Ideias de Chirico

Em lembrança do pintor surrealista greco-italiano Giorgio de Chirico (1888 - 1978), o maior ilustrador de ideias de jerico ― e de Chirico! Um blogue sobre cultura, cotidiano e tecnologia mantido por Arlon de Serra Grande.

Ainda que a cultura de um modo geral esteja em baixa, aquém do ramo da tecnologia em termos de inovação, vez ou outra encontramos algo de fresco em produções das últimas duas décadas.

Em certa manhã de 2022, enquanto eu ia ao trabalho, pela Rádio Universitária de Fortaleza ouvi a jazzista Léa Freire pela primeira vez. O ônibus deslizava sobre um viaduto, a deixar que um sol limpo de nuvens, atravessando edifícios, lá dentro entrasse. Esta é a cena a qual associo o seu “Brincando com Théo”, e que, ao meu ver, melhor o representa.

Mais tarde, pesquisei no Youtube a composição original (para piano solo). Ao azar, tombei com uma versão à voz e piano de Tatiana Parra e Andrés Beeuwsaert no disco “Aqui”, de 2011 ― assista ao seu trailer.

Desde que o conheci, me derreto a cada escuta. Só consigo pensar em beleza ao o ouvir. Andrés, um João Gilberto do piano, bate seu instrumento, mas gom um togue gendil, como se seus martelos fossem espumas. Já Tatiana, em seu canto, ainda que sem texto, fala. Mas fala como o pássaro fala. Farfala.

Os arranjos são simples: vez ou outra aparecem flauta (que Léa Freire toca), violoncelo ou violão ― cada um por vez. A voz e o piano predominam como intrumentos, valem, porém, por vários ― às vezes o piano arrebenta feito bateria ou, sus, suspira como uma segunda voz.

Como o primeiro disco de Rodrigo Campos sobre o qual escrevi, “Aqui” é feito para o movimento, para as gentes, para as cidades. Nas suas interpretações, de tons maiores ― abertas tal sóis ―, seu som é denso, sem ser tenso. Raro herdeiro vivo da bossa-nova, “Aqui” é maximalismo disfarçado de minimalismo.

#cultura


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Imagem de uma folha em branco com uma lapiseira ao lado sobre uma mesa de madeira.

Após apresentar “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéry à turma de 7° série, o professor de redação pediu-lhes para que apresentassem uma síntese do livro. O único comando que ele dispôs no quadro negro foi “Escrevam apenas o essencial da história”.

Enquanto toda a sala rascunhava rapidamente sobre seus papéis, o pior aluno entregou uma folha em branco. O professor, contrariado, indagou do que se tratava aquilo. E o aluno timidamente respondeu:

― Professor, é que eu aprendi com o Pequeno Príncipe que

O essencial é invisível aos olhos.

Este aluno recebeu a melhor nota da turma.

#cotidiano


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Imagem de uma feira de frutas no interior do Brasil.

“Olha a informação! Informação fresquinha!”

Gosto de pensar a internet como essa grande feira de sites. Nas feiras, se você quer um produto, haverá alguém que conhece um alguém que conhece um alguém que tem o que você quer. São como aqueles galos do João Cabral de Melo Neto. Visita-se um site, e este o direciona para outro, que aponta para outro etc. Essa é a graça inclusive de ter um blogue: participar ativamente dessa rede, seja reconectando-a, seja contribuindo com ela.

Outro dia compartilhei o Internet Artifact, que me chamou a atenção por conta de sua arqueologia internáutica. Agora compartilho outros endereços curiosos envolvendo descoberta e publicação de artes, que já publiquei via #SurfandoWeb pelo meu perfil Akkoma ― que tem sido um grande laboratório para as publicações destas Ideias de Chirico.

Todo som ao mesmo tempo e em todo lugar

Não sabe que música ouvir numa noite aleatória ou quer conhecer novos gêneros musicais dos mais diversos cantos do mundo? Conheça Every Noise At Once.

Ao carregar a página, verá uma nuvem quase infinita de gêneros musicais correlatos por nacionalidade ou por ritmo. Ao tocar em um deles, a página executará um exemplar de mais ou menos 10 segundos de cada gênero. Dica de ouro: dê um Ctrl + F e escreva um gênero ou nacionalidade pelo qual você se interessa, e daí poderá conhecer outros similares.

Every Noise At Once lembrou-me a proposta de Radiooooo que executa sucessos radiofônicos da década e do país da escolha do visitante. No entanto, ao tempo que Radiooooo compartilha sucessos de todas as épocas, Every Noise At Once concentra-se na cena underground contemporânea.

O que pode 10kb?

A Galeria 10kb é um compêndio de imagens com tantos bites quanto este texto que vocês leem ― ou até mesmo mais leve. Visitá-la me faz pensar nas reais necessidades de espaço de disco para a comunicação digital.

Por que afinal queremos tudo em HD 4K? Às vezes 10kb já dá conta do recado! Afinal, é preciso que também nos acostumemos com pouco. Em um mundo ávido por informação em alta-definição, não podemos perder a sensibilidade das coisas em baixa-definição ― mais próximas das tecnologias analógicas e da vida mesmo.

Além de tudo, é interessante ver respostas criativas ao desafio de se criar uma imagem tão leve quanto um arquivo de texto. Como escreve Mike Grindle comentando sobre o porquê de se fazer um site compatível ao espaço de um disquete,

Ao meu ver, nada inspira mais criatividade do que limitações. Isso não só lhe deixa pensando “fora da caixa”, mas também lhe estabelece limites nos quais trabalhar.

Essa, inclusive, também é a graça de escrever sob padrões ou limitações precisas, como os velhos 140 caracteres de um tuíte ou como o verso dodecassílabo de um soneto... A ideia de densificar o pensamento e escrever coisas complexas em um espaço limitado é de uma sedução irresistível!

Infelizmente a Galeria está há um bom tempo sem atualizações, porque o organizador está concentrado em outros projetos. Mas já temos um bom arsenal.

Conheço também outros endereços análogos a ela, como o 1MB Club, que ranqueia sites que, de fato, caberiam em um disquete.

Estériques

Ficou curioso a respeito de uma estética específica de um período? Quer entender melhor de um dado zeitgeist? Quer se inspirar para projetar à la um certo “ismo”? Indico o Consumer Aesthetics Research Institute (CARI).

O CARI é como um Radiooooo visual. Ao entrar na sua página inicial, você terá várias abas de filtros para curadoria, como período, palavras-chaves ou ordem alfabética.

Claro, como o próprio nome diz, ele é voltado à estética do consumo, não à estética artística, que se preocupa com o puro prazer... estético. No entanto, esta é muito influenciado por aquela, e até a inspira! Vide o pop-art ou, um pouco atrás, o art-nouveau.

#cultura


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Imagem de Mário de Andrade, um homem pardo e calvo usando óculos de grau redondos e terno. Sua face está sendo iluminada por uma luz que vem debaixo.

Mário de Andrade

é um desafiador da servil e adocicada e grandiloquente cultura oficial, um criador de palavras que morrem de inveja da música, e que são, contudo, capazes de ver e dizer ao Brasil e também capazes de o mastigar, por ser o Brasil um sabaroso amendoim quente.

De férias, pelo puro gosto de se divertir, Mário de Andrade transcreve ditos e feitos de Macunaíma, herói sem nenhum caráter, tal como os escutou do dourado bico de um papagaio. Segundo o papagaio, Macunaíma, negro feio, nasceu no fundo da selva. Até os seis anos, por preguiça, não pronunciou uma palavra, dedicado como estava a decapitar formigas, a cuspir na cara de seus irmãos e a meter a mão nas graças de suas cunhadas. As cômicas aventuras de Macunaíma atravessam todos os tempos e todos os espaços do Brasil, em uma grande gozação que não deixa santo por desvestir, nem fantoche com cabeça.

Macunaíma é mais real do que seu autor. Como todo brasileiro de carne e osso, Mário de Andrade é um delírio da imaginação.


1927, Araraquara

Imagem de Mário de Andrade, um homem pardo e calvo usando óculos de grau redondos e roupão. Mário fuma e tem diante de si um amontoado de papéis.

Mário de Andrade

es un desafiador de la servil y dulzona y grandilocuente cultura oficial, un creador de palabras que se mueren de envidia de la música y que son sin embargo capaces de ver y decir al Brasil y también capaces de masticarlo, por ser el Brasil un sabroso maní caliente.

En vacaciones, por el puro gusto de divertirse, Mário de Andrade transcribe dichos e hechos de Macunaíma, héroe sin ningún carácter, tal como los escuchó del dorado pico de un papagayo. Según el papagayo, Macunaíma, negro feo, nació en el fondo de la selva. Hasta los seis años no pronunció una palabra, por pereza, dedicado como estaba a decapitar hormigas, a escupir a la cara de sus hermanos y a meter mano a las gracias de sus cuñadas. Las desopilantes aventuras de Macunaíma atraviesan todos los tiempos y todos los espacios del Brasil, en una gran tomadura de pelo que no deja santo por desvestir ni títere con cabeza.

Macunaíma es más real que su autor. Como todo brasileño de carne y hueso, Mário de Andrade es un delirio de la imaginación.


In: “Memoria del fuego III. El siglo del viento” (1986), de Eduardo Galeano. Tradução de Arlon de Serra Grande.

#cultura #tradução


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Imagem: reprodução da entrada do Internet Artifacts.

Não tem jeito. Estou viciado em explorar sites. Desde que o blogue The Jolly Teapot publicou um linkroll contendo uma enormidade de endereços curiosinteressantes, estou fascinado pela ideia de interpretar sites como produtos artesanais. Como arte mesmo. As plataformas comerciais ― ou de entretenimento ― felizmente não detonaram de todo esse ramo da internet, e, de certa forma, até lhe deram um novo fôlego, como a Small Web (ou Indie Web) e o Fediverso mesmo.

Um desses endereços que The Jolly Teapot publicou é o Internet Artifacts ― não o confunda com o Internet Archive (eu confundi aqui durante a redação do texto). Trata-se de um pequeno museu de (digamos) “atos inaugurais” da internet: o primeiro emoticon utilizado, o primeiro meme, o primeiro blogue, o primeiro site de delivery etc. O arsenal é imenso, e vai de 1977 até 2007. Como há algumas reproduções de mídia, é necessário ativar Javascript. De qualquer modo, vale a visita. Para abrir o apetite de vocês, separei três das diversas curiosidades que há no endereço e os traduzi. Boa leitura.

O primeiro “:–)” (1983)

Reprodução de tela de um boletim acadêmico. Nela Scott Fahlman sugere o uso de uma carinha feliz e uma carinha triste para distinguir piadas e posts sérios na rede.

Imagem: reprodução do boletim da Universidade de Carnegie Mellon.

O primeiro uso registrado de um “:–)” na internet é de 1982, quando o cientista da computação Scott Fahlman propôs o uso de :–) e :–( para distinguir piadas e posts sérios na rede.

A proposta veio em resposta a um post no boletim da Universidade de Carnegie Mellon, em que um estudante brincou dizendo que havia mercúrio espirrado no elevador do departamento de física. Outros estudantes não sacaram a piada e pensaram que o espirro realmente aconteceu.

Os emojis foram aos poucos adotados na Carnegie Mellon e mais tarde por toda a internet.

Fogcam (1994)

Reprodução do site Fogcam com duas imagens, uma de uma rodovia e outra de cadeiras perto de uma piscina. O site é mostrado pelo antigo navegador Netscape.

Imagem: reprodução do site da Fogcam, que ainda está na ativa.

Criado por dois graduandos da Universidade Estadual de São Francisco, a Fogcam é celebrado como a webcam mais longeva. Originalmente posta como um experimento para compartilhar parte do cotidiano do campus, ela rapidamente se tornou um recurso amado nos primeiros anos da internet. A webcam tinha até uma sala de bate-papo na qual os usuários poderiam discutir o clima.

A webcam quase foi fechada em 2019, mas o público implorou por mantê-la ativa. Ela tem estado ao vivo por 30 anos.

Dancing Baby (1996)

Imagem animada de um modelo 3D de um bebê usando fraldas em um fundo preto, dançando chá-chá-chá

Imagem: reprodução do .gif do Dancing Baby.

Um dos maiores memes do início da internet, o Dancing Baby foi um resultado não intencional da demonstração de um plugin para 3D Studio Max, que poderia animar criaturas bípedes. Criada em 1996 a partir de plugin de animação com dança chá-chá-chá sobre um modelo 3D de um bebê, a animação resultante foi descartada por ser muito “perturbadora”.

A animação recebeu uma segunda vida quando foi recriada a partir dos mesmos arquivos e postada como .gif em um fórum CompuServe. Ela tomou seu rumo através de e-mails institucionais e teve uma explosão de popularidade depois de receber a música “Hooked on a Feeling” como fundo. Ela foi intermitentemente remixada, e até apareceu em uma alucinação na série Ally McBeal.

#tradução #tecnologia


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Imagem de Buster Keaton

Buster Keaton

Faz rir o homem que nunca ri.

Como Chaplin, Buster Keaton é um mago de Hollywood. Ele também criou um herói do desamparo. O personagem de Keaton ― chapéu de palha, cara de pedra, corpo de gato ― não se parece nada a Carlito ― o Vagabundo ―, mas está metido na mesma guerra cômica contra policiais, bandidos e máquinas. Sempre impassível, gelado por fora, ardente por dentro, muito dignamente caminha pela parede ou pelo ar ou pelo fundo do mar.

Keaton não é tão popular como Chaplin. Seus filmes divertem, mas têm muito mistério e melancolia.

1919, Hollywood

Imagem de Buster Keaton

Buster Keaton

Hace reír el hombre que nunca ríe.

Como Chaplin, Buster Keaton es un mago de Hollywood. Él también ha creado un heróe del desamparo. El personaje de Keaton, sombrero de paja, cara de piedra, cuerpo de gato, no se parece en nada a Carlitos el Vagabundo, pero está metido en la misma guerra desopilante contra los policías, los matones y las máquinas. Siempre impasible, helado por fuera, ardiente por dentro, muy dignamente camina por la pared o por el aire o por el fondo del mar.

Keaton no es tan popular como Chaplin. Sus películas divierten, pero tienen demasiado misterio y melancolia.


In: “Memoria del fuego III. El siglo del viento” (1986), de Eduardo Galeano. Tradução de Arlon de Serra Grande.

#cultura #tradução


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Imagem de uma mesinha de centro em madeira sem verniz e com dois apoios.

Um site desenhado sem Javascript é como um belo móvel wabi-sabi: ele tem uma beleza simples, cria o seu próprio espaço e tem o tempo como um grande aliado!

Sou um grande fã do HTML puro. Comecei a navegar sem Javascript (doravante “JS”) desde que percebi o quão pesado era para a experiência web e o quão prejudicial era para a privacidade.

Além de tudo, não gosto de firulas. Detesto animações e acabamentos meramente cosméticos em programas; aprecio o aspecto “brutalista” que uma página de HTML puro tem. Ademais, algumas vezes navego pela internet com velocidade reduzida e a ausência de JS no site me ajuda bastante.

E o mais importante: sem JS não há propagandas. Não há coisa que eu mais odeie neste mundo do que propagandas na internet. Pelos veículos de massa como jornal, rádio e televisão há um bom argumento e uma boa estrutura para possibilitar e legitimar as propagandas: é pelas propagandas que esses veículos tiram o seu sustento.

De resto, nesses meios você pode se alhear: pode simplesmente dar uma volta pela casa durante os comerciais de tevê, abaixar o volume do rádio durante os jingles de margarina ou ignorar as páginas patrocinadas de jornais e revistas.

Não há essa mesma legitimação e estrutura para a publicidade em dispositivos digitais. Propagandas são pereptoriamente seres alienígenas nesses meios, frutos de um mercado publicitário decadente que não sabe como o veículo para o qual trabalha funciona.

Afinal de contas, por que vou assistir a uma propaganda se tenho a opção de não a ver? Por que vou deixar um vídeo ou um .gif que seja aparecer a contragosto em um aparelho sobre o qual tenho total controle e sobre o qual, ao contrário da tevê, não posso me alhear?

Bem, seja. Odeio anúncios. E se você, assim como eu, os odeia e quer saber como se livrar do JS, sugiro este tutorial.

Neste texto disporei endereços de interesse público, ou de uso público, que funcionam sem JS habilitado. Como outras publicações neste blogue, esta estará sujeita a futuros acréscimos e correções.

Começo pela já tradicional Wikipédia, que dispõe de uma versão totalmente funcional de HTML com adição de CSS. Todas as cortinas de opções funcionam e não há quebras na página. A Wikipédia é produto de uma equipe que viveu a velha internet e que soube se adaptar ao presente sem esquecer as lições do passado.

Internet Archive, um dos mais antigos acervos de documentos de domínio público na internet, que disponibiliza arquivos em alta qualidade e até torrents de filmes e músicas. Só foi lá onde pude baixar clássicos e raridades, como o “disco do tênis” do Lô Borges e o filme argentino “Infância Clandestina”. Em seu modo sem JS, o Internet Archive apresenta algumas quebras na página, mas nada que impeça o visitante de baixar o arquivo que deseja. O site disponibiliza também de uma versão cebola para navegar pela rede TOR.

O Deviantart, ao contrário da maioria das redes sociais voltadas para compartilhamento de imagens, roda suave sem JS habilitado. Descobri esse modo “limpo” por acaso, enquanto buscava uma imagem para compôr o ícone do meu antigo perfil do Mastodon.

Invidious é uma interface web sem anúncios e pró-privacidade do Youtube. Obviamente, em sua versão anti-Javascript você é incapaz de rodar os vídeos, o que o leva a baixá-los. Invidious também possui, dentre as suas instâncias, versões cebolas.

Para aqueles que ainda veem qualidade nos produtos Google, há uma versão sem JS de seu buscador. Através dela, é possível encontrar imagens e notícias. No entanto, o buscador Google sem JS não roda em todos os navegadores. Outros buscadores fornecem as mesmas opções, como o SearXNG e o StartPage ― ambos pró-privacidade, ao contrário da Google.

Wiby é um motor de busca que só indexa links de HTML puro. Infelizmente o seu acervo é pequeno se comparado a outros buscadores e possui um baixo poder de busca, o que o limita à pesquisa de uma palavra-chave por vez. No entanto, essa é uma nova fonte possível de descoberta na internet.

Por fim, há poucos dias vi que a famosa rede social Last FM de compartilhamento de músicas ouvidas também funciona muito bem sem JS. Uma vizinha do Fediverso me contou que isso acontece porque a plataforma há muito não recebe atualizações, o que causa por vezes alguns bugs. Não faz mal. Mesmo sem JS, pelo Last FM você pode ter algumas informações sobre artistas e bandas do seu interesse, como origem/biografia, discos, fotos, além das músicas mais ouvidas pelos usuários e seus comentários.

#tecnologia


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Imagem de uma sopa de letrinhas

Um, dois: feijão com arroz!

Lembro que, quando eu era menino, minha mãe me elogiava porque eu comia tudo do prato: se me colocassem muita comida, eu comia; se me colocassem pouca comida, eu comia ― isso sem nunca reclamar da quantidade. O importante era comer!

Cresço um bocado e sigo com esse mesmo comportamento, mas também em outros contextos da vida. Hoje sou um indivíduo que se adapta rápido às situações, que se contenta com pouco, mas que, ao mesmo tempo, tenta tirar o melhor proveito do que há disponível.

Semana passada migrei de plataforma no Fediverso. Antes participava de uma instância do Mastodon, uma plataforma de microblogging que tem o limite padrão de 500 caracteres por postagem. Passei então para o Akkoma, também um microblogging, mas que permite ao usuário a publicação de 5000 (!) caracteres.

A limitação de caracteres nunca me foi um grave problema no Mastodon ― tanto que o frequentei por quase um ano. Eu migrei mesmo foi para ter uma melhor integração com o protocolo fediversal. No entanto, pouco a pouco percebi que, havendo um limite maior por postagem, passei a desenvolver melhor meus comentários e debater mais extensamente ― bref: comecei a “comer” (akkomer?) os caracteres que me passaram a ser disponíveis!

Com esse limite maior de caracteres, eu poderia evitar os medonhos fios do Mastodon ― um hábito infelizmente importado do X Twitter ―, me estendendo um pouco quando necessário.

Eventualmente produzi textos que se pareciam com rascunhos para publicações deste blogue. Ontem, então, decidi publicá-los “finalizados” aqui com uma ligeira adaptação e algumas correções.

Sobre “Koyaanisqatsi” (11 de maio)

Cena de “Koyaanisqatsi”.

Semana passada assisti ao “Koyaanisqatsi”, um documentário indicado por um usuário participante do último #tercinema, cujo tema era “filmes com gênero difícil de definir”.

O partido do filme é registrar vários momentos do território estadunidense, desde sua natureza até sua paisagem industrial/urbana. Pensei que eu fosse ficar entediado, mas nem sequer pausei o filme.

Não há fala alguma durante o longa, imaginem vocês! Só vez ou outra há um canto de timbre grave que canta “Koyaanisqatsi” (o significado dessa palavra é mostrado ao fim do filme).

Soa como um filme simples (a ideia de fazer um filme só com imagens é muito sedutora), mas imagine ter todos esses planos-sequências de cenas que nunca mais se repetirão (fenômenos raros da natureza, detonação de edifícios imensos etc.) e ter de fazer uma montagem que, não só faça sentido, mas que também seja interessante aos olhos...

Durante toda a película, vemos a montagem fazer uma constante relação de causa e consequência. “Koyaanisqatsi” faz parte de um nicho de cinema que age, não por subordinação (narrativa), mas por coordenação (paralelismos) ― Godard, Vertov e Einsestein estão inclusos nesse “gueto poético-cinematográfico”.

Assisti-lo endossou minha ideia de que diretores de documentários são muito mais ousados e experimentais do que diretores de filmes ficcionais ― muito presos à “narrativa”.

As pessoas que lhe assistiram elogiam muito a trilha sonora. Ao meu ver, Philip Glass, compositor contratado para o filme, pode não ser o melhor compositor da vanguarda americana (eu creio que um Steve Reich seria muito mais idôneo), mas a música frenética glassiana coube muito bem ao filme.

Assistam ao “Koyaanisqatsi”! E se puderem, façam-no ebriagados de alguma coisa, nem que seja de paixão pela vida!

Páginas sem Javascript (11 de maio)

Sou um grande fã do HTML puro, porque na maioria das vezes navego pela internet com velocidade reduzida, e não ter Javascript no site me ajuda bastante ― além do apelo estético “brutalista” que o HTML puro tem.

Aqui estão alguns sites de interesse público que funcionam sem javascript habilitado.

Internet Archive, repositório de uma biblioteca digital em funcionamento desde 1996.

Wikipédia. Dispensa comentários.

Invidious, uma front-end sem anúncios do Youtube.

Google Imagens. Sim, ele funciona sem JS!

O velocista Emerson Fittipaldi não sabia estacionar carros (13 de maio)

Imagem de um carro de corrida na pista. Ao fundo a arquibancada de observadores lotada.

Fittipaldi na pista. O que será que toda essa gente diria se o vissem dirigir um carro de passeio?

Mais cedo eu soube que Emerson Fittipaldi, o famoso corredor brasileiro de fórmula 3, era um zero à esquerda para estacionar carros. É tudo. Pensemos duas vezes antes de nos cobrar por realizar deveres que só há em nosso trabalho em todas as faces de nossas vidas. Não estamos mais no século XIX, não precisamos mais ser aquele militar do Machado de Assis, que tem de vestir uma farda 24 horas por dia para se sentir pleno.

O que diferencia uma plataforma de microblogging da de macroblogging (11 de maio)

Quando termina o microblogging e começa o macroblogging?

toot de @NoahLoren13@mastodon.social

Quando precisamos escrever segundo a norma ortográfica para respeitar algum gênero de texto? Quando ultrapassamos o limite de uma postagem que cabe em um print de celular? Quando precisamos sair da plataforma para lermos o texto integralmente? Não sei!

Post scriptum: talvez o microblogging tenha uma temática menos previsível do que o macroblogging...

Número de Dunbar (14 de maio)

Imagem de um grupo indígena. Vestem roupas de penas e palhas ou tecido vermelho.

Segundo o antropólogo Robin Dunbar, a capacidade máxima de membros em uma comunidade coesa está entre 100 e 230 pessoas.

O número de Dunbar define o limite cognitivo teórico do número de pessoas com as quais um indivíduo pode manter relações sociais estáveis, ou seja, uma relação onde o indivíduo conhece cada membro do grupo e sabe identificar em que relação cada indivíduo se encontra com os outros indivíduos do grupo.

Se for assumido que humanos possuem um limite com o qual conseguem se organizar e manter relações sociais sem fazer uso de burocracias ou reguladores, qualquer tipo de organização, tecnológica ou não, precisa se preocupar em como sua arquitetura de funcionamento para que se adapte a este limitante

Fonte: Wikipédia

Isso deveria se aplicar também aos servidores do Fediverso! Por que manter megainstâncias como a mastodon.social se as pessoas nela incluídas são incapazes de conhecerem-se completamente umas às outras?

#cultura


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Imagem: desenho de Kurt Vonnegut. Fonte: Flashbak.com.

A quick one.

No começo do ano, abri este espaço como uma forma de desencanar minha escrita.

Ávido por escrever, mas cansado de enviar textos para zero pessoas pelo Instagram ― uma rede hostil by-design ao texto ―, e cansado de fazer textos na faculdade para uma só pessoa ler ― meu professor ―, vi no Fediverso uma vazão para meus textos.

Devo assumir que não estou satisfeito com a maneira com a qual isto tem caminhado. Não penso tanto em temas, nem em frequência de postagens ― é natural que um blogue não publique assiduamente ―, mas em estilística.

Uma de minhas preocupações quanto à forma é o problema de alinhar meu estilo ― naturalmente academicista e prolixo ― a temas ordinários ― rotina, tecnologia e arte ― com texto direcionado ao maior número de pessoas possível.

Ao abrir estas Ideias, me inspirei em blogues como os de Rodrigo Ghedin, de Kris De Decker e de Lionel Dricot, tanto visualmente ― todos em html quase puro ―, quanto estilisticamente: apesar de terem um estilo de escrita bem polido, são capazes de escrever de forma interessante para o público geral sobre o seu assunto principal ― tecnologia. Não estou confiante ainda de que estou neste caminho.

Ao fim e ao cabo, não sei sequer porque escrevo este blogue! De início, meu propósito era escrever ensaios. No entanto, cada vez mais me vejo distante desse gênero textual. No meu último texto mesmo, a fim de “ensaiar um ensaio”, fiz uma trapaça tremenda quanto às citações que, se vocês soubessem, ficariam enojados...

Além disso, gostaria de promover um canal de comunicação para o leitor geral destas Ideias. O Fediverso é muito receptivo ao que escrevo, no entanto gostaria de saber também o que pessoas que vêm de outros lugares têm a dizer. Tenho pensado em fazer o e-mail ser este canal. Falta saber só como provê-lo com segurança dentro da estrutura deste blogue.

É tudo. Espero que compreendam minha necessidade de expôr o que tem me passado, e que a experiência lance luz sobre como o superar.

#cotidiano


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Bernard Schneuwly, importante pesquisador da linguística textual, em seus estudos defende que há uma imbricada relação entre escrita e fala, que deixa evidente a coordenação, não a subordinação, entre ambos os veículos de comunicação.

Segundo o autor suíço, escrevemos para falar ― quando, por exemplo, elaboramos um discurso de formatura ―, escrevemos para escrever ― quando, p. e., tomamos nota para a redação de um artigo ―, e mesmo falamos para falar ― quando, p. e., em uma reunião de grupo de seminário decidimos o que será falado na apresentação.


Uma relação entre escrita e fala, porém, passou batido por Schneuwly ― ao menos no texto que li ―, e esta é o falar para escrever.


Uma relação entre escrita e fala, porém, passou batido por Schneuwly ― ao menos no texto que li ―, que é o falar para escrever. Dois exemplos dessa relação é quando nos encontramos com outra pessoa para falar de textos nossos, como por exemplo um orientador de monografia para acertar o trabalho e receber orientações de escrita, ou quando redigimos um texto através da voz, seja transcrevendo-a automaticamente através de inteligência artificial, seja gravando-a para depois transcrevê-la manualmente ― a forma menos usual. Neste texto relatarei a minha experiência com este último modus operandi de escrita e indicarei alguns recursos necessários para que você também comece a fazê-lo.

Premissas

Nos últimos dias, em vez de rascunhar meus textos à mão, em silêncio, gravo-os pelo esmartefone, como se eu estivesse os ditando para um assessor ou para um escriba. Depois, ao computador, transcrevo a gravação, selecionando alguns trechos e alterando outros.

Aparentemente uma ideia de Chirico, gravar em voz rascunhos de textos foi uma solução eficaz contra um recorrente bloqueio criativo do qual eu vinha sofrendo, tanto pelo pouco tempo de que disponho para sentar e escrever, quanto pela ritualização por que passa minha escrita.


Gravar em voz rascunhos de textos foi uma solução eficaz contra um recorrente bloqueio criativo.


Quando só disponho de lápis e papel ou um computador para escrever, necessito de ter silêncio e de estar sentado, um contexto que em geral me causa tensão. Já com um gravador, a depender da ocasião e do tema, minhas palavras fluem mais.

A vantagem de se usar um gravador de voz em vez de um transcritor automático de áudio, é que dependo quase nada de internet, e posso ditar um texto a qualquer momento do meu dia e em qualquer posição, seja de pé durante uma caminhada, sentado durante uma viagem de ônibus, ou mesmo deitado numa madrugada preguiçosa, como aquela na qual comecei a elaborar este texto...

Outra vantagem de se redigir o texto por voz ― e essa bem específica ― é que dessa forma tenho-o já pronto na forma oral, e dispenso sua oralização após a redação. Como sempre prezo pela pronunciabilidade de meus escritos, sua vocalização é de suma importância.

Recursos

Os recursos de que necessito para a escrita vocal são basicamente um aplicativo gravador de voz e um serviço de nuvem logado entre dois dispositivos ― um para gravar os áudios em movimento (neste caso, um esmartefone) e outro para transcrevê-los “estacionado” (neste caso, um laptop).

O aplicativo que utilizo para gravar chama-se Audio Recorder, que encontrei pelo repositório principal da F-Droid. A nuvem que conecta meus dois dispositivos é o Nextcloud com servidor da Ayom Media ― uma de minhas comunidades no Fediverso ―, que, comparada às nuvens das plataformas comerciais, é muito mais flúida, menos burocrática e mais respeitosa quanto à privacidade.

O Audio Recorder me chamou a atenção pela primeira vez porque me permitia criar arquivos de áudio com destino e título definidos por mim. Logo depois percebi que fornece outros recursos, como a escolha da qualidade dos áudios, uma edição básica e simultânea às gravações, além de dar a possibilidade de não incluir momentos de silêncio contínuo durante a gravação ao se exportar seu arquivo.


Ter um arquivo menor de áudio facilita na hora do envio do arquivo através da nuvem.


A opção de escolher áudios com uma qualidade menor é relevante porque, uma vez que há um grande volume diário de gravações e que arquivos de áudios em geral são muito largos, é importante que se utilize um formato compacto. Além disso, ter um arquivo menor de áudio facilita na hora do envio do arquivo através da nuvem ― um arquivo de áudio com frequência de 8khz (minha frequência padrão) de alguns minutos leva o mesmo tempo para ser sincronizado que um arquivo pequeno de texto puro.

Há um trade-off, no entanto, de se utilizar uma frequência baixa de áudio, que é a de deixar o áudio menos compreensível, com um timbre de ligação de orelhão, que merece mais atenção. É impossível ouvir um áudio de baixa definição em público. Só se pode transcrevê-lo ao computador e em um lugar silencioso. No entanto, este contexto de escrita já não é o mesmo de quando se rascunha diretamente ao computador: agora se tem em mãos a base do que é preciso redigir.

Discussões

Sei... Muitos de vocês podem pensar “Mas não seria muito mais prático fazer uma transcrição automática de voz?” Esse método, no entanto, não é de todo satisfatório, uma vez que a transcrição é feita ipsis litteris, o. s., tudo o que é falado ― inclusive os cacuetes, onomatopeias, palavras repetidas ― é transcrito, dando ainda mais trabalho para a redação final. Sem contar que, numa boa parte do meu dia, estou em trânsito e sem internet, o que me impossibilita a utilizar um transcritor automático.

Além disso, em uma transcrição não automatizada posso selecionar quais palavras vão entrar no texto, e também posso reformular as frases da gravação que não me agradaram, além de que a transcrição manual torna-se mais uma oportunidade de reflexão a respeito do texto redigido.


A transcrição manual torna-se mais uma oportunidade de reflexão a respeito do texto redigido.


Outra vantagem da escrita por voz é que, enquanto expressamos as nossas ideias, desenvolvemos a própria ideia. Quando escrevemos, tendemos a seguir o roteiro inicial do texto, já que temos a possibilidade de fazer pausas e retomadas durante a escrita.

O mesmo não ocorre numa gravação ou numa conversa, pois nessas ocasiões não temos intervalo, somos engajados a expressar cada vez mais a respeito de um assunto, fazendo com que inclusive improvisemos opiniões.

Alinhado às ideias de Bernard Schneuwly, o método de redigir textos através de gravações de áudio, além de ser um modo eficaz de vencer bloqueios criativos, é uma prova de que não há uma preponderância da escrita sobre a fala, já é um meio possível de escrever através da fala.

Post-scriptum (5 de julho de 2024): Além de gravar textos que serão escritos, também tenho gravado tarefas a serem feitas e lembretes que devem ser mantidos. Fazê-lo tem melhorado a minha memória.

Além disso, a partir desse hábito de falar para escrever, tomei o áudio como veículo de arte e de memória, como o são a imagem e o vídeo; agora guardo episódios de podcast de que gostei, mensagens de áudio de amigos e de outras pessoas queridas, e também mantenho no computador uma pasta de áudios que gravei ― uma espécie de diário sonoro.

#tecnologia


CC BY-NC 4.0Ideias de ChiricoComente isto via e-mail