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Stay On The Path. Photo by Mark Duffel on Unsplash

“Tô pensando em chegar aí na quinta e sair daí no domingo. O que você acha? Me avisa se for muito tempo pra você”

Era véspera de um feriado prolongado e uma amiga estava planejando passar alguns dias na minha casa, em São Paulo. Eu havia acabado de dedicar um esforço descomunal pra lançar o novo site da DandaraLab com um prazo apertado e estava com demandas atrasadas, inclusive a negociação de duas novas parcerias da DiversifiX. A única coisa que eu conseguia pensar sobre o feriado é que seria a minha chance de me adiantar com os projetos que estavam sob minha responsabilidade.

“Tá tranquilo. Vai ser fantástico. Você é a única que ainda não veio me ver em sp!”

Eu não tinha tempo a perder e mesmo assim parei por 4 dias para dedicar tempo e atenção a ela. Foi um feriado maravilhoso que nos deixou ótimas memórias. Essa poderia ter sido uma decisão demorada e fonte de medo de fazer a escolha errada, mas felizmente eu relembrei um dos meus princípios e nele fundamentei a minha decisão:

Eu estabeleço e cuido de relacionamentos pessoais como uma das minhas maiores prioridades. Eu sempre tenho tempo para família ou para um amigo de verdade. Minha lista de tarefas e calendário refletem o quanto eu valorizo as pessoas na minha vida.

O que são princípios?

Princípios são normas de conduta, geralmente impostas por terceiros, para cumprir exigências morais ou legais. Devido ao caráter forçado, muita gente tem memórias ruins ao falar de princípios, mas existe um grande valor em reconhecer e utilizar uma lista pessoal de princípios.

Estando consciente disso ou não, todas as pessoas possuem certos valores e seguem determinados princípios derivados deles. Todos possuem uma bússola interna dizendo não apenas aquilo que é certo ou errado, mas também indicando aquilo que vai gerar mais satisfação de vida.

Inspirada no post General Operational Principles do Taylor Pearson e no livro Work the System do Sam Carpenter eu resolvi também dedicar tempo para identificar e documentar o que eu acredito e valorizo.

Os Princípios Gerais de Operação são basicamente uma síntese daquilo que a nossa bússola moral tenta nos dizer, registrados de forma explícita para facilitar a tomada de decisões.

Sempre que não houver uma forma clara de resolver alguma coisa, sempre que uma decisão precisar ser tomada, os Princípios Gerais de Operação são uma sólida referência guiando minhas ações para me gerar maior satisfação e menos arrependimentos.

“Estes são meus princípios. Se você não gosta deles, tenho outros!” – GROUCHO MARX

O documento de princípios precisa ser rígido, porém mutável. Para que os princípios sirvam como guia de conduta, eles precisam ser estáveis independente das circunstâncias. Porém também devem ser algo vivo, que se adapta para acompanhar as mudanças de nossa bússola moral ao longo do tempo. Alguns valores permanecem conosco por toda a vida, mas outros tem sua importância modificada conforme atravessamos diferentes fases da vida.

Eu produzi meu primeiro documento de Princípios Gerais de Operação em Outubro de 2018. Ocasionalmente eu dedico um tempo para rele-lo, mantendo todos eles frescos na cabeça, e para revisar cada um dos itens que eu mantenho nesta lista. Alguns princípios surgiram depois, conforme eu percebi que certas coisas importantes para mim não estavam ainda contempladas. Outros princípios foram reescritos para passar uma mensagem que fosse mais verdadeira para mim. A essência do documento porém continua a mesma e eu acho que, conforme o tempo passa, tenho cada vez mais clareza daquilo que eu valorizo e de como deve ser minha atitude para aproveitar cada vez mais a vida.

Sem mais demoras, apresento a minha lista na forma como ela está em Julho de 2024:

(meus) Princípios Gerais de Operação

Como eu recebo aquilo que o mundo me traz

  • Coragem: Eu não fujo de confrontos ou de oportunidades por causa do medo. Eu atuo fora da minha zona de conforto.
  • Aprendizado: Eu acredito que todo evento pode contribuir para o meu crescimento. É meu dever encontrar o valor e o aprendizado mesmo nas situações ruins.
  • Firmeza: Flexibilidade tem medida certa. A rigidez é a nossa estrutura permanente para enfrentar o inesperado.

Como eu invisto minha energia

  • Atenção: Eu direciono meu foco para aquilo que é mais importante para mim em cada momento. Eu não permito que outros tópicos roubem minha atenção.
  • Equilíbrio: Eu valorizo viver de forma plena e integrada e por isso eu busco obter satisfação em todas as áreas que são valiosas pra mim.
  • Intenção: Eu conscientemente aloco a minha energia de forma construtiva para que ela não assuma espontaneamente formas destrutivas.
  • Qualidade: Todas as coisas grandes e valiosas exigem esforço e comprometimento. Em todas elas eu estou disposta a me esforçar, fazer mais do que é esperado e persistir. Inspiração: [The Dip]

Como eu lido comigo e com outras pessoas

  • Autenticidade: Eu acredito que vulnerabilidade e sinceridade são os caminhos para conexões genuínas e bons relacionamentos.
  • Intuição: Eu invisto em minha auto percepção. Eu presto atenção e respeito aquilo que meu corpo e meus instintos tentam me dizer.
  • Desenvolvimento: Eu fortaleço contradições e o debate para promover o amadurecimento meu e alheio.
  • Diversidade: Eu valorizo e respeito a diversidade. Eu apresento minha forma de ser e pensar como um único exemplo dentre as múltiplas possibilidades e não como a única opção possível. Inspiração: [Pedagogia do oprimido]
  • Comunidade: Eu estabeleço e cuido de relacionamentos pessoais como uma das minhas maiores prioridades. Eu sempre tenho tempo para família ou para um amigo de verdade. Minha lista de tarefas e calendário refletem o quanto eu valorizo as pessoas na minha vida.

Como eu atuo no mundo

  • Legado: Quando tomo decisões, considero os efeitos de ordens superiores e não somente os efeitos mais diretos; eu sigo a perspectiva do sistema no longo prazo.
  • Propósito: Tudo que eu faço serve a uma visão maior que eu tenho para mim e para o mundo. Eu fabrico a realidade que eu quero que exista.
  • Colaboração: Eu acredito que obtemos melhores resultados quando existe colaboração profunda e solidária entre pessoas. Inspiração: [Linus Torvalds]
  • Repetição: Eu sou o que faço repetidamente. Cada ação não é um evento isolado, mas um reforço para os neurônios que moldam meu comportamento e personalidade. Inspiração: [The Bowling Game Kata]
  • Condicionamento: Eu me lanço consistentemente em desafios para me manter sempre apta para aproveitar oportunidades e superar contratempos. Inspiração: [Antifragile]
  • Sustentabilidade: Eu reconheço a importância de estar descansada para tomar boas decisões e produzir trabalho de qualidade. Se eu estou cansada, eu trato de descansar para atacar novamente o problema quando estiver recuperada.

Hierarquia de Valores

Esta seção é um experimento, inspirado pela Teoria da Desintegração Positiva de Dąbrowski. Dediquei um tempo para ponderar qual a hierarquia que os princípios mencionados tem para mim. O resultado atual segue abaixo:

  1. Autenticidade
  2. Coragem
  3. Atenção
  4. Intuição
  5. Desenvolvimento
  6. Aprendizado
  7. Legado
  8. Propósito
  9. Equilíbrio
  10. Firmeza
  11. Intenção
  12. Qualidade
  13. Colaboração
  14. Diversidade
  15. Repetição
  16. Comunidade
  17. Condicionamento
  18. Sustentabilidade
 
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from vereda

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Introdução

Este artigo tem por objetivo relatar minha experiência em tentar, e fracassar, em me organizar politicamente.

Não pretendo construir uma crítica pública a nenhuma organização específica, nem desmobilizar ninguém que lute em nenhuma organização. Também evitarei uma crítica pública porque quero desestimular que o contrário, uma crítica pública contra mim, seja proferida. Embora não haja equivalência pessoa vs organização, observo que na luta política a justeza não é óbvia e é incerto a quem caberá decidir. Por fim desconfio que esse problema não seja um caso particular meu com esta organização, mas talvez seja o problema de mais pessoas, e também de inúmeras organizações.

Neste texto irei, portanto, me referir à organização que participei pelo nome fictício de “Força Esperança” ou “FE”, tendo como inspiração unicamente o sentimento que me organizar politicamente me trouxe inicialmente, inexistindo qualquer relação com organizações de nome similar atuais, extintas ou futuras.

Bagagem

Reconheço a minha inexperiência em militância: Não fui parte de grêmio estudantil, não assumi anteriormente alinhamento com este ou aquele partido, ou sequer com linhas apartidárias. Não participei de manifestações, ou de greves, e tampouco as condenei. Fui, em outras palavras, apenas lutando pelo meu, sendo guiada pela ideologia dominante, e acreditando ter minhas próprias ideias originais.

Sou uma pessoa enquadrada em uma condição chamada de dupla excepcionalidade: possuo uma capacidade intelectual muito acima da média, mas também possuo algo reconhecido como um déficit, que é, especificamente no meu caso, estar dentro do espectro autista. Fui diagnosticada, como muitos recentemente, na idade adulta, mas isso não invalida a nossa necessidade de suporte, dado que as dificuldades estão presentes desde a infância e perduram pela vida toda.

Sei quão inacessível é obter um diagnóstico assertivo para a maioria das pessoas. Eu demorei tanto para começar a falar que pediatras sugeriram para minha mãe que eu tivesse deficiência auditiva. A audiometria normal, porém, não explicava a minha dificuldade em prestar atenção no que as pessoas falavam comigo e responder coerentemente. Fazer fonoterapia e psicoterapia desde criança por dificuldades de falar e de fazer amigos não foi evidência o suficiente. Demorar para comer e ir ao banheiro sozinha também não. Isso tudo, ao mesmo tempo que eu por conta própria entendi como funcionava a corrente elétrica e passei a fazer reparos em circuitos elétricos com menos de 10 anos. Aos 12 anos, comecei a escrever programas de computador por diversão. Ninguém estranhou também quando eu fiquei de recuperação em matemática no mesmo semestre que fui medalhista na olimpíada brasileira de matemática das escolas públicas. Eu sei em quanto tempo o meu diagnóstico foi atrasado por profissionais que simplesmente riram de mim quando eu falei que suspeitava de ter a, então conhecida como, Síndrome de Asperger.

Como se isso não fosse suficiente, estou há alguns anos tratando um quadro de natureza mista ansiosa e depressiva que recentemente se agravou, me levando a obter afastamento pela previdência social e ter o reconhecimento do nexo causal com o trabalho. Tendo já se passado 1 ano do início do afastamento, ainda estou incapaz de desempenhar a função que eu costumava fazer e aceitei que no futuro resta-me mudar de profissão estando em um momento de precarização intensa do mercado de trabalho e ainda adoecida. Um triste desfecho para uma pessoa que tinha “tudo para dar certo”: bolsista do CNPQ já no ensino médio, engenheira formada em uma renomada universidade pública, crescida em um lar que não conheceu o que é passar fome, ou não ter onde morar, ou morte e doença familiar.

Felizmente a revolta me radicalizou. Foi também neste período de adoecimento que tomei consciência que a causa de todos esses males que me afligem, e que afligem ainda mais outras pessoas, é a ordem social vigente, e que esta é irreformável, devendo ser superada. Acreditando nisto, e rejeitando contribuir com a perpetuação da miséria no mundo, surge a dúvida: o que fazer?

“A organização é a arma dos oprimidos” me disseram. Logo, o que devo fazer é organizar-me, mas como fazer isso sendo, bem, você sabe, autista?

Deficiência

Segundo a Lei Brasileira de Inclusão, as pessoas com deficiência são aquelas com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Ainda, com a vigência da Lei 12.764 de 2012, conhecida como Lei Berenice Piana, pessoas com transtorno do espectro autista passaram a ser consideradas pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.

Qualquer pessoa enxerga rapidamente a inteligência muito acima da média, mas dificilmente vão enxergar a deficiência do autismo, afinal é uma deficiência invisível. A inteligência permite eventualmente mascarar as dificuldades, contudo os prejuízos permanecem. Não interagimos de forma adequada, não nos adaptamos às normas sociais, não sustentamos um emprego formal, não conseguimos manter nossas amizades ao longo do tempo. A inteligência não justifica essas barreiras persistentes ao longo do tempo. Os transtornos mentais também não justificam, ao passo que, mesmo quando medicados e controlados, não conseguimos nos encaixar. Quando somos duplamente excepcionais, o sofrimento se intensifica diante da incompreensão das pessoas e das expectativas frustradas. As pessoas reconhecem o nosso potencial, mas encontram inúmeras justificativas para o nosso fracasso. Apontam o dedo pra gente e nos julgam preguiçosos, mal educados, arrogantes, individualistas, impacientes, impulsivos, grosseiros, entre outras coisas. A falha em realizar nosso potencial é justificada pela moral.

De todos os déficits que o transtorno traz, o que mais me machuca, e que eu tanto lutei para solucionar, é o prejuízo nos relacionamentos. Tanto eu estudei sobre relacionamentos, comportamento, psicologia... Tantas horas de psicoterapia eu fiz desde criança... E ainda assim, meus relacionamentos são frágeis, efêmeros, artificiais. Não consigo permanecer em uma mesma comunidade, qualquer que ela seja, por muito tempo: Na vida escolar, fiz algumas trocas de colégio na infância e, na adolescência e juventude, desenvolvi um comportamento absente, me aproveitando da autonomia crescente; na vida profissional, permaneci por pouco tempo em cada emprego, sempre necessitando pedir demissão por questões que tornavam o ambiente pra mim insuportável; na vida local, estou morando em minha 4ª cidade, e indo para a 14ª residência. Desde criança a dificuldade em manter relações me incomodou, e nem todos os anos de psicoterapia resolveram essa dor e a minha limitação. As mudanças constantes parecem ser um comportamento aprendido para me fazer fugir de situações ruins e jamais desistir de encontrar situações melhores.

Veremos que esta história não é diferente. Minha tentativa corajosa de me organizar politicamente, e com isso contribuir com a superação da ordem social que mantêm o mundo em miséria, foi mais um brusco rompimento, que apesar de esperado dado o meu histórico, ainda é desagradável e deprimente.

Responsabilidade

Sou atravessada simultaneamente por inúmeras questões. Isso é tudo incompetência minha? Teriam todo o estudo e anos de terapia falhado em me moldar em uma pessoa competente para estar integrada na comunidade? Não pode ser só minha culpa. Há tantas outras pessoas passando por situações tão ou mais graves. Há que haver também a culpa da sociedade em fazer do fracasso a regra para tantos milhões de indivíduos.

Não estou em um bom momento para avaliar nada. Me sinto inútil e incompetente, isso para não falar nos pensamentos intrusivos e autodestrutivos. A empresa oficializou a primeira advertência disciplinar para eu ajustar minha conduta e voltar a produzir. Eu não aguento sequer ouvir falar sobre coisas relacionadas ao trabalho. Como esperam que eu volte a me dedicar e entregar alguma coisa? O INSS diz que eu estou apta para trabalhar; o médico do trabalho diz que estou apta para trabalhar. Enquanto isso, a sujeira se acumula nas paredes do box, da louça sanitária e da pia do banheiro, tomando formas e cores. Quando foi a última vez que limpei a casa? Essa é uma questão de classe, não é mesmo? Isso é por que sou parte da classe trabalhadora oprimida? Se isto é verdade, por que não posso me organizar politicamente?

Em todas as apresentações na Força Esperança eu fiz questão de dizer “eu sou autista”. Disseram-me que eu não pareço. Como eu deveria ser para parecer autista? Querem que eu morda as pessoas? Isso sem dúvida ajudaria a aliviar certas frustrações. Três pessoas na FE me disseram que acham que elas próprias são autistas também. Não gosto de julgar o autodiagnóstico de ninguém, nem para validar nem para desacreditar. Mas eu acho problemático responder para autistas coisas como “você não parece” e “acho que eu também sou”. Ora, se você acha que é autista, vá atrás de um diagnóstico, diga quais são os seus prejuízos e necessidades de suporte. Mas, por favor, não use isso como justificativa para ignorar as necessidades alheias.

Há, para pessoas autistas um prejuízo significativo e permanente na qualidade de suas relações sociais. Sem o suporte adequado, sem adaptações individualizadas para cada necessidade, sua plena participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas ficará obstruída. Como falar “organize-se” para pessoas que por toda a vida enfrentaram dificuldades para se inserir e se manter em grupos sociais? Que às vezes não tem autonomia para executar tarefas básicas do dia a dia?

Não estou mais organizada. A causa, entendo eu, é o meu estado de saúde somado ao funcionamento inadequado da célula organizativa da FE. Funcionando a célula como deveria funcionar, talvez eu ainda estivesse organizada. Quem sabe?

Centralismo

Segundo os princípios do centralismo democrático, é plena a liberdade de crítica, desde que respeitados os espaços adequados para que a unidade de ação não seja prejudicada. Cabe a cada indivíduo, parte da base da organização, fazer a problematização e levantar as demandas conforme são observadas, a partir de seu lugar de trabalho, com suas experiências e conhecimentos. Essa problematização, necessita de um lugar apropriado, preferencialmente dentro da própria organização.

Para muitas organizações, a FE inclusive, o mais próximo destes espaços é o núcleo de base: Um espaço reservado para os membros da organização debaterem e construirem consenso sobre inúmeras pautas. Era de ser esperar que a democracia dentro da organização começasse no núcleo, onde os assuntos poderiam ser amplamente debatidos, até que se houvesse um consenso para a formulação de uma demanda para ser compartilhada com instâncias superiores. A direção central da organização então, após apreciar a demanda, haveria de fazer chegar ao conhecimento de todos a nova posição unificada da organização. Certo?

É meu julgamento vigente de que o centralismo democrático não foi praticado verdadeiramente pela organização, apesar dela assumir este como um princípio norteador. A hipocrisia para mim é uma questão muito dolorida, da qual eu não consigo compactuar. Talvez eu ainda estivesse organizada se eu não fosse tão boa em observar padrões e identificar inconsistências. Talvez eu ainda estivesse organizada se eu não me importasse com fissuras na prática que a afastam do ideal pregado. Talvez eu ainda estivesse organizada se eu não me importasse tanto. Mas eu me importo demais. E isso não é algo que pode ser mudado pois faz parte de quem eu sou. A superexcitabilidade é uma questão real e física, do cérebro, e não algo mental que pode ser solucionado com psicoterapia e melhor gestão dos pensamentos.

Dentro de um organização democrática a quem cabe a responsabilidade de indicar o espaço adequado para o amplo debate e garantir que este espaço exista? A quem cabe o papel de gestão de pessoas, acolhendo as necessidades individuais de cada membro, tanto materiais quanto emocionais? Mesmo que esta pessoa por ventura não tenha os meios de auxiliar, a quem cabe a responsabilidade de encaminhar o membro para outro lugar onde este auxilio possa ser concedido? Não se pode cobrar estas coisas de uma recém associada militante. Creio que a organização falhou comigo, pois negligenciou estes deveres.

Creio que seja meu direito, em uma organização democrática, poder desenvolver a questão até que a comunidade compreenda a pauta e o assunto seja esgotado, mas eu não tive um lugar para ser ouvida. Não fez sentido o motivo que deram para a falta de espaço que observei. Isso, em uma organização que prega o centralismo democrático é muito sério. Eu não sabia, e ainda não sei, quais são as ferramentas apropriadas para a construção desta proposta. O que é uma plenária e quando se deve convocar uma? Como é feita essa construção coletiva?

Associação

Perdoem a minha fraca memória episódica. Trarei os eventos passados nos últimos 2 meses de maneira um tanto distorcida. Além da memória já começar a falhar, e eu estar intencionalmente ocultando a real organização onde tais eventos ocorreram, há também a distorção subjetiva inerente a todo ser humano, que sempre observa os eventos do mundo a partir de seu próprio ponto de vista limitado.

No momento de meu ingresso na Força Esperança, me foi exigido que eu lesse e concordasse com o programa de atuação da FE. Este era um critério eliminatório para a minha associação. Estudei com calma o programa, e sendo uma pessoa com bagagem em tecnologia da informação, com 2 diplomas e atuação profissional em múltiplas organizações, tanto públicas quanto privadas, naturalmente a causa do controle das comunicações e da informação me chamou atenção.

Havia uma previsão expressa no programa relativo à importância da gestão popular das comunicações, mas este item não falava nada sobre a Internet. Com efeito, as únicas tecnologias de comunicação mencionadas no programa eram aquelas já existentes na década de 1930. Nada era dito sobre o controle algorítmico do comportamento humano, nem sobre o estado de vigilância constante ao qual são submetidos todos os cidadãos do mundo. Nada se dizia quanto à dependência tecnológica de produtos e serviços de monopólios estrangeiros, controlados por agentes hostis à atuação da Força Esperança.

Não pude deixar de pontuar essas omissões na ocasião de minha associação. Ao que recebi uma resposta de que aquele conteúdo programático consistia de uma pauta mínima de reivindicações, não excluindo outras demandas. Diante do argumento logicamente coerente, aceitei os termos do programa e formalizei a minha filiação.

Jornal

Por todo o meu tempo de militância, muito esforço foi investido na divulgação do jornal próprio da organização. O trabalho jornalístico é visto como essencial para a mobilização popular, e o esforço de construção de um jornal não apenas consolida as estruturas organizativas operacionais, como também disponibiliza uma tribuna, de alcance nacional, para que todos os cidadãos possam denunciar as pautas mais relevantes para sua realidade. Desde a minha efetiva inserção nas fileiras da FE eu defendi a importância do jornal e acreditei em suas palavras, tomando como tarefa o dever de realizar a leitura e me inteirar de todos os aspectos da vida cotidiana. Sempre acreditei quando me diziam: “Este é um jornal popular! É a população quem o constrói coletivamente e qualquer pessoa pode escrever para o jornal.” Tanto acreditei nestas palavras que as repeti confiantemente nas ruas quando eu própria me voluntariava para promover a divulgação do jornal.

O baque começou, creio eu, quando eu participei de um congresso anual sobre tecnologia e política. Após ouvir relatos de inúmeros palestrantes sobre o uso da tecnologia da informação para intensificar o genocídio em Gaza, o controle repressivo feito por governos latino-americanos por meio das mídias sociais e inúmeras outras questões práticas, eu resolvi que faria uma matéria sobre o evento e o que eu aprendi nele. Escrevi minha matéria e entrei em contato com o jornal para saber o que eu precisava fazer para ter o texto publicado. Me passaram orientações simples como quantidade de palavras e formatação. Após fazer os ajustes devidos eu enviei a minha matéria e recebi o retorno dizendo que meu texto havia sido enviado para a revisão.

Esperei o quanto pude. Mas, após ver 2 edições seguidas do jornal serem publicadas sem a minha matéria, comecei a me preocupar. O que houve com o meu texto? Eu havia dito algo errado? Havia algum problema no que eu escrevi? Eu precisava de um feedback. O assunto que eu trazia era de extrema relevância pra mim, e, acredito eu, essencial de ser conhecido por todos para avançar o trabalho da Força Esperança.

Comecei a pressionar a coordenação de meu núcleo, que ficou de “ver o que tinha acontecido” com a minha matéria. Até o presente momento, não recebi uma única justificativa do porque a minha matéria foi censurada. Não tenho outra palavra para descrever isso, dado que a justificativa dada de “eles estão atolados com a demanda” é coincidência demasiada e não reflete as evidências de publicação do jornal, que permaneceu realizando suas publicações regularmente no período. Pode ter sido, ao invés de censura, mera negligência, mas o efeito prático é o mesmo: Minha voz foi silenciada sem justificativa. Não creio que a linha política fosse tão divergente assim, afinal o texto passou por revisão do meu núcleo, que me elogiou.

Hiperfoco

Nesse período, eu fui fisgada pelo hiperfoco. A preocupação excessiva com a assertividade da matéria e a ausência de interesse do núcleo em debater a questão me sinalizou que necessitávamos de textos que fizessem a sensibilização da questão, mesmo para um público leigo no tema. Me lancei a pesquisar mais sobre o assunto, e conforme eu pesquisava, mais coisas eu escrevia. Quanto mais eu me aprofundava, mais certeza eu construia da importância do que precisava ser debatido. Ao mesmo tempo, o processo de hiperfoco começava a me desgastar e me fazer deixar de lado outras demandas pessoais para que eu pudesse avançar neste tema que ganhava a cada vez mais relevância para mim.

Em certo momento, chamei a coordenação do meu núcleo para uma conversa. Pedi ajuda para manter a calma e desenvolver o tema. Falei que a minha cabeça parecia que iria explodir. Ela me orientou a não investir esforços em fazer uma sensibilização, mas sim construir uma proposta completa, para que o assunto fosse debatido em instâncias superiores, sem a minha participação. Eu, naquele momento ainda ignorante do processo que se desenrolava, não vi a armadilha que me foi lançada. Eu já estava em hiperfoco, extremamente preocupada com medo de ter dito algo de errado, sem ter feedback de nada, e recebi então uma tarefa muito maior e importante, muito mais séria, que era construir uma proposta para ser levada para os de cima debaterem em segredo.

Creio que a minha coordenação deveria ter proposto de escrever isso coletivamente dentro do núcleo, e não me dado essa responsabilidade sozinha. Caso o núcleo não tivesse a capacidade de construir essa proposta, o que de fato acredito que não tivesse, ela deveria ter me encaminhado para outro espaço onde eu pudesse, junto de outros membros fazer essa construção. Não sendo o núcleo este espaço apropriado para a construção coletiva desta proposta, haveria a organização de apontar outro lugar, mais apropriado, para esta construção. Jamais um coletivo deveria imbuir a um único indivíduo, ainda mais uma pessoa PcD e com saúde debilitada por um acidente de trabalho, toda a responsabilidade e o peso de construção dessa proposta.

Mas, como eu disse, eu cai na armadilha. Sobre as problematizações que eu fiz dentro do núcleo, recebi respostas que não convenciam logicamente e me indicavam uma clara relutância em tratar da questão. Não poderíamos fazer nada diferente do que foi determinado como linha central da organização, mas eu também não tinha com quem debater sem ouvir argumentos repetitivos e fracos.

Isolamento

O núcleo, onde deveriam estar meus companheiros de luta mais próximos, deixou nas minhas costas todo o trabalho de pesquisa e formulação da proposta. Eu me senti cada vez mais sozinha e isolada, sem ninguém que valorizasse algo que pra mim era tão relevante e urgente, sem ninguém para debater e construir algo junto comigo.

Nesse período eu havia sido eleita a representante da tarefa de finanças dentro do nosso núcleo, então havia recebido determinados níveis de acesso dentro da organização. Ao obter esse acesso, veio o choque: a organização estava usufruindo de serviços gratuitos, fornecidos por nossos inimigos para coleta massiva de informações, para armazenar e processar dados pessoais e sensíveis dos membros da organização. Aquilo me desesperou. É nesta organização que eu estou confiando? Essa gente vai nos levar pro abismo desse jeito. Estamos correndo um grave risco! Algo precisa ser feito!

Comuniquei para a minha coordenação que eu não seria cúmplice deste movimento absolutamente errado, e que criaria problemas para os membros. A resolução foi eleger uma nova representante da atividade de finanças e me consolar com mais das respostas fracas e ilógicas.

Então eu, desgastada após semanas de luta e no meio de uma fase ansiosa, fiz algo sabidamente errado. Tendo ainda os acessos especiais concedidos à representante de finanças, ingressei sorrateiramente na reunião estadual de finanças. Lá eu permaneci inicialmente em silêncio, mas acabei revelando a minha presença quando um membro falou sobre como o núcleo dele estava também adotando essas ferramentas gratuitas para melhorar o trabalho dentro do núcleo e de como isso era seguro. Eu não poderia ficar calada. Aquilo não era nada seguro. Era justamente o oposto disso! Aquilo era algo terrível para a organização e jamais deveria ser fomentado como “boa prática”.

Posso estar errada, e espero que eu esteja, mas nada posso fazer contra meu instinto de sobrevivência que me grita “Esta galera não sabe o que tá fazendo. Guerra se faz com informação e logística. Deixar as ferramentas de organização interna na mão do oponente é perder a luta antes mesmo de começar”. Não esqueçamos que revoluções são contra a lei. Há como uma organização verdadeiramente revolucionária avançar cedendo para as forças de repressão estatal informações sensíveis sobre sua organização interna, ao mesmo tempo que cria dependência operacional em ferramentas sob controle do adversário? Não pude conversar com ninguém que me convencesse logicamente que todos esses absurdos, e inúmeros outros que omiti, não nos causariam problemas.

Se o tom catastrófico parece exagerado, é porque você não sabe o que é ter uma rigidez cognitiva. Ser autista é viver com esse tipo de resposta emocional a todo o momento, mesmo para coisas que as outras pessoas considerem sem importância. Certas coisas, em especial aquelas sobre as quais eu acumulei bastante conhecimento, me são tão preciosas que eu sou incapaz de tolerar detalhes fora do lugar.

Repúdio

Nessa reunião eu recebi a mesma resposta que eu já havia ouvido da minha coordenação. Naquele momento eu entendi: esta não é uma posição ignorante do meu núcleo. É uma posição ignorante da direção central da organização! Somente uma pessoa ignorante no tema poderia se deixar convencer sobre o tema com um argumento tão fraco e ilógico. Então, a posição ignorante é a linha central da organização FE, justamente daqueles que deveriam ser os mais hábeis, entendidos e comprometidos membros da classe. Isso me deixou profundamente decepcionada e desconfiada da direção central da organização.

Fui previsivelmente advertida por não seguir os preceitos organizativos, entre outras coisas. Eu falei que eu não me arrependia de ter feito aquilo porque, se não tivesse agido errado, eu não teria tido a chance de ser ouvida sobre os problemas que eu estava enfrentando com o isolamento e a falta de suporte. Falei que era meu desejo me afastar da organização, porque eu precisava me desligar de todo esse assunto. A minha coordenação insistiu pra que eu não me afastasse demais, sugerindo uma adaptação para que eu continuasse participando regularmente. Eu inicialmente aceitei, mas logo vi que eu tinha ficado demasiadamente ferida por toda essa situação, além de descrente na capacidade de construir uma organização sólida e competente.

Eu já estava doente quando ingressei na FE. Sempre comuniquei em reuniões que eu estava em recuperação e que por isso eu não poderia participar de tantas atividades. Acreditei que o melhor lugar para me curar seria entre companheiros de luta, mas eu estava errada. A luta entre a linha de direita e a linha de esquerda estará presente em todas as organizações e é preciso estar minimamente saudável para realizar esta disputa. A organização que luta pelo fim das opressões, reproduz as mesmas violências e exclusões que o sistema contra o qual ela luta.

Por muito tempo pedi para a minha coordenação me colocar em contato com outras pessoas com deficiência para trocarmos experiências, mas tive acesso a tão somente duas pessoas, e somente com uma pude conversar. É fato que uma agremiação de pessoas qualquer não tem a priori obrigação de acolher nossas dificuldades comportamentais e de relacionamento. Porém, quando falamos de uma organização orientada pelo materialismo prático, que preza pela libertação real e não em pensamentos, é necessário se comprometer a ir além dos ideais de inclusão e acessibilidade, atacando e transformando de forma concreta no mundo as barreiras que previnem a participação plena das pessoas na sociedade. A negligência em acolher estas demandas de forma efetiva é um erro gravíssimo para uma organização que se propõe a ser anti status quo.

O sentimento geral é de estar sendo levada para o abismo por uma liderança que permanece inacessível. Por autopreservação não tenho outra escolha a não ser me desligar. Não por uma divergência de tática, que poderia ser posteriormente corrigida, mas por rejeitar a obediência acrítica exigida por uma liderança encastelada que pune a divergência ao invés de compreendê-la.

Conclusão

Comuniquei à minha coordenação que não acreditava mais na organização e que pretendia me desassociar. Sem questionamentos, minha decisão foi aceita.

Desconfio que um movimento de massas, verdadeira escola de novos revolucionários, para cumprir seu papel formativo, necessitará abandonar o modelo de educação bancária e respeitar o conhecimento prévio de cada um, bem como suas dificuldades e potencialidades. Uma organização que não se proponha a reconhecer a diversidade e acolhê-la, ao invés de uniformizá-la, continuará ensejando acusações de autoritarismo e burocratismo, ainda que os críticos não sejam eles próprios modelos melhores.

Tenho a esperança de eventualmente voltar a me organizar, ainda que eu não saiba como e nem quando. Não somente para ter alguma chance de luta contra o sistema que nos oprime, como também para prosseguir com a minha formação, de forma tanto teórico quanto prática. No momento, contudo, investirei minha energia de forma egoísta: tratando da minha saúde e da minha subsistência. Assim eu terei mais o que oferecer quando eu me deparar com um movimento de vanguarda à altura do desafio. Até lá, só espero não servir de obstáculo àqueles que possuem a linha correta.

 
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from vereda

As crianças no espectro autista têm uma tendência a terem diversos comportamentos que são, por serem considerados “inadequados”, punidos pela sociedade.

O que a criança aprende com isso é a fingir e a ser outra coisa, artificial, mas que ao menos seja aceita.

Aí essa criança vai crescendo sem poder ser ela, sem poder se manifestar, com uma incerteza brutal do que é certo e o que é errado. Morrendo de medo de rejeição social.

Esse medo logo se transforma em ansiedade em seus variados tipos (TAG, TOC, fobias, etc).

Às vezes, para se proteger, torna-se cada vez menos inserida no contexto social por medo dessa rejeição. Medo de seus comportamentos não serem aceitos e tolerados. Medo de passar mal.

Nisso, a pessoa por conta própria se isola, se exclui, se afasta... E perde a conexão humana que existia ali.

Perdendo a conexão humana, essa criança começa a desenvolver uma tristeza persistente. Aos poucos surge a distimia e a depressão.

É lucrativo vender remédios e terapias por toda uma vida para que cada indivíduo trate as consequências (ansiedade e depressão). Adaptar ambientes sociais para a inclusão de todos, resolvendo as causas, traz custos imediatos, que poucas comunidades estão dispostas a encarar.

Até quando?

 
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from Resenha Cibernética

Relacionalidade

Quando se adota a perspectiva da relacionalidade abandona-se a ideia de coisas que existem independentemente. Em outros termos, mais filosóficos: a ideia de essência intrínseca. Toda essência é extrínseca.

Ou seja, não há uma relação que se estabelece entre duas coisas (objetos) que existissem previamente à relação. O que existe é uma relação que se desdobra em (pelo menos) dois polos (se há mais de dois polos, trata-se de uma hiperrelação). Se esses dois polos se diferenciam, a relação é uma diferença (relação diferencial).

Por isso, deve-se também abandonar a ideia de materialidade. Na Teoria da Relatividade, por exemplo, energia e matéria são intercambiáveis.

Uma relação, assim, não é exatamente uma “coisa”. Uma relação é algo que se diferencia de uma ausência de relação. Ou seja, que se diferencia do vazio. Uma relação é assim uma diferença entre ela mesma e o vazio. Toda relação tem essa “mesmidade”, o que quer dizer que ela se autorreferencia.

Portanto, uma mudança de paradigma da relacionalidade é a questão do vazio. O vazio significa basicamente que não há essência intrínseca. O primeiro a conceituá-lo desta forma, foi o indiano budista Nagarjuna, com o termo sunyata. Sunyata é o vazio, mas o ocidente conceitua este conceito como “nada”. Porém, o vazio budista não é nada, mas simplesmente indica que tudo que é, cria-se em termos de dependência, ou interdependência. O conceito de relação indica essa interdependência. Por exemplo, a terra e a lua não existem por si só, mas numa relação de interdependência. Uma sociedade não é um agregado de “egos”, mas um conjunto de relações entre “ego” e “alter”. Uma sociedade é um conjunto de relações sociais, ou de alteridade, não um conjunto de egos. Ego e alter são os polos de uma relação social.

Se uma relação se diferencia em polos, isso quer dizer que cada um deles é uma “porta de entrada” à relação, isto é, uma abordagem. Uma relação pode ser abordada através de seus polos. É como se a relação tivesse que ser entendida com duas perspectivas diferentes. Se uma relação tem os polos A e B, AB é diferente de BA. Ou seja, a relação tem orientação.

Chamamos essa diferenciação orientada (ou orientável) de mediação. A relação possui um “meio” que é justamente o que conduz de A a B. Por isso, a escola que o indiano Nagarjuna defendia chamava-se Madhyamaka, ou Escola do Caminho do Meio. No entanto, a diferença de percurso que se fazia de A para B e de volta à A, não encontrava o mesmo A (o mesmo polo) do início. Isso significa que o tempo se infiltrou na relação.

Para o paradigma da relacionalidade, o conceito de meio (medium) substitui o de matéria. Toda relação tem meio. A relacionalidade é uma medialidade

 
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from Ideias de Chirico

Ainda que a cultura de um modo geral esteja em baixa, aquém do ramo da tecnologia em termos de inovação, vez ou outra encontramos algo de fresco em produções das últimas duas décadas.

Em certa manhã de 2022, enquanto eu ia ao trabalho, pela Rádio Universitária de Fortaleza ouvi a jazzista Léa Freire pela primeira vez. O ônibus deslizava sobre um viaduto, a deixar que um sol limpo de nuvens, atravessando edifícios, lá dentro entrasse. Esta é a cena a qual associo o seu “Brincando com Théo”, e que, ao meu ver, melhor o representa.

Mais tarde, pesquisei no Youtube a composição original (para piano solo). Ao azar, tombei com uma versão à voz e piano de Tatiana Parra e Andrés Beeuwsaert no disco “Aqui”, de 2011 ― assista ao seu trailer.

Desde que o conheci, me derreto a cada escuta. Só consigo pensar em beleza ao o ouvir. Andrés, um João Gilberto do piano, bate seu instrumento, mas gom um togue gendil, como se seus martelos fossem espumas. Já Tatiana, em seu canto, ainda que sem texto, fala. Mas fala como o pássaro fala. Farfala.

Os arranjos são simples: vez ou outra aparecem flauta (que Léa Freire toca), violoncelo ou violão ― cada um por vez. A voz e o piano predominam como intrumentos, valem, porém, por vários ― às vezes o piano arrebenta feito bateria ou, sus, suspira como uma segunda voz.

Como o primeiro disco de Rodrigo Campos sobre o qual escrevi, “Aqui” é feito para o movimento, para as gentes, para as cidades. Nas suas interpretações, de tons maiores ― abertas tal sóis ―, seu som é denso, sem ser tenso. Raro herdeiro vivo da bossa-nova, “Aqui” é maximalismo disfarçado de minimalismo.

#cultura


 
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from Felipe Siles

O Mozilla Thunderbird é uma excelente ferramenta para gerir emails. Ele é gratuito, tem código aberto e está disponível para instalação em diversos sistemas operacionais. Além da função óbvia de gerenciar emails, ele possui outras funções bem interessantes, como calendário, chat e acompanhar feeds RSS. E as extensões, a maioria desenvolvida pela comunidade, acrescentam ainda mais funções e possibilidades interessantes ao software. Seguem minhas extensões preferidas no momento:

Confirm-Address: já aconteceu com você de enviar um email e só depois lembrar que esqueceu de acrescentar uma CC (cópia carbono) ou anexo? Ou já esbarrou sem querer no botão 'enviar' e mandou um email que não estava totalmente pronto ainda? Essa extensão é bem simples, ela pede uma confirmação antes de enviar qualquer email. Eu acho bem útil, para dar aquela revisada se está tudo certo para o envio, antes de fazê-lo de forma definitiva e sem volta;

Provider for CalDAV and CardDAV + TbSync: ajuda a sincronizar calendários CalDAV com servidores como o Nextcloud, por exemplo;

Remover mensagens duplicadas: quem usa o Thunderbird, sabe que ele possui o incoveniente de duplicar algumas notificações de novos emails, essa extensão corrige o problema;

Quick Acess: esse conjunto de extensões pode transformar o Thunderbird num super gestor de mensagens, já que agrega botões que abrem páginas para ler emails a princípio não compatíveis com o Thunderbird (como Tuta e Proton), além de botões para acessar mensageiros como Whatsapp, Telegram e Discord. São 18 extensões do mesmo criador, que criam botões para diversos serviços da web.

 
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from Felipe Siles

Acredite, muita gente ainda ouve rádio, muita gente mesmo. E, para quem gosta da mídia, é possível que já tenha se deparado com a situação de visitar alguns sites de webrádios, aí se incomodar com a arquitetura do site, os anúncios, a parafernalha, sendo que você só queria ouvir rádio. Ou simplesmente não consegue desenvolver o hábito de visitar um site para ouvir uma rádio. Você vai na Play Store (ou Apple Store) e procura algum aplicativo de web rádios, mas o aplicativo não tem a rádio que você quer ouvir, principalmente se ela é mais alternativa. Não sei quanta gente já passou pelo mesmo problema, mas eu sempre desconfiei que havia uma forma de seguir rádios parecida com seguir RSS de notícias ou podcasts. E tem sim!

Uma webradio é mais ou menos uma playlist que fica rodando em um site na internet (na verdade, é um pouco mais complexo que isso rs, mas só pra ficar mais prático o entendimento). Se você consegue o link dessa “playlist”, pimba! Basta rodá-la em um programa ou aplicativo de sua preferência que tenha essa função. Então vamos primeiro aprender como encontramos o link para ouvir a webradio. Após algumas interações pelo Mastodon, Elmo Neto trouxe um passo-a-passo bem interessante para isso. Nas palavras dele:

  • Abra a página da rádio;
  • Abra as ferramentas de desenvolvedor do navegador (pode usar o atalho ctrl+shift+i) e clique na aba “Rede”;
  • Limpe todas as requisições clicando na lixeira;
  • Clique em Play e espere a requisição pra transmissão;
  • Copie a URL e cole no seu player preferido (como o VLC).

Agora segue a lista dos meus programas e aplicativos preferidos para rodar as URLs das webrádios:

Por último, seguem algumas sugestões de rádios (com seus devidos links) que eu gosto e acompanho:

Rádio Aconchego https://orelha.radiolivre.org/aconchego

Rádio USP https://flow.emm.usp.br:8008/radiousp-rp-128.mp3

Rádio Yandê https://cloud.cdnseguro.com:2611/stream

Rádio Unicamp https://radio.sec.unicamp.br/aovivo

Rádio ABET https://s19.maxcast.com.br:8415/live?id=1192757142750

Rádio Antena Zero https://www.radios.com.br/play/playlist/27099/listen-radio.m3u

Rádio Comunitária Cantareira https://5a2b083e9f360.streamlock.net/sc_canta/sc_canta.stream/playlist.m3u8

Rádio Noroeste (Campinas-SP) http://svrstream3.svreua.com:8322/stream?1718737404193

Universidade FM (UFMA) https://s26.maxcast.com.br:8280/live?id=1718833388070

Educadora FM (Bahia) https://www.radios.com.br/play/playlist/12911/listen-radio.m3u

Rádio Universitária (UFPE) https://www.radios.com.br/play/playlist/14984/listen-radio.m3u

Gostaria também de agradecer e dedicar esse texto ao Saci da Rádio Aconchego que foi a pessoa que resgatou em mim o amor pelo rádio, obrigado meu amigo!!!

 
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from Ideias de Chirico

Imagem de uma folha em branco com uma lapiseira ao lado sobre uma mesa de madeira.

Após apresentar “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéry à turma de 7° série, o professor de redação pediu-lhes para que apresentassem uma síntese do livro. O único comando que ele dispôs no quadro negro foi “Escrevam apenas o essencial da história”.

Enquanto toda a sala rascunhava rapidamente sobre seus papéis, o pior aluno entregou uma folha em branco. O professor, contrariado, indagou do que se tratava aquilo. E o aluno timidamente respondeu:

― Professor, é que eu aprendi com o Pequeno Príncipe que

O essencial é invisível aos olhos.

Este aluno recebeu a melhor nota da turma.

#cotidiano


 
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from Felipe Siles

Fala pessoal! Na data que escrevo (14 de junho de 2024) estou com 34 horas de tela de celular nos últimos 31 dias, mas se considerar apenas os últimos 11 dias, tenho 11 horas, ou seja, nos últimos 11 dias dá pra dizer que tenho média cravada de 1 hora por dia de tela de celular. Pode parecer bobagem, mas morando em um país onde as pessoas passam EM MÉDIA (significa que tem gente que passa mais) 9 horas por dia no celular ou em outros eletrônicos, acho que o feito é bem considerável, não só pelo aspecto da saúde mental e bem estar, mas acaba gerando um certo deslocamento cultural (que resolvi bancar), já que não estou com o nariz enfiado no celular o tempo inteiro, como a maioria das pessoas ao meu redor.

Vou colocar de maneira prática e objetiva algumas estratégias combinadas que adotei para alcançar essa média, caso interesse alguém:

  • Não tenho perfil nas redes sociais comerciais famosas (Instagram, Facebook, Xwitter e TikTok);
  • Tenho perfis em algumas rede sociais do Fediverso (Mastodon e Lemmy), mas só as acesso via computador, no celular não tenho aplicativos dessas redes;
  • Deletei aplicativos que me faziam ficar perdendo um tempo no celular, como aplicativos de esportes (como o Sofascore) e jogos (como o Lichess);
  • Para evitar ficar navegando por sites na internet, uso o Firefox Focus como único navegador no celular. Ele não salva senhas, nem histórico, funciona sempre como se fosse uma aba anônima, o que ao meu ver limita bastante o uso prolongado;
  • Deletei muitos aplicativos do meu celular, deixei aquilo que considero muito essencial (dentro do meu uso, óbvio), como aplicativos de mapas, transporte, bancos, e afins;
  • Tenho apenas três mensageiros no meu celular: whatsapp, telegram e o SMS. E só os mantenho instalados porque tem muita gente que me liga usando esses aplicativos. A checagem e respostas das mensagens eu faço uma ou duas vezes por dia no computador mesmo, utilizando clientes web (utilizo o Ferdium, que agrega todos esses mensageiros num ambiente só);
  • Utilizo o aplicativo Screen Time (da F-Droid) para monitorar meu tempo de tela, e criei essa meta de 1 hora por dia;
  • Pelo menos uma dia na semana eu tento ficar o maior tempo possível offline, sem nem encostar no celular, costumam ser aos domingos (quando não tenho trabalho/freela nesse dia);
  • Comecei a levar o meu e-reader (popularmente conhecido como Kindle) pra todo lugar que eu vou, e quando bate aquele tédio ao esperar um ônibus ou um atendimento no banco, eu leio um livro ao invés de mexer no celular;
  • Aqui tem uma pequena roubadinha: o maior tempo de uso do meu celular é ouvindo coisas: webrádios, rádio FM, podcasts, música, etc, ou seja, não contam como tempo de tela. Inclusive eu queria muito ter um aparelho só pra isso, que não fosse celular. Vi que já lançaram uma espécie de walkman Android, mas por enquanto é meio caro para o meu bolso;
  • Participações em videochamadas: COMPUTADOR SEMPRE! Além de tempo de tela no celular, ainda come uma bateria da porra;
  • Desligo TODAS as notificações do celular;
  • Prática diária do Bullet Journal tem me deixado um pouco mais analógico, pelo menos pra gerenciamento das tarefas;
  • Mantenho hobbies que não dependem de tela, como passear com cachorro, visitar banca de jornal e montar cubo mágico;
  • Uso relógio de pulso para não precisar recorrer ao celular para ver as horas.

A parte que eu mais amo de priorizar fazer as coisas no computador, é que é muito fácil delimitar um fim para sua relação com a internet e a tecnologia no dia. Basta desligar o aparelho. Diferente do celular, que já nem temos mais coragem de desligar (eu programei um desligamento automático do espertofone diário, na hora de dormir, religando na hora de acordar).

 
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from Ideias de Chirico

Imagem de uma feira de frutas no interior do Brasil.

“Olha a informação! Informação fresquinha!”

Gosto de pensar a internet como essa grande feira de sites. Nas feiras, se você quer um produto, haverá alguém que conhece um alguém que conhece um alguém que tem o que você quer. São como aqueles galos do João Cabral de Melo Neto. Visita-se um site, e este o direciona para outro, que aponta para outro etc. Essa é a graça inclusive de ter um blogue: participar ativamente dessa rede, seja reconectando-a, seja contribuindo com ela.

Outro dia compartilhei o Internet Artifact, que me chamou a atenção por conta de sua arqueologia internáutica. Agora compartilho outros endereços curiosos envolvendo descoberta e publicação de artes, que já publiquei via #SurfandoWeb pelo meu perfil Akkoma ― que tem sido um grande laboratório para as publicações destas Ideias de Chirico.

Todo som ao mesmo tempo e em todo lugar

Não sabe que música ouvir numa noite aleatória ou quer conhecer novos gêneros musicais dos mais diversos cantos do mundo? Conheça Every Noise At Once.

Ao carregar a página, verá uma nuvem quase infinita de gêneros musicais correlatos por nacionalidade ou por ritmo. Ao tocar em um deles, a página executará um exemplar de mais ou menos 10 segundos de cada gênero. Dica de ouro: dê um Ctrl + F e escreva um gênero ou nacionalidade pelo qual você se interessa, e daí poderá conhecer outros similares.

Every Noise At Once lembrou-me a proposta de Radiooooo que executa sucessos radiofônicos da década e do país da escolha do visitante. No entanto, ao tempo que Radiooooo compartilha sucessos de todas as épocas, Every Noise At Once concentra-se na cena underground contemporânea.

O que pode 10kb?

A Galeria 10kb é um compêndio de imagens com tantos bites quanto este texto que vocês leem ― ou até mesmo mais leve. Visitá-la me faz pensar nas reais necessidades de espaço de disco para a comunicação digital.

Por que afinal queremos tudo em HD 4K? Às vezes 10kb já dá conta do recado! Afinal, é preciso que também nos acostumemos com pouco. Em um mundo ávido por informação em alta-definição, não podemos perder a sensibilidade das coisas em baixa-definição ― mais próximas das tecnologias analógicas e da vida mesmo.

Além de tudo, é interessante ver respostas criativas ao desafio de se criar uma imagem tão leve quanto um arquivo de texto. Como escreve Mike Grindle comentando sobre o porquê de se fazer um site compatível ao espaço de um disquete,

Ao meu ver, nada inspira mais criatividade do que limitações. Isso não só lhe deixa pensando “fora da caixa”, mas também lhe estabelece limites nos quais trabalhar.

Essa, inclusive, também é a graça de escrever sob padrões ou limitações precisas, como os velhos 140 caracteres de um tuíte ou como o verso dodecassílabo de um soneto... A ideia de densificar o pensamento e escrever coisas complexas em um espaço limitado é de uma sedução irresistível!

Infelizmente a Galeria está há um bom tempo sem atualizações, porque o organizador está concentrado em outros projetos. Mas já temos um bom arsenal.

Conheço também outros endereços análogos a ela, como o 1MB Club, que ranqueia sites que, de fato, caberiam em um disquete.

Estériques

Ficou curioso a respeito de uma estética específica de um período? Quer entender melhor de um dado zeitgeist? Quer se inspirar para projetar à la um certo “ismo”? Indico o Consumer Aesthetics Research Institute (CARI).

O CARI é como um Radiooooo visual. Ao entrar na sua página inicial, você terá várias abas de filtros para curadoria, como período, palavras-chaves ou ordem alfabética.

Claro, como o próprio nome diz, ele é voltado à estética do consumo, não à estética artística, que se preocupa com o puro prazer... estético. No entanto, esta é muito influenciado por aquela, e até a inspira! Vide o pop-art ou, um pouco atrás, o art-nouveau.

#cultura


 
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Imagem de Mário de Andrade, um homem pardo e calvo usando óculos de grau redondos e terno. Sua face está sendo iluminada por uma luz que vem debaixo.

Mário de Andrade

é um desafiador da servil e adocicada e grandiloquente cultura oficial, um criador de palavras que morrem de inveja da música, e que são, contudo, capazes de ver e dizer ao Brasil e também capazes de o mastigar, por ser o Brasil um sabaroso amendoim quente.

De férias, pelo puro gosto de se divertir, Mário de Andrade transcreve ditos e feitos de Macunaíma, herói sem nenhum caráter, tal como os escutou do dourado bico de um papagaio. Segundo o papagaio, Macunaíma, negro feio, nasceu no fundo da selva. Até os seis anos, por preguiça, não pronunciou uma palavra, dedicado como estava a decapitar formigas, a cuspir na cara de seus irmãos e a meter a mão nas graças de suas cunhadas. As cômicas aventuras de Macunaíma atravessam todos os tempos e todos os espaços do Brasil, em uma grande gozação que não deixa santo por desvestir, nem fantoche com cabeça.

Macunaíma é mais real do que seu autor. Como todo brasileiro de carne e osso, Mário de Andrade é um delírio da imaginação.


1927, Araraquara

Imagem de Mário de Andrade, um homem pardo e calvo usando óculos de grau redondos e roupão. Mário fuma e tem diante de si um amontoado de papéis.

Mário de Andrade

es un desafiador de la servil y dulzona y grandilocuente cultura oficial, un creador de palabras que se mueren de envidia de la música y que son sin embargo capaces de ver y decir al Brasil y también capaces de masticarlo, por ser el Brasil un sabroso maní caliente.

En vacaciones, por el puro gusto de divertirse, Mário de Andrade transcribe dichos e hechos de Macunaíma, héroe sin ningún carácter, tal como los escuchó del dorado pico de un papagayo. Según el papagayo, Macunaíma, negro feo, nació en el fondo de la selva. Hasta los seis años no pronunció una palabra, por pereza, dedicado como estaba a decapitar hormigas, a escupir a la cara de sus hermanos y a meter mano a las gracias de sus cuñadas. Las desopilantes aventuras de Macunaíma atraviesan todos los tiempos y todos los espacios del Brasil, en una gran tomadura de pelo que no deja santo por desvestir ni títere con cabeza.

Macunaíma es más real que su autor. Como todo brasileño de carne y hueso, Mário de Andrade es un delirio de la imaginación.


In: “Memoria del fuego III. El siglo del viento” (1986), de Eduardo Galeano. Tradução de Arlon de Serra Grande.

#cultura #tradução


 
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from Felipe Siles

Salve galera! Faz alguns meses que não escrevo neste espaço, pois de um tempo pra cá venho sentindo maior necessidade de ler do que escrever. Então abro uma pequena exceção pra falar um pouco como tem sido essa retomada a um forte hábito de leitura.

Digital x Analógico: eu fico com os dois

Prefiro ler o papel, mas venho cada vez mais diminuindo o uso do celular no meu dia-a-dia e, nesse sentido, o Kindle tem me ajudado muito. Ando com ele na minha pochete, junto com os três Cs (carteira, chave e celular), e quando bate aquele tédio de esperar um ônibus ou minha vez no banco, recorro ao e-reader ao invés do espertofone.

Quando estou em casa, tenho priorizado os livros de papel. Organizei uma lista de desejos, aí vou registrando livros que preciso comprar, a maioria deles para a minha pesquisa de doutorado. Aí no começo de cada mês compro um desses livros, assim que cai a minha bolsa. É uma forma de investir na minha biblioteca ao longo do doutorado e frear o impulso de sair comprando muitos livros que provavelmente não vou ler. Tenho também reservado dois horários do dia para leitura, um de manhã para leituras do doutorado e um mais no final da tarde e começo da noite dedicadas à leitura apenas pelo prazer.

Outra coisa que tem sido legal é que voltei a frequentar a banca de jornal. Moro em uma cidade pequena, e aqui há apenas uma banca. Como ela fica em frente ao principal supermercado da cidade, tenho aproveitado quando vou às compras pra dar uma passadinha na banca antes. Já fui assinante de revistas, chega uma hora que eu não dava mais conta de lê-las, então eu tenho preferido fuçar a banca, ver se tem alguma revista ou HQ com algum tema que me interesse e compro, sem o compromisso de ter que comprar as edições seguintes.

Alguns programas/aplicativos que eu tenho utilizado pra ajudar no hábito de leitura

Quando se trata do digital, eu não gosto muito de ler nem no computador e muito menos no celular. Meus dois dispositivos preferidos para leitura no digital são o iPad e o Kindle.

Tenho utilizado o Kindle deslogado da Amazon, sempre no modo avião, e passo meus livros para ele via cabo mesmo, usando o Calibre no computador. Tem sido muito legal utilizá-lo dessa forma, praticamente ressignifiquei minha relação com esse dispositivo, que vinha usando muito pouco.

Já para o iPad, tenho utilizado principalmente dois aplicativos: Omnivore para ler textos, links salvos e feeds RSS; e Zotero para ler os textos acadêmicos/científicos. Tenho extensões se sincronizam com esses dois aplicativos no navegador do meu computador (Firefox) e conforme aparece um texto que me interessa, já salvo via extensão. Tenho procurado ser parcimonioso para não me sobrecarregar de leituras, volta e meia acabo apagando textos que eu salvei pra ler depois, quando entendo que esse “depois” não vai chegar. Textos e links que preciso ter salvos de maneira um pouco mais permanente, para consultas futuras, eu prefiro salvar num bloco de notas simples mesmo, num caderno dedicado pra isso, uso o Joplin. Tenho sido bastante econômico também nas feeds RSS que sigo, pelo mesmo motivo, não sobrecarregar a leitura.

Também gosto de registrar minhas leituras no Bookwyrm, uma rede social de livros conectada ao Fediverso. Utilizo a instância Velha Estante, e adoro de vez em quando olhar as leituras e listas dos colegas para ter novas ideias do que ler. Como a plataforma é conectada ao Fediverso, acabo utilizando o Mastodon para compartilhar o registro de leitura, para chegar em mais amigos, que podem gostar da recomendação.

Conclusão

Nunca abandonei totalmente o hábito de leitura, mas houve momentos onde ele esteve mais forte e em outros mais fraco. Sinto que é um momento onde está um pouco mais forte e tem sido muito bom, já que me sinto um pouco saturado de assistir mídias como vídeos, filmes e séries, pouca coisa nesse formato tem me interessado de verdade ultimamente. Também tenho feito um uso muito minimalista do celular, e o crescimento do hábito de leitura contribui nesse sentido. Desconfio que o hábito de escrever no Bullet Journal (o qual já escrevi a respeito neste blog) também favorece a necessidade de me tornar mais analógico e ler mais. Tenho percebido também que ler é um investimento em longo prazo para ser mais paciente, menos ansioso e aumentar minha capacidade de retenção da atenção. Não sinto necessidades de ter metas de leitura, eu acho que isso só geraria ansiedade e obrigação. Estou simplesmente lendo, a todo momento onde isso é possível. Se você gostou deste texto, dê uma chance aos livros, leia você também!

Se quiser acompanhar minhas leituras: https://velhaestante.com.br/user/felipesiles

 
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from Ideias de Chirico

Imagem: reprodução da entrada do Internet Artifacts.

Não tem jeito. Estou viciado em explorar sites. Desde que o blogue The Jolly Teapot publicou um linkroll contendo uma enormidade de endereços curiosinteressantes, estou fascinado pela ideia de interpretar sites como produtos artesanais. Como arte mesmo. As plataformas comerciais ― ou de entretenimento ― felizmente não detonaram de todo esse ramo da internet, e, de certa forma, até lhe deram um novo fôlego, como a Small Web (ou Indie Web) e o Fediverso mesmo.

Um desses endereços que The Jolly Teapot publicou é o Internet Artifacts ― não o confunda com o Internet Archive (eu confundi aqui durante a redação do texto). Trata-se de um pequeno museu de (digamos) “atos inaugurais” da internet: o primeiro emoticon utilizado, o primeiro meme, o primeiro blogue, o primeiro site de delivery etc. O arsenal é imenso, e vai de 1977 até 2007. Como há algumas reproduções de mídia, é necessário ativar Javascript. De qualquer modo, vale a visita. Para abrir o apetite de vocês, separei três das diversas curiosidades que há no endereço e os traduzi. Boa leitura.

O primeiro “:–)” (1983)

Reprodução de tela de um boletim acadêmico. Nela Scott Fahlman sugere o uso de uma carinha feliz e uma carinha triste para distinguir piadas e posts sérios na rede.

Imagem: reprodução do boletim da Universidade de Carnegie Mellon.

O primeiro uso registrado de um “:–)” na internet é de 1982, quando o cientista da computação Scott Fahlman propôs o uso de :–) e :–( para distinguir piadas e posts sérios na rede.

A proposta veio em resposta a um post no boletim da Universidade de Carnegie Mellon, em que um estudante brincou dizendo que havia mercúrio espirrado no elevador do departamento de física. Outros estudantes não sacaram a piada e pensaram que o espirro realmente aconteceu.

Os emojis foram aos poucos adotados na Carnegie Mellon e mais tarde por toda a internet.

Fogcam (1994)

Reprodução do site Fogcam com duas imagens, uma de uma rodovia e outra de cadeiras perto de uma piscina. O site é mostrado pelo antigo navegador Netscape.

Imagem: reprodução do site da Fogcam, que ainda está na ativa.

Criado por dois graduandos da Universidade Estadual de São Francisco, a Fogcam é celebrado como a webcam mais longeva. Originalmente posta como um experimento para compartilhar parte do cotidiano do campus, ela rapidamente se tornou um recurso amado nos primeiros anos da internet. A webcam tinha até uma sala de bate-papo na qual os usuários poderiam discutir o clima.

A webcam quase foi fechada em 2019, mas o público implorou por mantê-la ativa. Ela tem estado ao vivo por 30 anos.

Dancing Baby (1996)

Imagem animada de um modelo 3D de um bebê usando fraldas em um fundo preto, dançando chá-chá-chá

Imagem: reprodução do .gif do Dancing Baby.

Um dos maiores memes do início da internet, o Dancing Baby foi um resultado não intencional da demonstração de um plugin para 3D Studio Max, que poderia animar criaturas bípedes. Criada em 1996 a partir de plugin de animação com dança chá-chá-chá sobre um modelo 3D de um bebê, a animação resultante foi descartada por ser muito “perturbadora”.

A animação recebeu uma segunda vida quando foi recriada a partir dos mesmos arquivos e postada como .gif em um fórum CompuServe. Ela tomou seu rumo através de e-mails institucionais e teve uma explosão de popularidade depois de receber a música “Hooked on a Feeling” como fundo. Ela foi intermitentemente remixada, e até apareceu em uma alucinação na série Ally McBeal.

#tradução #tecnologia


 
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from Lento, pero escrevo

Parentalidades em pedaços, LGBTs e capitalismo

Apesar de ampliar a abrangência da licença maternidade, o STF restirngiu a licença-maternidade a apenas uma das mães em casais lésbicos. Um dos argumentos? Austeridade sobre a previdência.

Colagem de família picotada com partes do corpo de varias fotos diferentes formando o corpo das pessoas em questão. Da esquerda pra direita, há uma filha, uma mãe, um pai e um filho

Colagem feita por Gee v Voucher para a primeira edição da Zine International Anthem (1977) da banda de anarcopunk inglesa, Crass. Uma família feita em pedaços

No dia 13 de Março de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que mães não gestantes tem direito à licença maternidade. Uma vitória grande para todas as LGBTs vivendo suas parentalidades em pedaços, que pode ter repercussão mesmo para casais de dois homens, garantindo alguma licença para famílias que não tem nenhuma.

Mas as LGBTs mais velhas tem razão quando não reivindicavam o reconhecimento como uma família nuclear monogâmica. Isso põe tetos reais nas nossas vidas: na mesma decisão, restringiram a licença maternidade a só uma das mães. A outra tem direito à licença paternidade, míseros 5 dias.

As duas consequências disso: de um lado, o Estado tratará uma das mães como um homem e a forçará a se distanciar de sua cria. De outro, lauda novamente que homens não devem cuidar de suas crias.

É a versão institucional de “quem é o homem ou a mulher da relação” em LGBTs.

A resposta deveria ser simples. É quem se identifica. E independente do gênero e do arranjo familiar, cuidar de uma criança recém nascida exige MUITO trabalho. Nada mais justo que quem cuide, seja em duas pessoas, três ou uma família inteira tenha licença remunerada digna pra isso.

Mas qual foi um dos argumentos para impedir que duas mulheres em união homoafetiva tivessem direito à licença maternidade? A austeridade: segundo argumento da Procuradoria Geral da República, acatado por boa parte dos Ministros, isso sobrecarregaria a previdência social. Mais especificamente “Não criar despesas de previdência social sem previsão de receitas”. O que é engraçado quando consideramos que o mesmo tribunal não considera que referendar e endurecer a criminalização da maconha, debatida também nas últimas semanas, aumenta gastos do Estado – afinal, vigiar e punir custa muito caro.

Isso nos dá pista dos termos da disputa pela legislação de licença paternidade que precisará ocorrer até agosto de 2025, prazo limite estabelecido pelo STF para que o Congresso decida sobre essa omissão. O que nos faz considerar a hipótese de que mesmo entre conservadores, no mímimo não há disposição para se opor a ela, pois sinaliza para o apoio a algum modelo de família tradicional e, em uma esfera pública cada vez mais atenta aos direitos e vozes das mulheres, dificilmente se oporão a ela de forma aberta. Será sempre uma morosidade e oposição de forma envergonhada ou entre iguais: “quais garantias haverão ao homem provedor?”, “Homem não amamenta, talvez não precise de 180 dias como a mulher” e , por fim, “isso irá sobrecarregar a previdência social”. Essa é a deixa perfeita para a seletividade patriarcal e capitalista funcionarem: o judiciário e o restante do Estado brasileiro pode até garantir o reconhecimento formal de famílias não heterossexuais. Mas garantir condições materiais pra isso?Jamais. O homem (pai) deve dividir igualmente o trabalho do cuidado igualmente de seus filhos. Mas garantir condições materiais pra isso? Talvez não, talvez uma licença mais curra seja melhor gerar superávit primário para o pagamento de juros.

Todavia, os conservadores e capitalistas não são todo poderosos, videntes, bastiões da estratégia. Eles erram e falham, não atoa, mexer com aposentadoria e direitos previdenciários, dos quais as licenças fazem parte, é altamente antipopular. Um sinal disso é que, segundo pesquisa do Data Folha publicada em 02 de Abril de 2024, a ampliação da licença maternidade e paternidade tem, respectivamente, apoio de 83% e 76% dos brasileiros. Até mesmo entre o empresariado entrevistado, onde há o menor apoio, 68% se disseram favoráveis.

E provavelmente manterá intocado o consenso tabu da nossa seguridade social: de que só tem direito quem trabalha no mercado de trabalho formal. No caso julgado pelo STF, a outra mãe, que gestou, é uma trabalhadora informal e que não teve direiro a licença em função disto. A consequência disso também é racial, visto que pais e mães não brancos terão menos acesso ao período essencial de licença, por que estão em maiores taxas de informalidade.

Tabela retirada do Sistema SIDRA do IBGE com dados da PNAD Contínua trimestral em 2023. Nela estão os dados da taxa de informalidade no mercado de trabalho segundo a raça Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) contínua de 2023 do IBGE

Novamente, a disputa conservadora será acanhada contra a ideia de uma licença paternidade. Provavelmente, tentarão restringir de forma velada ao máximo possível por meio da austeridade – com o menor tempo e restrito aos trabalhadores formais – e de forma aberta a quem não for família, na visão deles – casais LGBTs. Se mesmo Ministros de um tribunal que foi colocado como progressista, em relação ao último governo de extrema-direita, utilizaram esse argumento de equilíbrio fiscal, o que impede dos conservadores o fazerem?

Assim, VALE MUITO a pena brigarmos coletivamente pela aprovação do Estatuto da Parentalidade (PL 1974/2021), projeto de lei dos deputados Sâmia Bonfim (PSOL) e Glauber Braga (PSOL), que defende que duas pessoas responsáveis pelos cuidados tenham direito a 180 dias de licença remunerada.

Ainda que foque em apenas duas pessoas e em trabalhadores formais, mas é uma proposta excelente e a mais radical de Licença Parental igualitária hoje e que bate nessas amarrações entre patriarcado, racismo, sexualidade e capitalismo. Infelizmente, nos falta organização parental para lutar pelo cuidado. Nessa perspectiva de tudo o que foi dito, a decisão judicial em torno dessas duas mães sobre o direito a licença mais longas não diz respeito apenas às LGBTs, mas interessa e impacta todos aqueles(as) que exercem o trabalho do cuidado ou dele dependem.

 
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from daltux

Solicitação enviada à equipe responsável pela VPN privativa de liberdade de uma universidade pública brasileira, por dificuldade de uso com cliente livre.

Desde ao menos esta manhã, ao tentar abrir conexão à VPN, como de praxe há tantos anos, utilizando vpnc, tanto do DebianSid” (mais recente possível dessa família) quanto do Ubuntu (Pro) 18.04, não há sucesso, tanto pelo usual NetworkManager com suporte a essa VPN instalado pelo pacote network-manager-vpnc-gnome, quanto tentando executar o vpnc diretamente, observando-se o seguinte registro:

vpnc: configuration response rejected:  (ISAKMP_N_ATTRIBUTES_NOT_SUPPORTED)(13)

Seguem informações do programa vpnc no Debian “sid”:

vpnc version 0.5.3+git20220927-1
Copyright (C) 2002-2006 Geoffrey Keating, Maurice Massar, others
vpnc comes with NO WARRANTY, to the extent permitted by law.
You may redistribute copies of vpnc under the terms of the GNU General
Public License.  For more information about these matters, see the files
named COPYING.
Built with certificate support.

Supported DH-Groups: nopfs dh1 dh2 dh5 dh14 dh15 dh16 dh17 dh18
Supported Hash-Methods: md5 sha1
Supported Encryptions: null des 3des aes128 aes192 aes256
Supported Auth-Methods: psk psk+xauth hybrid(rsa)

Já com o plugin OpenConnect do NetworkManager (pacote network-manager-openconnect-gnome), cujo suporte a GlobalProtect está disponível nas versões mais recentes (não na do Ubuntu 18.04), felizmente a conexão é bem-sucedida. No Debian sid, o pacote openconnect está na versão 9.12-1, enquanto no Ubuntu 18.04 disponibiliza-se 7.08-3. Segundo seu changelog, o suporte a PANGP iniciou na versão 8.0.0 do OpenConnect. Detalhes sobre o PANGP no OpenConnect também estão disponíveis.

Assim, o presente chamado é para dar notícia de que algo parece ter mudado na VPN, ontem ou hoje, que lamentavalmente não foi anunciado, tornando-a subitamente incompatível com o vpnc, e, portanto, solicitar que, sendo possível, considerem reabilitar o suporte ao mesmo, tendo em vista que é o cliente mais amplamente disponível e estável, em matéria de software livre, não privativo de liberdade, injusto e duvidoso por definição, questão que o poder público não deve esquecer, sobretudo no setor educacional. OpenConnect é, felizmente, uma opção razoável, embora menos estável, porém está disponível apenas às máquinas mais atualizadas. Por sua vez, vpnc foi utilizado com sucesso desde que a VPN foi disponibilizada pela universidade, até ontem. Caso tenha havido uma alteração dolosa e/ou seja impossível que ele volte a funcionar, protestamos diante da falta de consciência geral sobre o tema, cada vez mais grave, e que não houve anúncio, prévio ou posterior, sem permitir qualquer período de adaptação a esse tipo de alteração, direito normalmente concedido somente a usuários em regime de software privativo de liberdade.

#SoftwareLivre #VPN #InfoSec #ServiçoPúblico #universidade

 
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from Felipe Siles

Infelizmente, pra maioria das pessoas não dá pra ficar sem

O Whatsapp, do Grupo Meta, se consolidou no Brasil como um verdadeiro oligopólio em termos de aplicativos de mensagens. Quando é derrubado pela Justiça o país pára. Mesmo serviços gornamentais utilizam a plataforma, como por exemplo a ferramenta recente “Canais”. Isso sem falar nos diversos serviços que atendem pelo aplicativo.

Só pra citar dois exemplos na minha vida que foram ilustrativos do quanto o whatsapp é fundamental em coisas básicas. O plano de internet que eu uso na minha casa faz todo o atendimento ao cliente pelo whatsapp. Quer outro exemplo? Fui criar um perfil no aplicativo TOP, de transporte público da região metropolitana de São Paulo. Usei um email seguro e uma senha forte e, por alguma razão (pode ter sido também pela VPN que eu uso no celular) ele bloqueou minha conta, dizendo que não é segura. No fim das contas, sem ter acesso ao aplicativo eu só consigo comprar os QR Codes pra andar de ônibus na região metropolitana de São Paulo pelo whatsapp. Resumo da ópera: sem whatsapp eu não tenho atendimento pra minha internet e nem ando de ônibus...

Existem formas e formas de se relacionar com o aplicativo. Existem aqueles que usam para falar com amigos e família, mas existem aqueles, assim como eu, que acabam usando pra trabalho. Eu diria que uns 90% da minha comunicação de trabalho acontece pelo whatsapp. Isso sem falar nos grupos que eu faço parte, de teatro, do terreiro de culto aos orixás, todo mundo se comunica pelo whatsapp. Isso se agrava ainda mais pelo fato de eu não ter Instagram, já que percebo que as pessoas também utilizam muito a DM dele também para conversar. No meu caso vai tudo para o whatsapp mesmo.

Até utilizo o Telegram e o Element/Matrix, mas para falar com pessoas e grupos muito específicos e que normalmente são da bolha tech/dev/linux/etc. Pra mim está fora de cogitação sair do aplicativo, a não ser que aconteça uma mudança cultural nesse sentido no país. E eu acredito que se tal mudança acontecer, provavelmente vai ser pra pior como, por exemplo, o TikTok substituindo os buscadores 🤮. E, como eu disse antes, muita gente se comunica comigo por ele, pessoas pertencentes a diferentes grupos. E o fato de eu ser um músico freelancer faz também com que a maioria dos contatos de prestação de serviços ocorra por ali.

Problemas

Vou ser sincero, quem conhece meus textos sabe que eu tenho aversão à Meta, não tenho conta pessoal nem no Facebook, nem Threads e muito menos Instagram, tenho pavor desses serviços. Dito isso, acho o Whatsapp um dos aplicativos menos problemáticos da empresa. Ele entrega um mensageiro simples, intuitivo, seguro (pelo menos assim prometem), criptografado de ponta-a-ponta. Um dos grandes problemas do whatsapp aconteceria em qualquer mensageiro privado: é um campo fértil para a extrema direita trocar mensagens e disseminar suas notícias falsas sem a curadoria de um algoritmo ou uma moderação. Só pra reforçar, esse tipo de conteúdo circula também no Telegram e no Matrix, acho difícil ter controle sobre isso, o controle implicaria em quebrar a segurança do aplicativo, então fica dificil dizer o que seria pior.

O problema mais prático pra minha vida é o excesso de mensagens. Eu morro de inveja quando vejo as pessoas no metrô que conversam só com alguns amigos e uns familiares no aplicativo. No meu é mensagem do grupo de teatro, da macumba, gente me procurando pra freela, amigos, familiares, gente me pedindo dinheiro, golpe, gente me pedindo nota fiscal, enfim... tudo junto e misturado no mesmo aplicativo. Inclusive eu adoraria que o whatsapp tivesse o recurso de setorizar os contatos e grupos, e abrisse abas diferentes pra família, trabalho e amigos, por exemplo, seria ótimo! Mas enquanto esse recurso não chega, vou explicando como vou me virando pra usar a ferramenta sem ficar soterrado no fluxo insano de mensagens.

Corro do fluxo de mensagens rápidas e curtas como o diabo foge da cruz

Eu acho que essa é a maior armadilha pra perder tempo no whatsapp: entrar no fluxo de mensagens curtas e rápidas.

oi oi tudo bem? tudo bem e vc?

Eu corro desse tipo de diálogo como o diabo foge da cruz, porque esse é o comportamento que mais faz a gente perder muito tempo no whatsapp. Quando eu percebo que alguém quer conversar comigo nesse fluxo eu simplesmente dou uma ignorada e demoro propositalmente para responder, pra não engatar o fluxo. Outra opção é dar uma resposta gigantesca pra pessoa, que também ajuda a interromper o fluxo, ou ela não vai responder, ou vai responder também com uma resposta gigantesca, que vai exigir mais tempo e reflexão, interrompendo o fluxo curto. E outra opção, quando percebo que um amigo muito próximo quer entrar nesse tipo de fluxo é ligar, tenho preferido falar com a pessoa no telefone do que ficar ali horas no chat.

Whatsapp Web

A minha forma preferida de utilizar o whatsapp é pelo computador. Utilizo um aplicativo chamado Ferdium, que é uma espécie de navegador dedicado apenas a mensageiros. Uso o Ferdium com Whatsapp, Telegram e Matrix. Eu gosto de fazer assim porque no meu caso responder whatsapp é TRABALHO, mesmo quando estou falando com amigos e família. Nem todo trabalho é remunerado, só pra citar um exemplo, limpar a própria casa é trabalho, mas não necessariamente remunerado. Então, como se trata de TRABALHO, eu gosto de fazer no computador, porque já tenho uma relação estabelecida com ele: se eu ligo o notebook é para trabalhar (inclusive eu não o uso para lazer, prefiro videogame, tv box, entre outras coisas para o entretenimento). Eu gosto dessa separação porque uma das armadilhas da vida moderna é justamente diluir essa fronteira entre o trabalho e as outras áreas da vida, e assumir essa tarefa como trabalho ajuda nessa clareza e separação, inclusive de melhores aparelhos.

No mundo ideal, eu gostaria de reservar apenas 1 hora do meu dia, sentar na frente do computador, abrir o Ferdium e responder todas as mensagens, e só voltar a ver mensagens no dia seguinte. Na prática, existem situações onde preciso ficar esperto com a chegada de uma mensagem, então acabo deixando o Ferdium ligado (com notificações) enquanto faço outras tarefas. Odeio, porque costuma tirar a concentração do que estou fazendo (principalmente a galera do fluxo rápido e curto), mas existem situações que não me dão muita opção. Inclusive a maioria das pessoas, pelo menos no Brasil, ficam com o nariz enfiado no celular o dia inteiro e subentendem que todas as outras fazem o mesmo. Ou então deixam habilitadas as infernais notificações (com som ainda pra ficar mais pavloviano) e acham que todos fazem da mesma forma. Só pra citar exemplos: eu tenho amigos que quando vão na minha casa nem chamam mais, nem tocam a campainha, avisam que chegaram pelo whatsapp, aí infelizmente eu preciso ficar meio de olho, senão nem fico sabendo que a pessoa está na frente da minha própria casa. Mas dito isso, tenho tentado separar essas situações específicas (que infelizmente estão se tornando cada vez mais frequentes) e me focado a manter o hábito de 1 hora de mensageiros por dia, e só.

Meu whatsapp oculto no celular

Eu ocultei o ícone do whatsapp no celular, porque percebi que ficava tentado a olhar várias vezes, e isso me deixava ansioso, principalmente se estava esperando a resposta de alguém. Dificultar um pouco o acesso me fez acessar o aplicativo só quando realmente preciso enviar alguma mensagem importante. Ah, e obviamente o meu whatsapp está com as notificações desabilitadas no celular, assim como a maioria dos aplicativos com poucas exceções.

Outras configurações

Eu gosto de desabilitar o download automático de mídia, porque isso faz com que a sua memória vá embora muito rápido. Eu evito ao máximo abrir as mídias no celular, justamente pra não ficar ocupando memória do aparelho (ou tendo que apagar depois pra livrar a memória). Prefiro ver todas as mídias no computador, sempre que possível.

Também deixo habilitada a opção de auto-apagar mensagens depois de um tempo, já que antes de existir essa configuração eu já fazia essa limpeza manualmente de tempos em tempos. Não gosto de usar whatsapp como nuvem ou como backup, eu não acho que ele seja muito confiável pra isso. Prefiro usar aplicativos de anotações pra guardar informações importantes, e deixar o whatsapp, telegram e cia só pra comunicação mesmo. Então essa história de grupo comigo mesmo, que um monte de gente usa, acho um convite pra você perder as suas coisas, zero confiável. Fora que quando você quiser acessar essas informações vai ter que abrir o mesmo aplicativo que vai ter um monte de mensagens pra te distrair. Enfim, sei que muita gente faz isso, mas não recomendo essa prática, de forma alguma.

Outra configuração marota que eu faço, e não sei mais viver sem é usar o Whatsapp como se fosse um email, arquivando as mensagens já lidas. Aprendi essa técnica no site do Manual do Usuário e achei uma abordagem muito boa, que deixa a caixa de entrada limpa. Como eu sou praticamente uma Marie Kondo digital, minha alma agradece, depois de passar 1 hora respondendo as pessoas de ver a caixa de entrada simplesmente VAZIA, com todas as mensagens lidas arquivadas. Qualidade de vida!!!

Por último, eu não suporto os stories do Whatsapp, se eu quisesse esse recurso estaria no Instagram. Então eu silencio manualmente, um a um, de cada contato. Um pouco trabalhoso, mas vale a pena. No Telegram, eu uso o Forkgram para desabilitar os stories, já que o aplicativo não possui essa opção nativamente.

Minha ética particular no mensageiro

Eu participo de grupos profissionais, ou relativos ao meu doutorado e coletivos que eu integro. Evito ao máximo grupos de piadas, de lazer, do bairro, da família, não estou em nada disso. Mesmo grupos de trabalho, estudo e coletivos, eu faço uma limpa de tempos em tempos nos grupos inativos.

Outra coisa, eu considero 24 horas um bom prazo para alguém responder uma mensagem. Então não cobro de ninguém, nem de mim mesmo, uma resposta antes desse prazo. Eu acho que esse prazo até poderia ser maior, mas infelizmente sabemos que o fluxo de mensagens se tornou tão rápido que demorar mais de 24 horas faz com que cheguem tantas mensagens que você corra o risco de protelar ou procrastinar demais a resposta, e é capaz que você acabe nem respondendo. Por isso acho a regra das 24 horas bem razoável, dado o contexto.

Por fim, odeio de verdade quando alguém não me responde. Acho um profundo desrespeito. Não ligo se a pessoa demorar pra responder, mas não responder eu vejo como um comportamento tóxico, independente da intenção. Enfim, uma questão minha, talvez até pra psicanálise. Mas digamos... se eu falasse com alguém na rua “bom dia” e essa pessoa não me respondesse isso seria tratado como falta de educação. Eu não entendo porque nos mensageiros, pela questão assíncrona, essa falta de resposta acabe naturalizada, normalizada, não consigo aceitar isso de maneira nenhuma. Mas, infelizmente, eu percebo que existem as pessoas que esquecem de responder (na maioria das vezes por desleixo, desorganização, desatenção ou simplesmente não dar conta), e pra elas eu evito mandar mensagens que precisam de resposta (até pra evitar meu próprio sofrimento) e tenho preferido ligar direto.

Conclusão

Eu odeio ter que depender do Whatsapp, mas moro num país onde 98% da população usa essa ferramenta. Até entendo que tem gente que consegue ficar sem usar, convence os contatos mais próximos a migrar pro Telegram, Signal, XMPP, Matrix, sei lá...

Eu mesmo já fui a pessoa que ficava convencendo geral a usar o Telegram, mas depois desse episódio aqui eu simplesmente perdi a coragem de cobrar isso de alguém.

Na minha dinâmica de vida, onde me relaciono com muitas, muitas (muitas mesmo) pessoas, levar todo mundo pro Matrix, XMPP, Signal ou pro raio que o parta torna-se praticamente inviável. Ceder faz parte de guerrear. Dentro dessa dinâmica possível, tenho tentado, às vezes com maior ou menor sucesso, fazer um uso mais saudável da plataforma, evitando ao máximo perder o meu tempo de vida precioso nela, minutos valiosos que eu poderia usar cozinhando, brincando com meus cachorros, encontrando amigos pessoalmente, dando uma volta na praça, lendo um bom livro, bom... você entendeu.

 
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