vezes; e, por fim, a máquina de escrever é um híbrido entre a concentração de um caderno e a velocidade de um computador ― sem backspace, não dá espaço para a correção, só se pode seguir escrevendo.

O tom deste último parágrafo é de completo proselitismo pela escrita analógica, eu sei. Nos primeiros momentos mesmo em que escrevo este texto, estou em uma máquina de escrever. Para mim, ela ainda é uma ferramenta nova, ainda por ser dominada e por ter suas potencialidades descobertas.

Entretanto, para a guerra, toda arma é boa. Para a escrita, toda ferramenta é boa. Para cada necessidade há um meio ideal. No entanto, é preciso estar consciente do efeito que cada um deles promove, e me parece que os escritores e outros trabalhadores de texto não o estão, talvez por conta da natureza midiática do veículo com que trabalham, demasiado simbólica e de alta definição...

Língua, ritmo e instrumento, creio, são o estilete que escupem o estilo!

 
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from Ideias de Chirico


Estava pensando no final de “Manhattan” (1979), de Woody Allen.

Sempre que penso em cinema clássico, é a cena final de “Manhattan” que me vem à cabeça. Posso não ter visto suficientes filmes, mas sinto que é como se Woody Allen tivesse criado com essa sequência o paradigma de final de filme romântico.

É magistral a montagem inteira do filme; a sincronia entre música e fotografia; sem falar dos diálogos, que têm um taime e um ritmo maravilhosos.

Infelizmente Allen nunca conseguiu repetir o que fez em “Manhattan”. “Manhattan” é o paroxismo alleniano. Não há outro filme como “Manhattan”.

#notas #cultura


 
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from daltux

Há anos, tenho usado Mosh para contornar instabilidades e mobilidade de redes, já que ele se baseia em UDP e é bem adequado a isso, sem precisar manter uma “conexão” caso usasse TCP. É projetado para lidar com as perdas e a funcionar conforme haja comunicação.

O problema que enfrentei com Mosh recentemente foi ao precisar passar por máquinas intermediárias (como em ssh -J — vide manual), algo que se tornou necessário recentemente no ambiente de trabalho. Estive desde então pesquisando como resolver isso. Com o próprio Mosh, não consegui adequadamente, embora continue possível utilizá-lo para acessar uma máquina disponível diretamente e abrir N shells com, p. ex. e o que recomendo, Byobu. É um gerenciador de “janelas” de terminal que mantém uma “sessão”, podendo deixá-la aberta, sair e retomar posteriormente, ou que persiste caso haja desconexão. Assim, um multiplexador como Byobu por si só já é uma solução para quem deseja contornar perdas de conexão, mesmo usando o próprio SSH. Aliado ao Mosh, então, formava uma dupla mais eficiente, praticamente infalível. Pena que não consigo fazer o Mosh se comunicar com host que não esteja disponível por SSH, mesmo tentando chamar manualmente os programas servidor e cliente.

Felizmente descobri agora, enfim, o autossh, cujo propósito é simplesmente monitorar o estado da conexão do SSH e reiniciá-la quando ela cai. Para a operação ser viável, configure devidamente uma maneira de se autenticar, preferencialmente com par de chaves, sem que o programa tenha que ficar esperando digitação de senha a cada reconexão. Se não abrir um multiplexador de terminal, também não vai adiantar muito, podendo surgir problemas em uma desconexão súbita. É possível habilitar Byobu para que seja iniciado a cada shell com o comando byobu-enable. A solução com autossh não é tão eficiente quanto mosh, mas já funciona bem, na combinação com Byobu.

Todos eles estão disponíveis nos repositórios principais do Debian GNU/Linux, entre outros. Portanto, recomendo pesquisar os atalhos do Byobu, no caso, para dominá-lo e usá-lo sempre! ( mosh ou autossh ) + byobu já! 💌


Byobu é, na realidade, um conjunto de scripts e configurações que visam tornar tmux ou GNU screen mais amigáveis, utilizando o que estiver disponível entre eles (tmux por padrão). Assim, as afirmações acima valem para eles também, caso prefira usá-los diretamente.


Consta ainda um projeto mais recente, chamado Eternal Terminal, que pretende funcionar semelhantemente a Mosh, porém lidando com TCP e alegando até suportar saltos de SSH. Embora publicado nos termos da licença Apache 2.0, não está disponível nos repositórios Debian oficiais até o momento. Então ainda não o testei, pois já fiquei satisfeito com autossh, fornecido pela distribuição.

#shell #OpenSSH #ssh #byobu #tmux #gnu #GNUlinux #debian #mosh #autossh #unix

 
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from yuribravos

Eu dirijo há mais de uma década. Nunca me envolvi em nenhum acidente sério, embora tenha tido uma ou outra batida de leve, sem danos além dos materiais.

Tirei a carteira de moto depois que casei, pois só tinha uma vaga e não cabiam dois carros. A primeira coisa que me deixou abismado com a motoescola é o fato — completamente aberrante, mas encarado como normal — de não ter aulas práticas no trânsito.

Tudo que te ensinam é se equilibrar sobre a moto e andar na primeira marcha. Nem ensinam a passar as marchas. Isso fica para o motociclista descobrir sozinho no meio da rua. Daí entendi porque há tantos motociclistas que dirigem de forma imprudente e sem noção: eles não foram ensinados a trafegar no meio de outros veículos.

Dito isso, eu já tinha mais de dez anos de prática no volante quando tirei a carteira de moto, então sempre dirigi de forma prudente. De forma correta. Até que, outro dia, tentaram me matar.


Eu também ando de bicicleta. Já andei mais. Por duas vezes fui derrubado por motoristas de carro que ignoraram qualquer regra básica de trânsito como preferênciais. Um deles fugiu, a outra se comprometeu a pagar pelo menos o conserto da minha bicicleta. Em ambos os casos a coisa me pareceu mais desatenção que qualquer outra coisa.

Uma desatenção, é óbvio, pavimentada sobre a percepção que a rua pertence aos carros e que, portanto, tudo mais deve parar e esperar que façam o que bem entenderem.

Nenhuma desculpa para o carrocentrismo das nossas vias urbanas.


Voltava do meu treino, pelo caminho que sempre faço. Tinha passado no mercado pra comprar algo para preparar a janta. No meu caminho, eu dobro à esquerda num entroncamento entre duas avenidas. A pista da direita também é bem comprometida, o que me faz, normalmente, seguir na pista da esquerda por 4 ou 5 quarteirões antes de dobrar no tal entroncamento.

O que não deveria ser um problema, já que vou rodando na velocidade máxima da via, 50km/h. Idealmente ninguém deveria fazer ultrapassagens se seguimos na velocidade máxima. Ainda mais depois das 20h, quando sequer tem trânsito pesado.

Pois bem, nesse dia eu seguia na faixa da esquerda, faltavam 3 quarteirões para virar. Notei, pelo retrovisor, um carro vindo em alta velocidade. Deu sinal de luz, buzinou. Fiz um gesto para que ele seguisse pela direita que estava completamente livre, afinal, logo mais eu iria virar à esquerda.

O motorista assim o fez, mas jogou o carro para cima de mim. Não passou perto o bastante para ser um problema. Não acelerei, apesar de tê-lo xingado mentalmente, e deixei o infeliz seguir seu caminho. Não fiz qualquer gesto agressivo.

Acontece que, como todos sabemos, correr é um auto-engano. Quando chegou no sinal do entroncamento e eu segui para o espaço de espera dos motociclistas, que fica à frente dos carros, acabei passando esse mesmo motorista, que esperava na fila da esquerda. Não fiz nenhum gesto, não alterei a velocidade, apenas segui meu caminho. Parei no mesmo sinal que ele.

O assassino saiu da fila, passou para a direita, parou o carro do meu lado. Baixou o vidro e começou a gritar sobre como eu precisava aprender a dirigir. Não respondi nada, não esbocei reações. O sinal abriu. Saí com minha moto. E pela segunda vez o assassino jogou o carro para cima de mim, dessa vez, encostando.

A sorte é que estava em baixa velocidade. Não cheguei a cair, embora tenha danificado minha moto. Ele fugiu, certo da impunidade.

Fiquei incrédulo. Respirei fundo. A moto ainda funcionava. Segui para casa. Botei uma braçadeira pra segurar a carenagem da moto enquanto não consertava. Registrei um boletim de ocorrência. No dia seguinte, fui à autarquia municipal de trânsito solicitar as filmagens das câmeras. Pois, talvez ele não sabia, mas aquele cruzamento é videomonitorado 24h. Abri o processo de solicitação e aguardei. Quase vinte dias depois, recebi as filmagens.

Infelizmente as instituições não funcionaram: as filmagens pegam exatamente o momento, mas é impossível identificar a placa do carro. A qualidade da imagem é péssima para esse tipo de detalhe.

Ainda assim, se você souber maneiras de melhorar a nitidez de uma filmagem de forma quase mágica, estou aberto a sugestões.


Depois disso, pela primeira vez na vida — as benesses das minhas circunstâncias — fiquei receoso de me locomover na cidade. Pois é evidente que aquele motorista queria me matar. Ele não tinha nenhum motivo para isso, mas queria.

Outro dia, voltando do trabalho 17h, vi uma outra pessoa com um carro grande — evidentemente — dirigindo numa velocidade absurda para as vias coletoras que faziam aquele caminho. O trânsito nem estava caótico, seguia normal. Mas a pessoa dirigia com clara sede de sangue. Quem ela queria matar?

Não sei. Espero que não seja eu, que fiz tudo direitinho, sem fazer mal a ninguém, e ainda assim, virei alvo de matador.

 
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from Felipe Siles

Obs.: em geral, não estou considerando aplicativos muito básicos, como relógio, calendário, chamadas, calculadora, loja de aplicativos, etc, normalmente uso o nativo

1. Smartphone com Android

  • Tocadores: AntennaPod, Transistor, VLC, Tidal, NewPipe
  • Mapas e navegação: Google Maps, Moovit,
  • Nuvens e sincronização: IDrive, Nextcloud, DAVx5
  • Mensagens: Beeper
  • Bloco de notas: Joplin
  • Navegador: Firefox Focus
  • Passivos: TC Control, Screen Time
  • Launcher: Smart Launcher
  • Senhas e autenticação: KeePass, Ente Auth P.S.: vários desses aplicativos foram instalados via F-Droid

2. Tablet com IOS, vulgo iPad

  • Nativos Apple: Safari, Email, Calendário
  • Leitura: Omnivore (deus o tenha), Zotero, PDF Gear
  • Notas: Joplin
  • Nuvens e sincronização: IDrive, Nextcloud
  • Nas aulas de música que leciono: Musescore, Metronomo, iGrand Piano, iReal Pro
  • Mensagens: Beeper
  • Entretenimento: Lichess, Sofascore, JustWatch, Letterboxd
  • Senhas e autenticação: KeePass, Ente Auth

3. Computadores com Linux

(Notebook com Manjaro; PC de gabinete com Debian) – E-mails e calendário: Thunderbird – Navegador: Firefox – Mensagens: Ferdium – Nuvens e sincronização: IDrive, Nextcloud – Notas: Joplin – Pacotes de escritório: Libre Office, Only Office – Produção musical: Musescore, Audacity, Ardour – Senhas e autenticação: KeePass, Ente Auth – Tocadores: VLC, FreeTube – Gestão de textos e livros: Zotero, Calibre

4. Projeções para 2025

Quero começar a usar mais o Syncthing, até pra aliviar meu uso de nuvens, que é meio pesado. Para substituir o finado Omnivore, migrei para o Pocket. Também quero me tornar mais analógico, em 2024 já substitui aplicativos de tarefas que usava pelo bom e velho caderninho físico, utilizando o método do Bullet Journal, vamos ver o que 2025 me reserva, nesse sentido. E sempre estou aberto a testar e eventualmente incorporar na minha rotina novos aplicativos, preferencialmente livres e de código aberto.

 
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from Ideias de Chirico


Um dos grandes diferenciais da música em relação a outras linguagens é de ela ser um “signo puro” ― ou algo perto disso. Com isso quero dizer: a música, algumas vezes, não faz referência outra que não a ela mesma. Daí que temos essa vastidão de canções e peças musicais que são verdadeiras paisagens, que não são outra coisa senão elas mesmas. Não é como a arte da palavra que, mesmo em estado de poesia, necessita de um referencial no mundo para se legitimar.

Pensando nessa ausência de referencial, eis então a sensação que eu tinha ao ouvir o disco “Ao som dos planetas” (2015), o primeiro de Alberto Continentino: a de estar em uma sala clara, ou algum outro ambiente limpo, que se movimenta.

Esta, porém, não era uma sensação aleatória. Explico.

Na capa do disco, vemos Alberto Continentino, que faz os baixos elétrico e erudito e as composições; à sua direita, Vivian Muller, sua esposa, que faz os vocais, acompanhando ou acompanhada de Alberto; abaixo deles, uma curva de pele arrepiada; e, ao fundo de tudo, o breu do espaço sideral.

Em um primeiro momento, poderíamos pensar neste “planeta” arrepiado como a representação de êxtase causado pelo disco. Mas não. Alberto e Vivian, que durante o processo de gravação esperavam o nascimento de um filha, decidiram estampar a barriga de grávida na capa.

Sabendo desse fato, podemos agora pensar que os “planetas” do disco não são só as do espaço sideral, mas também as do espaço uterino... Antes eu falara que esse álbum me causa a sensação de estar em um espaço limpo que se move. Qual o único espaço esterilizado no mundo que está naturalmente em movimento? O útero!

Um dos motivos pelos quais o disco debutante de Continentino nos dá a sensação de se estar em um espaço sideruterino é a constante alternância de gêneros musicais, que ocorre de uma faixa à outra. Alberto fez sua carreira como baixista, e já colaborou com nomes como Marcos Valle, João Donato, Adriana Calcanhotto, Edu Lobo e Milton Nascimento.

Podemos ver toda essa versatilidade da carreira de Continentino enquanto somos levados por um jazz brincante como o de “Tic Tac”, pela bossa nova de “Tudo” e “Náufrago” e pelo soft rock de “Sessão da Tarde” e “Summer's Day” ― tudo isso involucrado em extrovertidos instrumentos musicais que giram e giram, como naves espaçomusicais.

Ouvimos em “Tic Tac” os vibrafones que, junto aos metais de sopro e essa espécie de “dueto” de guitarras (que, graças ao excelente trabalho de ambientação binaural do disco, rodam em nossos ouvidos), e dão um teor, mais do que bem humorado, humorístico a uma canção que fala de amor.

A mesma impressão de ambiguidade e ironia é deixada por “Double Dip”, que inicia como um tenso quarteto de guitarra, baixo, vibrafone e bateria vassourada que, a princípio, daria uma ótima trilha sonora de um filme policial, quando, apenas o trompete é chegado ao coro, o passo astuto do detetive torna-se um caminhar de pato. Nesta faixa, ainda vale notar o brilhante protagonismo do contrabaixo, mesmo quando em posição de cama harmônica ou contraponto.

Quando não há o famoso “papapá” a fim de fazer a vontade de cantar cobrir a falta de letra, como dito pelo próprio compositor em entrevista à Globo, as letras são de uma delicadeza irreconhecível ao lado da fanfarra de outras músicas. A introdução de “Sistema de Som”, por exemplo, tem uma cadência de fazer inveja ao maior dos trovadores:

Mesmo sem ter uma direção,

Não podemos parar...

Agora, não.

O disco debutante de Alberto Continentino foi capaz de unir opostos e contradições, em uma postura que, além de versátil, é contemporânea, conseguindo pôr lado a lado o amor e o humor, a seriedade e a ironia, o velho e o novo, a dança e a quietude, podendo causar no ouvinte efeitos de hipnose, introspecção ou extrema atenção. Um disco que vale a escuta e uma homenagem em 2025, quando o seu lançamento completará 10 anos.

#cultura


 
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from vereda

O compartilhamento deste texto é permitido segundo a licença CC BY-ND 4.0.

Tags: #Militância #Pessoal #Neurodivergência

Introdução

Faz 4 meses que abandonei a Força Esperança. Nesse período passei por um mergulho em profunda depressão, mas hoje, estando em clara tendência de deixar os dias assustadores para trás, posso reavaliar a minha relação com a FE.

Não sabe o que é a Força Esperança? Leia meu texto Desfiliação.

Esse texto é um resgate de coisas que já falei antes, mas com um olhar mais analítico permitido pela maior tranquilidade emocional, afim de processar o que ocorreu comigo. Na última seção vou além do retorno ao passado e traço caminhos para o futuro. Tenha em mente que esse ainda assim é um relato subjetivo, que não leva em consideração as versões das diferentes pessoas envolvidas.

Começo

Começando do começo, eu vinha tratando um quadro depressivo-ansioso desde o começo de 2021, fruto da pressão no trabalho, mas com remédio e terapia estava estável. Mesmo com esse suporte, eu adoeci pra valer em 2023. O diagnóstico oficial foi de transtorno misto ansioso e depressivo (F41.2) combinado com esgotamento (Z73.0). Na época, o esgotamento parecia se sobressair. Eu estava exausta para tudo. Pensei que nunca mais fosse conseguir voltar a trabalhar com o rendimento que eu antes tinha. E, passado mais de 1 ano deste colapso, apesar de grande melhora, posso dizer que ainda não recuperei a energia e estabilidade que eu tinha antes.

Necessário pontuar que a piora do meu quadro coincidiu com o momento em que passei a ser contabilizada para a cota PcD no trabalho, e discriminada como tal, porém sem obter adaptações razoáveis nos termos da lei. Esse tratamento diferenciado, combinado com o pessimismo sobre a estagnação de carreira de uma PcD, minou a minha autoestima.

Foi também por volta desse momento que conhecidos me falaram de um tal de comunismo na Internet. Achei que seria algo tosco, mas fui aos poucos sendo convencida pela dialética materialista e a revolta foi me radicalizando. Me convenci que eu não teria chance de lutar sozinha e que precisaria me organizar. Me aproximei da FE, comecei a estudar e a participar das atividades.

Desde o começo esclareci a minha situação: eu estava adoecida pelo esgotamento e em recuperação. Minha coordenação compreendia que por causa disso eu não poderia participar de todas as atividades, mas isso não impediu que eu fosse estimulada a me envolver cada vez mais: mais participação em brigadas de venda de jornal, mais cotas individuais de jornal para vender, mais participação em atos e atividades de finanças, mais estudo e apresentação. Minha coordenação me disse que era o papel dela me estimular a fazer cada vez mais. Afinal, os comunistas praticam a profissionalização do trabalho de militância e nisso a FE era exemplar, mas havia um óbvio problema: Eu não estava em plenas condições de trabalhar.

Eu errei em ceder a esse estimulo. É parte do quadro clínico de esgotamento o histórico de alto envolvimento com o trabalho. E eu estava novamente cometendo o mesmo erro que me fez adoecer por causa de meu ofício. E minha coordenação não me ajudou a encontrar formas de aliviar o autojulgamento de “estar fazendo menos do que eu deveria”, muito pelo contrário, já que nos fazia ler materiais que explicitavam a importância moral do comprometimento e da disciplina. Ao invés de me parabenizar pelo que eu havia conseguido, eu recebia o estímulo a fazer ainda mais. Isto era contraprodutivo para meu momento de recuperação.

Afastamento

Em determinado momento eu desenvolvi hiperfoco em certa pauta compatível com o programa da FE. Observei que haviam organizações brigando por mudanças políticas com relação ao uso de dados e da tecnologia da informação. Como boa militante, passei a tentar convencer os companheiros de que precisaríamos debater essa pauta como organização também, assim como já era feito com a questão sindical, estudantil e feminina. Era, e ainda é, minha crença que a questão da tecnologia da informação necessita ser trabalhada de maneira organizada, sem aventureirismos.

Claramente eu estava propondo uma pauta que era maior do que a FE. As tentativas de trabalhar esse tema eram negligenciadas com argumentos fracos como “A FE é uma organização dentro da lei e não há motivos de tratar esse tema”. E por não verem o tema como relevante, o assunto foi silenciado: Comportamento típico de quadros antigos que insistem em interpretar novos fenômenos da forma que lhes é familiar. A pauta que estava em pleno debate público internacional foi menosprezada internamente. Não tive o espaço para desenvolvê-la e apresentá-la a mais pessoas além do meu núcleo imediato.

Aqui entra em ação a obstinação natural de uma pessoa autista. Quanto mais me ignoravam e me davam justificativas fracas, mais forte ficava meu interesse, mais eu me aprofundava no assunto, mais eu pesquisava, para poder convencer as pessoas de que esse assunto era (é!) importante. Eu fui fisgada pelo hiperfoco, e isso tem seu lado bom e seu lado ruim.

Eu pedi ajuda de minha coordenação para me ajudar a manter a calma, mas a ajuda que ela podia oferecer era insuficiente. Acabei agindo desesperadamente e quebrando a disciplina numa tentativa de chamar a atenção. A autocrítica é óbvia, pois eu já sabia que estava agindo de forma incorreta mesmo antes de me advertirem.

Contudo, continuo sem saber como poderia ter agido melhor. Sendo a pauta suprimida silenciosamente e estando desconfiada de omissão da minha coordenação, o que eu poderia fazer? A hierarquia não permitia que eu levasse a pauta para amplo debate, sob argumentos que não convenciam logicamente e sequer indicavam ter havido decisão coletiva anterior. Sem democracia não se pode exigir disciplina. Eu rejeito a acusação de individualismo e de desvio pequeno-burguês de minha parte. Se eu agi da forma como o fiz, foi por não ser capaz de tratar o assunto de outra forma. Há uma grave incoerência entre o que é dito (operamos na legalidade) e o que é praticado (decisões tomadas por organismos ocultos, sem envolvimento das bases). Que queriam que eu fizesse? Que me resignasse com o silêncio e aceitasse a minha insignificância em propor reivindicações?

Na ocasião da crítica realizada sobre minha conduta houve ainda um erro de agregar na mesma oportunidade a devolutiva sobre o teor da matéria que eu havia escrito. Julgaram meu texto idealista e anticientífico. Quem julgou, isso eu não tive o direito de saber. A devolutiva me foi passada anonimamente por minha coordenação. Seria eu idealista ou seria o avaliador secreto um passivo oportunista?

Me permitam demonstrar fraqueza por um instante. Essa devolutiva me destruiu um pouco mais. Eu estava há meses trabalhando nesse tema, de modo que ele tomou a importância de missão para mim, incentivada por minha coordenação que me exigia uma proposta mais estruturada para levar o tema para a apreciação do organismo superior. E depois de todo o tempo de pesquisa e estudo tudo que eu tive o direito de receber foram 2 rótulos negativos provindos de um avaliador anônimo. Isso me fez ter, em 2024, meu segundo colapso, sem haver ainda me recuperado do primeiro.

Os sentimentos de inutilidade e incapacidade retornaram, e eu chorei a maior parte dos dias naquela semana. Permito-lhes que me chamem de fraca ou de doente, ou até mesmo de imatura. O que rejeito, porém, é que me digam que eu estava errada. A mágoa era o sentimento possível naquele momento adoecido, mas hoje, entendendo que eu tinha a razão, posso transformar esse sentimento em raiva útil.

A conduta autodestrutiva que eu desenvolvi nesses 4 meses de depressão profunda, felizmente está ficando para trás.

Reorganize-se da forma que der

Mesmo acreditando que eu estava correta eu não tenho força ainda para voltar naquele ambiente e lutar para que o certo seja aplicado. Por meu movimento de autopreservação fui chamada de sectarista. Isso consolida a crença de que eu não sou bem-vinda naquele espaço. Não há acolhimento de minha condição de saúde, nem tampouco de minha neurodivergência. Podem me chamar de idealista, mas eu continuarei defendendo que ninguém é obrigado a estar em um espaço em que se é excluído. Se o preço para isso é não poder atuar na construção da revolução brasileira, então esse é um custo que eu terei que arcar. A gente faz o que dá, e pra mim não dá pra seguir recuperando minha saúde e minha capacidade de trabalhar naquele coletivo.

Acredito hoje no que disseram algumes amigues: que a organização necessita merecer a nossa participação tanto quanto nós necessitamos merecer estar na organização. Eu sou uma pessoa neurodivergente, com necessidade de suporte aumentada por conta do adoecimento que o trabalho me proporcionou e do qual tenho ainda sequelas. Se uma organização de massas tal qual a FE não é capaz de me acolher, ela então não me representa. Arrisco que não representa nenhuma pessoa com deficiência ou que se encontre incapacitada para o trabalho de forma temporária ou definitiva.

Felizmente eu fui acolhida em outra organização, de ideologia anarquista. Não que eu tenha passado a rejeitar o marxismo e os aportes de validez universal de Lênin sobre como realizar a revolução. Acontece que neste momento eu necessito mais do que contribuir para a construção do socialismo científico. Preciso voltar a me julgar útil e competente. O coletivo anarquista me oferece uma forma de me integrar no trabalho coletivo dentro das minhas possibilidades, e isso favorece a minha cura.

O anarquismo é o meio-termo que permite que eu siga trabalhando coletivamente, de forma não alienada, no presente. E vendo a enorme quantidade de pessoas neurodivergentes que estão em coletivos anarquistas, vejo que não sou só eu que, apesar de rejeitar a ideologia individualista, não se adequa para estar em um coletivo marxista-leninista. Os comunistas estão falhando conosco, e não poderemos trabalhar juntos enquanto o capacitismo não for adequadamente tratado.

Lembro que autistas verbais (comumente chamado de nível “leve”) tem 9 vezes mais chance de cometer suicídio do que pessoas neurotípicas. Prosseguir moralizando inadequações de neurodivergentes é fazer pouco caso dos problemas comportamentais e de convivência que caracterizam o quadro de TEA, bem como outras condições. Demandar a inclusão hoje é garantir que o movimento trabalhador cresça com o apoio das potencialidades de neurodivergentes, para que não tenha que, vitoriosa a revolução, condenar-nos dissidentes que devem ser exterminados.

 
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from yuribravos

Contextos

Essa é uma das melhores receitas que faço. Mal me lembro onde eu a encontrei pela primeira vez. Acho que numa versão antiga do Receitas de Minuto. Fiz umas pequenas adaptações, alterando a proporção de farinha de trigo e leite; e guardei a receita já adaptada em anotações próprias.

Porém, fazia algum tempo que não colocava esse bolo para assar. Por ser um bolo pão de mel, o ingrediente essencial e chave para ficar uma delícia é: mel.

E qualquer um que frequente um supermercado ou lojinhas à granel sabe o preço proibitivo de uma garrafa de mel.

Eu perdi meus atravessadores pessoais desse líquido viscoso e dourado: os pais de um amigo moravam no interior (Tianguá), e iam e vinham com frequência para a capital, agora se mudaram de vez e já não podem fazer o tráfico.

Até o dia que, após comentar com uma colega de trabalho sobre esse bolo, ela ficou de me trazer mel. Demorou, mas ela chegou com um pote daqueles de geléia cheinho de mel bem claro. Como gratidão, fiquei de levar o bolo para os colegas e, num domingo à tarde, tomei coragem de prepará-lo (não que seja difícil o preparo, mas às vezes só queremos ficar de barriga pra cima nos domingos à tarde).

Receita

Ingredientes

Bolo

  • 1 colher (sopa) de bicarbonato de sódio em pó
  • 3 xícaras (chá) de leite
  • 3 colheres (sopa) de manteiga
  • 3 xícaras (chá) de açúcar
  • 1 xícara (chá) de mel
  • 5 xícaras (chá) de farinha de trigo
  • 1 colher (sopa) de canela em pó

Ganache

  • 100gr de chocolate meio amargo derretido
  • Creme de leite

Modo de Preparo

  1. Untar a forma e pré-aquecer o forno a 200~230°C.
  2. Dissolva o bicarbonato em uma xícara de leite.
  3. Coloque na batedeira junto com todos os outros ingredientes. Sem uma ordem específica. Botar os secos primeiros talvez ajude a não voar farinha por aí.
  4. Bater até ficar homogêneo.
  5. Levar ao forno por cerca de 30 a 40 minutos. Fazer o teste do palito para ter certeza.
  6. Deixe o bolo esfriar para desenformar.
  7. Para ganache, derreta o chocolate em banho maria ou pondo de 30 em 30 segundos no microondas. Adicione creme de leite ao chocolate derretido. Isso sempre faço no olho, perdoe. Evite por muito creme de leite para não ficar sem gosto. Depois basta espalhar sobre o bolo.

Fotos dessa belezura

Foto da massa homogênea dentro da batedeira. O gancho da batedeira está levantado e os pingos da massa mostram que fica mais líquida mesmo

Observem a consistência da massa, é mais líquida mesmo.

Foto de dois bolos pão de mel ainda na forma sobre um tampo de madeira. A cor deles é morena clara.

Fui obrigado a fazer dois bolos: um pro trabalho e um para casa, pois minha esposa não admitiu dividir. Essa foto foi batida logo após eles sairem do forno. Observem que o bolo fica moreninho mesmo, mas ainda claro.

Foto de dois bolos pão de mel ainda na forma. Eles estão mais escuros do que no momento que saíram do forno.

Essa foto foi batida no dia seguinte, antes de desenformar. Vejam que eles ficam mais morenos. Lembrem disso pra evitar queimar.

Foto do bolo partido, a massa interior tem cor marrom clara, parece bastante aerada. O bolo está coberto com ganache de chocolate.

Me diga se essa foto não entregou tudo?

Perguntas perguntadas com frequência

Qual o tamanho da forma para essas quantidades? Uma forma grande de bolo furado no meio, normalmente com 24cm de diâmetro. Normalmente eu faço metade dessa receita para uma forma de 20cm de diâmetro.

Pode trocar a manteiga por margarina? Pode, não tem grandes alterações de sabor ou textura…

Ao desenformar, mesmo untando bem, uma parte ficou grudada na forma. O que fazer? Fica mesmo, desconfio que é fruto da alteração de proporções de leite e farinha que fiz. A massa fica menos densa quando crua, em compensação fica bem molhadinha quando pronto. Aceitei que há males que vem para o bem! Também é uma ótima desculpa para cobrir o bolo de ganache.

Pode fazer a ganache com chocolate ao leite? Aposto 10 real contigo que com chocolate meio amargo o equilíbrio do bolo e da cobertura vai ser melhor, mas seja livre.

Precisa mesmo cobrir com ganache? Não, ninguém é obrigado a ser feliz!

Pode trocar mel de abelha por mel karo? Não! Saia imediatamente daqui!

 
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from vereda

Tags: #Militância

Nota da autora, 19 de setembro de 2024: Este texto foi escrito em 12 de maio de 2024 e enviado para a redação paulista de um certo jornal comunista. O texto até então não foi publicado e a justificativa oficial foi que a redação estava sobrecarregada para revisá-lo e publicá-lo. Hoje, após 4 meses de espera, acho que posso afirmar que a falta de retorno sobre o texto reflete uma omissão incorreta da redação do jornal. Confiante de estar defendendo a linha correta, e tendo as possibilidades de debate interno no partido sido negadas, torno público este texto para que seja conhecido e criticado abertamente.

Nota da autora, 24 de setembro de 2024: Faço a autocrítica e considero incorreta minha atitude de expor o nome da organização e do jornal. O objetivo deste compartilhamento é tornar a matéria pública para debate e não em criticar o trabalho desta ou daquela organização.

O compartilhamento deste texto é permitido segundo a licença CC BY-ND 4.0.


Nos dias 10 e 11 de maio de 2024 ocorreu em São Paulo mais uma edição da Cryptorave, o maior evento aberto e gratuito de criptografia e segurança do mundo, que reuniu, em 24 horas, diversas atividades sobre segurança, hacking, privacidade e liberdade na rede. Inspirada em uma ação global para disseminar e democratizar o conhecimento e conceitos básicos de criptografia e software livre, o evento teve início em 2014, como reação à divulgação de informações que confirmaram a ação de governos e corporações para manter a população mundial sob vigilância e monitoramento constantes.

O público presente revelou à quem mais interessa debater segurança digital e tecnopolítica. Mulheres, pessoas negras, neurodivergentes e trans marcaram forte presença tanto na plateia quanto no palco, contrariando o estereótipo de um setor dominado por homens cis héteros e brancos. Um lembrete de quais são os grupos dentro da classe trabalhadora que mais sofrem opressão e violência, inclusive nos espaços digitais.

O keynote de abertura, sob o tema “Tecnologias de IA e seu impacto nas vidas e narrativas Palestinas” reforçou o posicionamento político do evento, denunciando mais uma vez como as tecnologias digitais tem sido usadas para explorar e violentar a população.

Mesmo onde não há uma guerra declarada, governos ainda perseguem sua própria população tratando-a como um inimigo interno. O Movimento Passe Livre (MPL) propôs uma roda de conversa sobre segurança e autodefesa trazendo informações sobre como movimentos sociais estão sendo criminalizados, e que isso é um projeto de São Paulo, do Brasil e de toda a América Latina.

Relatos de vazamentos de informações internas dos movimentos e coação de menores de idade para fazer a identificação de pessoas em fotos publicadas em mídias sociais confirmaram que a preocupação com segurança não se trata de paranoia. Trata-se de uma postura urgente para garantir os direitos constitucionais à livre manifestação de pensamento, a plena liberdade de associação para fins lícitos, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, a inviolabilidade das comunicações – salvo com permissão judicial – e o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

No keynote de encerramento “Tecnoautoritarismo: Spyware, OSINT e outras tecnologias de vigilância na América Latina” foram denunciadas as táticas de censura e espionagem dos governos contra nossos companheiros no Equador, Colômbia e México. Fica evidente, a partir de contratos de governos na América Latina para uso de ferramentas de espionagem israelense, que o avanço da máquina de guerra sobre a Palestina não é apenas uma ameaça imediata para o povo palestino, mas também uma ameaça para nós na América Latina, ao passo que o desenvolvimento de software para a guerra israelense são financiados com dinheiro público de governos latino-americanos e usados, sem a devida previsão legal, contra o próprio povo.

As novas tecnologias informacionais são a tônica de nosso velho e admirável mundo novo. Um mundo onde tudo muda a velocidades crescentes, mas apenas para intensificar e diversificar as velhas formas de produção e extração de mais-valia. É preciso rever o colonialismo não como um fenômeno do passado, mas como um processo que perdura e se atualiza com novas expressões, e que hoje se apresenta em formato digital. A questão da tecnologia não é uma questão isolada, mas parte da materialidade do nosso tempo, se inserindo nas relações sociais como um elemento constitutivo da sociedade.

Não é mais tolerável que militantes ignorem o debate sobre segurança da informação. Dados e metadados estão sendo coletados em enorme escala e armazenados indefinidamente em grandes centros de processamento de dados. Essas informações são agregadas com uso de técnicas de inteligência artificial (IA) para reduzir o trabalho vivo necessário, permitindo aumentar a quantidade de informações processadas por governos e corporações em uma escala sem precedentes. Técnicas estas que avançam ano após ano, e que poderão ser aplicadas retroativamente em dados coletados no presente para o perfilamento de militantes e ações contrarrevolucionárias.

O esforço e o custo necessários para adotar e manter soluções alternativas, independentes de plataformas controladas pelos monopólios de tecnologia, devem ser priorizados para a segurança de nossos militantes e a continuidade de nossa luta, ao passo que atrapalham a coleta de informações e, por consequência, as práticas de espionagem adotadas pelos governos contra a sua própria população.

É preciso lutar pelo fim da exploração, mas também pelo fim da expropriação de dados. O atual estágio de desenvolvimento tecnológico abriu novos caminhos para a exploração do trabalho, mas também as formas de lutar e se organizar. O caminho contudo permanece familiar: tomada de consciência e muita organização popular!

 
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from Felipe Siles

Relembrando 2022

Em primeiro lugar, este não é um texto embasado em estatísticas, números, como diz o título: apenas o relato de impressões pessoais. Vou voltar um pouco no tempo, para 2022. Elon Musk comprou o Twitter, trouxe de volta perfis banidos, demitiu um monte de gente, afrouxou a moderação da plataforma (que já era problemática antes) e bradava aquele discurso fantasioso americano de “liberdade de expressão”, que na verdade é liberdade para oprimir sem lidar com as consequencias.

Naquela altura do campeonato o cenário era o seguinte: Zuckberg colocou às pressas pra rodar o seu Threads; BlueSky era uma novidade também, mas precisava de convite para entrar; e o Mastodon era a única plataforma pronta para receber os insatisfeitos com o Twitter sob nova direção (vou poupá-los da vergonha de lembrar que um considerável montante aderiu a uma rede social indiana de extrema direita só porque tinha um nome meio 5ª série).

Muitos usuários relataram dificuldade para migrar para o Mastodon: o sistema descentralizado, organizado por instâncias, foi um entrave para a maioria, fazendo com que muitos ficassem ali pelo Twitter, mesmo com os problemas da nova realidade. Foi nessa leva que eu excluí minha conta do Twitter e migrei definitivamente para o Mastodon.

O cenário atual é bem diferente: BlueSky e Threads, apesar de estarem ainda implementando alguns recursos, me parecem redes prontas para receberem os usuários do Twitter. E o Mastodon continua sendo o Mastodon, pro mal e pro bem.

Mastodon

Fiquei três anos (2019 a 2022) tentando ter alguma visibilidade no Twitter. Como sou uma pessoa que gosta de textos, tanto de escrever como ler, sempre preferi as redes textuais, criando até um certo asco pelas redes de fotos e vídeos. Fui muito popular no Facebook (na era pré-algoritmo) e com o declínio da plataforma do Zuckberg, tentei transferir essa popularidade para o Twitter, sem sucesso. Tinha vontade de divulgar minha produção acadêmica e também fazer parte do “debate público”, mas foi um fracasso. Tweets às moscas, pouca interação, quando ia no tweet de algum influenciador famoso e discordava de algum ponto não havia diálogo, e sim frases de efeito, lacração, com o amplo apoio dos seguidores daquela pessoa, ou seja, o diálogo completamente interditado, mesmo em contas de esquerda/progressistas/não-fascistas.

Encontrei no Mastodon um ambiente parecido com o Facebook pré-algoritmo que, gostem ou não, era uma rede muito boa para interagir com amigos. Desde então o Mastodon tornou-se minha rede principal, descobri o Fediverso e a possibilidade dele interagir com outras plataformas que compartilham o mesmo protocolo, descobri o ótimo Lemmy, e que posso federar blogues e sites feitos em wordpress e até mesmo ESTE BLOGUE que você está lendo, fantástico!

A impressão que eu tenho é que o Mastodon não tem a menor vocação para virar um novo Twitter, embora ainda exista gente (ao meu ver equivocadamente) com essa expectativa. A dificuldade inicial em criar uma conta foi resolvida, agora o novo usuário se não quiser entrar em uma instância é colocado por padrão na mastodon.social, facilitando o acesso para a geral (igualzinho funciona o BlueSky com a bsky.social). Mesmo assim, aquela fama de 'difícil de entrar' permanece, mesmo não sendo mais a realidade atual.

Mas eu acredito que esse não é o principal entrave para a plataforma crescer. Acho que conheço o Mastodon o suficiente para elaborar duas razões principais do por que ele nunca será massificado:

1) a falta de algoritmo faz com que um influenciador praticamente vire um usuário comum. Mesmo que ele ganhe muitos seguidores só por ser famoso, suas postagens vão concorrer igualmente com postagens de usuários comuns. Além disso, o público do Mastodon tende a ser bastante avesso a propagandas, tornando a prática da 'publi' difícil na plataforma, inclusive existem instâncias que proibem. Isso afasta os influenciadores grandes, que acabam criticando a plataforma publicamente, numa lógica de concorrência e reserva de mercado, afinal não querem perder seu público, sua fonte de renda;

2) a própria comunidade do Mastodon não parece muito empolgada com a ideia da massificação da plataforma. O usuário do Mastodon é como o morador de uma cidade pequena, que gosta de estar ali, e não tem a menor vontade de que ela vire uma metrópole. Mesmo a federação com a Threads é vista com desconfiança pela maioria e já é silenciada ou bloqueada em diversas instâncias brasileiras. O Mastodon é bem uma cidade pequena mesmo, todo mundo meio que se conhece, e as instâncias são os bairros dessa cidade, você pode não conhecer todo mundo, mas sabe que tem a galera da Ursal, da Bantu, da Ayom, da Bolha.us, da Bolha.one, etc.

Isso tem um lado positivo, que faz com que a rede seja mais humana, mais acolhedora. Mas, por outro lado, gera também um efeito condomínio, acaba que essa experiência mais agradável é acessada por poucas pessoas, por nichos, se tornando elitizada. Mas tenho a impressão que no capitalismo isso ocorre com outras coisas também: pouca gente tem acesso a uma alimentação natural, com alimentos orgânicos, por exemplo.

BlueSky

Apesar de gostar muito de estar no Mastodon, sempre me incomodei com o fato de instituições públicas não estarem lá (existem algumas ações pontuais, como a dos museus, mas é muito pouco, infelizmente). Comecei a seguir diversos veículos de imprensa e instituições através do feed RSS, mas a verdade é que não dei conta do volume de informação, e hoje minha feed RSS é bem restrita, para não sobrecarregar minhas leituras (faço doutorado e já preciso ler bastante). Isso sem falar que muitos sequer têm uma feed RSS. Tentei seguir as instituições pelos canais de whatsapp, mas também não dei conta, e o meu whatsapp que já é um inferno de notificações tornou-se ainda pior. Nisso eu sentia falta do Twitter, você encontrava ali no meio da sua timeline uma ou outra informação oficial, que poderia ser útil, mas não precisava necessariamente acompanhar tudo.

Quando percebi que estava rolando uma movimentação de bloqueio do X, antigo Twitter, resolvi dar uma chance ao BlueSky e criei uma conta. Quem me acompanha neste blogue, sabe que sou avesso à big tech, mas a possibilidade de uma rede social que se propõe a ser descentralizada, moderada e de código aberto despertou a minha curiosidade. O fato do antigo criador do Twitter, com aquele famigerado discurso de liberdade de expressão, ter se afastado do projeto também me animava. Além disso, fiquei empolgado com a possibilidade de voltar a seguir alguns conteúdos que seguia no Twitter, agora sem propagandas e sem o maldito algoritmo deles, aquele que premia a escrotidão e a treta.

Criei a conta no BlueSky e fui percebendo a migração aos poucos das contas que eu gostava de acompanhar no Twitter, alguns deles já estavam lá antes do bloqueio. Com o bloqueio, fui notando que diversos veículos de imprensa passaram a criar conta no BlueSky, que aparentemente ganhou a batalha de números contra o Threads.

Minha experiência com o BlueSky, pesando prós e contras, vem sendo positiva. A plataforma tem uma vocação para ser o “antigo Twitter”. Percebo que não há tanta interação quanto o Mastodon, já que lá existem algoritmos. Mas a ideia de personalizar a experiência algoritmica me pareceu interessante e útil, escolhendo as feeds que você quer ter na sua página inicial. Muita coisa que eu posto lá fica ao vento, como era no Twitter, mas já entendi que lá é um lugar de pouca interação mesmo para humanos comuns.

Venho utilizando a plataforma para seguir veículos de imprensa e instituições públicas de uma forma que eu consigo dar conta. Também venho interagindo com algumas pessoas que me seguiram, e voltei a interagir com pessoas que eu já interagia quando tinha conta no Twitter. Pretendo utilizar a plataforma para divulgar meu trabalho acadêmico e a hashtag #AcademicSky me parece bem útil pra isso. As postagens onde usei essa hashtag ganharam um pouco mais de tração e interação, me parece um recurso bem promissor.

Meu maior temor em relação ao BlueSky é a forma como eles vão monetizar a plataforma, que pra mim ainda é um mistério. Será que vão ter assinaturas, liberando recursos extras, mais ou menos como o Telegram? Ou será que vão apostar na monetização do conteúdo exclusivo, num caminho meio OnlyFans? Será que vão enfiar propaganda goela abaixo na timeline da galera, como o Twitter (ou pior, o Facebook)? Prefiro aguardar, mas se a última opção ocorrer, vou deletar minha conta.

Threads

Não criei Threads nem pretendo criar, a nova rede parece ter um ambiente muito parecido com o do Instagram, ambiente este que eu não tenho a menor vontade de estar presente. Mas confesso que dei algumas buscas na Threads, em perfis que não migraram para o BlueSky. A impressão que eu tenho é que gente MUITO FAMOSA está na Threads, principalmente figuras ligadas à música, cinema e esportes.

Acho compreensível, lá é o ambiente de gente famosa mesmo, e práticas como publicidade, as publis, estão naturalizadas por ali. Como uma grande 'Revista Caras' que se tornou o Instagram, faz sentido que essas pessoas muito famosas fiquem ali pela Threads mesmo, monetizando em cima de uma base de usuários que é gigantesca, que é a base de usuários do Instagram, onde mais de 90% dos brasileiros com acesso a smartphones e internet têm conta (felizmente estou nos menos de 10% que não tem, ô sorte!).

X

Não sabemos se o X vai voltar a operar no Brasil ou não. Aparentemente a rede, no contexto brasileiro, se tornou um lamaçal de facistóides usuários de VPN, um verdadeiro esgoto. Sempre fui crítico a essa postura das esquerdas de “ocupar o twitter”, não adiantava nada, e o Alexandre de Morais e o STF esfregaram isso na nossa cara. Sem um algoritmo premiando comportamentos agressivos, BlueSky e até o Threads se mostram como ambientes mais saudáveis que o X. Inclusive, acho que poucos lugares na internet são piores que o esgoto fascista que se tornou o X.

Muitas pessoas no BlueSky estão relatando que o discurso de extrema direita perdeu tração sem o X, embora eu ainda gostaria de ver essa afirmação expressa em números, estatísticas e gráficos para me convencer totalmente. Mas, pelo menos aparentemente, o bloqueio desmobilizou a máquina pública de discurso de ódio e fake news, jogando os fascistas a permanecer na plataforma com o VPN ou se esconder nos esgotos de seus grupos privados de Telegram e Whatsapp.

O ser humano é um animal de hábitos e me parece que mesmo em tão pouco tempo temos o ecossistema do X reorganizado nas duas plataformas: o crackudo de notícias foi para o BlueSky, o crackudo da Ilha de Caras foi para o Threads. O usuário do 'núcleo duro' do Twitter parece ter ido para o BlueSky, o usuário mais casual para o Threads (aí pesa a comodidade de ter o perfil associado ao Instagram). Me parece que os públicos dos influenciadores, veículos e instituições se acomodou nas duas plataformas e parecem estar gostando da experiência.

Os estudiosos do comportamento dizem que um novo hábito leva mais ou menos um mês para se estabelecer. Se o bloqueio durar menos de um mês, eu acredito que as pessoas voltam para o X, e as outras plataformas voltam a ser produtos de nicho. Agora se o bloqueio durar um mês ou mais, eu penso que pode ser interessante observar a movimentação dos influenciadores de esquerda, progressistas ou pelo menos não-fascistas:

1) Pode acontecer de voltarem em masssa para o X: vão voltar a fortalecer em número de base de usuários uma máquina de desinformação, de produção de discurso de ódio. Se isso acontecer, ficará muito nítido que a briga dessas pessoas não é por uma internet livre, saudável e humana, mas sim pela própria fama, visibilidade, monetização e sucesso. P.S.: excluo dessa conta os jornalistas, esses são proletários e vão para onde os jornais (e seus patrocinadores) determinarem que é pra ir;

2) Pode acontecer de haver uma divisão (acho o mais provável): alguns voltam para o X, outros ficam pelo Threads e BlueSky e trabalham com suas bases de seguidores nas novas plataformas. Apesar do monopólio atual do Instagram, pessoas estão em outras redes também, e me parece que a segunda rede de preferência da maioria das pessoas varia muito. Me parece que existe uma tendência, fora do Instagram, das redes serem consumidas de forma mais compartimentada e nichada mesmo, o que inclusive vejo como positivo;

3) Pode acontecer de ignorarem a volta do X (meu sonho) e tornarem a rede do Elon Musk um esgoto da extrema direita, uma cidade abandonada, uma espécie de novo 4chan ou truth.social. Caso isso aconteça, eu acredito que demos um passo em direção à civilidade.

Acho que mesmo com o final do bloqueio, a vida de Elon Musk não será fácil, a companhia perdeu muito dinheiro com essa decisão do STF brasileiro e parece que a ação já está reverberando em outros países. Então acredito que a tendência é que Elon Musk encontre cada vez mais barreiras legais em diversos países para suas loucuras. E a perda de dinheiro e patrocínios fazem com que o fantasma da falência passe a assombrá-lo. Nesse hipotético cenário, Musk terá que escolher entre ceder (o mais provável) ou sucumbir de vez, fazendo com que o X, assim como o Twitter, Koo e o Orkut, sejam parte do passado da tecnologia. Assim espero!

Meus perfis para quem tiver interesse em seguir:

Mastodon: https://ayom.media/@felipesiles BlueSky: https://bsky.app/profile/felipesiles.bsky.social

 
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from yuribravos

Quem me segue lá pelo @yuribravos@bolha.one viu que tomei dois dias para testar o Sharkey na capivarinha.club.

Pensei algumas várias vezes antes de fazer isso, já que o Mastodon já é um microblog e eu definitivamente não preciso de dois. Acontece que tenho uma sanha por testar coisa nova.

Experimentações & repetório

Jogo RPG desde os 17 anos. Comecei com um sistema, que joguei durante muitos anos. Aí conheci outro. Depois mais um. Depois mais outro. E hoje conheço e joguei algumas dezenas de sistemas de RPG. Me divirto muito de conhecer novas mecânicas e de vê-las em jogo, mesmo que seja só uma vez. Acho que foi jogando vários RPGs que eu entendi a importância de ter repertório.

Inclusive se você quiser ver algumas sugestões de jogos de RPG dadas por mim, fiz metade da hashtag #rpgaday2024. A vida me deu rasteiras na metade, mas fica essa contribuição.
Ceci n'est pas une citation

Sim, e o que tem a ver?

Tem a ver que essa minha incapacidade de ficar sem testar um negocinho novo me mordeu outra vez e decidi pular dentro da capivarinha para descobrir um fork do Misskey. Cabe dizer que o Arlon, companheiro aqui de blog.ayom.media no Ideias de Chirico já havia alardeado aos quatro ventos como o Mastodon era limitado e não tinha várias coisas legais que outras plataformas como o Akkoma e o Misskey tinham.

Ele e o Kariboka — que mantém a harpia.red e esse ótimo post com links para várias instâncias br do fediverso — vez ou outra mostram como o Akkoma é legal.

Acontece que a estética mais crua das instâncias de Akkoma que vi não me atraía muito. E sim, para mim, ser bonito é essencial. Não à toa uso o Phanpy como cliente web do Mastodon.

Até que apareceu uma instância brasileira no Sharkey. E olha só a cara dessa desgraçada:

Não me contive e decidi testar!

Maximalismo?

A primeira impressão é que o Sharkey é um mundo. Tem muitas timelines, mais que o Mastodon. Você pode reagir com qualquer emoji que a instância tiver personalizado. Tem um sistema de desbloqueio de conquistas. A página web tem widgets na lateral que são personalizáveis. Tem umas paradas como antenas e canais que eu ainda estou tentando entender melhor como funcionam (e que constinuem timelines também). E as más línguas ainda dizem que tem joguinhos dentro da parada (esses não achei e é provável que não os procure).

Então, ao primeiro momento, fiquei confuso. Passei um dia apenas olhando todas as abas, todas as configurações possíveis (e são muitas). E decidi levar adiante o teste.

Nomadismo digital

Aqui foi que me dei conta que o fediverso permite um nomadismo digital diferente do home office pelo mundo a fora: é possível trocar de redes sociais. Sem o sofrimento de começar do zero.

Baixei a lista de pessoas que seguia no Mastodon e importei o arquivo no Sharkey. Alguns momentos depois, já seguia mais de cem pessoas. Minha timeline no Sharkey estava tão povoada quanto a do Mastodon. Foi quando entendi que o verdadeiro valor da rede social são as pessoas que você segue. Pude, então, fazer um teste perfeitamente equiparado entre as plataformas, já que não estava tolhido por não ter conteúdo para ver.

Isso foi incrível.

Personalização

Algo que gosto muito é poder personalizar as coisas. Adoro isso no RPG. Adoro isso em qualquer coisa que use. O Sharkey parece ter sido feito por pessoas que adoram isso também.

Mexer nas configurações dele é um mundo sem fim. Tem muita coisa que você pode habilitar e desabilitar. Inclusive configurar sua reação padrão, já que não existe uma única reação possível. Deixei minha reação padrão uma estrela, como é originalmente o favorito no Mastodon.

Isso se estende também para o aplicativo Aria. Dá para personalizar a cor de fundo de alguns tipos de nota. Aproveitei isso para chupinhar o Phanpy e pintar de laranja as DMs. O aplicativo inclusive permite ajustar quais botões aparecem para interagir com as notas. Botei o botão de tradução, para facilitar minha vida, e o de reação automática, já que boa parte das pessoas que sigo são do Mastodon (e ao que me consta, parece que eles só recebem favoritos se usar a reação padrão).

É possível, inclusive, ajustar o tamanho desses botões. Aumentei o tamanho dos meus pois, muitas vezes, estava abrindo a nota invés de interagir com ela.

Poder fazer tudo isso é incrível!

E acho que esse é o grande ponto forte do Sharkey: poder fazer muita coisa, inclusive não usar todas as coisas que ele oferece. Lá tem suporte nativo para markdown e, embora eu ame botar um negritozinho aqui outro ali, devo usar só em 10% das postagens que faço. Ainda assim, é melhor poder fazer do que não poder fazer.

Mastodon ou Sharkey?

E agora que descobrimos que o Mastodon não é a plataforma mais legal de microblogging do fediverso? É ótimo haver opções. Poder levar as pessoas que você segue de um lugar para outro é o que garante que você pode, de fato mudar de instância a qualquer momento.

Não fiz ainda nenhuma migração. Talvez nem faça, pois aparentemente não precisarei. Da mesma forma que apenas desativei minha conta no Pixelfed, talvez deixe uma conta congelada num dos dois lugares.

Se você está no fediverso, mas somente no Mastodon, talvez valha a pena conhecer outras plataformas. Pra mim valeu demais!

 
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from vereda

Tags: #Militância

Não basta organizar a classe trabalhadora, é preciso educá-la para gerir a produção de maneira científica.

De pouco adianta desenvolver hábitos e competências em cima de ferramentas e serviços que fortalecem a subordinação ao imperialismo. Patentes, marcas, direito autoral e todo o conjunto de leis de “propriedade intelectual”¹ são usados para nos aprisionar enquanto usuários de “soluções”² sob forte controle do grande capital internacional.

Obviamente rejeitamos a ideia de usar a língua estrangeira como principal ferramenta de comunicação dentro de nossas organizações e conhecemos a importância de uma moeda própria para a soberania nacional. Deveria ser óbvio então que precisamos resistir a usar ferramentas de processamento da informação que não possam ser rapidamente substituídas por alternativas sob controle popular.

O uso de produtos de software privativo (Windows, MS Office, Google Drive, AWS EC2, Zoom, etc) em detrimento de produtos de software livres (Linux-libre, Libreoffice, Nextcloud, KVM/QEMU, Jitsi, etc) precisa ser encarado como subordinação à superpotências estrangeiras e negação da nossa soberania. Mais do que o simples consumo de bens manufaturados no exterior, em detrimento da produção nacional: Esses produtos possuem características exclusivas que os tornam impossíveis de serem replicados, nos colocando em uma relação colonialista cada vez mais grave a medida que permitimos que eles tornem-se monopólios de nossos hábitos computacionais.

O nosso esforço organizativo precisa substituir os processos artesanais e manuais por alternativas cada vez mais informatizadas, mas sempre usando ferramentas que jamais nos aprisionem em um colonialismo digital tais como os softwares privativos.

Desconfie de qualquer revolucionário que adote uma postura rebaixada e se recuse a reconhecer a importância dos meios computacionais para a sociedade do século XXI, resignadamente aceitando usar, bem como promover, softwares não livres.

Esses são alguns coletivos e organizações com caráter de classe que estão hoje pavimentando o caminho para o controle popular:

¹ Por que a propriedade intelectual é um termo enganoso ² O que nos é ofertado como solução para nossos problemas é na verdade solução para os problemas do imperialismo em como nos vigiar e controlar

 
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