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from Felipe Siles

Esse é um texto bem com cara de final de ano. Afinal, vem o recesso e a maioria dos trabalhadores pode ter um pouco mais de tempo livre, descanso e muitos aproveitam para fazer andar a fila de filmes e séries. Não sou diferente, e apesar de ainda estar trabalhando, por conta da minha vida de profissional autônomo, tenho utilizado essa quebra na minha rotina normal para fazer testes, reflexões, consolidações e ajustes na maneira como eu escolho meu entretenimento audiovisual.

Mas Siles, que chatice! Precisa ser organizado até nisso? Não é só sentar na TV, relaxar e assistir o que quiser? Pode ser, se funciona assim pra você, ótimo! Mas eu acho que se a gente não precisasse de curadoria, não haveriam algoritmos de streamings e redes sociais nos entupindo de sugestões de filmes e séries. Quem conhece bem este blogue, já sacou que eu sou bem avesso a esses algoritmos e sua propaganda, acredito que cada sujeito ou grupo social deveria exercitar investigar o que realmente gosta de consumir, procurando se alienar dessa publicidade (na medida do possível) com o objetivo de auto-conhecimento, auto-descoberta e qualidade de vida, que realmente nos faça descansar do trabalho, e não gere ainda mais ansiedade. Fazendo um paralelo com alimentação, nunca vi propaganda na televisão de alimentos orgânicos, mas apesar disso eles são a parte principal da minha alimentação há muitos anos.

No sentido de evitar a ansiedade, eu sigo alguns princípios, que funcionam para mim. Podem não funcionar para você, mas isso aqui não é um guia ou manual da coisa certa a se fazer, apenas um relato pessoal da experiência que funciona para mim, e aproveite o quanto esse relato for útil para você. Minhas regras, por um entretenimento menos ansioso, são:

  • Prefiro me alienar de lançamentos e de hypes, com exceção de quando tenho a oportunidade de ir ao cinema, porque aí vou inevitavelmente assistir algo que está em cartaz. Mas dentro da minha casa, na frente da minha televisão, tento ao máximo ignorar o que todo mundo tá vendo, afinal sou um radical daquela regra da mamãe: “você não é todo mundo”;
  • Proibido mexer no celular ou em qualquer aparelho digital enquanto assisto um filme, série, etc;
  • O horário de televisão, assim como sua duração é pré estabelecido dentro da minha rotina;
  • Menos é mais, melhor ver poucas coisas e se divertir com elas do que tentar dar conta de várias e ficar perdido, ansioso e entediado, ou ficar criando listas e metas intermináveis e depois lidar com auto-cobrança.

A última regra e uma opinião muito impopular: pessoalmente, evito as séries. Na minha opinião elas são produtos meramente comerciais e sua explosão e popularização só se justifica na necessidade dos serviços de streaming demandarem produtos que vão prender o usuário na assinatura. No meu caso, um trabalhador com tempo livre escasso, as séries além de consumir muito tempo livre, ainda geram um nível de ansiedade, já que elas são produzidas para viciar e provocar a maratona. E sou uma pessoa que valoriza a rotina, as 8 horas de sono, as refeições no horário correto (as minhas costumam ser acompanhadas de um podcast), então dispenso esse formato de entretenimento. E tem uma pitada de old school e saudosismo também, ainda acho que a sétima arte, o cinema, os filmes, ainda é uma forma de entretenimento superior, seja lá o que isso queira dizer.

Substituto as séries por animes, que em geral são ótimos produtos culturais, com duração bem mais curta dos episódios. Enquanto uma série em geral tem episódios de cerca de 1 hora, um anime dificilmente chega a 30 minutos. Ou seja, ao invés de assistir dois episódios de uma série, eu prefiro assistir um filme (ou seja, uma história com começo, meio e fim, pelo menos assim espero rs), ou então 4 episódios de anime (animes diferentes, ou o mesmo anime, se eu estiver maratonando).

Outro detalhe interessante, com essa coisa de diversos streamings irem reduzindo o compartilhamento de assinaturas, fui deixando diversos serviços e atualmente assino apenas dois, que me contemplam bem (Max e Telecine), e compartilho a senha do Crunchyroll, assinado pelo meu irmão. Para as coisas que eu gosto de assistir essas assinaturas são suficientes. E se tiver algum produto cultural que eu queira muito ver, que esteja em outro serviços, sempre existem meios de assistir, se é que você me entende...

Contextualizado o meu gosto pessoal, minhas regras, vamos a como eu monto a minha curadoria:

  • Animes: acabo escolhendo por recomendações de amigos mesmo, esse é um assunto que eu sempre converso em determinadas rodas de amizades. Gosto de acompanhar alguns que ainda estão sendo produzidos, assistindo semanalmente o episódio novo. Gosto muito mais dessa forma de consumir do que as maratonas, acho mais gostoso e menos ansioso assistir desse jeito. Mas não posso negar que às vezes gosto de maratonar um anime, quando ele me pega muito. Vou acompanhando esses que estão sendo produzidos na atualidade uma vez por semana, e também pego um mais “antigo” para ir assistindo aos poucos. Esse “antigo” eu gosto de pegar bem os clássicos mesmo, consagrados pelo gênero e assisto um de cada vez, no máximo dois, não gosto de conciliar vários. Outra coisa, eu evito deixar a “lista de favoritos” muito grande, deixo só os novos que estou acompanhando, e o(s) “antigo(s)”, e quando termino de ver o(s) “antigo(s)”, tiro ele da lista. Atualmente estou considerando como ideal assistir no máximo 4 episódios de anime por dia, e se for futuramente mexer nesse número será para diminuir, e não aumentar;

  • Filmes: eu odeio aquela sensação de indecisão ao escolher um filme. Então já salvo vários que quero assistir na famosa “minha lista” e gosto de definir algum critério para a sequência que vou assistir. Exemplos: todos os filmes do Studio Ghibli (ou de outro estúdio), todos os filmes do Spike Lee (ou de outro diretor), filmes biográficos, filmes com um ator específico, filmes de um gênero específico, todos os filmes de uma trilogia ou coleção, etc. Esse tipo de critério ajuda muito na escolha do filme que vou assistir, já que a escolha é um processo cansativo para o cérebro e a ideia é relaxar e se divertir. E é legal que você fica no clima de um determinado tipo de filme. Por exemplo, assisti na sequência filmes biográficos sobre Pixinguinha e Elis Regina, foi uma experiência interessante e acabei traçando mentalmente diversos paralelos entre essas duas produções. Se nos animes eu evito a “minha lista” muito longa, aqui vou simplesmente adicionando tudo que quero ver, sem muito filtro, mas também não me cobro pra ver tudo num prazo específico, apenas penso nesse monte de filme como se fosse a minha locadora pessoal (essa só o pessoal dos anos 1980 e 1990 vai pegar a referência kkkk).

Outra coisa que acho legal é produzir um registro das coisas que assisto. Tenho utilizado as plataformas Justwatch e Letterboxd para isso. E elas também são muito úteis para descobrir em qual serviço de streaming está algum produto cultural que eu queira ver. Se você quiser me seguir no Letterboxd.

Mais uma coisa: eu não sou dessas pessoas que acha que todo entretenimento tem que ser “cult”, tem que levar à reflexão, etc. tem horas que eu amo assistir um filme de porrada para desligar o cérebro mesmo, viva o escapismo! Mas trocar a realidade dura de trabalhador no capitalismo tardio por um entretenimento raso 100% do tempo, é algo que eu evito também, então tento minimamente equilibrar. Normalmente eu gosto de assistir as coisas mais rasas durante a semana, depois de um dia cansativo de trabalho e deixar a arte mais profunda, “cult”, nobre, etc para os feriados e finais de semana.

Última coisa, prometo: não precisamos ocupar todo o tempo livre também, com filmes, séries, leituras, podcasts, músicas, passeios... o ócio também faz parte da vida, e lidar com ele tem sido um desafio na conteporaneidade, mas penso que valha a pena encará-lo, em nome de uma vida melhor.

Bom descanso, e bom entretenimento!

 
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from yuribravos

Eu dirijo há mais de uma década. Nunca me envolvi em nenhum acidente sério, embora tenha tido uma ou outra batida de leve, sem danos além dos materiais.

Tirei a carteira de moto depois que casei, pois só tinha uma vaga e não cabiam dois carros. A primeira coisa que me deixou abismado com a motoescola é o fato — completamente aberrante, mas encarado como normal — de não ter aulas práticas no trânsito.

Tudo que te ensinam é se equilibrar sobre a moto e andar na primeira marcha. Nem ensinam a passar as marchas. Isso fica para o motociclista descobrir sozinho no meio da rua. Daí entendi porque há tantos motociclistas que dirigem de forma imprudente e sem noção: eles não foram ensinados a trafegar no meio de outros veículos.

Dito isso, eu já tinha mais de dez anos de prática no volante quando tirei a carteira de moto, então sempre dirigi de forma prudente. De forma correta. Até que, outro dia, tentaram me matar.


Eu também ando de bicicleta. Já andei mais. Por duas vezes fui derrubado por motoristas de carro que ignoraram qualquer regra básica de trânsito como preferênciais. Um deles fugiu, a outra se comprometeu a pagar pelo menos o conserto da minha bicicleta. Em ambos os casos a coisa me pareceu mais desatenção que qualquer outra coisa.

Uma desatenção, é óbvio, pavimentada sobre a percepção que a rua pertence aos carros e que, portanto, tudo mais deve parar e esperar que façam o que bem entenderem.

Nenhuma desculpa para o carrocentrismo das nossas vias urbanas.


Voltava do meu treino, pelo caminho que sempre faço. Tinha passado no mercado pra comprar algo para preparar a janta. No meu caminho, eu dobro à esquerda num entroncamento entre duas avenidas. A pista da direita também é bem comprometida, o que me faz, normalmente, seguir na pista da esquerda por 4 ou 5 quarteirões antes de dobrar no tal entroncamento.

O que não deveria ser um problema, já que vou rodando na velocidade máxima da via, 50km/h. Idealmente ninguém deveria fazer ultrapassagens se seguimos na velocidade máxima. Ainda mais depois das 20h, quando sequer tem trânsito pesado.

Pois bem, nesse dia eu seguia na faixa da esquerda, faltavam 3 quarteirões para virar. Notei, pelo retrovisor, um carro vindo em alta velocidade. Deu sinal de luz, buzinou. Fiz um gesto para que ele seguisse pela direita que estava completamente livre, afinal, logo mais eu iria virar à esquerda.

O motorista assim o fez, mas jogou o carro para cima de mim. Não passou perto o bastante para ser um problema. Não acelerei, apesar de tê-lo xingado mentalmente, e deixei o infeliz seguir seu caminho. Não fiz qualquer gesto agressivo.

Acontece que, como todos sabemos, correr é um auto-engano. Quando chegou no sinal do entroncamento e eu segui para o espaço de espera dos motociclistas, que fica à frente dos carros, acabei passando esse mesmo motorista, que esperava na fila da esquerda. Não fiz nenhum gesto, não alterei a velocidade, apenas segui meu caminho. Parei no mesmo sinal que ele.

O assassino saiu da fila, passou para a direita, parou o carro do meu lado. Baixou o vidro e começou a gritar sobre como eu precisava aprender a dirigir. Não respondi nada, não esbocei reações. O sinal abriu. Saí com minha moto. E pela segunda vez o assassino jogou o carro para cima de mim, dessa vez, encostando.

A sorte é que estava em baixa velocidade. Não cheguei a cair, embora tenha danificado minha moto. Ele fugiu, certo da impunidade.

Fiquei incrédulo. Respirei fundo. A moto ainda funcionava. Segui para casa. Botei uma braçadeira pra segurar a carenagem da moto enquanto não consertava. Registrei um boletim de ocorrência. No dia seguinte, fui à autarquia municipal de trânsito solicitar as filmagens das câmeras. Pois, talvez ele não sabia, mas aquele cruzamento é videomonitorado 24h. Abri o processo de solicitação e aguardei. Quase vinte dias depois, recebi as filmagens.

Infelizmente as instituições não funcionaram: as filmagens pegam exatamente o momento, mas é impossível identificar a placa do carro. A qualidade da imagem é péssima para esse tipo de detalhe.

Ainda assim, se você souber maneiras de melhorar a nitidez de uma filmagem de forma quase mágica, estou aberto a sugestões.


Depois disso, pela primeira vez na vida — as benesses das minhas circunstâncias — fiquei receoso de me locomover na cidade. Pois é evidente que aquele motorista queria me matar. Ele não tinha nenhum motivo para isso, mas queria.

Outro dia, voltando do trabalho 17h, vi uma outra pessoa com um carro grande — evidentemente — dirigindo numa velocidade absurda para as vias coletoras que faziam aquele caminho. O trânsito nem estava caótico, seguia normal. Mas a pessoa dirigia com clara sede de sangue. Quem ela queria matar?

Não sei. Espero que não seja eu, que fiz tudo direitinho, sem fazer mal a ninguém, e ainda assim, virei alvo de matador.

 
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from Felipe Siles

Obs.: em geral, não estou considerando aplicativos muito básicos, como relógio, calendário, chamadas, calculadora, loja de aplicativos, etc, normalmente uso o nativo

1. Smartphone com Android

  • Tocadores: AntennaPod, Transistor, VLC, Tidal, NewPipe
  • Mapas e navegação: Google Maps, Moovit,
  • Nuvens e sincronização: IDrive, Nextcloud, DAVx5
  • Mensagens: Beeper
  • Bloco de notas: Joplin
  • Navegador: Firefox Focus
  • Passivos: TC Control, Screen Time
  • Launcher: Smart Launcher
  • Senhas e autenticação: KeePass, Ente Auth P.S.: vários desses aplicativos foram instalados via F-Droid

2. Tablet com IOS, vulgo iPad

  • Nativos Apple: Safari, Email, Calendário
  • Leitura: Omnivore (deus o tenha), Zotero, PDF Gear
  • Notas: Joplin
  • Nuvens e sincronização: IDrive, Nextcloud
  • Nas aulas de música que leciono: Musescore, Metronomo, iGrand Piano, iReal Pro
  • Mensagens: Beeper
  • Entretenimento: Lichess, Sofascore, JustWatch, Letterboxd
  • Senhas e autenticação: KeePass, Ente Auth

3. Computadores com Linux

(Notebook com Manjaro; PC de gabinete com Debian) – E-mails e calendário: Thunderbird – Navegador: Firefox – Mensagens: Ferdium – Nuvens e sincronização: IDrive, Nextcloud – Notas: Joplin – Pacotes de escritório: Libre Office, Only Office – Produção musical: Musescore, Audacity, Ardour – Senhas e autenticação: KeePass, Ente Auth – Tocadores: VLC, FreeTube – Gestão de textos e livros: Zotero, Calibre

4. Projeções para 2025

Quero começar a usar mais o Syncthing, até pra aliviar meu uso de nuvens, que é meio pesado. Para substituir o finado Omnivore, migrei para o Pocket. Também quero me tornar mais analógico, em 2024 já substitui aplicativos de tarefas que usava pelo bom e velho caderninho físico, utilizando o método do Bullet Journal, vamos ver o que 2025 me reserva, nesse sentido. E sempre estou aberto a testar e eventualmente incorporar na minha rotina novos aplicativos, preferencialmente livres e de código aberto.

 
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from vereda

O compartilhamento deste texto é permitido segundo a licença CC BY-ND 4.0.

Tags: #Militância #Pessoal #Neurodivergência

Introdução

Faz 4 meses que abandonei a Força Esperança. Nesse período passei por um mergulho em profunda depressão, mas hoje, estando em clara tendência de deixar os dias assustadores para trás, posso reavaliar a minha relação com a FE.

Não sabe o que é a Força Esperança? Leia meu texto Desfiliação.

Esse texto é um resgate de coisas que já falei antes, mas com um olhar mais analítico permitido pela maior tranquilidade emocional, afim de processar o que ocorreu comigo. Na última seção vou além do retorno ao passado e traço caminhos para o futuro. Tenha em mente que esse ainda assim é um relato subjetivo, que não leva em consideração as versões das diferentes pessoas envolvidas.

Começo

Começando do começo, eu vinha tratando um quadro depressivo-ansioso desde o começo de 2021, fruto da pressão no trabalho, mas com remédio e terapia estava estável. Mesmo com esse suporte, eu adoeci pra valer em 2023. O diagnóstico oficial foi de transtorno misto ansioso e depressivo (F41.2) combinado com esgotamento (Z73.0). Na época, o esgotamento parecia se sobressair. Eu estava exausta para tudo. Pensei que nunca mais fosse conseguir voltar a trabalhar com o rendimento que eu antes tinha. E, passado mais de 1 ano deste colapso, apesar de grande melhora, posso dizer que ainda não recuperei a energia e estabilidade que eu tinha antes.

Necessário pontuar que a piora do meu quadro coincidiu com o momento em que passei a ser contabilizada para a cota PcD no trabalho, e discriminada como tal, porém sem obter adaptações razoáveis nos termos da lei. Esse tratamento diferenciado, combinado com o pessimismo sobre a estagnação de carreira de uma PcD, minou a minha autoestima.

Foi também por volta desse momento que conhecidos me falaram de um tal de comunismo na Internet. Achei que seria algo tosco, mas fui aos poucos sendo convencida pela dialética materialista e a revolta foi me radicalizando. Me convenci que eu não teria chance de lutar sozinha e que precisaria me organizar. Me aproximei da FE, comecei a estudar e a participar das atividades.

Desde o começo esclareci a minha situação: eu estava adoecida pelo esgotamento e em recuperação. Minha coordenação compreendia que por causa disso eu não poderia participar de todas as atividades, mas isso não impediu que eu fosse estimulada a me envolver cada vez mais: mais participação em brigadas de venda de jornal, mais cotas individuais de jornal para vender, mais participação em atos e atividades de finanças, mais estudo e apresentação. Minha coordenação me disse que era o papel dela me estimular a fazer cada vez mais. Afinal, os comunistas praticam a profissionalização do trabalho de militância e nisso a FE era exemplar, mas havia um óbvio problema: Eu não estava em plenas condições de trabalhar.

Eu errei em ceder a esse estimulo. É parte do quadro clínico de esgotamento o histórico de alto envolvimento com o trabalho. E eu estava novamente cometendo o mesmo erro que me fez adoecer por causa de meu ofício. E minha coordenação não me ajudou a encontrar formas de aliviar o autojulgamento de “estar fazendo menos do que eu deveria”, muito pelo contrário, já que nos fazia ler materiais que explicitavam a importância moral do comprometimento e da disciplina. Ao invés de me parabenizar pelo que eu havia conseguido, eu recebia o estímulo a fazer ainda mais. Isto era contraprodutivo para meu momento de recuperação.

Afastamento

Em determinado momento eu desenvolvi hiperfoco em certa pauta compatível com o programa da FE. Observei que haviam organizações brigando por mudanças políticas com relação ao uso de dados e da tecnologia da informação. Como boa militante, passei a tentar convencer os companheiros de que precisaríamos debater essa pauta como organização também, assim como já era feito com a questão sindical, estudantil e feminina. Era, e ainda é, minha crença que a questão da tecnologia da informação necessita ser trabalhada de maneira organizada, sem aventureirismos.

Claramente eu estava propondo uma pauta que era maior do que a FE. As tentativas de trabalhar esse tema eram negligenciadas com argumentos fracos como “A FE é uma organização dentro da lei e não há motivos de tratar esse tema”. E por não verem o tema como relevante, o assunto foi silenciado: Comportamento típico de quadros antigos que insistem em interpretar novos fenômenos da forma que lhes é familiar. A pauta que estava em pleno debate público internacional foi menosprezada internamente. Não tive o espaço para desenvolvê-la e apresentá-la a mais pessoas além do meu núcleo imediato.

Aqui entra em ação a obstinação natural de uma pessoa autista. Quanto mais me ignoravam e me davam justificativas fracas, mais forte ficava meu interesse, mais eu me aprofundava no assunto, mais eu pesquisava, para poder convencer as pessoas de que esse assunto era (é!) importante. Eu fui fisgada pelo hiperfoco, e isso tem seu lado bom e seu lado ruim.

Eu pedi ajuda de minha coordenação para me ajudar a manter a calma, mas a ajuda que ela podia oferecer era insuficiente. Acabei agindo desesperadamente e quebrando a disciplina numa tentativa de chamar a atenção. A autocrítica é óbvia, pois eu já sabia que estava agindo de forma incorreta mesmo antes de me advertirem.

Contudo, continuo sem saber como poderia ter agido melhor. Sendo a pauta suprimida silenciosamente e estando desconfiada de omissão da minha coordenação, o que eu poderia fazer? A hierarquia não permitia que eu levasse a pauta para amplo debate, sob argumentos que não convenciam logicamente e sequer indicavam ter havido decisão coletiva anterior. Sem democracia não se pode exigir disciplina. Eu rejeito a acusação de individualismo e de desvio pequeno-burguês de minha parte. Se eu agi da forma como o fiz, foi por não ser capaz de tratar o assunto de outra forma. Há uma grave incoerência entre o que é dito (operamos na legalidade) e o que é praticado (decisões tomadas por organismos ocultos, sem envolvimento das bases). Que queriam que eu fizesse? Que me resignasse com o silêncio e aceitasse a minha insignificância em propor reivindicações?

Na ocasião da crítica realizada sobre minha conduta houve ainda um erro de agregar na mesma oportunidade a devolutiva sobre o teor da matéria que eu havia escrito. Julgaram meu texto idealista e anticientífico. Quem julgou, isso eu não tive o direito de saber. A devolutiva me foi passada anonimamente por minha coordenação. Seria eu idealista ou seria o avaliador secreto um passivo oportunista?

Me permitam demonstrar fraqueza por um instante. Essa devolutiva me destruiu um pouco mais. Eu estava há meses trabalhando nesse tema, de modo que ele tomou a importância de missão para mim, incentivada por minha coordenação que me exigia uma proposta mais estruturada para levar o tema para a apreciação do organismo superior. E depois de todo o tempo de pesquisa e estudo tudo que eu tive o direito de receber foram 2 rótulos negativos provindos de um avaliador anônimo. Isso me fez ter, em 2024, meu segundo colapso, sem haver ainda me recuperado do primeiro.

Os sentimentos de inutilidade e incapacidade retornaram, e eu chorei a maior parte dos dias naquela semana. Permito-lhes que me chamem de fraca ou de doente, ou até mesmo de imatura. O que rejeito, porém, é que me digam que eu estava errada. A mágoa era o sentimento possível naquele momento adoecido, mas hoje, entendendo que eu tinha a razão, posso transformar esse sentimento em raiva útil.

A conduta autodestrutiva que eu desenvolvi nesses 4 meses de depressão profunda, felizmente está ficando para trás.

Reorganize-se da forma que der

Mesmo acreditando que eu estava correta eu não tenho força ainda para voltar naquele ambiente e lutar para que o certo seja aplicado. Por meu movimento de autopreservação fui chamada de sectarista. Isso consolida a crença de que eu não sou bem-vinda naquele espaço. Não há acolhimento de minha condição de saúde, nem tampouco de minha neurodivergência. Podem me chamar de idealista, mas eu continuarei defendendo que ninguém é obrigado a estar em um espaço em que se é excluído. Se o preço para isso é não poder atuar na construção da revolução brasileira, então esse é um custo que eu terei que arcar. A gente faz o que dá, e pra mim não dá pra seguir recuperando minha saúde e minha capacidade de trabalhar naquele coletivo.

Acredito hoje no que disseram algumes amigues: que a organização necessita merecer a nossa participação tanto quanto nós necessitamos merecer estar na organização. Eu sou uma pessoa neurodivergente, com necessidade de suporte aumentada por conta do adoecimento que o trabalho me proporcionou e do qual tenho ainda sequelas. Se uma organização de massas tal qual a FE não é capaz de me acolher, ela então não me representa. Arrisco que não representa nenhuma pessoa com deficiência ou que se encontre incapacitada para o trabalho de forma temporária ou definitiva.

Felizmente eu fui acolhida em outra organização, de ideologia anarquista. Não que eu tenha passado a rejeitar o marxismo e os aportes de validez universal de Lênin sobre como realizar a revolução. Acontece que neste momento eu necessito mais do que contribuir para a construção do socialismo científico. Preciso voltar a me julgar útil e competente. O coletivo anarquista me oferece uma forma de me integrar no trabalho coletivo dentro das minhas possibilidades, e isso favorece a minha cura.

O anarquismo é o meio-termo que permite que eu siga trabalhando coletivamente, de forma não alienada, no presente. E vendo a enorme quantidade de pessoas neurodivergentes que estão em coletivos anarquistas, vejo que não sou só eu que, apesar de rejeitar a ideologia individualista, não se adequa para estar em um coletivo marxista-leninista. Os comunistas estão falhando conosco, e não poderemos trabalhar juntos enquanto o capacitismo não for adequadamente tratado.

Lembro que autistas verbais (comumente chamado de nível “leve”) tem 9 vezes mais chance de cometer suicídio do que pessoas neurotípicas. Prosseguir moralizando inadequações de neurodivergentes é fazer pouco caso dos problemas comportamentais e de convivência que caracterizam o quadro de TEA, bem como outras condições. Demandar a inclusão hoje é garantir que o movimento trabalhador cresça com o apoio das potencialidades de neurodivergentes, para que não tenha que, vitoriosa a revolução, condenar-nos dissidentes que devem ser exterminados.

 
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from yuribravos

Contextos

Essa é uma das melhores receitas que faço. Mal me lembro onde eu a encontrei pela primeira vez. Acho que numa versão antiga do Receitas de Minuto. Fiz umas pequenas adaptações, alterando a proporção de farinha de trigo e leite; e guardei a receita já adaptada em anotações próprias.

Porém, fazia algum tempo que não colocava esse bolo para assar. Por ser um bolo pão de mel, o ingrediente essencial e chave para ficar uma delícia é: mel.

E qualquer um que frequente um supermercado ou lojinhas à granel sabe o preço proibitivo de uma garrafa de mel.

Eu perdi meus atravessadores pessoais desse líquido viscoso e dourado: os pais de um amigo moravam no interior (Tianguá), e iam e vinham com frequência para a capital, agora se mudaram de vez e já não podem fazer o tráfico.

Até o dia que, após comentar com uma colega de trabalho sobre esse bolo, ela ficou de me trazer mel. Demorou, mas ela chegou com um pote daqueles de geléia cheinho de mel bem claro. Como gratidão, fiquei de levar o bolo para os colegas e, num domingo à tarde, tomei coragem de prepará-lo (não que seja difícil o preparo, mas às vezes só queremos ficar de barriga pra cima nos domingos à tarde).

Receita

Ingredientes

Bolo

  • 1 colher (sopa) de bicarbonato de sódio em pó
  • 3 xícaras (chá) de leite
  • 3 colheres (sopa) de manteiga
  • 3 xícaras (chá) de açúcar
  • 1 xícara (chá) de mel
  • 5 xícaras (chá) de farinha de trigo
  • 1 colher (sopa) de canela em pó

Ganache

  • 100gr de chocolate meio amargo derretido
  • Creme de leite

Modo de Preparo

  1. Untar a forma e pré-aquecer o forno a 200~230°C.
  2. Dissolva o bicarbonato em uma xícara de leite.
  3. Coloque na batedeira junto com todos os outros ingredientes. Sem uma ordem específica. Botar os secos primeiros talvez ajude a não voar farinha por aí.
  4. Bater até ficar homogêneo.
  5. Levar ao forno por cerca de 30 a 40 minutos. Fazer o teste do palito para ter certeza.
  6. Deixe o bolo esfriar para desenformar.
  7. Para ganache, derreta o chocolate em banho maria ou pondo de 30 em 30 segundos no microondas. Adicione creme de leite ao chocolate derretido. Isso sempre faço no olho, perdoe. Evite por muito creme de leite para não ficar sem gosto. Depois basta espalhar sobre o bolo.

Fotos dessa belezura

Foto da massa homogênea dentro da batedeira. O gancho da batedeira está levantado e os pingos da massa mostram que fica mais líquida mesmo

Observem a consistência da massa, é mais líquida mesmo.

Foto de dois bolos pão de mel ainda na forma sobre um tampo de madeira. A cor deles é morena clara.

Fui obrigado a fazer dois bolos: um pro trabalho e um para casa, pois minha esposa não admitiu dividir. Essa foto foi batida logo após eles sairem do forno. Observem que o bolo fica moreninho mesmo, mas ainda claro.

Foto de dois bolos pão de mel ainda na forma. Eles estão mais escuros do que no momento que saíram do forno.

Essa foto foi batida no dia seguinte, antes de desenformar. Vejam que eles ficam mais morenos. Lembrem disso pra evitar queimar.

Foto do bolo partido, a massa interior tem cor marrom clara, parece bastante aerada. O bolo está coberto com ganache de chocolate.

Me diga se essa foto não entregou tudo?

Perguntas perguntadas com frequência

Qual o tamanho da forma para essas quantidades? Uma forma grande de bolo furado no meio, normalmente com 24cm de diâmetro. Normalmente eu faço metade dessa receita para uma forma de 20cm de diâmetro.

Pode trocar a manteiga por margarina? Pode, não tem grandes alterações de sabor ou textura…

Ao desenformar, mesmo untando bem, uma parte ficou grudada na forma. O que fazer? Fica mesmo, desconfio que é fruto da alteração de proporções de leite e farinha que fiz. A massa fica menos densa quando crua, em compensação fica bem molhadinha quando pronto. Aceitei que há males que vem para o bem! Também é uma ótima desculpa para cobrir o bolo de ganache.

Pode fazer a ganache com chocolate ao leite? Aposto 10 real contigo que com chocolate meio amargo o equilíbrio do bolo e da cobertura vai ser melhor, mas seja livre.

Precisa mesmo cobrir com ganache? Não, ninguém é obrigado a ser feliz!

Pode trocar mel de abelha por mel karo? Não! Saia imediatamente daqui!

 
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from vereda

Tags: #Militância

Nota da autora, 19 de setembro de 2024: Este texto foi escrito em 12 de maio de 2024 e enviado para a redação paulista de um certo jornal comunista. O texto até então não foi publicado e a justificativa oficial foi que a redação estava sobrecarregada para revisá-lo e publicá-lo. Hoje, após 4 meses de espera, acho que posso afirmar que a falta de retorno sobre o texto reflete uma omissão incorreta da redação do jornal. Confiante de estar defendendo a linha correta, e tendo as possibilidades de debate interno no partido sido negadas, torno público este texto para que seja conhecido e criticado abertamente.

Nota da autora, 24 de setembro de 2024: Faço a autocrítica e considero incorreta minha atitude de expor o nome da organização e do jornal. O objetivo deste compartilhamento é tornar a matéria pública para debate e não em criticar o trabalho desta ou daquela organização.

O compartilhamento deste texto é permitido segundo a licença CC BY-ND 4.0.


Nos dias 10 e 11 de maio de 2024 ocorreu em São Paulo mais uma edição da Cryptorave, o maior evento aberto e gratuito de criptografia e segurança do mundo, que reuniu, em 24 horas, diversas atividades sobre segurança, hacking, privacidade e liberdade na rede. Inspirada em uma ação global para disseminar e democratizar o conhecimento e conceitos básicos de criptografia e software livre, o evento teve início em 2014, como reação à divulgação de informações que confirmaram a ação de governos e corporações para manter a população mundial sob vigilância e monitoramento constantes.

O público presente revelou à quem mais interessa debater segurança digital e tecnopolítica. Mulheres, pessoas negras, neurodivergentes e trans marcaram forte presença tanto na plateia quanto no palco, contrariando o estereótipo de um setor dominado por homens cis héteros e brancos. Um lembrete de quais são os grupos dentro da classe trabalhadora que mais sofrem opressão e violência, inclusive nos espaços digitais.

O keynote de abertura, sob o tema “Tecnologias de IA e seu impacto nas vidas e narrativas Palestinas” reforçou o posicionamento político do evento, denunciando mais uma vez como as tecnologias digitais tem sido usadas para explorar e violentar a população.

Mesmo onde não há uma guerra declarada, governos ainda perseguem sua própria população tratando-a como um inimigo interno. O Movimento Passe Livre (MPL) propôs uma roda de conversa sobre segurança e autodefesa trazendo informações sobre como movimentos sociais estão sendo criminalizados, e que isso é um projeto de São Paulo, do Brasil e de toda a América Latina.

Relatos de vazamentos de informações internas dos movimentos e coação de menores de idade para fazer a identificação de pessoas em fotos publicadas em mídias sociais confirmaram que a preocupação com segurança não se trata de paranoia. Trata-se de uma postura urgente para garantir os direitos constitucionais à livre manifestação de pensamento, a plena liberdade de associação para fins lícitos, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, a inviolabilidade das comunicações – salvo com permissão judicial – e o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

No keynote de encerramento “Tecnoautoritarismo: Spyware, OSINT e outras tecnologias de vigilância na América Latina” foram denunciadas as táticas de censura e espionagem dos governos contra nossos companheiros no Equador, Colômbia e México. Fica evidente, a partir de contratos de governos na América Latina para uso de ferramentas de espionagem israelense, que o avanço da máquina de guerra sobre a Palestina não é apenas uma ameaça imediata para o povo palestino, mas também uma ameaça para nós na América Latina, ao passo que o desenvolvimento de software para a guerra israelense são financiados com dinheiro público de governos latino-americanos e usados, sem a devida previsão legal, contra o próprio povo.

As novas tecnologias informacionais são a tônica de nosso velho e admirável mundo novo. Um mundo onde tudo muda a velocidades crescentes, mas apenas para intensificar e diversificar as velhas formas de produção e extração de mais-valia. É preciso rever o colonialismo não como um fenômeno do passado, mas como um processo que perdura e se atualiza com novas expressões, e que hoje se apresenta em formato digital. A questão da tecnologia não é uma questão isolada, mas parte da materialidade do nosso tempo, se inserindo nas relações sociais como um elemento constitutivo da sociedade.

Não é mais tolerável que militantes ignorem o debate sobre segurança da informação. Dados e metadados estão sendo coletados em enorme escala e armazenados indefinidamente em grandes centros de processamento de dados. Essas informações são agregadas com uso de técnicas de inteligência artificial (IA) para reduzir o trabalho vivo necessário, permitindo aumentar a quantidade de informações processadas por governos e corporações em uma escala sem precedentes. Técnicas estas que avançam ano após ano, e que poderão ser aplicadas retroativamente em dados coletados no presente para o perfilamento de militantes e ações contrarrevolucionárias.

O esforço e o custo necessários para adotar e manter soluções alternativas, independentes de plataformas controladas pelos monopólios de tecnologia, devem ser priorizados para a segurança de nossos militantes e a continuidade de nossa luta, ao passo que atrapalham a coleta de informações e, por consequência, as práticas de espionagem adotadas pelos governos contra a sua própria população.

É preciso lutar pelo fim da exploração, mas também pelo fim da expropriação de dados. O atual estágio de desenvolvimento tecnológico abriu novos caminhos para a exploração do trabalho, mas também as formas de lutar e se organizar. O caminho contudo permanece familiar: tomada de consciência e muita organização popular!

 
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from Felipe Siles

Relembrando 2022

Em primeiro lugar, este não é um texto embasado em estatísticas, números, como diz o título: apenas o relato de impressões pessoais. Vou voltar um pouco no tempo, para 2022. Elon Musk comprou o Twitter, trouxe de volta perfis banidos, demitiu um monte de gente, afrouxou a moderação da plataforma (que já era problemática antes) e bradava aquele discurso fantasioso americano de “liberdade de expressão”, que na verdade é liberdade para oprimir sem lidar com as consequencias.

Naquela altura do campeonato o cenário era o seguinte: Zuckberg colocou às pressas pra rodar o seu Threads; BlueSky era uma novidade também, mas precisava de convite para entrar; e o Mastodon era a única plataforma pronta para receber os insatisfeitos com o Twitter sob nova direção (vou poupá-los da vergonha de lembrar que um considerável montante aderiu a uma rede social indiana de extrema direita só porque tinha um nome meio 5ª série).

Muitos usuários relataram dificuldade para migrar para o Mastodon: o sistema descentralizado, organizado por instâncias, foi um entrave para a maioria, fazendo com que muitos ficassem ali pelo Twitter, mesmo com os problemas da nova realidade. Foi nessa leva que eu excluí minha conta do Twitter e migrei definitivamente para o Mastodon.

O cenário atual é bem diferente: BlueSky e Threads, apesar de estarem ainda implementando alguns recursos, me parecem redes prontas para receberem os usuários do Twitter. E o Mastodon continua sendo o Mastodon, pro mal e pro bem.

Mastodon

Fiquei três anos (2019 a 2022) tentando ter alguma visibilidade no Twitter. Como sou uma pessoa que gosta de textos, tanto de escrever como ler, sempre preferi as redes textuais, criando até um certo asco pelas redes de fotos e vídeos. Fui muito popular no Facebook (na era pré-algoritmo) e com o declínio da plataforma do Zuckberg, tentei transferir essa popularidade para o Twitter, sem sucesso. Tinha vontade de divulgar minha produção acadêmica e também fazer parte do “debate público”, mas foi um fracasso. Tweets às moscas, pouca interação, quando ia no tweet de algum influenciador famoso e discordava de algum ponto não havia diálogo, e sim frases de efeito, lacração, com o amplo apoio dos seguidores daquela pessoa, ou seja, o diálogo completamente interditado, mesmo em contas de esquerda/progressistas/não-fascistas.

Encontrei no Mastodon um ambiente parecido com o Facebook pré-algoritmo que, gostem ou não, era uma rede muito boa para interagir com amigos. Desde então o Mastodon tornou-se minha rede principal, descobri o Fediverso e a possibilidade dele interagir com outras plataformas que compartilham o mesmo protocolo, descobri o ótimo Lemmy, e que posso federar blogues e sites feitos em wordpress e até mesmo ESTE BLOGUE que você está lendo, fantástico!

A impressão que eu tenho é que o Mastodon não tem a menor vocação para virar um novo Twitter, embora ainda exista gente (ao meu ver equivocadamente) com essa expectativa. A dificuldade inicial em criar uma conta foi resolvida, agora o novo usuário se não quiser entrar em uma instância é colocado por padrão na mastodon.social, facilitando o acesso para a geral (igualzinho funciona o BlueSky com a bsky.social). Mesmo assim, aquela fama de 'difícil de entrar' permanece, mesmo não sendo mais a realidade atual.

Mas eu acredito que esse não é o principal entrave para a plataforma crescer. Acho que conheço o Mastodon o suficiente para elaborar duas razões principais do por que ele nunca será massificado:

1) a falta de algoritmo faz com que um influenciador praticamente vire um usuário comum. Mesmo que ele ganhe muitos seguidores só por ser famoso, suas postagens vão concorrer igualmente com postagens de usuários comuns. Além disso, o público do Mastodon tende a ser bastante avesso a propagandas, tornando a prática da 'publi' difícil na plataforma, inclusive existem instâncias que proibem. Isso afasta os influenciadores grandes, que acabam criticando a plataforma publicamente, numa lógica de concorrência e reserva de mercado, afinal não querem perder seu público, sua fonte de renda;

2) a própria comunidade do Mastodon não parece muito empolgada com a ideia da massificação da plataforma. O usuário do Mastodon é como o morador de uma cidade pequena, que gosta de estar ali, e não tem a menor vontade de que ela vire uma metrópole. Mesmo a federação com a Threads é vista com desconfiança pela maioria e já é silenciada ou bloqueada em diversas instâncias brasileiras. O Mastodon é bem uma cidade pequena mesmo, todo mundo meio que se conhece, e as instâncias são os bairros dessa cidade, você pode não conhecer todo mundo, mas sabe que tem a galera da Ursal, da Bantu, da Ayom, da Bolha.us, da Bolha.one, etc.

Isso tem um lado positivo, que faz com que a rede seja mais humana, mais acolhedora. Mas, por outro lado, gera também um efeito condomínio, acaba que essa experiência mais agradável é acessada por poucas pessoas, por nichos, se tornando elitizada. Mas tenho a impressão que no capitalismo isso ocorre com outras coisas também: pouca gente tem acesso a uma alimentação natural, com alimentos orgânicos, por exemplo.

BlueSky

Apesar de gostar muito de estar no Mastodon, sempre me incomodei com o fato de instituições públicas não estarem lá (existem algumas ações pontuais, como a dos museus, mas é muito pouco, infelizmente). Comecei a seguir diversos veículos de imprensa e instituições através do feed RSS, mas a verdade é que não dei conta do volume de informação, e hoje minha feed RSS é bem restrita, para não sobrecarregar minhas leituras (faço doutorado e já preciso ler bastante). Isso sem falar que muitos sequer têm uma feed RSS. Tentei seguir as instituições pelos canais de whatsapp, mas também não dei conta, e o meu whatsapp que já é um inferno de notificações tornou-se ainda pior. Nisso eu sentia falta do Twitter, você encontrava ali no meio da sua timeline uma ou outra informação oficial, que poderia ser útil, mas não precisava necessariamente acompanhar tudo.

Quando percebi que estava rolando uma movimentação de bloqueio do X, antigo Twitter, resolvi dar uma chance ao BlueSky e criei uma conta. Quem me acompanha neste blogue, sabe que sou avesso à big tech, mas a possibilidade de uma rede social que se propõe a ser descentralizada, moderada e de código aberto despertou a minha curiosidade. O fato do antigo criador do Twitter, com aquele famigerado discurso de liberdade de expressão, ter se afastado do projeto também me animava. Além disso, fiquei empolgado com a possibilidade de voltar a seguir alguns conteúdos que seguia no Twitter, agora sem propagandas e sem o maldito algoritmo deles, aquele que premia a escrotidão e a treta.

Criei a conta no BlueSky e fui percebendo a migração aos poucos das contas que eu gostava de acompanhar no Twitter, alguns deles já estavam lá antes do bloqueio. Com o bloqueio, fui notando que diversos veículos de imprensa passaram a criar conta no BlueSky, que aparentemente ganhou a batalha de números contra o Threads.

Minha experiência com o BlueSky, pesando prós e contras, vem sendo positiva. A plataforma tem uma vocação para ser o “antigo Twitter”. Percebo que não há tanta interação quanto o Mastodon, já que lá existem algoritmos. Mas a ideia de personalizar a experiência algoritmica me pareceu interessante e útil, escolhendo as feeds que você quer ter na sua página inicial. Muita coisa que eu posto lá fica ao vento, como era no Twitter, mas já entendi que lá é um lugar de pouca interação mesmo para humanos comuns.

Venho utilizando a plataforma para seguir veículos de imprensa e instituições públicas de uma forma que eu consigo dar conta. Também venho interagindo com algumas pessoas que me seguiram, e voltei a interagir com pessoas que eu já interagia quando tinha conta no Twitter. Pretendo utilizar a plataforma para divulgar meu trabalho acadêmico e a hashtag #AcademicSky me parece bem útil pra isso. As postagens onde usei essa hashtag ganharam um pouco mais de tração e interação, me parece um recurso bem promissor.

Meu maior temor em relação ao BlueSky é a forma como eles vão monetizar a plataforma, que pra mim ainda é um mistério. Será que vão ter assinaturas, liberando recursos extras, mais ou menos como o Telegram? Ou será que vão apostar na monetização do conteúdo exclusivo, num caminho meio OnlyFans? Será que vão enfiar propaganda goela abaixo na timeline da galera, como o Twitter (ou pior, o Facebook)? Prefiro aguardar, mas se a última opção ocorrer, vou deletar minha conta.

Threads

Não criei Threads nem pretendo criar, a nova rede parece ter um ambiente muito parecido com o do Instagram, ambiente este que eu não tenho a menor vontade de estar presente. Mas confesso que dei algumas buscas na Threads, em perfis que não migraram para o BlueSky. A impressão que eu tenho é que gente MUITO FAMOSA está na Threads, principalmente figuras ligadas à música, cinema e esportes.

Acho compreensível, lá é o ambiente de gente famosa mesmo, e práticas como publicidade, as publis, estão naturalizadas por ali. Como uma grande 'Revista Caras' que se tornou o Instagram, faz sentido que essas pessoas muito famosas fiquem ali pela Threads mesmo, monetizando em cima de uma base de usuários que é gigantesca, que é a base de usuários do Instagram, onde mais de 90% dos brasileiros com acesso a smartphones e internet têm conta (felizmente estou nos menos de 10% que não tem, ô sorte!).

X

Não sabemos se o X vai voltar a operar no Brasil ou não. Aparentemente a rede, no contexto brasileiro, se tornou um lamaçal de facistóides usuários de VPN, um verdadeiro esgoto. Sempre fui crítico a essa postura das esquerdas de “ocupar o twitter”, não adiantava nada, e o Alexandre de Morais e o STF esfregaram isso na nossa cara. Sem um algoritmo premiando comportamentos agressivos, BlueSky e até o Threads se mostram como ambientes mais saudáveis que o X. Inclusive, acho que poucos lugares na internet são piores que o esgoto fascista que se tornou o X.

Muitas pessoas no BlueSky estão relatando que o discurso de extrema direita perdeu tração sem o X, embora eu ainda gostaria de ver essa afirmação expressa em números, estatísticas e gráficos para me convencer totalmente. Mas, pelo menos aparentemente, o bloqueio desmobilizou a máquina pública de discurso de ódio e fake news, jogando os fascistas a permanecer na plataforma com o VPN ou se esconder nos esgotos de seus grupos privados de Telegram e Whatsapp.

O ser humano é um animal de hábitos e me parece que mesmo em tão pouco tempo temos o ecossistema do X reorganizado nas duas plataformas: o crackudo de notícias foi para o BlueSky, o crackudo da Ilha de Caras foi para o Threads. O usuário do 'núcleo duro' do Twitter parece ter ido para o BlueSky, o usuário mais casual para o Threads (aí pesa a comodidade de ter o perfil associado ao Instagram). Me parece que os públicos dos influenciadores, veículos e instituições se acomodou nas duas plataformas e parecem estar gostando da experiência.

Os estudiosos do comportamento dizem que um novo hábito leva mais ou menos um mês para se estabelecer. Se o bloqueio durar menos de um mês, eu acredito que as pessoas voltam para o X, e as outras plataformas voltam a ser produtos de nicho. Agora se o bloqueio durar um mês ou mais, eu penso que pode ser interessante observar a movimentação dos influenciadores de esquerda, progressistas ou pelo menos não-fascistas:

1) Pode acontecer de voltarem em masssa para o X: vão voltar a fortalecer em número de base de usuários uma máquina de desinformação, de produção de discurso de ódio. Se isso acontecer, ficará muito nítido que a briga dessas pessoas não é por uma internet livre, saudável e humana, mas sim pela própria fama, visibilidade, monetização e sucesso. P.S.: excluo dessa conta os jornalistas, esses são proletários e vão para onde os jornais (e seus patrocinadores) determinarem que é pra ir;

2) Pode acontecer de haver uma divisão (acho o mais provável): alguns voltam para o X, outros ficam pelo Threads e BlueSky e trabalham com suas bases de seguidores nas novas plataformas. Apesar do monopólio atual do Instagram, pessoas estão em outras redes também, e me parece que a segunda rede de preferência da maioria das pessoas varia muito. Me parece que existe uma tendência, fora do Instagram, das redes serem consumidas de forma mais compartimentada e nichada mesmo, o que inclusive vejo como positivo;

3) Pode acontecer de ignorarem a volta do X (meu sonho) e tornarem a rede do Elon Musk um esgoto da extrema direita, uma cidade abandonada, uma espécie de novo 4chan ou truth.social. Caso isso aconteça, eu acredito que demos um passo em direção à civilidade.

Acho que mesmo com o final do bloqueio, a vida de Elon Musk não será fácil, a companhia perdeu muito dinheiro com essa decisão do STF brasileiro e parece que a ação já está reverberando em outros países. Então acredito que a tendência é que Elon Musk encontre cada vez mais barreiras legais em diversos países para suas loucuras. E a perda de dinheiro e patrocínios fazem com que o fantasma da falência passe a assombrá-lo. Nesse hipotético cenário, Musk terá que escolher entre ceder (o mais provável) ou sucumbir de vez, fazendo com que o X, assim como o Twitter, Koo e o Orkut, sejam parte do passado da tecnologia. Assim espero!

Meus perfis para quem tiver interesse em seguir:

Mastodon: https://ayom.media/@felipesiles BlueSky: https://bsky.app/profile/felipesiles.bsky.social

 
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from yuribravos

Quem me segue lá pelo @yuribravos@bolha.one viu que tomei dois dias para testar o Sharkey na capivarinha.club.

Pensei algumas várias vezes antes de fazer isso, já que o Mastodon já é um microblog e eu definitivamente não preciso de dois. Acontece que tenho uma sanha por testar coisa nova.

Experimentações & repetório

Jogo RPG desde os 17 anos. Comecei com um sistema, que joguei durante muitos anos. Aí conheci outro. Depois mais um. Depois mais outro. E hoje conheço e joguei algumas dezenas de sistemas de RPG. Me divirto muito de conhecer novas mecânicas e de vê-las em jogo, mesmo que seja só uma vez. Acho que foi jogando vários RPGs que eu entendi a importância de ter repertório.

Inclusive se você quiser ver algumas sugestões de jogos de RPG dadas por mim, fiz metade da hashtag #rpgaday2024. A vida me deu rasteiras na metade, mas fica essa contribuição.
Ceci n'est pas une citation

Sim, e o que tem a ver?

Tem a ver que essa minha incapacidade de ficar sem testar um negocinho novo me mordeu outra vez e decidi pular dentro da capivarinha para descobrir um fork do Misskey. Cabe dizer que o Arlon, companheiro aqui de blog.ayom.media no Ideias de Chirico já havia alardeado aos quatro ventos como o Mastodon era limitado e não tinha várias coisas legais que outras plataformas como o Akkoma e o Misskey tinham.

Ele e o Kariboka — que mantém a harpia.red e esse ótimo post com links para várias instâncias br do fediverso — vez ou outra mostram como o Akkoma é legal.

Acontece que a estética mais crua das instâncias de Akkoma que vi não me atraía muito. E sim, para mim, ser bonito é essencial. Não à toa uso o Phanpy como cliente web do Mastodon.

Até que apareceu uma instância brasileira no Sharkey. E olha só a cara dessa desgraçada:

Não me contive e decidi testar!

Maximalismo?

A primeira impressão é que o Sharkey é um mundo. Tem muitas timelines, mais que o Mastodon. Você pode reagir com qualquer emoji que a instância tiver personalizado. Tem um sistema de desbloqueio de conquistas. A página web tem widgets na lateral que são personalizáveis. Tem umas paradas como antenas e canais que eu ainda estou tentando entender melhor como funcionam (e que constinuem timelines também). E as más línguas ainda dizem que tem joguinhos dentro da parada (esses não achei e é provável que não os procure).

Então, ao primeiro momento, fiquei confuso. Passei um dia apenas olhando todas as abas, todas as configurações possíveis (e são muitas). E decidi levar adiante o teste.

Nomadismo digital

Aqui foi que me dei conta que o fediverso permite um nomadismo digital diferente do home office pelo mundo a fora: é possível trocar de redes sociais. Sem o sofrimento de começar do zero.

Baixei a lista de pessoas que seguia no Mastodon e importei o arquivo no Sharkey. Alguns momentos depois, já seguia mais de cem pessoas. Minha timeline no Sharkey estava tão povoada quanto a do Mastodon. Foi quando entendi que o verdadeiro valor da rede social são as pessoas que você segue. Pude, então, fazer um teste perfeitamente equiparado entre as plataformas, já que não estava tolhido por não ter conteúdo para ver.

Isso foi incrível.

Personalização

Algo que gosto muito é poder personalizar as coisas. Adoro isso no RPG. Adoro isso em qualquer coisa que use. O Sharkey parece ter sido feito por pessoas que adoram isso também.

Mexer nas configurações dele é um mundo sem fim. Tem muita coisa que você pode habilitar e desabilitar. Inclusive configurar sua reação padrão, já que não existe uma única reação possível. Deixei minha reação padrão uma estrela, como é originalmente o favorito no Mastodon.

Isso se estende também para o aplicativo Aria. Dá para personalizar a cor de fundo de alguns tipos de nota. Aproveitei isso para chupinhar o Phanpy e pintar de laranja as DMs. O aplicativo inclusive permite ajustar quais botões aparecem para interagir com as notas. Botei o botão de tradução, para facilitar minha vida, e o de reação automática, já que boa parte das pessoas que sigo são do Mastodon (e ao que me consta, parece que eles só recebem favoritos se usar a reação padrão).

É possível, inclusive, ajustar o tamanho desses botões. Aumentei o tamanho dos meus pois, muitas vezes, estava abrindo a nota invés de interagir com ela.

Poder fazer tudo isso é incrível!

E acho que esse é o grande ponto forte do Sharkey: poder fazer muita coisa, inclusive não usar todas as coisas que ele oferece. Lá tem suporte nativo para markdown e, embora eu ame botar um negritozinho aqui outro ali, devo usar só em 10% das postagens que faço. Ainda assim, é melhor poder fazer do que não poder fazer.

Mastodon ou Sharkey?

E agora que descobrimos que o Mastodon não é a plataforma mais legal de microblogging do fediverso? É ótimo haver opções. Poder levar as pessoas que você segue de um lugar para outro é o que garante que você pode, de fato mudar de instância a qualquer momento.

Não fiz ainda nenhuma migração. Talvez nem faça, pois aparentemente não precisarei. Da mesma forma que apenas desativei minha conta no Pixelfed, talvez deixe uma conta congelada num dos dois lugares.

Se você está no fediverso, mas somente no Mastodon, talvez valha a pena conhecer outras plataformas. Pra mim valeu demais!

 
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from vereda

Tags: #Militância

Não basta organizar a classe trabalhadora, é preciso educá-la para gerir a produção de maneira científica.

De pouco adianta desenvolver hábitos e competências em cima de ferramentas e serviços que fortalecem a subordinação ao imperialismo. Patentes, marcas, direito autoral e todo o conjunto de leis de “propriedade intelectual”¹ são usados para nos aprisionar enquanto usuários de “soluções”² sob forte controle do grande capital internacional.

Obviamente rejeitamos a ideia de usar a língua estrangeira como principal ferramenta de comunicação dentro de nossas organizações e conhecemos a importância de uma moeda própria para a soberania nacional. Deveria ser óbvio então que precisamos resistir a usar ferramentas de processamento da informação que não possam ser rapidamente substituídas por alternativas sob controle popular.

O uso de produtos de software privativo (Windows, MS Office, Google Drive, AWS EC2, Zoom, etc) em detrimento de produtos de software livres (Linux-libre, Libreoffice, Nextcloud, KVM/QEMU, Jitsi, etc) precisa ser encarado como subordinação à superpotências estrangeiras e negação da nossa soberania. Mais do que o simples consumo de bens manufaturados no exterior, em detrimento da produção nacional: Esses produtos possuem características exclusivas que os tornam impossíveis de serem replicados, nos colocando em uma relação colonialista cada vez mais grave a medida que permitimos que eles tornem-se monopólios de nossos hábitos computacionais.

O nosso esforço organizativo precisa substituir os processos artesanais e manuais por alternativas cada vez mais informatizadas, mas sempre usando ferramentas que jamais nos aprisionem em um colonialismo digital tais como os softwares privativos.

Desconfie de qualquer revolucionário que adote uma postura rebaixada e se recuse a reconhecer a importância dos meios computacionais para a sociedade do século XXI, resignadamente aceitando usar, bem como promover, softwares não livres.

Esses são alguns coletivos e organizações com caráter de classe que estão hoje pavimentando o caminho para o controle popular:

¹ Por que a propriedade intelectual é um termo enganoso ² O que nos é ofertado como solução para nossos problemas é na verdade solução para os problemas do imperialismo em como nos vigiar e controlar

 
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from yuribravos

Meu toot fixado no mastodon é:

Me chamo Yuri Bravos. Aqui costumo falar de coisas que estou pensando (no gerúndio mesmo), muitas vezes sem conclusões apresentadas.

Costumo pensar em temas como urbanismo, sustentabilidade, aprendizado de línguas, rpg de mesa, espiritualidade católica, filosofia, animes, ser no mundo, etc.

E meio que é o que eu pretendo fazer aqui, mas de modo mais estendido. Pensei em começar aqui com espiritualidade católica, mas os receios me impediram e em outro post posso vir a falar sobre isso.

Então hoje será sobre coisas que estou usando a algum tempo e sobre como estou avaliando esse uso. A curadoria de experiências não seguirá nenhum critério lógico além de: estou usando e estou pensando no uso.

Então, vamos!


Tênis barefoot

Primeiro, urge um termo em português pra esses sapatos com desenho mais largo, coerentes com o formato natural de um pé humano. 🦶

Comprei um modelo descontinuado da Feet of Tomorrow cujo nome era Yette. Estava em promoção num preço pagável, embora não barato (menos de 350 reais).

Foto publicitária do modelo de tênis Yette da Feet of Tomorrow. Mostra um pé do tênis de lado. O tênis é branco com detalhes frontais e laterais cinza, o cadarço é preto. O aspecto do tecido do tênis é de um tecido bastante respirável pois tem inúmeros pequenos furos.

Eu trabalhei muito tempo como autônomo, então tinha muita liberdade de usar sandálias ou chinelas. Quando passei a trabalhar num emprego CLT tradicional, precisei usar sapatos. E terminava o dia com o pé incomodado, sabe? Não era dor, mas passava o dia apertado e era desagradável. Decidi apostar.

Estou usando ele há cerca de dois meses, quase todos os dias. Demorou um pouco mais que o esperado porque segui a medida de tamanho do site, que dizia que eu deveria usar um 39, e acabou que o sapato ficou pequeno. Tive de fazer a troca para o número padrão que sempre usei que é 40.

O modelo é bem ajustado ao tornozelo pois ele tem um elástico com desenho bem compatível ao volume dessa articulação. O espaço para o pé é bem maior mesmo e os dedos não ficam absolutamente em nada apertados.

Sendo que o modelo tem umas partes mais rígidas nas laterais: a parte cinza que dá para ver nas fotos. Como estou usando sem meias, já que elas também comprimem o pé, quase fico com um calo no pé esquerdo por conta disso. Algumas semanas de uso e já não é um problema.

O sapato é bastante flexível e tem um solado fino, o que permite sentir seu pé atuando como um pé enquanto você caminha: os dedos se mexem, fazem força e se flexionam, de maneira muito similar a se estivesse descalço.

O uso durante oito horas ainda gera algum leve desconforto. Contudo, com sapatos normais eu precisava massagear o pé para aliviar, com este, dez minutinhos depois de tirar já está tudo certo.

O cadarço deixa um pouco a desejar, é fininho e desamarra com bastante facilidade.

Objetivo da aquisição foi atingido ✅: próximos tênis devo comprar no mesmo estilo e provável na mesma marca.


Pulseira Inteligente

Foi um misto de curiosidade de oportunidade. Sabia que essas pulseiras servem mais como sensores de sinais vitais. Não era muito minha praia, mas estava curioso e tive a oportunidade de comprar por 150 reais. Comprei a Mi Band 8 da Xiaomi.

Foto publicitária da Mi Band 8. A tela da pulseira tem um formato retangular, mas as pontas terminam em semicírculos. A pulseira em si é de borracha preta fosca. A tela pode ser trocada, a da foto mostra a tela padrão de fábrica com horário, data, temperatura e porcentagem de bateria e contadores no formato de pista de atletismo em três cores.

Por algum tempo usei todas as funções de medição ativa e depois de alguns meses as métricas estavam bastante consistentes. Pude atestar que dormia bem, meu nível de estresse é surpreendetemente baixo — o dia de maior transtorno pontou 46, normalmente fica 36 — e meu coração bate os esperados 80 bpm.

Desativei quase todas as medições e agora me divirto mudando as telas da pulseira de acordo com a roupa que estou usando, respeitando minha paleta pessoal. Queria comprar as pulseiras alternativas, porém nunca achei para vender que chegasse no Brasil.

As notificações na pulseira, meio que cortei quase todas. Tem hora que você surta, mas é ótima para o alarme de bater o ponto.

Objetivo da aquisição foi... atingido? ✅: não tinha muito objetivo, pra falar a verdade. Era um teste. Não sei se compraria outra igual. Talvez um relógio inteligente sim, mas uma pulseira, não. Dito isso, usarei essa até se acabar.


Zen to Done

Pra não falar só de objetos adquiridos, vamos falar de hábitos. Conheci esse método de organização pessoal pelo site do @augustocc@social.br-linux.org o Efetividade.

Li, achei interessante, vi alguns outros posts relacionados e comecei a tentar fazer. As primeiras tentativas foram meio xoxas e capengas, mas o conceito das Grandes Rochas é bem bacana e lhe ajuda a resolver as coisas que você achou importante pro dia.

Depois eu localizei um pdf traduzido descrevendo melhor o método e que está disponível aqui e captei mais alguns detalhes importantes. Foi aí a coisa começou a andar melhor.

Ainda estou adquirindo o hábito de capturar tudo e de começar o dia fazendo as Grandes Rochas, mas algumas coisas já começaram a andar. Por exemplo, eu finalmente comprei uma pedra de amolar (a famosa mó) para manter as facas da cozinha lá de casa em condições de uso. E vi vídeos sobre amolação de facas e fiz a primeira tentativa. Eu tava querendo fazer isso tem meses.

Então se deu efeito nisso, imagina nas coisas importantes de verdade.

Ainda planejo ler o livro completo.

O processo de aquisição de hábitos vai bem, obrigado.


Big Linux

Com o tempo a gente fica velho e sem paciência pras coisas. Inclusive para ficar crackeando programas e sistemas. O Windows do meu computador além de me humilhar dizendo que não estava ativo, ainda me impedia de trocar meu papel de parede.

Então eu tive que tomar medidas drásticas.

Tela de boot do Big Linux. No centro o logo da distribuição é circundado de um círculo azul formado por 3 arcos de círculo que giram dando uma sensação de carregamento. O logo é a palavra big escrita em azul. O fundo da tela de boot é preto.

Larguei o Windows queimando pontes com quaisquer programas que usava enquanto atuava como arquiteto e pulei para um Linux. O plano era manter um dual boot para ter a segurança de um sistema que conhecia e testar o novo. Mas o grub nunca apareceu, não importasse o número de feitiçarias que me ensinassem no fediverso ou que eu procurasse nos fóruns de dúvidas. Então decidi deixar só o Big Linux.

Escolhi essa distribuição porque é brasileira e sou meio bairrista, sim. E em algum lugar do site também dizia que o Big Linux era a melhor coisa desde o pão com manteiga. Isso me pegou demais!

Estou fazendo um uso bem de usuário médio, tendo que me adaptar com alguns programas com interface nova, mas nada que seja do outro mundo. Algumas coisas não funcionaram de primeira, como usar o celular de câmera no Discord. Mas segui a dica de instalar o programa via Flatpack e funcionou. Estava usando antes um webapp já configurado da distro.

No geral, segue tudo muito bem e tudo muito bom. Tô aprendendo várias coisas. Acho que não volto pro Windows, a não ser obrigado.


Vamos parar por aqui para não ficar muito longo. O objetivo desse post era simplesmente começar. Pois começamos.

 
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from Resenha Cibernética

A ficção valor

Em Marx aprendemos que no Capitalismo impera a lei do valor.

O valor significa que há uma equivalência geral de tudo com tudo. Mas o valor não é o valor de troca, no qual a troca “zeraria” o valor (valor de soma zero), mas sim o valor de “acumulação”, de soma não nula.

Isso significa que o valor não é uma equivalência geral, mas que se sustenta sobre uma “inequivalência”. Esta não equivalência corresponde, segundo Marx, ao trabalho não pago do trabalhador. Assim, o trabalhador recebe um salário pela sua “força de trabalho”, que é um valor de troca, mas seu trabalho não pago é um excedente além da troca, que fica com o empregador.

Marx diz que o capitalismo só ocorre porque há um “trabalhador livre”, que aceita não só vender (alienar) sua força de trabalho por um salário, mas trabalhar um pouco mais sem ser remunerado. Este valor não pago é o valor propriamente dito, i.e., o mais-valor, porque sempre acumula. Acumula precisamente sob a forma de capital.

Mas Marx também diz, n'O Capital, que antes da acumulação do trabalho não pago, houve uma acumulação primitiva que gerou o “capital inicial”, que correspondeu aos “cercamentos” (enclosures) das terras. Com isso, aquilo que era abundante, as terras comunais (the commons), tornou-se raro. Ora, o capital só viceja onde há raridade.

Os cercamentos liberaram os trabalhares da terra para serem “livres” na cidade. Livres para serem explorados e trabalharem o trabalho não pago.

Outro grande pensador chamado Karl, o Polanyi, disse que havia três mercadorias “fictícias”: a terra, o trabalho e o dinheiro. Fictícias porque são mercadorias que não podem ser trocadas, a não ser por meio de ficções chamadas falácias.

Assim, é lícito pensar, baseado nos dois Karls, que o capital é gerado ficcionalmete nesta ordem: primeiro, ocorreram os cerceamentos; esses criaram os trabalhadores livres e o trabalho não pago; e o trabalho não pago gerou o capital financeiro, que pode ser vendido como se fosse uma mercadoria.

Podemos assim citar três modos de produção do capital e não apenas um como queria Marx: a expropriação da terra (da natureza) pelos cerceamentos, a exploração dos trabalhadores pelo trabalho não pago (nos cercados fabris da produção) e a especulação do dinheiro, nos cercadinhos financeiros das “bolsas” e “bancos”.

O que é fictício no capital é precisamente esse ato de cercar, de impor um limite onde antes não havia. Mas essas cercas são antes de tudo simbólicas, pois o que garante a propriedade de um bem comum a não ser um acordo simbólico imposto ou não pela força bruta?

Alguém, em algum momento, disse: “isto aqui é meu”. E deste ato de fala nasceu a ficção do valor. E daí a expropriação, a exploração e a especulação foram apenas a consequência denominada de Capital, o “valor que se autovaloriza”.

 
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from Resenha Cibernética

O próprio e o impróprio

Seguindo os passos de Engels em A Origem da Família, eu diria que a luta de classes mais primordial é entre proprietários (que definem o que é próprio) x desapropriados (que são impróprios). Desapropriados daquilo que é comum a todos. Próprio/Impróprio é a distinção fundamental de todo meio (medium). Engels escreveu que esta distinção marca o início do patriarcado. O matriarcado seria então uma sociedade em que tudo é próprio, tudo é comum.

 
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from vereda

Tags: #Pessoal

Stay On The Path. Photo by Mark Duffel on Unsplash

“Tô pensando em chegar aí na quinta e sair daí no domingo. O que você acha? Me avisa se for muito tempo pra você”

Era véspera de um feriado prolongado e uma amiga estava planejando passar alguns dias na minha casa, em São Paulo. Eu havia acabado de dedicar um esforço descomunal pra lançar o novo site da DandaraLab com um prazo apertado e estava com demandas atrasadas, inclusive a negociação de duas novas parcerias da DiversifiX. A única coisa que eu conseguia pensar sobre o feriado é que seria a minha chance de me adiantar com os projetos que estavam sob minha responsabilidade.

“Tá tranquilo. Vai ser fantástico. Você é a única que ainda não veio me ver em sp!”

Eu não tinha tempo a perder e mesmo assim parei por 4 dias para dedicar tempo e atenção a ela. Foi um feriado maravilhoso que nos deixou ótimas memórias. Essa poderia ter sido uma decisão demorada e fonte de medo de fazer a escolha errada, mas felizmente eu relembrei um dos meus princípios e nele fundamentei a minha decisão:

Eu estabeleço e cuido de relacionamentos pessoais como uma das minhas maiores prioridades. Eu sempre tenho tempo para família ou para um amigo de verdade. Minha lista de tarefas e calendário refletem o quanto eu valorizo as pessoas na minha vida.

O que são princípios?

Princípios são normas de conduta, geralmente impostas por terceiros, para cumprir exigências morais ou legais. Devido ao caráter forçado, muita gente tem memórias ruins ao falar de princípios, mas existe um grande valor em reconhecer e utilizar uma lista pessoal de princípios.

Estando consciente disso ou não, todas as pessoas possuem certos valores e seguem determinados princípios derivados deles. Todos possuem uma bússola interna dizendo não apenas aquilo que é certo ou errado, mas também indicando aquilo que vai gerar mais satisfação de vida.

Inspirada no post General Operational Principles do Taylor Pearson e no livro Work the System do Sam Carpenter eu resolvi também dedicar tempo para identificar e documentar o que eu acredito e valorizo.

Os Princípios Gerais de Operação são basicamente uma síntese daquilo que a nossa bússola moral tenta nos dizer, registrados de forma explícita para facilitar a tomada de decisões.

Sempre que não houver uma forma clara de resolver alguma coisa, sempre que uma decisão precisar ser tomada, os Princípios Gerais de Operação são uma sólida referência guiando minhas ações para me gerar maior satisfação e menos arrependimentos.

“Estes são meus princípios. Se você não gosta deles, tenho outros!” – GROUCHO MARX

O documento de princípios precisa ser rígido, porém mutável. Para que os princípios sirvam como guia de conduta, eles precisam ser estáveis independente das circunstâncias. Porém também devem ser algo vivo, que se adapta para acompanhar as mudanças de nossa bússola moral ao longo do tempo. Alguns valores permanecem conosco por toda a vida, mas outros tem sua importância modificada conforme atravessamos diferentes fases da vida.

Eu produzi meu primeiro documento de Princípios Gerais de Operação em Outubro de 2018. Ocasionalmente eu dedico um tempo para rele-lo, mantendo todos eles frescos na cabeça, e para revisar cada um dos itens que eu mantenho nesta lista. Alguns princípios surgiram depois, conforme eu percebi que certas coisas importantes para mim não estavam ainda contempladas. Outros princípios foram reescritos para passar uma mensagem que fosse mais verdadeira para mim. A essência do documento porém continua a mesma e eu acho que, conforme o tempo passa, tenho cada vez mais clareza daquilo que eu valorizo e de como deve ser minha atitude para aproveitar cada vez mais a vida.

Sem mais demoras, apresento a minha lista na forma como ela está em Julho de 2024:

(meus) Princípios Gerais de Operação

Como eu recebo aquilo que o mundo me traz

  • Coragem: Eu não fujo de confrontos ou de oportunidades por causa do medo. Eu atuo fora da minha zona de conforto.
  • Aprendizado: Eu acredito que todo evento pode contribuir para o meu crescimento. É meu dever encontrar o valor e o aprendizado mesmo nas situações ruins.
  • Firmeza: Flexibilidade tem medida certa. A rigidez é a nossa estrutura permanente para enfrentar o inesperado.

Como eu invisto minha energia

  • Atenção: Eu direciono meu foco para aquilo que é mais importante para mim em cada momento. Eu não permito que outros tópicos roubem minha atenção.
  • Equilíbrio: Eu valorizo viver de forma plena e integrada e por isso eu busco obter satisfação em todas as áreas que são valiosas pra mim.
  • Intenção: Eu conscientemente aloco a minha energia de forma construtiva para que ela não assuma espontaneamente formas destrutivas.
  • Qualidade: Todas as coisas grandes e valiosas exigem esforço e comprometimento. Em todas elas eu estou disposta a me esforçar, fazer mais do que é esperado e persistir. Inspiração: [The Dip]

Como eu lido comigo e com outras pessoas

  • Autenticidade: Eu acredito que vulnerabilidade e sinceridade são os caminhos para conexões genuínas e bons relacionamentos.
  • Intuição: Eu invisto em minha auto percepção. Eu presto atenção e respeito aquilo que meu corpo e meus instintos tentam me dizer.
  • Desenvolvimento: Eu fortaleço contradições e o debate para promover o amadurecimento meu e alheio.
  • Diversidade: Eu valorizo e respeito a diversidade. Eu apresento minha forma de ser e pensar como um único exemplo dentre as múltiplas possibilidades e não como a única opção possível. Inspiração: [Pedagogia do oprimido]
  • Comunidade: Eu estabeleço e cuido de relacionamentos pessoais como uma das minhas maiores prioridades. Eu sempre tenho tempo para família ou para um amigo de verdade. Minha lista de tarefas e calendário refletem o quanto eu valorizo as pessoas na minha vida.

Como eu atuo no mundo

  • Legado: Quando tomo decisões, considero os efeitos de ordens superiores e não somente os efeitos mais diretos; eu sigo a perspectiva do sistema no longo prazo.
  • Propósito: Tudo que eu faço serve a uma visão maior que eu tenho para mim e para o mundo. Eu fabrico a realidade que eu quero que exista.
  • Colaboração: Eu acredito que obtemos melhores resultados quando existe colaboração profunda e solidária entre pessoas. Inspiração: [Linus Torvalds]
  • Repetição: Eu sou o que faço repetidamente. Cada ação não é um evento isolado, mas um reforço para os neurônios que moldam meu comportamento e personalidade. Inspiração: [The Bowling Game Kata]
  • Condicionamento: Eu me lanço consistentemente em desafios para me manter sempre apta para aproveitar oportunidades e superar contratempos. Inspiração: [Antifragile]
  • Sustentabilidade: Eu reconheço a importância de estar descansada para tomar boas decisões e produzir trabalho de qualidade. Se eu estou cansada, eu trato de descansar para atacar novamente o problema quando estiver recuperada.

Hierarquia de Valores

Esta seção é um experimento, inspirado pela Teoria da Desintegração Positiva de Dąbrowski. Dediquei um tempo para ponderar qual a hierarquia que os princípios mencionados tem para mim. O resultado atual segue abaixo:

  1. Autenticidade
  2. Coragem
  3. Atenção
  4. Intuição
  5. Desenvolvimento
  6. Aprendizado
  7. Legado
  8. Propósito
  9. Equilíbrio
  10. Firmeza
  11. Intenção
  12. Qualidade
  13. Colaboração
  14. Diversidade
  15. Repetição
  16. Comunidade
  17. Condicionamento
  18. Sustentabilidade
 
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Relacionalidade

Quando se adota a perspectiva da relacionalidade abandona-se a ideia de coisas que existem independentemente. Em outros termos, mais filosóficos: a ideia de essência intrínseca. Toda essência é extrínseca.

Ou seja, não há uma relação que se estabelece entre duas coisas (objetos) que existissem previamente à relação. O que existe é uma relação que se desdobra em (pelo menos) dois polos (se há mais de dois polos, trata-se de uma hiperrelação). Se esses dois polos se diferenciam, a relação é uma diferença (relação diferencial).

Por isso, deve-se também abandonar a ideia de materialidade. Na Teoria da Relatividade, por exemplo, energia e matéria são intercambiáveis.

Uma relação, assim, não é exatamente uma “coisa”. Uma relação é algo que se diferencia de uma ausência de relação. Ou seja, que se diferencia do vazio. Uma relação é assim uma diferença entre ela mesma e o vazio. Toda relação tem essa “mesmidade”, o que quer dizer que ela se autorreferencia.

Portanto, uma mudança de paradigma da relacionalidade é a questão do vazio. O vazio significa basicamente que não há essência intrínseca. O primeiro a conceituá-lo desta forma, foi o indiano budista Nagarjuna, com o termo sunyata. Sunyata é o vazio, mas o ocidente conceitua este conceito como “nada”. Porém, o vazio budista não é nada, mas simplesmente indica que tudo que é, cria-se em termos de dependência, ou interdependência. O conceito de relação indica essa interdependência. Por exemplo, a terra e a lua não existem por si só, mas numa relação de interdependência. Uma sociedade não é um agregado de “egos”, mas um conjunto de relações entre “ego” e “alter”. Uma sociedade é um conjunto de relações sociais, ou de alteridade, não um conjunto de egos. Ego e alter são os polos de uma relação social.

Se uma relação se diferencia em polos, isso quer dizer que cada um deles é uma “porta de entrada” à relação, isto é, uma abordagem. Uma relação pode ser abordada através de seus polos. É como se a relação tivesse que ser entendida com duas perspectivas diferentes. Se uma relação tem os polos A e B, AB é diferente de BA. Ou seja, a relação tem orientação.

Chamamos essa diferenciação orientada (ou orientável) de mediação. A relação possui um “meio” que é justamente o que conduz de A a B. Por isso, a escola que o indiano Nagarjuna defendia chamava-se Madhyamaka, ou Escola do Caminho do Meio. No entanto, a diferença de percurso que se fazia de A para B e de volta à A, não encontrava o mesmo A (o mesmo polo) do início. Isso significa que o tempo se infiltrou na relação.

Para o paradigma da relacionalidade, o conceito de meio (medium) substitui o de matéria. Toda relação tem meio. A relacionalidade é uma medialidade

 
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from Lento, pero escrevo

Parentalidades em pedaços, LGBTs e capitalismo

Apesar de ampliar a abrangência da licença maternidade, o STF restirngiu a licença-maternidade a apenas uma das mães em casais lésbicos. Um dos argumentos? Austeridade sobre a previdência.

Colagem de família picotada com partes do corpo de varias fotos diferentes formando o corpo das pessoas em questão. Da esquerda pra direita, há uma filha, uma mãe, um pai e um filho

Colagem feita por Gee v Voucher para a primeira edição da Zine International Anthem (1977) da banda de anarcopunk inglesa, Crass. Uma família feita em pedaços

No dia 13 de Março de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que mães não gestantes tem direito à licença maternidade. Uma vitória grande para todas as LGBTs vivendo suas parentalidades em pedaços, que pode ter repercussão mesmo para casais de dois homens, garantindo alguma licença para famílias que não tem nenhuma.

Mas as LGBTs mais velhas tem razão quando não reivindicavam o reconhecimento como uma família nuclear monogâmica. Isso põe tetos reais nas nossas vidas: na mesma decisão, restringiram a licença maternidade a só uma das mães. A outra tem direito à licença paternidade, míseros 5 dias.

As duas consequências disso: de um lado, o Estado tratará uma das mães como um homem e a forçará a se distanciar de sua cria. De outro, lauda novamente que homens não devem cuidar de suas crias.

É a versão institucional de “quem é o homem ou a mulher da relação” em LGBTs.

A resposta deveria ser simples. É quem se identifica. E independente do gênero e do arranjo familiar, cuidar de uma criança recém nascida exige MUITO trabalho. Nada mais justo que quem cuide, seja em duas pessoas, três ou uma família inteira tenha licença remunerada digna pra isso.

Mas qual foi um dos argumentos para impedir que duas mulheres em união homoafetiva tivessem direito à licença maternidade? A austeridade: segundo argumento da Procuradoria Geral da República, acatado por boa parte dos Ministros, isso sobrecarregaria a previdência social. Mais especificamente “Não criar despesas de previdência social sem previsão de receitas”. O que é engraçado quando consideramos que o mesmo tribunal não considera que referendar e endurecer a criminalização da maconha, debatida também nas últimas semanas, aumenta gastos do Estado – afinal, vigiar e punir custa muito caro.

Isso nos dá pista dos termos da disputa pela legislação de licença paternidade que precisará ocorrer até agosto de 2025, prazo limite estabelecido pelo STF para que o Congresso decida sobre essa omissão. O que nos faz considerar a hipótese de que mesmo entre conservadores, no mímimo não há disposição para se opor a ela, pois sinaliza para o apoio a algum modelo de família tradicional e, em uma esfera pública cada vez mais atenta aos direitos e vozes das mulheres, dificilmente se oporão a ela de forma aberta. Será sempre uma morosidade e oposição de forma envergonhada ou entre iguais: “quais garantias haverão ao homem provedor?”, “Homem não amamenta, talvez não precise de 180 dias como a mulher” e , por fim, “isso irá sobrecarregar a previdência social”. Essa é a deixa perfeita para a seletividade patriarcal e capitalista funcionarem: o judiciário e o restante do Estado brasileiro pode até garantir o reconhecimento formal de famílias não heterossexuais. Mas garantir condições materiais pra isso?Jamais. O homem (pai) deve dividir igualmente o trabalho do cuidado igualmente de seus filhos. Mas garantir condições materiais pra isso? Talvez não, talvez uma licença mais curra seja melhor gerar superávit primário para o pagamento de juros.

Todavia, os conservadores e capitalistas não são todo poderosos, videntes, bastiões da estratégia. Eles erram e falham, não atoa, mexer com aposentadoria e direitos previdenciários, dos quais as licenças fazem parte, é altamente antipopular. Um sinal disso é que, segundo pesquisa do Data Folha publicada em 02 de Abril de 2024, a ampliação da licença maternidade e paternidade tem, respectivamente, apoio de 83% e 76% dos brasileiros. Até mesmo entre o empresariado entrevistado, onde há o menor apoio, 68% se disseram favoráveis.

E provavelmente manterá intocado o consenso tabu da nossa seguridade social: de que só tem direito quem trabalha no mercado de trabalho formal. No caso julgado pelo STF, a outra mãe, que gestou, é uma trabalhadora informal e que não teve direiro a licença em função disto. A consequência disso também é racial, visto que pais e mães não brancos terão menos acesso ao período essencial de licença, por que estão em maiores taxas de informalidade.

Tabela retirada do Sistema SIDRA do IBGE com dados da PNAD Contínua trimestral em 2023. Nela estão os dados da taxa de informalidade no mercado de trabalho segundo a raça Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) contínua de 2023 do IBGE

Novamente, a disputa conservadora será acanhada contra a ideia de uma licença paternidade. Provavelmente, tentarão restringir de forma velada ao máximo possível por meio da austeridade – com o menor tempo e restrito aos trabalhadores formais – e de forma aberta a quem não for família, na visão deles – casais LGBTs. Se mesmo Ministros de um tribunal que foi colocado como progressista, em relação ao último governo de extrema-direita, utilizaram esse argumento de equilíbrio fiscal, o que impede dos conservadores o fazerem?

Assim, VALE MUITO a pena brigarmos coletivamente pela aprovação do Estatuto da Parentalidade (PL 1974/2021), projeto de lei dos deputados Sâmia Bonfim (PSOL) e Glauber Braga (PSOL), que defende que duas pessoas responsáveis pelos cuidados tenham direito a 180 dias de licença remunerada.

Ainda que foque em apenas duas pessoas e em trabalhadores formais, mas é uma proposta excelente e a mais radical de Licença Parental igualitária hoje e que bate nessas amarrações entre patriarcado, racismo, sexualidade e capitalismo. Infelizmente, nos falta organização parental para lutar pelo cuidado. Nessa perspectiva de tudo o que foi dito, a decisão judicial em torno dessas duas mães sobre o direito a licença mais longas não diz respeito apenas às LGBTs, mas interessa e impacta todos aqueles(as) que exercem o trabalho do cuidado ou dele dependem.

 
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from Resenha Cibernética

Bits, Dits, Sits

Bits: entropia informacional (incerteza) de Shannon medida quantitativamente por códigos sintáticos.

Dits: informação semântica (distintiva). Medida por signos em grandezas quantitativa e qualitativa. Constituídas por linguagens.

Sits: informação situacional ou referencial. Medida de sentido em grandezas apenas qualitativas (virtuais). Composta por sistemas de sentido (sociais).

 
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