Attack on Titan é propaganda fascista
Pense comigo nessa sinopse por um segundo:
Temos um povo que vive numa ilha, os “Eldianos”. Eles são descendentes de um império antigo que caiu em desgraça, donos de uma linhagem “mítica” com um passado glorioso. Esse povo se vê completamente ameaçado pelo resto do mundo, pelo continente, que tem mais gente e guarda um ressentimento profundo pela opressão que sofreu nas mãos desses antigos mestres.
A única “opção” que lhes resta é se submeter, aceitar pacificamente seu destino e desaparecer numa espécie de autodestruição demográfica.
SÓ QUE... um grupo de jovens militares não aceita isso. Eles decidem que a melhor defesa é o ataque. E eles partem para cima primeiro, num espetáculo de destruição total, para dar ao povo da ilha uma chance de derrotar seus inimigos e, quem sabe, restaurar a antiga glória do império.
Se essa descrição soou familiar, talvez até um pouco... desconfortável, é porque ela deveria. Para mim, a coisa é bem evidente: Attack on Titan é, na sua essência, propaganda fascista.
Vamos ponto a ponto:
A “ameaça” externa é 100% real. O mundo realmente quer destruir Eldia. A ameaça é iminente, total e genocida. Esse é um tropo clássico da retórica fascista: “somos nós contra o mundo, eles querem nos aniquilar”. A grande diferença é que, na vida real, essa ameaça é quase sempre inventada ou grosseiramente exagerada para justificar o autoritarismo. Em AoT, a ameaça é real, o que justifica a paranoia e as medidas extremas que vêm a seguir.
O genocídio como solução “viável”. O “Rugido da Terra”. O plano de Eren não é só uma loucura, ele é apresentado como uma opção estratégica. E pior: uma que funciona. O genocídio coloca Eldia não apenas em segurança, mas no caminho para se tornar a potência hegemônica mundial, provavelmente sob um novo regime fascista e militarista. A obra normaliza o ato mais extremo de todos como uma “escolha difícil”.
Quem é o verdadeiro protagonista? Pense nos personagens “anti-fascistas” da série, a galera da Aliança (Armin, Mikasa, Levi, Jean, Connie, etc.) que tenta desesperadamente impedir o genocídio. Eles são retratados como ingênuos, idealistas e, no fim, são meros coadjuvantes na grande jogada. O verdadeiro protagonista, o motor da história, o cara cujas motivações entendemos... é o Eren. O cara que dá o golpe e comete o genocídio.
Eren, o Messias Fascista (e sua redenção). O Eren não é só um vilão. Ele é construído como um messias trágico. Ele “faz o que precisa ser feito” pelo seu povo, sacrificando a própria alma. E mesmo depois do ato mais monstruoso que se pode imaginar, a história gasta um tempo enorme para humanizar suas motivações e “redimi-lo” aos olhos dos amigos (e do público). Ele acaba como um herói incompreendido, não como o maior genocida da história.
Mas o que realmente me faz torcer o nariz e acende todos os alertas é o contexto.
Aquele parágrafo inicial que eu escrevi não é só sobre Attack on Titan. É um retrato bem fiel do imaginário da extrema-direita japonesa.
O Japão, como país, tem uma dificuldade enorme de lidar com seu passado fascista e imperialista da Segunda Guerra Mundial. O ensino de história por lá é, para ser gentil, negligente com os crimes de guerra e as atrocidades cometidas pelo Império. E hoje, existe um movimento crescente de uma extrema-direita nacionalista que adoraria “recuperar” esse passado militarista, que vê o Japão como uma vítima e que sonha com a restauração de sua “antiga glória”.
Nesse cenário, uma história como Attack on Titan — sobre um povo “injustiçado” que mora numa ilha e precisa de um exército forte e de um líder disposto a tudo para se proteger do mundo ressentido e restaurar sua glória — ressoa com ideias que são, no mínimo, muito, muito perigosas.
Enfim, não estou aqui para dizer que você é fascista por gostar de Attack on Titan. A arte é complexa, a animação é espetacular, os personagens são cativantes e a trama é viciante. Eu mesmo acompanhei por anos.
Mas, para mim, é impossível fechar os olhos para a mensagem política que está gritando na nossa cara. A gente pode (e deve) curtir uma obra, mas sem nunca, jamais, desligar o senso crítico.
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