Ideias de Chirico


tecnologia

Como tornar a tecnologia divertida de novo?

Cartum de Hartley Lin na New York Times. Tradução livre: “Oh, cara, eu adorava brincar com essas coisas antes de elas se conectarem a outras pessoas”.

Sonhamos por anos em ter algum instrumento dopaminérgico prático e que coubesse no bolso, para nos livrar do tédio das horas vagas do trabalho, das viagens intermináveis, das conversas desinteressantes, de horazzz zzzentadozzz na zzzala de ezzzpera. Mas agora, agora já o temos! Viva! Tédio nunca mais!

(Agora temos ansiedade coletiva).

Vez ou outra costumo ver propagandas de computadores dos anos 90, 2000 e 2010. Assistir a propagandas nos ajuda a entender o imaginário dos objetos de consumo. Não me recordo de como era a usabilidade (provavelmente horrível!), mas lembro como cada minuto em frente ao computador era precioso e deveria ser apreciado ao máximo.

A qualquer momento algum parente poderia nos tirar dali para abrir alguma sala de bate-papo ou fazer a mais pixelada vídeo-chamada possível. Estaríamos com nossos computadores pela manhã, e talvez não a veríamos mais pela noite.

A tecnologia eletrônica era divertida. Não era a protagonista de nossos dias, como hoje; era um convidado, aquele tio esquisito que vem de longe contar causos e fazer coisas extraordinárias. Com ele, aprenderíamos algo de novo.

Hoje a tecnologia está estampada em todos os lugares. É o polemista que define o debate público, e é sobre quem mais se fala. Antes, se a tecnologia era uma extensão de nossos olhos, agora é a extensão de nossas bocas ― cada vez mais rançosa e verbal. Se antes, com as redes sociais víamos nossos amigos, agora nela vemos nossos piores inimigos. Parafraseando para este contexto uma fala de Jérémie Zimmermann:

Em quinze anos passamos da era da informática “amiga” para a informática “inimiga”.

A minha relação com a tecnologia mudou de vez por volta de 2014, quando recebi o meu primeiro smartphone, um pequeno Samsung com suas cinco polegadas. A partir do momento que eu pude acessar informações pelo smartphone antes só obtidas pelo computador, notei alguns efeitos nocivos.

Em contraste com o computador, que necessita de um espaço estável e de cabos para estar conectado, os telefones inteligentes trouxeram a portabilidade unida à conectividade sem fio. Isso tirou ritual de “penetrar no mundo virtual” ― sentar-se, ligar o computador, esperar pelo seu longo processo de boot e concentrar-se na navegação de bate-papos e discussões em fóruns.

O telefone, por outro lado, está a todo momento ligado, e pode estar em qualquer lugar, conectado de vários modos. Com o telefone, não há ritual, o ritual está em sair dele, pois a maior parte das atividades cotidianas lhe são atravessadas.

Lembro de quando instalei o Twitter no meu telefone, a rede social que eu mais amava até então. Apesar dessa rede social ter sido desenhada para ser leve e móvel, até 2013 o Twitter era um veículo ao qual eu tinha acesso somente pelo computador. “Tuitar” era um ato imóvel, realizado pelo computador. Quando eu pude então passar a publicar de qualquer lugar onde estivesse, passei a me tornar uma pessoa impulsiva e neurótica.

Impulsiva, porque passei a querer publicar tudo o que viesse à mente, assim, de cara, sem filtro ― um mal do tuiteiro até hoje, inclusive ―: e neurótica, porque passei a redigir mentalmente tuítes viralizáveis ou respostas perfeitas para discussões que eu tinha.

De 2023 para cá, depois de muita experimentação, minha relação com a tecnologia melhorou. Foi quando, pelo Manual do Usuário, conheci a slow web. A slow web é menos um movimento do que um modus operandi perante a internet: a partir dele, freia-se a velocidade da navegação para pô-la em ocasiões pontuais do dia a dia. Navegar passou a não ser um ato ininterrupto, mas sim um evento mais ou menos agendado.

A tecnologia voltou a ser uma visita. Parte até dos meus hábitos que envolvem tecnologias não conectadas são impactados pelo raciocínio slow web, como por exemplo a leitura do meu feed RSS, que faço através do meu Kindle. Em vez de atualizar meu feed diariamente, espero até a próxima sexta-feira para receber as próximas atualizações.

Encontro também mais alegria com um computador pessoal. É nele que penso quando se fala de uma relação saudável com tecnologia. Até hoje tenho um prazer genuíno ao estar com meu laptop Positivo que ganhei quando ainda era adolescente, que, apesar de bem velho, é conservado e ainda resolve todos os meus problemas.

Gosto de como em um computador pode desembuchar com mais agilidade a maior parte de meus problemas, inclusive problemas de comunicação; de como ele pode ser expandido com os mais diversos periféricos; de como pode ser configurado ao meu bel-prazer; de como pode ser consertado em praticamente todos os lugares. Penso até mesmo que a experiência com as redes sociais são bem melhores por um computador!

Parte do prazer com a tecnologia também está em tê-la como um objeto a ser manuseado e configurado; está em tirar a tampa de sua “caixa-preta” e torná-la um instrumento que o usuário domina por completo. E isso, claro, é perpassado por software livre e de código aberto. No blogue da Ava, há um bom argumento para termos controle sobre nossos dispositivos e evitarmos a sua conveniência compulsória.

Sei: não é mais possível recuperar aquela alegria dos primeiros anos da informática. O que relato aqui é o que se ajustou ao meu ritmo e aos meus recursos. Há por exemplo quem tenha conseguido recuperar a alegria pela tecnologia investindo em equipamentos dedicados, como câmeras digitais, tocadores de .mp3, vitrolas, e até máquinas de escrever; há quem conseguiu fugir do vício em telas investindo em um “telefone burro”, dedicado a fazer ligações, ou em um telefone somente para as redes sociais e aplicativos financeiros. Cada um deve fazer o seu estudo de caso e adotar hábitos que lhe caibam.

É necessário dizer também que o discurso que prega a redução do tempo de tela está impregnado pelo discurso da sociedade do desempenho (em termos de Byung-Chul Han), no qual devemos ser chefe e empregado ao mesmo tempo, e nos forçamos a produzir sem parar. Logo, ao tempo que devemos evitar os danos causados pelas tecnologias dopaminérgicas, também devemos evitar o cultivo renitente da culpa pelo descanso, seja ele com um telefone, seja com um livro em mãos.

Sei também que para muitas pessoas o telefone celular é a única fonte de lazer; isso, porém, denuncia mais uma situação de desigualdade do que o estado de arte da informática. No entanto, em uma postura cyberpunk, precisamos compreender os efeitos da tecnologia, apropriar-se deles e neutralizar aquilo que não é conveniente.

Disclaimer: Nenhum texto é uma ilha. Tenho de creditar esta publicação a um tópico de discussão que abri no Lemmy, o fórum fediversal, e que recebeu muitas boas respostas que me fizeram refletir bastante sobre o assunto e desenvolver alguns argumentos desta Ideia de Chirico.

#tecnologia


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Dispositivo Kindle sendo manuseado por uma mão feminina.

Imagem: Pinterest.

O Amazon Kindle, ao lado das invenções dos últimos trinta anos, é uma estranha tecnologia. Com tela sem emissão de luz, bateria durável, um corpo leve e portátil, esse é um dos raros aparelhos modernos que são feitos para durar, e possui uma única função: a leitura. As versões mais recentes desse leitor digital dispõem de conectividade wi-fi, o que permite a compra e a recepção de livros digitais, a tornar o processo de aquisição mais conveniente e mais prático para quem tem zero traquejo com tecnologia.

Na minha experiência, isso é “conveniente” até a página três... Há um tempo eu penava com a quantidade de passos necessários para o envio de livros .epub para o meu Kindle. Era necessário antes de tudo ter internet; depois era necessário abrir o navegador; depois logar no cliente de e-mail; depois enviar os arquivos para e-mail Amazon; para só então ter a rasa esperança de todos os livros que anexei serem reconhecidos pelo dispositivo; e, enfim... ler!

Pensando em um texto do blogue do Felipe Siles ― aqui também da casa ― falando sobre seus hábitos de leitura, passei a utilizar o calibre como veículo de transmissão de livros para o leitor digital. Calibre é um programa que permite a manutenção, edição e organização de livros digitais para dispositivos que aceitem esses arquivos com muita praticidade.

O envio de livros digitais, que através do e-mail levava cinco passos para ser realizado, pelo calibre resume-se a três: espetar o Kindle no computador; clicar em “Enviar livro para dispositivo”; ler. Utilizá-lo era também uma forma de prescindir do serviço de sincronização de livros e de progresso de leitura, muito útil para quem lê por mais de um dispositivo. No meu caso, eu só lia pelo Kindle.

E eis que fuçando o programa acabo por descobrir um recurso muito útil: o de importar e carregar feeds RSS. Eventualmente descobri também que é possível, ainda através do calibre, converter páginas web em arquivos .epub.

Tudo isso fez com que eu acabasse usando menos telas LCD para leitura, tendo, pois, mais conforto visual, e também matando mais rápido minha lista de leituras pendentes de artigos em páginas web que eu salvara. Neste texto mostrarei como é possível ler mais pelo Kindle, seja linques soltos da internet, seja artigos organizados em feed RSS, ou seja ainda através do download de livros.

Importando feed RSS

Após ler um artigo publicado no Manual do Usuário sobre um desenvolvedor que produziu um programa que “imprimisse” um “jornal” a partir de linques de sítios curados, fiquei pensando: e se fosse possível fazer o mesmo, só que em uma tecnologia de tela e-ink ― como o Kindle?

E, juntando os pontinhos, vi que há uma forma de fazê-lo: importando feeds RSS através do programa calibre! Caso não saiba o que é um feed RSS, sugiro a leitura deste artigo também do Manual do Usuário: “Esta tecnologia permite acompanhar seus sites e blogs favoritos de graça e sem filtragem de posts”. Posso ir já adiantando que, em linhas gerais, o RSS é um protocolo que permite agregar atualizações de vários sítios e blogues em um leitor, onde é possível a leitura offline dos textos, como ocorre com os podcasts ― que também utilizam o protocolo RSS.

Este é o método mais difícil de ler mais através de um leitor digital. Entretanto garanto que é o que mais ocupará o dispositivo. De qualquer modo, seu processo não é nada cronófago, pois o calibre é um programa extremamente intuitivo, desenhado com atenção especial para o Kindle.

O arquivo importado do feed RSS a partir do calibre vem com um leiaute dedicado para esse dispositivo e sua diagramação não deixa a desejar. Nele vemos os domínios organizados em listas de um lado, e em outra os textos publicados pelos mesmos domínios a partir da configuração que deixamos no calibre. Durante a leitura dos artigos, temos uma barra informando o progresso do texto no lado inferior, abaixo disso, o título do próximo artigo, e no lado superior o nome do artigo que está sendo lido.

Pelo programa podemos selecionar a quantidade de notícias dos sítios do feed, e qual será a publicação mais antiga da importação. Infelizmente, alguns artigos vêm sem a data de publicação, o que pode tornar a leitura confusa, já que os textos mais recentes são mostrados primeiro, e não há maneira de organizar uma sequência personalizada de leitura sem ter de retornar ao índice.

Para essa importação, basta você seguir as seguintes etapas:

  1. abra o calibre;

  2. clique na seta lateral à “Obter notícias”;

  3. clique em “Adicionar ou editar uma fonte de notícias personalizada”;

  4. clique em “Importar OPML”, que é o formato de arquivo exportado a partir de um leitor de feed RSS;

  5. escolha o arquivo emitido a partir do seu leitor;

  6. então o programa vai baixar todos os artigos dos links que estão no arquivo;

  7. alguns podem não ser reconhecidos ou podem estar com servidores offline, então vale a conferida antes de passar o arquivo .epub para o Kindle via cabo USB ou e-mail.

Este último método seria o menos cômodo e que se aproximaria mais à experiência de receber uma “revista eletrônica”. No meu caso, porém, como para isso é necessário ter o e-mail Amazon ativo, abortei essa opção. Mas fica a indicação.

Transformando sítios web em arquivo .epub

A segunda forma neste texto de ler mais através do Kindle é mais fácil do que a anterior. Sabe quando você está numa página e instintivamente aperta Ctrl mais “S”, para salvá-la, pensando estar editando um texto? Em lugar de apertar “Esc”, aperte “Enter”. Isso gerará um arquivo .html. Para um melhor resultado, sugiro desabilitar o Javascript. Com o arquivo .html na pasta de “downloads”, agora abra o nosso glorioso calibre e siga os seguintes passos:

  1. clique em “Adicionar livros”;

  2. selecione o arquivo .html gerado a partir da página web desejada;

  3. clique em “Converter livros”;

  4. mantenha o formato “.zip” na parte de “Formato de entrada” e “.epub” em “Formato de saída”;

  5. clique em “OK”;

  6. agora espete o seu dispositivo Kindle no computador;

  7. selecione o arquivo convertido;

  8. dentre as opções que abrirem, escolha “Enviar arquivo para Kindle”.

Baixando livros em .epub

A terceira forma de ler mais pelo Kindle é a mais fácil de todas e só depende de alguns linques. Caso você não saiba, há sítios que disponibilizam livros digitais gratuitamente! Uau! Quem diria que uma coisa assim poderia ser encontrada na atual internet tomada de bostificação e streaminguização, hein?

Dentre os sítios web que conheço e que disponibilizam um material assim, estão: 1. Library Genesis ― espelho um e espelho dois ―; 2. Trantor; e 3. Internet Archive; e 4. Anna's Archive. Caso alguns desses espelhos estejam fora do ar, instale o navegador Tor Browser e experimente as versões “cebolas”, ou “dark web”, desses domínios.

A partir dessas dicas, posso apostar que você estará mais ocupado com o seu Kindle do que com o seu telefone celular cheio de notificações, informações sem curadoria e distrações!

Esta publicação foi mencionada no texto “Como tornar a tecnologia divertida de novo” destas Ideias de Chirico.

#tecnologia


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Imagem de vários pixels soltos formando duas mãos escrevendo sobre uma máquina de escrever

Imagem: Serenity Strull/BBC/Getty Images.

Reportagens dos últimos dois anos:

Os “telefones burros” voltaram? (vídeo da CNBC, março de 2023).

Porque as câmeras digitais estão retornando (vídeo da TODAY, fevereiro de 2023).

As fitas cassete voltaram, o dilema é encontrar um toca-fitas. (matéria da New York Times, outubro de 2024)

Por que as máquinas de escrever estão tendo um renascimento na era digital (vídeo da PBS NewsHour, outubro de 2024).

Uma tiktoker de 23 anos faz vídeos sobre como e porquê voltou à mídia impressa (artigo da Slate, setembro de 2023).

Graças a entusiastas do minidisc, é possível adicionar músicas do seu smartphone em um tocador de minidisc (matéria da The Verge, outubro de 2024).

Por que tem se falado tão pouco desse súbito renascimento de várias tecnologias de comunicação antigas? De um lado uma indústria gastando rios de dinheiro na promoção das realidades virtual e aumentada, na streaminguização e na bluetoothização das coisas, e, é claro, na inteligência artificial; de outro, a nova geração reciclando aqui e ali várias tecnologias analógicas, como a máquina de escrever, ou tecnologias eletrônicas “ultrapassadas”, como a câmera digital ou mesmo como os blogues, que participam do movimento da chamada Web Revival, da qual estas Ideias de Chirico fazem parte. Tolice pensar que isso é moda de gente saudosista e ludista...

Essa não parece ser simplesmente uma onda sazonal e gratuita, concentrada em estética. Não é também como a moda hipster dos anos 2010, entusiasta sobretudo do vinil e da máquina de escrever ― eventualmente da fita cassete, como em 2016. Essa nova onda revivalista investe em muito mais tecnologias. Não é organizada em um movimento, mas dela pode se apontar um recorte geracional, nacional e de classe ― gente do norte global, de classe média, com idades em torno de 25 a 35 anos.

Há uma ímpar, crescente e geral insatisfação pelas tecnologias digitais ― seja por conta da bostificação, seja por conta do lock in, seja por conta da economia de atenção. O que esse pequeno movimento (mesmo que nichado) diz a respeito do Vale do Silício? O que posso dizer é que, definitivamente, o analógico é o novo hi-tech. E o offline é o novo online. Não é por outra razão que o filme “Dias Perfeitos” fez sucesso com o público abaixo de 30 anos... Eis aí todo um mundo ocultado pela digitalização compulsiva da vida. “O futuro do futuro é o presente”, já dizia o midiólogo Marshall McLuhan ― o que implica em dizer que o futuro do presente é o passado. Enquanto uma nova tecnologia for ofertada, não como ferramenta, mas imposta como meio de exclusão social (tal como o carro), o analógico seguirá como vanguarda.

#cultura #tecnologia #notas


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Imagem de uma teia de aranha molhada por orvalho

Alguns dos linques mais interessantes que encontrei durante o mês de setembro, com alguma reflexão que eles me trouxeram... Para quem não fala o idioma inglês, infelizmente eles não servirão de muita coisa.

Rewind Museum, uma “Wikipédia” de eletrônicos domésticos antigos ― de rádio à fita cassete, dos primeiros microcomputadores ao gramofone, de televisões analógicas aos videogames. É legal para mostrar para o Enzo que não tem ideia de como as coisas eram antes do esmartefone.

Lista de fotografias consideradas as mais importantes. Autoexplicativo. De vez em quando me pego vendo esta lista e acho uma das coisas mais fascinantes da Wiki.

Sítio web de “Dias Perfeitos”, filme teuto-japonês sobre o qual já escrevi nestas Ideias de Chirico. Sua página inicial promete mostrar “353 dias da vida de Hirayama não mostradas no filme”. Não é para tanto. Há, porém, outras informações relevantes: créditos completos, trilha sonora, entrevistas, dados sobre o estafe e referências de livros.

A visita acima de tudo vale a pena por ser uma obra prima de sítio. Muito caprichado mesmo. Esse é um tipo de material que satisfaz um pouco aquela necessidade de “extras” que vinham junto nos discos DVD, como cortes não incluídos no filme e faixa com comentários do diretor. Quem dera se essa moda de desenhar sítios web para filmes pegasse!

Como ter um banho mais sustentável? Essa é a pergunta levantada pelo ambientalista Kris de Decker em seu novo texto no blogue Low-Tech Magazine, “Communal Luxury: The Public Bathhouse”. Para pensar sobre o impacto ambiental desse costume ordinário e universal, Kris faz um levantamento histórico dos hábitos banhistas na Europa e na Ásia ― completamente em casas de banho público ― e qual a diferença de uso de recursos naturais dessa cultura em comparação com o atual e ubíquo costume do “banho privado”.

Recomendo a leitura. Kris escreve muito bem e é muito interessante ver como o hábito de tomar banho mudou com o tempo, e como, se quisermos ter uma vida sustentável, teremos de mudar drasticamente nossa cultura. Durante a leitura do texto também fiquei pensando na hipótese de nós brasileiros nos sentirmos extremamente vexados ao estarmos nus na frente de outras pessoas pelo fato de não termos tido uma cultura de banho público.

Isto é mais uma dica do que uma recomendação de sítio web. Sempre estranhei o fato de que no Instagram pelo computador você só consegue visualizar as postagens recomendadas pelo algoritmo. No aplicativo móvel pelo menos há uma opçãozinha escondida para ver a lista de favoritos (para ver publicações de perfis selecionados pelo usuário) e a lista de seguindo (para ver as últimas publicações em ordem cronológica). Na versão mobile nenhum desses feeds mostra propagandas e são menos viciantes, já que eles “têm fim”, digamos.

Durante esta semana, no entanto, eu soube que há, sim, um modo de acompanhar postagens recentes e a lista de favoritos pela versão desktop do Instagram, só que os desenvolvedores, claro, a fim de limitar os recursos dessa versão e forçar o usuário ao retorno da versão mobile, simplesmente ocultaram a droga dos botões. Bigtech sendo Bigtech, como sempre.

Na versão desktop, para você entrar na lista de favoritos, tem de pôr <?variant=favorites> depois de , e para entrar na lista das últimas postagens, tem de pôr <?variant=following> depois do mesmo domínio. Ficando assim:

https://www.instagram.com/?variant=following

https://www.instagram.com/?variant=favorites

Praticamente uma easter egg. Cada dia que passa mais eu desejo o fim do predomínio desta que é talvez a rede social mais mal feita da web 2.0. Deixo avisado que a experiência do Instagram por computador é muito mais positiva, já que é menos viciante (por ter mais espaço de tela), e por a gente ter a possibilidade de não ver propagandas. Neste último caso, recomendo a instalação da extensão Ublock, disponível para Mozilla Firefox e Google Chrome.

Que tal zapear por alguns canais do Youtube como se fosse por uma tevê analógica? Essa é a proposta de YTCH. Como a própria sigla acusa (Youtube Channel), a ideia do sítio é mostrar, à moda televisual, uma reprodução ininterrupta e aleatória de canais interessantes do Youtube.

Há separação por categorias como “ciência”, “documentário”, “comida” etc. Independente de qual seja a categoria, os vídeos sempre surpreendem pela qualidade. Sua edição em geral tem aquele quê de canais educativos que é bem relaxante… A sacada é genial e espero que inspire projetos para outras plataformas que necessitam urgentemente de uma curadoria humana de conteúdo, como o TikTok.

#cultura #tecnologia #notas #surfandoweb


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Reflexões sobre a escuridão na cultura ocidental

Imagem de sombras de folhas de árvores no chão.

Imagem: quadro final de “Dias Perfeitos” (2023). Por que nos negamos às sombras?

Quando chego em casa pela noite, não acendo as luzes. Não. Limito-me a cruzar a sala tateando com o olhar. Tem sido assim desde que notei uma sensibilidade à luz ― tenho astigmatismo. Quando a percebi, tratei logo de evitar luzes fortes. Tudo quanto faço, se possível, faço sem luz: me agrada tomar banho com a luz que vem de fora do banheiro, faço as refeições noturnas em penumbra, às vezes até me preparo no escuro para sair...

Mas isso não é tudo ― passei também a ver beleza na escuridão. É bela a vida escura! E o estranho é o quanto se demora para o perceber. Vivendo a maior parte do tempo com uma forte luz sobre nós, não nos atemos ao fato de que as sombras também possuem seu encanto, que não podem ser vistas somente como um mero realçador da luz, mas também como elemento que circunscreve sua própria beleza.

Além do fato de eu ter sentido sensibilidade à luz, um ensaio me foi essencial para compreender o belo possível da penumbra: “Em louvor da sombra”, de Junichiro Tanizaki. Em um Japão tradicional do século XX ameaçado pela luz elétrica, intelectuais como Tanizaki buscaram registrar a apreciação pelas sombras ― ou, se possível, resgatá-las.

“Em louvor da sombra” é a descrição mais genuína possível do contraste entre as sombras dos espaços internos tradicionais do Japão e a luz ofuscante da era moderna, vinda da Europa ― luz que, ironicamente, marca muito mais o Japão contemporâneo do que a sombra.

Se por um lado esse ensaio de Tanizaki a respeito do impacto da luz elétrica sobre a arquitetura, a moda e a culinária japoneses soa conservador, por outro nos faz refletir o quanto de sensibilidade é perdida a cada nova invenção que envolva os sentidos mais imediatos do ser humano ― como a visão noturna ante a luz artificial.

Mais de uma vez, tentei mostrar neste blogue a minha afeição pelas coisas de baixa definição, como quando escrevi sobre o longa-metragem “Dias Perfeitos”. Falo de “baixa definição” em termos de Marshall McLuhan, falo das coisas que não estão dadas, que nos pedem para “ligar os pontinhos”, que requerem a nossa participação para a sua plenitude.

Poemas, fotografias em baixa definição, memes shitpost, música lo-fi, quadrinhos, vídeo-chamadas, palavras polissêmicas, al-guém que... FAla... meiotipoassinsabe?: esses são signos que não nos vêm “empacotados” ― participamos de sua “linha de montagem”.

As sombras possibilitam essa experiência de baixa definição. Um momento em penumbra é uma fuga desta nossa vida de consumo que ansia pela alta definição: a iluminação intensa dos supermercados, as superfícies lisas de ambientes públicos, o signo fácil das propagandas. Afinal: baixa definição = baixo estímulo; logo, alta definição = alto estímulo.

As coisas, em estado penumbral, podem ser quaisquer outras. Uma cadeira com roupas por dobrar pode ser uma poltrona; um cisco no assoalho do banheiro pode ser uma barata ou um naco de sabonete; todos os talheres na gaveta da cozinha, quando escura, são iguaizinhos. Nas sombras, devemos estar atentos, devemos nos preparar para tudo...

A sombra também é atraente em sua qualidade simbólica. Textos “sombreados”, obtusos, são aqueles que não se definem de cara, que convidam o leitor a uma coautoria, que ampliam o branco de sua página esperando ser terminada. É o texto de um Mikhail Bakhtin, deste já citado Marshall McLuhan, de um Machado de Assis, da maioria dos poetas, sobretudo os modernos.

A sensualidade mesmo está diretamente relacionada às sombras. Pensemos nas danças de strip tease ― são feitas à contraluz. Esses mesmos movimentos, se feitos em sol-a-pino, seriam de um humor vulgar e, em lugar de provocar, trariam uma irresistível vergonha alheia.

Esquisito é a campanha milenar dentro da cultura ocidental (ou ocidentalizada) contra as sombras. Nos filmes de terror, os piores monstros saem da escuridão; as rodas de contação de histórias macabras são feitas em torno de uma fogueira ou de um foco de luz, que faz os ouvintes evitarem olhar o seu entorno sombreado; as áreas de sombras nas casas são aquelas mais temidas pelas crianças, cujos pais, por nada neste mundo, não as ensinam a se sentir confortáveis no escuro.

Certo, há uma razão envolvendo a segurança das crianças que faz com que esses mesmos pais ensinem-nas a evitar os espaços assombrados. No entanto, esse medo é levado à vida adulta em forma de aversão. Saídos da infância, nunca mais nos arriscamos a ver as sombras com a atenção que damos à luz.

É compreensível que o homem rupestre, em um ambiente imprevisível, evitasse o escuro. Este era o lugar dos animais selvagens ou pençonhentos, era o lugar do mistério natural. Mas por que o homem moderno, com casa, energia e alimentação armazenada ainda segue com essa oposição ao escuro?

Essa aversão ao escuro é também encontrada no campo da linguagem figurativa. Quando passamos por um momento de dificuldade, dizemos que “procuramos ver a luz no fim do túnel”. Uma pessoa instruída é uma pessoa “esclarescida”. Qual a expressão afirmativa análoga à “Com certeza”? “É claro”! Quando temos dúvida sobre algo, buscamos alguém para “nos esclarescer”. A que está relacionado o Deus cristão? À “luz eterna”...

Não defendo que se evite toda a tecnologia eletrônica que nos ilumina e nos circunda. Não. Creio que devemos emular em nossas vidas o equilíbrio de uma floresta ensolarada. É impossível não se encantar com os feixes de luz que atravessam suas folhas. As sombras destacam a poeira iluminada pela luz solar. O sol não nos é tão quente em uma sombra arborizada, e é nessa mesma sombra que se desenha o movimento das árvores... Isso é komorebi!

“Komorebi” (木漏れ日) é a palavra japonesa para designar a dança entre a luz e as sombras, criada pelas folhas das árvores balançadas ao vento ― isso só existe uma vez, no momento em que é percebida. Apreciar tanto as sombras quanto as luzes nos educa também a viver o aqui-agora sem a perturbação constante do ali-depois. É na apreciação da impermanência, acredito, que reside a felicidade.

#cultura #tecnologia


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Imagem: série “Marilyn Monroe”, de Andy Warhol. Com o fim da hegemonia dos veículos de massas na comunicação social, todo anônimo tornou-se uma celebridade em potencial e toda “celebridade” tornou-se um anônimo em potencial.

Você desbloqueia seu telefone. Toca em qualquer rede social. Qual é a primeira pessoa que vê? Um artista internacionalmente conhecido, um político regionalmente relevante, ou um empresário do ramo tecnológico? Não. Grande chance há de que seja o amigo de infância que há muito não vê relatando que “O de hoje está pago”, o seu colega de trabalho com o qual fala pouco compartilhando fotos e fatos do último rolê, uma crush da qual você já perdeu o interesse publicando um “tbt” ― em outras palavras: gente anônima.

Permaneça nesta mesma rede social. Role um pouco. Se tiver alguma aba de vídeos curtos com curadoria algorítmica, role ainda mais. Se não for gente anônima, um artista do qual nem você e nem o seu colega de apartamento ouviram falar ― um anônimo. Se não for um artista do qual não se sabe, uma influenciadora de um assunto que o algoritmo jurou que seria do seu interesse ― uma anônima. Se não for uma influenciadora, alguma criança ou senhora engraçada “trendando” ― anônimos, anônimos, anônimos.

Os “quinze minutos de fama” preconizados por Andy Warhol saturaram-se. Agora que todos são famosos, ninguém é conhecido. Pense em duas bandas da atualidade que seja do seu gosto. Agora pergunte ao seu pai, ao seu melhor amigo ou amiga, ao seu colega menos íntimo e a qualquer pedestre avulso que passa em frente a sua casa se eles conhecem essas bandas. Se todos as conhecerem, há uma enorme probabilidade de serem bandas locais ou ligadas ao seu círculo ― ou de serem eles próprios a banda.

A recíproca será verdadeira se pescarmos de uma tela de outdoor ou indoor mais próxima e experimentarmos o inverso, procurarmos algum nome conhecido ― e esta será uma tentativa frustrante.

O fato é que as pessoas desconhecidas, aquelas as quais nunca vimos ― e as quais nunca mais veremos outra vez ―, tomaram o palco das celebridades. Isso porque o palco, que era a televisão e o cinema, mudou de lugar. Os Instagrams, os Tiktoks, os Kwais tornaram-se ubíquos. Neles, as pessoas incógnitas ― os seus próprios usuários ― aparecem mais do que as figuras pop sobre a qual outrora ouvíamos em todos os lugares.

Os veículos de massa, que foram o céu ao qual todos assistiam, perderam a predominância no campo das mídias. Se antes todos olhavam para cima, vendo as “estrelas” e as “celebridades” como figuras distantes, graças à invenção do algoritmo e do feed infinito de publicações, agora todos se cruzam e se olham, como se estivessem em uma movimentada rua do centro da cidade.

O antropólogo Michel Alcoforado em conversa no podcast “Boa Noite, Internet” define o espaço neoliberal como aquele onde tudo ocorre concentradamente ao mesmo tempo e em um só lugar: assim é o shopping, assim é a rede social, assim é um player de vídeos curtos.

Tudo, aqui e agora. Todas as pessoas em todos os lugares ao mesmo tempo. Assim é viver no auge da era da eletricidade. Por conta desse fenômeno, há um estado de “atonalidade” de capital social entre as pessoas: a depender do perfil de um usuário de uma rede social algoritmizada, um influenciador do interior do Ceará pode aparecer tanto quanto Elon Musk no seu feed; e a depender do perfil de outro usuário nas mesmas condições socio-econômicas que o primeiro, essas duas figuras podem lhe não ser mais do que estranhas.

Prevejo contudo que em um futuro breve não haverá mais fama, porque não haverá mais veículos de massas. Como ser famoso à velocidade da luz? Como ser famoso para um público que não tem tempo suficiente de reconhecer o seu rosto? Como ser famoso para um público que não teve sequer a chance de o conhecer graças ao seu isolamento algorítmico?

Pode ser que em breve, não haverá mais figuras pop. Apenas comunidades e nichos. Esses círculos circunscreverão no máximo 150 membros, como defende o número de Dunbar. Assim como a maioria dos cientistas só é conhecido dentro da comunidade acadêmica, amanhã pode ser que haja brilhantes figuras dos mais diversos campos da cultura com públicos “ínfimos” para os padrões atuais. E pode ser que nunca mais conheçamos outros Elvis, outros Marleys, outras Monroes, outros Jacksons, outras Madonnas. Todos serão anonimamente conhecidos e todas as esquinas serão tapetes vermelhos.

#cultura #tecnologia


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Imagem: reprodução da entrada do Internet Artifacts.

Não tem jeito. Estou viciado em explorar sites. Desde que o blogue The Jolly Teapot publicou um linkroll contendo uma enormidade de endereços curiosinteressantes, estou fascinado pela ideia de interpretar sites como produtos artesanais. Como arte mesmo. As plataformas comerciais ― ou de entretenimento ― felizmente não detonaram de todo esse ramo da internet, e, de certa forma, até lhe deram um novo fôlego, como a Small Web (ou Indie Web) e o Fediverso mesmo.

Um desses endereços que The Jolly Teapot publicou é o Internet Artifacts ― não o confunda com o Internet Archive (eu confundi aqui durante a redação do texto). Trata-se de um pequeno museu de (digamos) “atos inaugurais” da internet: o primeiro emoticon utilizado, o primeiro meme, o primeiro blogue, o primeiro site de delivery etc. O arsenal é imenso, e vai de 1977 até 2007. Como há algumas reproduções de mídia, é necessário ativar Javascript. De qualquer modo, vale a visita. Para abrir o apetite de vocês, separei três das diversas curiosidades que há no endereço e os traduzi. Boa leitura.

O primeiro “:–)” (1983)

Reprodução de tela de um boletim acadêmico. Nela Scott Fahlman sugere o uso de uma carinha feliz e uma carinha triste para distinguir piadas e posts sérios na rede.

Imagem: reprodução do boletim da Universidade de Carnegie Mellon.

O primeiro uso registrado de um “:–)” na internet é de 1982, quando o cientista da computação Scott Fahlman propôs o uso de :–) e :–( para distinguir piadas e posts sérios na rede.

A proposta veio em resposta a um post no boletim da Universidade de Carnegie Mellon, em que um estudante brincou dizendo que havia mercúrio espirrado no elevador do departamento de física. Outros estudantes não sacaram a piada e pensaram que o espirro realmente aconteceu.

Os emojis foram aos poucos adotados na Carnegie Mellon e mais tarde por toda a internet.

Fogcam (1994)

Reprodução do site Fogcam com duas imagens, uma de uma rodovia e outra de cadeiras perto de uma piscina. O site é mostrado pelo antigo navegador Netscape.

Imagem: reprodução do site da Fogcam, que ainda está na ativa.

Criado por dois graduandos da Universidade Estadual de São Francisco, a Fogcam é celebrado como a webcam mais longeva. Originalmente posta como um experimento para compartilhar parte do cotidiano do campus, ela rapidamente se tornou um recurso amado nos primeiros anos da internet. A webcam tinha até uma sala de bate-papo na qual os usuários poderiam discutir o clima.

A webcam quase foi fechada em 2019, mas o público implorou por mantê-la ativa. Ela tem estado ao vivo por 30 anos.

Dancing Baby (1996)

Imagem animada de um modelo 3D de um bebê usando fraldas em um fundo preto, dançando chá-chá-chá

Imagem: reprodução do .gif do Dancing Baby.

Um dos maiores memes do início da internet, o Dancing Baby foi um resultado não intencional da demonstração de um plugin para 3D Studio Max, que poderia animar criaturas bípedes. Criada em 1996 a partir de plugin de animação com dança chá-chá-chá sobre um modelo 3D de um bebê, a animação resultante foi descartada por ser muito “perturbadora”.

A animação recebeu uma segunda vida quando foi recriada a partir dos mesmos arquivos e postada como .gif em um fórum CompuServe. Ela tomou seu rumo através de e-mails institucionais e teve uma explosão de popularidade depois de receber a música “Hooked on a Feeling” como fundo. Ela foi intermitentemente remixada, e até apareceu em uma alucinação na série Ally McBeal.

#tradução #tecnologia


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Imagem de uma mesinha de centro em madeira sem verniz e com dois apoios.

Um site desenhado sem Javascript é como um belo móvel wabi-sabi: ele tem uma beleza simples, cria o seu próprio espaço e tem o tempo como um grande aliado!

Sou um grande fã do HTML puro. Comecei a navegar sem Javascript (doravante “JS”) desde que percebi o quão pesado era para a experiência web e o quão prejudicial era para a privacidade.

Além de tudo, não gosto de firulas. Detesto animações e acabamentos meramente cosméticos em programas; aprecio o aspecto “brutalista” que uma página de HTML puro tem. Ademais, algumas vezes navego pela internet com velocidade reduzida e a ausência de JS no site me ajuda bastante.

E o mais importante: sem JS não há propagandas. Não há coisa que eu mais odeie neste mundo do que propagandas na internet. Pelos veículos de massa como jornal, rádio e televisão há um bom argumento e uma boa estrutura para possibilitar e legitimar as propagandas: é pelas propagandas que esses veículos tiram o seu sustento.

De resto, nesses meios você pode se alhear: pode simplesmente dar uma volta pela casa durante os comerciais de tevê, abaixar o volume do rádio durante os jingles de margarina ou ignorar as páginas patrocinadas de jornais e revistas.

Não há essa mesma legitimação e estrutura para a publicidade em dispositivos digitais. Propagandas são pereptoriamente seres alienígenas nesses meios, frutos de um mercado publicitário decadente que não sabe como o veículo para o qual trabalha funciona.

Afinal de contas, por que vou assistir a uma propaganda se tenho a opção de não a ver? Por que vou deixar um vídeo ou um .gif que seja aparecer a contragosto em um aparelho sobre o qual tenho total controle e sobre o qual, ao contrário da tevê, não posso me alhear?

Bem, seja. Odeio anúncios. E se você, assim como eu, os odeia e quer saber como se livrar do JS, sugiro este tutorial.

Neste texto disporei endereços de interesse público, ou de uso público, que funcionam sem JS habilitado. Como outras publicações neste blogue, esta estará sujeita a futuros acréscimos e correções.

Começo pela já tradicional Wikipédia, que dispõe de uma versão totalmente funcional de HTML com adição de CSS. Todas as cortinas de opções funcionam e não há quebras na página. A Wikipédia é produto de uma equipe que viveu a velha internet e que soube se adaptar ao presente sem esquecer as lições do passado.

Internet Archive, um dos mais antigos acervos de documentos de domínio público na internet, que disponibiliza arquivos em alta qualidade e até torrents de filmes e músicas. Só foi lá onde pude baixar clássicos e raridades, como o “disco do tênis” do Lô Borges e o filme argentino “Infância Clandestina”. Em seu modo sem JS, o Internet Archive apresenta algumas quebras na página, mas nada que impeça o visitante de baixar o arquivo que deseja. O site disponibiliza também de uma versão cebola para navegar pela rede TOR.

O Deviantart, ao contrário da maioria das redes sociais voltadas para compartilhamento de imagens, roda suave sem JS habilitado. Descobri esse modo “limpo” por acaso, enquanto buscava uma imagem para compôr o ícone do meu antigo perfil do Mastodon.

Invidious é uma interface web sem anúncios e pró-privacidade do Youtube. Obviamente, em sua versão anti-Javascript você é incapaz de rodar os vídeos, o que o leva a baixá-los. Invidious também possui, dentre as suas instâncias, versões cebolas.

Para aqueles que ainda veem qualidade nos produtos Google, há uma versão sem JS de seu buscador. Através dela, é possível encontrar imagens e notícias. No entanto, o buscador Google sem JS não roda em todos os navegadores. Outros buscadores fornecem as mesmas opções, como o SearXNG e o StartPage ― ambos pró-privacidade, ao contrário da Google.

Wiby é um motor de busca que só indexa links de HTML puro. Infelizmente o seu acervo é pequeno se comparado a outros buscadores e possui um baixo poder de busca, o que o limita à pesquisa de uma palavra-chave por vez. No entanto, essa é uma nova fonte possível de descoberta na internet.

Por fim, há poucos dias vi que a famosa rede social Last FM de compartilhamento de músicas ouvidas também funciona muito bem sem JS. Uma vizinha do Fediverso me contou que isso acontece porque a plataforma há muito não recebe atualizações, o que causa por vezes alguns bugs. Não faz mal. Mesmo sem JS, pelo Last FM você pode ter algumas informações sobre artistas e bandas do seu interesse, como origem/biografia, discos, fotos, além das músicas mais ouvidas pelos usuários e seus comentários.

#tecnologia


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Bernard Schneuwly, importante pesquisador da linguística textual, em seus estudos defende que há uma imbricada relação entre escrita e fala, que deixa evidente a coordenação, não a subordinação, entre ambos os veículos de comunicação.

Segundo o autor suíço, escrevemos para falar ― quando, por exemplo, elaboramos um discurso de formatura ―, escrevemos para escrever ― quando, p. e., tomamos nota para a redação de um artigo ―, e mesmo falamos para falar ― quando, p. e., em uma reunião de grupo de seminário decidimos o que será falado na apresentação.


Uma relação entre escrita e fala, porém, passou batido por Schneuwly ― ao menos no texto que li ―, e esta é o falar para escrever.


Uma relação entre escrita e fala, porém, passou batido por Schneuwly ― ao menos no texto que li ―, que é o falar para escrever. Dois exemplos dessa relação é quando nos encontramos com outra pessoa para falar de textos nossos, como por exemplo um orientador de monografia para acertar o trabalho e receber orientações de escrita, ou quando redigimos um texto através da voz, seja transcrevendo-a automaticamente através de inteligência artificial, seja gravando-a para depois transcrevê-la manualmente ― a forma menos usual. Neste texto relatarei a minha experiência com este último modus operandi de escrita e indicarei alguns recursos necessários para que você também comece a fazê-lo.

Premissas

Nos últimos dias, em vez de rascunhar meus textos à mão, em silêncio, gravo-os pelo esmartefone, como se eu estivesse os ditando para um assessor ou para um escriba. Depois, ao computador, transcrevo a gravação, selecionando alguns trechos e alterando outros.

Aparentemente uma ideia de Chirico, gravar em voz rascunhos de textos foi uma solução eficaz contra um recorrente bloqueio criativo do qual eu vinha sofrendo, tanto pelo pouco tempo de que disponho para sentar e escrever, quanto pela ritualização por que passa minha escrita.


Gravar em voz rascunhos de textos foi uma solução eficaz contra um recorrente bloqueio criativo.


Quando só disponho de lápis e papel ou um computador para escrever, necessito de ter silêncio e de estar sentado, um contexto que em geral me causa tensão. Já com um gravador, a depender da ocasião e do tema, minhas palavras fluem mais.

A vantagem de se usar um gravador de voz em vez de um transcritor automático de áudio, é que dependo quase nada de internet, e posso ditar um texto a qualquer momento do meu dia e em qualquer posição, seja de pé durante uma caminhada, sentado durante uma viagem de ônibus, ou mesmo deitado numa madrugada preguiçosa, como aquela na qual comecei a elaborar este texto...

Outra vantagem de se redigir o texto por voz ― e essa bem específica ― é que dessa forma tenho-o já pronto na forma oral, e dispenso sua oralização após a redação. Como sempre prezo pela pronunciabilidade de meus escritos, sua vocalização é de suma importância.

Recursos

Os recursos de que necessito para a escrita vocal são basicamente um aplicativo gravador de voz e um serviço de nuvem logado entre dois dispositivos ― um para gravar os áudios em movimento (neste caso, um esmartefone) e outro para transcrevê-los “estacionado” (neste caso, um laptop).

O aplicativo que utilizo para gravar chama-se Audio Recorder, que encontrei pelo repositório principal da F-Droid. A nuvem que conecta meus dois dispositivos é o Nextcloud com servidor da Ayom Media ― uma de minhas comunidades no Fediverso ―, que, comparada às nuvens das plataformas comerciais, é muito mais flúida, menos burocrática e mais respeitosa quanto à privacidade.

O Audio Recorder me chamou a atenção pela primeira vez porque me permitia criar arquivos de áudio com destino e título definidos por mim. Logo depois percebi que fornece outros recursos, como a escolha da qualidade dos áudios, uma edição básica e simultânea às gravações, além de dar a possibilidade de não incluir momentos de silêncio contínuo durante a gravação ao se exportar seu arquivo.


Ter um arquivo menor de áudio facilita na hora do envio do arquivo através da nuvem.


A opção de escolher áudios com uma qualidade menor é relevante porque, uma vez que há um grande volume diário de gravações e que arquivos de áudios em geral são muito largos, é importante que se utilize um formato compacto. Além disso, ter um arquivo menor de áudio facilita na hora do envio do arquivo através da nuvem ― um arquivo de áudio com frequência de 8khz (minha frequência padrão) de alguns minutos leva o mesmo tempo para ser sincronizado que um arquivo pequeno de texto puro.

Há um trade-off, no entanto, de se utilizar uma frequência baixa de áudio, que é a de deixar o áudio menos compreensível, com um timbre de ligação de orelhão, que merece mais atenção. É impossível ouvir um áudio de baixa definição em público. Só se pode transcrevê-lo ao computador e em um lugar silencioso. No entanto, este contexto de escrita já não é o mesmo de quando se rascunha diretamente ao computador: agora se tem em mãos a base do que é preciso redigir.

Discussões

Sei... Muitos de vocês podem pensar “Mas não seria muito mais prático fazer uma transcrição automática de voz?” Esse método, no entanto, não é de todo satisfatório, uma vez que a transcrição é feita ipsis litteris, o. s., tudo o que é falado ― inclusive os cacuetes, onomatopeias, palavras repetidas ― é transcrito, dando ainda mais trabalho para a redação final. Sem contar que, numa boa parte do meu dia, estou em trânsito e sem internet, o que me impossibilita a utilizar um transcritor automático.

Além disso, em uma transcrição não automatizada posso selecionar quais palavras vão entrar no texto, e também posso reformular as frases da gravação que não me agradaram, além de que a transcrição manual torna-se mais uma oportunidade de reflexão a respeito do texto redigido.


A transcrição manual torna-se mais uma oportunidade de reflexão a respeito do texto redigido.


Outra vantagem da escrita por voz é que, enquanto expressamos as nossas ideias, desenvolvemos a própria ideia. Quando escrevemos, tendemos a seguir o roteiro inicial do texto, já que temos a possibilidade de fazer pausas e retomadas durante a escrita.

O mesmo não ocorre numa gravação ou numa conversa, pois nessas ocasiões não temos intervalo, somos engajados a expressar cada vez mais a respeito de um assunto, fazendo com que inclusive improvisemos opiniões.

Alinhado às ideias de Bernard Schneuwly, o método de redigir textos através de gravações de áudio, além de ser um modo eficaz de vencer bloqueios criativos, é uma prova de que não há uma preponderância da escrita sobre a fala, já é um meio possível de escrever através da fala.

Post-scriptum (5 de julho de 2024): Além de gravar textos que serão escritos, também tenho gravado tarefas a serem feitas e lembretes que devem ser mantidos. Fazê-lo tem melhorado a minha memória.

Além disso, a partir desse hábito de falar para escrever, tomei o áudio como veículo de arte e de memória, como o são a imagem e o vídeo; agora guardo episódios de podcast de que gostei, mensagens de áudio de amigos e de outras pessoas queridas, e também mantenho no computador uma pasta de áudios que gravei ― uma espécie de diário sonoro.

Esta publicação foi mencionada no texto “Língua, ritmo, instrumento ― estilo” destas Ideias de Chirico.

#tecnologia


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Imagem em preto e branco de um campo de futebol visto de trás das grades.

Campo de futebol no bairro Messejana de Fortaleza

Nos últimos meses tenho fotografado em preto e branco através de um esmartefone Motorola e20. O aparelho funciona perfeitamente bem e as fotos não passam por filtros ou edições. Não a princípio. Apenas as vejo em primeira mão por uma tela sem cores. Tenho experimentado usar meu aparelho com as cores de sua tela desativadas. Que se tenha claro desde já que fazê-lo não interfere no arquivo final da fotografia. Somente a visualização das fotos pelo esmartefone fica em preto e branco ― seu arquivo permanece em cores.

No link acima citado, do Manual do Usuário, há algumas razões que me convenceram de não usar meu aparelho com tela colorida. Em uma publicação futura, detalharei todas elas e também os benefícios práticos que obtive. Neste texto me concentrarei apenas na vivência de fotografar com essa configuração.


Somente a visualização das fotos pelo esmartefone fica em preto e branco ― seu arquivo permanece em cores.


Meus companheiros do Fediverso sabem que tenho um espaço dedicado para compartilhar fotos dentro do protocolo Activity Pub. Por ora, no entanto, gostaria de, além de expôr as imagens, discutir alguns efeitos que a ausência de cor provoca no processo de suas capturas.

Processo de “revelação”

Foto em preto e branco de um homem barbudo, de toca e camiseta pretas fumando em uma varanda cuja visão dá para os edifícios altos de uma cidade.

Rafaboy fumando em uma varanda do bairro Meireles de Fortaleza. Os edifícios e os corpos humanos caem bem em preto e branco.

Alguns dos efeitos imediatos de não ver a foto colorida imediatamente após a captura são a ritualização do processo fotográfico e a valorização das cores ― ou de sua ausência.

Nos primeiros dias, ao tirar uma foto pelo celular, eu ficava ansioso para subi-la para a nuvem, a fim de ver por outro dispositivo como ela ficava em cores.

Essa vivência de fotografar “às cegas”, sem ter ideia imediata do resultado final, me lembrou daqueles que trabalham com equipamentos fotográficos analógicos, que só podem ver o produto de seus cliques após semanas, meses ou mesmo anos, através de uma revelação dos filmes em sala escura.

Claro, ao contrário da revelação de filmes analógicos, o meu processo de “revelação” é gratuito, rápido e prático, dependendo só de outro dispositivo com uma tela colorida e ligado à nuvem ― já que evito ao máximo recolocar as cores no esmartefone.

No entanto, esse simples processo de retardamento de “revelação” faz com que eu me engaje integralmente no processo de fotografar, sem me importar tanto com o modo em que saiu a foto, mas me concentrando totalmente na sorte de poder registrar um momento que nunca mais se repetirá.


Ao ver a fotografia integralmente por outro dispositivo, suas cores vinham para mim como coisas inéditas.


Ao ver a fotografia integralmente por outro dispositivo, suas cores chegavam para mim como coisas inéditas. A partir daí, me caberia saber se valeria mais a pena compartilhá-la em cores ou sem elas.

Estetização do real

Imagem de uma visão panorâmica de edifícios em Fortaleza.

Noturnos também são uma boa pedida para imagens em preto e branco. Em fotos monocromáticas, o branco se torna figura (recebendo mais destaque) e o preto se torna fundo.

Desde que comecei a utilizar o celular sem cores, a vinculação entre realidade e reprodução do real arrefeceu-se de todo. Percebe-se com muito esforço que a nossa experiência com o mundo através do olho não coincide com nossa experiência mundana através de algum veículo.

Não vejo nisso, no entanto, um demérito para as tecnologias. Marshall McLuhan, em seu “Understanding Media” (1964), chama a atenção para a especificidade que os aparelhos eletrônicos têm de funcionarem como amplificadores de nossas faculdades corporais e mentais.

Ver uma paisagem natural por, por exemplo, um aparelho televisivo não embota nossa experiência de vê-la a olho nu, mas faz com que percebamos, através desse “amplificador visual”, atributos que não seriam perceptíveis de outro modo.

Nos frustramos ao ver que as fotos que tiramos não ficaram nem um pouco parecidas com a imagem que vemos a olho nu ― o que acontece 90% das vezes. Ao desligar as cores, me dei conta de como elas impactavam na minha percepção da realidade.

Me dei conta também de que a reprodução do real não deveria, a priori, emulá-lo talqualmente, mas que poderia, em vez disso, “vesti-lo”.

Bem, passada aquela primeira fase de ansiedade e estranhamento pela falta de cores, pouco a pouco, no entanto, fui aceitando essa natureza da tela, e, ocasionalmente, vendo sua beleza. Eventualmente, quando a foto está muito boa em preto e branco, não quero sequer saber de como ficou a sua versão colorida.

Temas

Foto em preto e branco de um homem de dreads, regata e chapéu chinês dançando. Ao fundo, um grande edifício.

Novamente Rafaboy posando. Desta vez, no Parque do Cocó de Fortaleza.

Há todo um culto em torno da fotografia monocromática. No entanto, fotografar em preto e branco não resulta em puro glamour em todos os temas. Há aqueles em que as cores devem de ser forçosamente invocadas. Somente fotografando sem cores me dei conta de que não é frequente encontrar por aí fotografias monocromáticas de comida ou de naturezas-mortas — o. s., frutas, plantas, louças ou legumes organizados em uma composição de fotografia ou pintura. Isso porque grande parte da beleza de uma comida está em sua cor.

Lembro de certa vez em que fotografei um conjunto de pedras sobre um tanque de peixes. Tirei, então, sua saturação a fim de que ficasse em branco e preto. Ao publicá-lo, algumas pessoas pensaram que aquilo se tratasse de um prato com carne. Me pareceu naquele momento que a natureza não foi feita para ser fotografada sem cores.

Tenho a impressão de que, em geral, a fotografia em preto e branco cai bem sobretudo a tudo aquilo que é obra do homem, tudo o que é ortogonal, composicional, rítmico: edifícios, campos de futebol, automóveis ou o próprio corpo humano. Além disso, como a cor foi extraída da fotografia, cabe a esta revelar texturas, pondo à disposição do olho os valores táteis das coisas.

Downgrading

Foto em preto e branco de um emaranhado de fios elétricos ligados a um poste de luz. O ângulo da foto é de baixo para cima.

A desorganização parece ser enfatizada pela ausência de cor.

Diz-se que, quando há o embotamento de algum dos sentidos, há o fortalecimento dos demais. Por exemplo, caso uma pessoa perca um pouco de sua visão, sua sensibilidade auditiva, por uma questão de sobrevivência, é catapultada. Tive uma experiência similar a esta quando realizei esse “downgrading” do dispositivo e passei a fotografar sem cores. Tive uma melhora em meu senso de reconhecimento de enquadramento e de texturas, estes que são atributos que as cores distraem.

Entrementes, me tornei mais paciente, uma vez que tinha de esperar pela “revelação” da foto, sem contar que vivi mais os momentos sem me preocupar tanto com a finalização dos registros. Acima de tudo senti o mundo de uma maneira diversa da que eu vivia até então, percebendo novos padrões de beleza visual.

#cotidiano #tecnologia


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