6 meses de vida e a urgência da Licença Parental
Você sabe quantas horas por dia se gasta para amamentar um bebê? E arrotar, cochilar, dormir? Um pouco das razões de ser absurdo uma licença paternidade de 5 dias
Coruja buraqueira na pracinha. Na época da foto, brava e gritando com as pessoas por que tinha dado cria recentemente
Semana passada nossa filha fez 6 meses de vida. E sem a licença parentalidade de 6 meses que conquistamos no Programa de Pós-Graduação de Ciência Política da UnB, teria sido absurdamente mais exaustivo para nós, para minha companheira, para nossa família e para nossa filha. Esse é o período recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para que a alimentação do bebê seja exclusivamente de leite materno. Além do contato pele a pele, que estimula e acalma a criança, o aleitamento garante mais saúde pois passa os anticorpos – até mesmo de vacinas – e é um alimento supernutritivo para a criança.
Mas sabe quantas horas por dia se gasta com um bebê para que isso seja possível? E todas as outras necessidades, quanto tempo duram? Odeio essa exposição, mas vou contar um relato pessoal por que muitas pessoas que não convivem ou conviveram com bebês e crianças, em especial homens como eu, não tem a mínima ideia do quão trabalhoso é manter um recém nascido vivo.
NAS PRIMEIRAS SEMANAS DE VIDA:
O bebê ainda está aprendendo a mamar, por isso passa muito tempo mamando. Várias vezes, foram 40 minutos para nossa filha estar satisfeita. Depois disso, ela ainda não sabe arrotar ou mesmo tossir para se desengasgar. Então são mais 20 minutos para que a criança arrote, no ombro ou na vertical com nosso apoio. Por dia são, em média 10 a 12 mamadas. Se apenas a mulher ou a pessoa que amamenta também for a responsável por colocar a criança para arrotar, são
12 horas por dia apenas mamando.
NOS PRIMEIROS TRÊS MESES:
Depois melhora um pouco, piora um pouco. Sendo otimista, são em torno de 7 a 10 mamadas por dia e elas duram 20 minutos, mais os 20 minutos arrotando. Só aqui, quando tudo vai bem são mais
4 horas e meia do seu dia .
Mas além disso, a criança precisa cochilar durante o dia para dormir bem a noite, evitando uma noite estressante em que precisemos acordar de uma em uma hora e em que tranquilize apenas mamando. E descansar é essencial para a pessoa que amamenta conseguir produzir leite. A criança precisa cochilar em torno de 3 a 5 horas POR DIA e algumas só cochilam mamando ou no colo depois de balançar por em média 20 minutos. São pelo menos mais 3 horas.
São quase sete horas ao todo que o bebê pode acabar passando só no braço.
ENTRE OS 3 E 6 MESES
As mamadas melhoram, são mais rápidas. Mas a partir dos três meses a criança passa a perceber tudo ao seu redor. Então os cochilos dela são mais difíceis, por que ela distrai com tudo. E novamente, para produzir leite a pessoa que amamenta precisa também conseguir descansar. Se o bebê não cochila? Bom, a noite ele provavelmente não dorme direito, logo quem amamenta também não dorme e pode ter mais dificuldade ainda para amamentar.
O bebê passa intervalos de tempo maiores sem mamar. A cada duas ou três horas durante 10 a 20 minutos. Só isso, já dá em torno de 2h30min por dia apenas no peito. E, como dito, cochilar também é essencial: nessa idade precisam de 3 a 5 horas de cochilos diurnos. São pelo menos cinco horas por dia com a criança no colo.
Casa de João de Barro em um poste. Um ninho de um pássaro mais tranquilo, mas que perdeu a tranquilidade no diabo do poste
O dia tem 24 horas?
Narro tudo isso a partir de uma dedicação bem objetiva, que é a quantidade de horas. Foram 180 dias em que a nossa filha precisava entre 5 horas de colo por dia, nos melhores momentos, a 12 horas por dia, nos momentos mais difíceis .
Nessa conta não considerei outras tantas horas que a mãe ou pessoa que amamenta pode precisar passar ordenhando leite para ter um estoque de leite, caso precise ter qualquer outra obrigação normal de uma pessoa adulta que lhe impeça de estar longe da filha por algumas poucas horas. Não considerei que a mãe ou pessoa que amamenta precisa se alimentar bem, beber uma quantidade enorme de água, urinar, defecar, tomar banho e viver em um lugar minimamente organizado e limpo para passar por esse momento caótico que é o puerpério.
Aliás, não considerei uma coisa básica do trabalho de cuidar de um bebê pequeno: tem toda a parte subjetiva de como está nossa cabeça, o zelo, os medos, o morrer de amores, as oscilações de humor, as pressões e o julgamento constante de tudo ao seu redor. São muitas outras horas do seu dia que você passará tentando entender quem é você no meio de tudo isso – e se você é um pai que cuida igual, também passará por isso.
Aqui em casa somos muito fechados com Silvia Federici. Mas desde que soubemos da gravidez, o tanto que a gente já chorou de exaustão é o mesmo tanto que a gente ama nossa filha. Viver na contradição tem dessas coisas
A licença parental radical ou licença de cuidado
Como o dia tem apenas 24 horas por dia, obviamente é completamente insustentável amamentar e cuidar sozinha. Eu honestamente não sei como trabalhadoras informais sem direito à licença-maternidade, mães solo e sem rede de apoio dão conta. Provavelmente não dão, mas o sofrimento nesse período da vida é tão naturalizado e normalizado que ninguém se importa. Mesmo que se opte por dar fórmula por falta de tempo, exaustão ou isolamento, há todas as outras coisas que precisam ser feitas.
Hoje em dia a licença paternidade não existe, a não ser que você considere que em 5 dias você pode cuidar plenamente do seu bebê que acabou de vir ao mundo, acompanhar seu desenvolvimento, ser pai e aliviar sua companheira que amamenta.
Mesmo algumas instituições do Estado já reconhecem a necessidade de criar um licença real, como sinalizou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) obrigando que em até 18 meses o congresso estenda e decida sobre a licença paternidade. Até alguns capitalistas e seus gestores progressistas já reconheceram essa urgência e aderiram à Coalizão Licença Paternidade (COPAI). Nesse sentido também é que vai o Projeto de Lei 1974/2021 das deputadas Sâmia Bonfim e Glauber Braga, que criam a licença parentalidade remunerada por 180 dias para duas pessoas responsáveis pela criança.
Mesmo que a Licença seja estendida, devíamos ir até além. Por que é a coisa mais comum do mundo que quando nasce um bebê, as avós e as tias se desdobrem para cuidar também. Ou seja, dois adultos sozinhos não são suficientes para cuidar de um bebê de uma forma digna e não exaustiva. Todas as pessoas que se desdobram pra tocar o trabalho de cuidar de um bebê em suas famílias estendidas, não tradicionais, LGBTs e que fogem à família monogâmica nuclear – papai, mamãe, criança e cachorro – deveriam ter direito a 180 dias de licença remunerada – sejam elas empregadas formalmente ou não.
Esse é um passo essencial para que as mulheres não precisem se sobrecarregar com 12 horas ou mais do seu dia para o trabalho de cuidar. E nós, homens, temos feito muito pouco nessa briga coletiva para cuidar que deveria nos mobilizar tanto quanto todas as outras lutas coletivas. Que a briga por uma licença parentalidade digna seja um primeiro passo para isso.
Ao contrário do que dizem os capitalistas e os conservadores, que “macho” já é biologicamente predisposto a não cuidar, na natureza o cavalo-marinho “macho” “engravida”. Como será que os conservadores vão reagir quando souberem que homens podem amamentar?