Ideias de Chirico

cotidiano

Imagem monocromática de uma rua vazia de cidade pequena.

Imagem de uma rua da Serra Grande, onde estas notas foram costuradas.

O quê? Mais uma coletânea de notas? Paciência. Estou traduzindo dois textos, escrevendo outro, e, enquanto eles não saem, textos improvisados são tudo o que posso oferecer. Eis aí notas que não consegui desenvolver o suficiente para uma publicação independente, publicações minhas de outros lugares, recomendações de links e tutti quanti. Afinal, este blogue é meu data lake.

Isso o algoritmo não mostra!

Há alguns anos, nos meios antigoverno havia o bordão de que “Isso a Globo não mostra!”. Tinha-se a ideia, não sem razão, de que a TV Globo, mais preocupada em alheiar o telespectador da realidade autóctone, tirava-lhe alguma consciência política, mostrava-lhe o cenário cor de rosa das novelas, do mundo das celebridades.

Quando a internet surgiu, era a expectativa de que o Muro de Berlim dos meios hegemônicos caísse. Toda a informação estaria agora disponível ― mas caoticamente. Como acessar esse mar de dados? Como partir do bit para o dado, do dado para a informação e da informação para o conhecimento?

Curadoria.

Aí residia a importância dos blogues, dos indexadores, de motores de busca e de outras plataformas.

Mas então, com o TikTok, há o sucesso dos algoritmos de curadoria de conteúdo, um tipo de inteligência artificial muito mais danosa para a cultura do que as conhecidas LLM. Se eu abrir neste momento a aba reels do Instagram, saberei exatamente o que verei ― aquilo que mais amo, aquilo com o qual mais me identifico, aquilo que mais me define como pessoa.

Com o algoritmo de curadoria de conteúdo, o outro, aquilo que desconheço e pelo qual sou desconhecido e aquilo que mais me estranha não me é apresentado. E assim a minha noção de alteridade fica estanque e circunscrita a um pequeno circuito.

A esta altura, devemos refletir: a quem servem os algoritmos de curadoria de conteúdo? A quem serve o ser humano cercado daquilo que ele mesmo deixou que um outro lhe apresentasse, um outro que não está aberto ao escrutínio externo, mas que, apesar de tudo, conhece-o como a palma de sua mão invisível e não humana? O que pode acrescentar, nutrir ou expandir uma ferramenta que me mostrará somente aquilo de que gosto e com o qual me identifico?

O que o algoritmo não mostra?

(O midiólogo Marshall McLuhan define o mito de Narciso como a metáfora do ser humano encantado, não por si mesmo, mas pela imagem como a extensão de seu próprio corpo).

Se antes, quando da popularização da internet, o bom uso de um motor de busca residia no uso inteligente das palavras-chaves, agora como fazer um bom uso do algoritmo de curadoria de conteúdo, sem que caiamos em um lupe de conteúdo adocicado, de fácil digestão e que não expande a nossa sensibilidade ou o nosso mapa cultural?

A resposta está, mais uma vez, no hacking.

É preciso trapacear com as tecnologias se quisermos tirar seu máximo de proveito. No caso dos algoritmos de curadoria, é preciso que se aplique ao máximo o conceito zen-budista de “destacamento”: urge que larguemos mão daquilo que mais amamos e mesmo daquilo que mais nos define como pessoa social ― nacionalidade, língua, gênero, gosto cultural. Como fazê-lo? Usando VPN, um alias mail, trocando a língua do dispositivo e evitando um comportamento automático diante do aplicativo ― esta, a trapaça mais difícil de todas.

Posso sair do espectro do conteúdo masculino-jovem-branco-nerd-intelectual sempre que eu puder quando criar uma persona que fuja desse perfil dentro de alguma plataforma.

Somado a isso tudo e também graças à [minha tática de utilizar o TikTok de uma forma não viciante](), o algoritmo levantou um perfilamento errôneo a partir dos escassos dados. Na minha aba principal (For You), aparece-me um conteúdo voltado ao público feminino, branco, empreendedor, de classe média, não falante de português brasileiro (inclusive falando do Brasil em outras línguas).

Só assim, com trapaça e letramento digitais, tem-se acesso àquilo que não está circunscrito ao nosso ambiente ordinário e à nossa identidade cultural, social etc.

A partir do momento em que o algoritmo de curadoria acertar e o aplicativo ficar cada vez mais e mais sedutor, basta que se resete a preferência de conteúdo e criar uma nova persona.

Por uma tecnologia wabi-sabi

Minha escrivaninha tem mais de dez anos. Quanto mais velha, mais charmosa fica, e mais prazerosa é a experiência de se escrever sobre ela. Feita no saguão do meu tio marceneiro, é de uma madeira barata e não tem verniz. Todo o seu tempo está marcado em sua superfície e não há modo ― nem razão ― de o esconder. Aqui, forma e conteúdo respondem um ao outro.

Minha mesa é wabi-sabi. Wabi-sabi é o conceito japonês que, inspirado pela natureza, define a beleza das coisas a partir de sua imperfeição. A natureza é bela, porque é irregural, inconstante e imprevisível.

Meu computador portátil, sobre essa mesma escrivaninha, também tem mais de dez anos. Mas algo falta aqui... Feito de plástico fino, está rachado em um canto, tem Durepox nas dobradiças. Uma ótima representação do navio de Teseu, suas peças já foram trocadas mais de uma vez sem perder, no entanto, sua essência.

Meu computador, ao contrário da mesa feita pelo meu tio, não foi feito para durar e não foi desenhado para durar mais do que dez anos, não foi feito como um objeto que aceita as intempéries do tempo.

A resposta para um design tecnológico wabi-sabi pode ser encontrado no livro “Em louvor das sombras”. Objetos que sejam claros, translúcidos ou que refletem em demasia, tendem a envelhecer mal ― edifícios com revestimento polido, roupas claras de tecidos finos, panelas de alumínio, mesas de madeira compensada lisa, computadores da Apple ―; objetos com porosidade, escuros ou que tendem a conter o reflexo, tendem a envelhecer bem ― edifícios brutalistas, roupas de tecido rústico, panelas de barro, mesas de madeira inteiriça e desvernizada, computadores da IBM.

Objetos wabi-sabi, táteis que são, criam uma boa conexão conosco, já que cada minuto que se passa com eles é apreciado.

Imagem monocromática de uma praça em uma cidade pequena.

Imagem da Serra Grande.

Sobre a lembrança e a escrita

Costumo escrever no meu diário com algum atraso. Por exemplo, se hoje é dia 3 de julho, só vou escrever sobre este dia amanhã ou depois de amanhã.

Porque não sei o peso dos fatos quando estou os vivendo. Já houve mais de uma vez em que busquei algum escrito de algum dia marcante e tudo o que consegui encontrar foram reclamações e comentários de autossubestimação, feitos no calor do momento.

Preciso de um tempo para escrever sobre algo que vivi até que isso se torne uma lembrança sólida. E não há garantias de que a impressão do que você acabou de viver é sólida; tampouco de que a lembrança do que você viveu mês passado é sólida.

Acho que um ou dois dias é o suficiente para apontar uma lembrança relevante e ao mesmo tempo confiável.

Inveja linguística

Há uma expressão em inglês que eu queria muito que tivesse uma equivalente em português ou que fosse aportuguesado.

Em inglês, se você pede ajuda para uma pessoa e ela, ou não se esforça, ou responde uma parada bem óbvia, você pode falar:

Thanks for nothing!

Dizer “Ainda bem que você me falou”, como é corrente no Brasil, é de uma ironia mais sutil… Não é tão escrachado quanto “thx 4 nothing”.

Pior que, se a gente traduzir literalmente, parece que estamos agradecendo e respondendo ao agradecimento ao mesmo tempo: “Obrigado por nada” (“Obrigado!”, “Por nada!”).

Ensaio de uma análise do discurso sobre o verbo “consumir”

Há alguns anos, se algum amigo seu quisesse saber o que você tem assistido, lido ou ouvido, perguntaria assim mesmo: o que você tem assistido, lido ou ouvido? Vocês dois talvez estivessem por encontrar-se em um bar ou restaurante para consumir uma cerveja, consumir uma bebida, consumir algum serviço. Ao fim do encontro, pagariam pelo que consumiram.

Hoje, na mesma situação, “consumir” seria o mesmo verbo utilizado para falar de música, de cerveja, de literatura ou de serviços de streaming.

O curioso é que no período em que não havia outra forma de ter acesso às formas de entretenimento que não pagando por elas, não se falava de “consumir” uma música ou um filme, mas de assistir, ouvir, usufruir ou simplesmente apreciar.

Creio que isso tenha pouco a ver com o fato das formas de entretenimento terem pulado do ramo do compartilhamento virtual livre para o do espaço dos streamings, mas que denuncie a influência da cultura de influenciador sobre as formas de entretenimento.

Isso pode pôr pouco a pouco a cultura e os bens de consumo em um mesmo patamar, como coisas perecíveis e passíveis de um mesmo processo cíclico de produção. Isso é um embrolho que sutilmente pode reduzir o valor do artista e dos trabalhadores da cultura.

Um navegador orientado ao teclado

Estou adorando conhecer o navegador qutebrowser, totalmente orientado ao teclado. Ele é baseado no editor de textos Vim, altamente configurável e torna a navegação muito mais confortável. O trade-off é que você leva um tempo procurando entender o mecanismo e também aprendendo atalhos, mas é algo que se aprende naturalmente.

Mas aprender é o ordinário na tecnologia...

Quando você passa a usar esse tipo de recurso, passa a priorizar bastante a ergonomia e passa a perceber o quão intuitivo é o mouse ― e o quão era difícil usar computadores antes desse periférico.

Por outro lado, ao se utilizar maismente o teclado, está-se mais preparado para uma privação hipotética de um dispositivo de interação mais visual. A importância dessa ideia está melhor desenvolvida no ensaio de Ploum que estou a traduzir, “O computador feito para durar 50 anos”.

Descoberta de um potencial

Em julho de 2025 completou um ano desde que comecei a estudar francês ― sozinho, sem aulas formais. Agora já sou capaz de compreender textos complexos e vídeos de nível C2. Claro, com legendas e sobre determinados assuntos.

De qualquer modo, acho que encontrei um talento...

Citações

Um homem offline é mais elegante.

― Anônimo.

Viver é diferente de estar vivo.

― povo da Serra Grande.

Algumas perguntas que tenho e que não tive o tempo de pesquisar a respeito:

  1. Por que é mais fácil pensar em cores pastéis do que em cores vibrantes?

  2. Por que a cor do sol nascente é mais branco enquanto a cor do sol poente é mais amarelo?

  3. Existe algum mamífero de cor verde?

Linkroll

cute cars, um blogue hospedado na neocities.org sobre carros. Carros fofinhos. Parece um espaço vindo direto dos primórdios da internet só que falando de modelos automotivos modernos. Mesmo que os carros atuais sejam todos muito iguaizinhos e sem graça, ainda há aqueles que atiçam nosso lado “ite, Malia”.

P.S.: fiquei triste pelo meu modelo favorito da atualidade, o Chery QQ3, não estar no cute cars ainda!

Yana Yuhai, em sua newsletter “Contemplation Station”, traz reflexões sobre por que o tempo passava mais devagar durante a infância e dá algumas orientações sobre como podemos trazer essa lentidão de volta.

• why time felt slower when we were kids (and how to get it back)

A página pagemelt, conhecida por seus longos vídeos-ensaios, publicou recentemente um vídeo sobre curadoria na internet. Isso me chamou a atenção, porque raramente alguém tece críticas ao algoritmo, uma inteligência artificial que limita a nossa própria capacidade de explorar a internet e nos põe em um estado de passividade diante de todas as informações.

• be your own algorithm

Andy Clark, importante filósofo e neurocientista que investiga as relações entre o cérebro e as tecnologias, escreve na revista Nature sobre como ele interpreta a inteligência artificial enquanto extensão da mente.

• Extending Minds with Generative AI

Do Clark, li o seu antológico “Natural born cyborgs: Minds, Technologies, and the Future of Human Intelligence” (2003), e gostei muito da escrita e das suas ideias.

Indo além de Marshall McLuhan, Clark acredita que as tecnologias são extensões cérebro e que devem ser inclusive serem tratadas como tais ― o que significa que se você danificar um dispositivo de alguém, está danificando parte de sua cognição.

Pedidos

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#notas #cotidiano #tecnologia


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Imagem de um vaso sanitário sendo utilizado como vaso de plantas em um canto abandonado.

Imagem: Flickr. O hábito de lavar banheiros pode se tornar uma experiência do sagrado ― ou seja, de auto-observação.

As maiores lições da vida, penso, vêm do chão diário. O ordinário é a escola dos pobres, das crianças e dos curiosos.

Pense no espaço mais visitado de sua casa. (Visitado, não permanecido). Você dirá “Meu quarto, claro!” ou “A cozinha!”. No entanto, provavelmente você não dorme, trabalhe ou come com tanta frequência quanto se lave ou use o vaso sanitário...

Meu banheiro é esse espaço, o menor de minha casa de solteiro ― ele tem em torno de seis metros quadrados ― e onde menos permaneço. Apesar disso, frequentemente eu sentia um desprazer ou até vergonha de estar ali.

Tentei de tudo para amenizar esse mal-estar: desde organizar meus objetos de higiene, de modo a deixar no espaço somente aquilo que eu utilizasse de verdade, até pôr ali um aroma de essência, de modo a “enganar” o mal cheiro. Nada feito. Segui desgostoso quanto àquele espaço tão visitado.

Certa volta, pesquisando algumas resenhas sobre o filme “Dias Perfeitos” (2023) no Youtube, encontrei um vídeo não relacionado que falava de 10 hábitos domésticos do Japão. Longe de entrar na real simbologia deste hábito, encantou-me em especial o hábito japonês de lavar o vaso sanitário todos os dias, logo pelas manhãs.

Ótimo! Esta talvez fosse a solução para o meu infindável desprezo pelo espaço sanitário: lavar meu banheiro todos os dias!

O primeiro dia de limpeza foi o mais extenuante de todos ― muito trabalho a fazer. Porém, conforme os dias passavam, percebia certos efeitos a partir desse hábito. E certas lições!

Todo ato no presente é um presente para o futuro

Penso na higiene do espaço sanitário como um ato de autocuidado. É como ir ao dentista: o começo da operação incomoda, mas você sairá de todo o processo satisfeito consigo mesmo de ter tido a iniciativa. Trata-se de um desses sacrifícios que nos fazem bem. Assim é a psicoterapia, a academia de musculação e a universidade.

Quando termino a tarefa, saio com a sensação de que estou cuidando de mim. Ao fim do dia, quando vejo que o banheiro ainda está em boas condições de uso, agradeço ao meu eu do passado por ter me dado aquele presente...

Talvez por conta dessa singela sensação de recompensa, sempre que estou prestes a dormir, sinto-me estranhamente animado ao pensar que no dia seguinte limparei meu banheiro novamente. Seja como for, no momento mesmo da limpeza, ponho boa música para tocar enquanto sinto a brisa matinal. Essa é uma forma de me incentivar a seguir com o serviço.

Ao fim de tudo, sinto uma grande autoestima por ter cumprido uma tarefa pesada logo no início do dia. Vejo que depois que adotei esse hábito, minha rotina tornou-se mais flúida, talvez por conta mesmo desse ímpeto de produtividade que a limpeza do banheiro causou...

Lavar o banheiro tornou-se uma necessidade corporal, como tomar banho e escovar os dentes.

Lavar o banheiro é uma ponte entre o presente, o passado e o futuro. Um regalo que me dou a mim mesmo.

Tarefas difíceis tornam-se fáceis quando repetidas

Os primeiros dias em uma linha de montagem industrial devem ser os mais difíceis. Não estamos ainda habituados às ferramentas; não sabemos qual será o nosso produto final; a nossa excelência varia de turno para turno. Ao cabo de um mês, entretanto, somos peritos em nossos ofícios.

Fazer e fazer e fazer até fazer-se.

Quando trabalhei na Guarda Municipal de Fortaleza como estagiário, cheguei a fazer as tarefas mais repetitivas do mundo ― de digitalizar pilhas de documentos a preencher formulários através de atendimento ao público. À medida que eu sentia menos atrito entre mim e as ferramentas de trabalho, senti-me mais confortável para fazer algo em plano de fundo, como ouvir música ou podcast, ao mesmo tempo que sentia mais satisfação com o próprio trabalho, já que meu grau de excelência subia.

Diz-se que a inspiração no mundo oriental está ligada à constância da prática. Se você pratica muita escrita em prosa, ocasionalmente escreverá uma boa peça literária; se pinta telas regularmente, em algum momento se tornará um grande artista. Não se trata do velho ditado “A prática leva à perfeição”, mas sim “A prática leva à inspiração”.

Assim penso na realização das coisas. A inspiração não vem dos céus, da aleatoriedade ou do mundo das ideias, e sim da terra, da prática e do chão diário. O poeta João Cabral de Melo Neto não mencionava sequer a palavra “inspiração” para falar da criação de seus poemas, mas “fermentação”. “O canto é que faz cantar”, já dizia um dos Fernandos Pessoas.

Dito isso, penso que “estar inspirado” em uma tarefa quer dizer “fazer uma tarefa tranquilamente”, smoothly. É difícil estarmos inspirados para lavar banheiros ― porque é uma atividade que pouco fazemos (mesmo aqueles afeitos ou obrigados à limpeza doméstica). Lavar o banheiro todos os dias, no entanto, tem me ensinado que um trabalho difícil torna-se fácil quando é feito diária e religiosamente. Tem me ensinado a ser paciente com aquilo que é difícil, enfim.

No primeiríssimo dia em que passei a realizá-lo, havia muito por limpar: a pia não fluía, o espelho não refletia como esperado, o vaso sanitário fedia. Levei em todo o processo de limpeza mais ou menos uma hora. Pouco a pouco, porém, conforme os dias passavam e eu ficava mais confortável com os procedimentos, havia menos peças sanitárias a limpar. Consequentemente, o tempo transcorrido para a limpeza diminuía. Nos últimos dias antes de finalizar este texto, não levo mais do que 15 minutos para deixar todo o banheiro pronto para o uso no restante do dia.

Lavá-lo deixou de ser um trabalho e passou a ser uma tarefa.

Rotina é a descoberta das coisas que já conheço

Sempre que higienizo meu banheiro, percebo algo novo a ser cuidado ― uma quina que me passara despercebida no dia anterior, algum produto ou instrumento que cairia melhor em uma dada peça, ou mesmo a própria descoberta de que a atividade em si está mais prática do que antes. Por fim, percebo a mim mesmo como um ser novo. Noto então que ter uma rotina não se trata de fazer tudo da mesma forma todos os dias, mas sim de aperfeiçoar-se a cada nova realização.

A partir do momento em que percebi que ter uma rotina não é repetir, passei a me descobrir dia após dia. Ter uma rotina passou a ser então um meio de auto-observação. Ao fazer atividades previstas e necessárias, tenho a oportunidade de reparar como me saio nelas ou mesmo como me comporto quando elas não saem como esperado. Difícil é a auto-observação a partir de coisas inéditas. Para se conhecer é necessário algum controle ou previsibilidade situacionais. Até por isso, a meditação budista limita-se a estar sentado.

Para nos conhecermos e nos conhecermos melhor, creio também que seja preciso de mais atrito com nossos espaços, isto é, que tenhamos o mínimo de mediadores possível. Como melhor se conhece Brasília: vendo vídeos no Youtube sobre a cidade, falando com alguém que para lá viajou, lendo livros de história do urbanismo brasileiro, ou viajando à Brasília mesmo?

(Em chão brasiliense, está-se de todo, não há mediadores).

Por isso também, sempre que possível, ando a pé. Adoro caminhar. Caminhar, além de matar o tédio, mostra-nos que os trajetos nunca são os mesmos. Os veículos, mesmo os mecânicos ― como a bicicleta e o patinete ―, isolam-nos de nosso entorno e, consequentemente, de nosso percurso. Em um automóvel, percebemos muito menos as mudanças da cidade do que quando caminhamos. A pé, entretanto, cada pedra, cada brisa e cada sombra importa; e assim a descoberta torna-se constante.

E em que lugar temos o mínimo de mediadores no mundo? Em nossas casas. É aí onde podemos ficar nus, onde despejamos no chão nossos sapatos e nossas máscaras sociais. Por coincidência, é em nossas casas onde as rotinas fazem-se mais presentes. E é em nossas casas onde podemos, de algum modo, criar alguma ambiência de previsibilidade e de meditação. Nada nos é mais previsível do que nós mesmos. Logo, nada pode ser melhor compreendido por nós do que nós mesmos ― em nosso #cotidiano.


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Imagem de um círculo feito com pincel grosso e tinta nanquim. À esquerda e à direita há inscrições em japonês.

Círculo Ensō, símbolo sagrado do Zen Budismo. Ensō simboliza coisas como força, elegância, o universo, mente unificada, o estado mental do artista no momento da criação e a aceitação da imperfeição como algo perfeito.

Um compêndio de links, recomendações e textos curtos que não renderiam uma publicação à parte. Enjoy.

A habilidade mais difícil para um introvertido

Depois de aprender informática básica, quatro línguas estrangeiras, taquigrafia, escrita criativa, violino e bateria, estou aprendendo a habilidade mais difícil de todas: falar abobrinha.

Kisscrolling

Lembrei de quando era adolescente e tinha um romance digital com uma moça da cidade vizinha, lá na gloriosa Serra Grande, nos idos de 2010.

Quando eu recebia uma foto dela, costumava beijar a tela do meu Nokia de botõezinhos.

Hoje em dia isso já não daria certo, porque, se você beija a tela sensível ao toque, pode acabar excluindo a foto...

Chère-lock Holmes

Bordão do Detetive Paixão para investigados pegos no flagra:

Conheço você com a palma da minha mão...

Japão estanque: ex-tanque

Ando pensando nesse meu fascínio que tenho pelo Japão. Um fascínio quase ingênuo, de coisa exótica. Nos últimos dois anos tenho lido e estudado sobre tudo que acho da cultura nipônica ― fugindo do lugar comum e do pop.

Agora mesmo estou assistindo a um filme do Ozu, um cineasta clássico do Japão. O conheci pelo Wim Wenders, que fez inclusive um filme dedicado ao diretor nipônico, chamado “Tokyo Ga”.

Falo tudo isso porque enquanto estou nessa obsessão por uma cultura estrangeira, penso que há algo muito semelhante bem “do lado de casa” ― os povos indígenas do Brasil.

Alguns intelectuais japoneses de esquerda defendem o decrescimento como uma tendência positiva, e o percebem exatamente no Japão. Ailton Krenak, escritor indígena brasileiro, também tem ideias que apontam o desacelacionismo como meio de conservação da natureza e, por consequência, da humanidade.

Não sei ainda organizar esse pensamento. Até lá, fico fascinado pelo que de extraordinário tem o Japão antigo ― o gosto pela sombra e pelo estático ―; e pelo que de comum têm o Brasil e o Japão ― a antropofagia cultural.

Sobre o feed infinito e a noção de passado

Ouvi uma crítica justa aos stories e outras mídias similares, vinda do antropólogo Michel Alcoforado. O que vemos em um story damos por “presente”. Não interessa se o rosto do perfil publicado está muito diferente desde a última vez em que o vimos.

Em um certo fim de semana, publiquei imagens minhas no Instagram que estavam distantes temporalmente, imagens com cinco anos de diferença. Todas as pessoas que comentaram foram levadas a pensar que tudo aquilo acontecia comigo naquele momento.

Esmartefone + feed infinito: ideia de um presente contínuo interminável. Há aí tanto a mudança da noção de tempo, quanto a mudança da ideia de história e de nostalgia.

“O Centro é o lugar do imprevisível ):)”

Outro dia fui a um passeio didático pelo centro da cidade feito para meus alunos estrangeiros do curso de português.

Chamaram um professor de geografia que fez loas ao caráter caótico do centro da cidade, contrastando-a com os shopping-centers:

Se você for ao shopping, tudo acontecerá como planejado; mas se você for ao centro da cidade, pode ser surpreendido a todo momento.

Só que, momentos depois, enquanto ele falava, dois moradores de rua começaram a intervir no que ele falava, batendo palmas, interceptando. Vocês não conseguem imaginar a cara de contrariado que ele tinha…

Linkroll

Ótima resenha da New Yorker sobre o filme Perfect Days (2023), também resenhado nestas Ideias de Chirico.

• Perfect Days and the perils of minimalism.

Esse texto me atentou para um traço incomum da personagem Hirayama, que o torna ímpar e fora do zeitgeist contemporâneo: ele é um indivíduo sem curiosidade. Depois que li esse texto, fiquei pensando sobre o porquê de eu mesmo levar o cenário de Perfect Days como ideal, já que não me vejo no futuro como um homem sem curiosidade. O título é um pouco impreciso, porque se fala pouquíssimo sobre o minimalismo do ambiente do protagonista.

Mina Le, ensaísta e influenciadora do campo da moda, fala em seu vídeo-ensaio sobre o porquê de as redes sociais não serem mais divertidas.

• why is social media not fun anymore?

Os motivos apontados por Le: o algoritmo de curadoria de conteúdo e a ironia crônica das comunidades atuais. Em outras palavras, somente o algoritmo: ele é anticultural, porque sempre vai ofuscar a recomendação orgânica ― de pares para pares ―, e é anticomunitário, porque sempre vai privilegiar o discurso inflamatório (no qual está a ironia), que retém mais engajamento dos usuários. Enquanto todos temem e criticam a inteligência artificial generativa, eu digo: o algoritmo de recomendação de conteúdo é muito mais danoso para a cultura e para a criatividade do que qualquer outra tecnologia que será desenvolvida a partir de agora.

O filme Jaws (na versão brasileira, “Tubarão”) nesta sexta-feira (20/06) completará 50 anos desde o seu lançamento em 1975. Por que esta efeméride é interessante, paralém da relevância desse suspense estadunidense? Porque foi o filme Tubarão que se inaugurou a expressão blockbuster como alcunha de filmes de grande sucesso.

Block em inglês significa quadra. No dia do lançamento do longametragem, a fila para o cinema rodou o quarteirão. Os jornais da época então mencionaram Jaws como um blockbuster. Blockbuster seria aquilo que “destrói quarteirões” ― um termo primeiramente utilizado para se referir a bombas no contexto da Segunda Guerra Mundial.

Soube desta efeméride pelo podcast Xadrez Verbal nº 423 e tirei outras informações a partir destes textos:

• Why Hit Movies Are Called Blockbusters.

• 50 years ago, ‘Jaws’ scared us senseless. We never got over it.

Um youtubeiro decidiu trancar o próprio esmartefone em um cofre, porque estava cansado de ler notícias sobre as quais não queria saber. O movimento de entropia é interessantíssimo: para compensar a ausência do aparelho, ele comprou cadernetas, um despertador analógico e um telefone com fio.

I hate my phone so I got rid of it

O problema de toda essa experiência, acho, está em tentar acessar os mesmos espaços sem esmartefone como se vivesse com um. Já espoilerando: em alguns momentos ele precisou pedir emprestado o aparelho de outras pessoas enquanto esteve fora de casa.

Experiências assim fazem pensar que é preciso inventar um viver distinto àqueles que não se adequam ou se negam a viver a vida digital compulsória. O clube ludista de Nova York já deu o primeiro passo.

Imagem monocromática de Matt Smith, programador de jogos para ZX Spectrum, um homem jovem de cabelos altos e lisos, utilizando um moletom. Ao seu redor há vários teclados ou computadores do modelo ZX Spectrum. À sua frente há uma televisão, que antigamente era utilizada como tela de computador.

Matt Smith, programador de jogos para ZX Spectrum.

Citações

Poems are basically like dreams... Something that everybody likes to tell other people, but nobody actually cares about when it's not their own.

― Autoria desconhecida.

Poema é igual a peido ― cada um só aguenta o seu.

Uma variação da citação anterior.

Jamais vou me esquecer de quando eu fui em um planetário e alguém vaiou quando mostraram a Terra.

― Algum vídeo curto que vi por aí.

Sinto que muita gente abre uma empresa e acaba caindo no modelo de que “somos uma família”, certo? E isso é um sinal de alerta gigante porque toda família é disfuncional. Todas, todas são.

― James Hoffmann, via Manual do Usuário.

Quando algum gringo zombar do seu sotaque diga: “Você fala inglês porque é o único idioma que você sabe; eu falo inglês porque é o único idioma que você entende”.

― Algum vídeo curto.

A vida é como uma toalha de banho: o lado que você passa na bunda hoje pode passar na sua cara amanhã”

― Um meme boomer.

A computer is like air conditioning – it becomes useless when you open Windows.

― Linus Torvalds.

Email is the cockroach of the internet – it outlives every wave trying to kill it. Forget Slack, forget Discord, forget chat apps. Email is universal, decentralized, and asynchronous. It's not sexy, but it's the ultimate survivor.

― JA Westenberg (@Daojoan@mastodon.social)

#notas #cotidiano #tecnologia


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Chovia no campus universitário. Em um banco de areia, logo abaixo de um beiral, concentrava-se uma poça d'água. Pin-pin-ga-gavam sobre ela gentis gotas de uma chuva recente. Nessa lagoinha, faziam-se ondas...

Enquanto caminhava ali perto, o percebi. Sobre o corredor central do campus, em um nível bem mais alto do que a poça, fiquei de cócoras, como fazem os bebês andantes. Observei, ouvi: som de goteira, ondas de pingos, reflexo do céu cinza sobre as águas. E, por um brevíssimo instante, lembrei do que é ser criança.

Fui uma criança introvertida. Quer dizer, eu encontrava alegria na solidão e também no ócio. Como consequência, na maior parte do tempo, estava acompanhado, não das pessoas, mas das coisas. Quando criança, as coisas tinham vida tanto quanto as pessoas.

Um certo quadro idílico da casa de minha avó me entreteu durante minhas visitas; nele, via-se uma criança loira vestida à moda europeia do pós-guerra; sentada sobre uma pedra, pescava à beira de um rio; em segundo plano, havia uma casa em estilo germânico tradicional, emoldurada por algumas montanhas ao fundo. Algumas vezes eu ouvia essas figuras silenciosamente me chamarem, outras, sentia que eu próprio estava dentro da paisagem.

Eu interagia não só com quadros, mas também com as estampas das mesas, com relógios de parede ruidosos, com imagens cristãs kitsch; também falava com as ilustrações nas paredes das escolas e nos livros didáticos, além de enfeites postos no quarto de dormir de meus irmãos. Também os brinquedos, claro, existiam como seres.

Creio que as crianças, assim como os artistas visuais, são privilegiadas por um olhar de “primeiridade”. “Primeiridade”, na teoria dos signos¹ de Peirce, é o primeiro estágio da consciência, no qual vemos as coisas sem associá-las a outras. Isto é, creio que tanto as crianças, quanto os artistas, conseguem ver o mundo por ele mesmo; são capazes de notar os objetos, mesmo os repetidos, sempre como novos.

Tive a sorte de ter tido uma infância introspectiva e também de ter sido um artista visual. Aos 19 anos, enquanto estudava desenho realista, retratei tudo o que tocasse meus olhos: rosas, edifícios, gente. Não importava o que eu desenhasse, o objeto a ser desenhado era um signo precioso, no qual eu deveria imergir ― como eu imergia nos objetos que eu via durante a infância.

Enquanto eu observava a poça d'água no campus, às vezes eu era tentado a pensar, por exemplo, em como a cidade estava alagada, despreparada para a chuva, em como ela atrapalhava os planos das pessoas. O exercício de metonímia, de tomar a parte pelo todo, de ver em um sutil detalhe um grosso problema estrutural, pode até ser cientificamente importante, mas nos afasta da contemplação do presente.

Afinal, por que, conforme envelhecemos, esquecemo-nos de como observar? O adulto não vê o mundos; ele o pensa. Ao me inclinar próximo àquela poça d'água, já não via mais o seu reflexo; nele, reflito sobre um problema que lhe é exterior. Signo e referente imiscuem-se. Visão e pensamento intrometem-se.

Ser adulto é não mais se espantar naturalmente. Por conta do repertório de espanto, adquirido a custosos traumas, estou mais preparado para as intempéries; por outro lado, não vejo mais o que estou vendo, nem penso mais o que estou pensando. Agora vejo e penso, de modo que o que vejo não é o que vejo, e que penso não é o que penso. É como se fossem dois signos sobrepostos, uma espécie de ideograma chinês viciado, sem poesia.

No entanto, também há alguma relação ― quase simbiótica ― entre o olhar da ”retina anatômica” e o olhar da “retina mental” (em termos do poeta Ezra Pound). O período em que comecei a desenhar em estilo realista coincidiu com aquele em que comecei a ler livros. O contorno dos desenhos que eu fazia influenciavam a forma com a qual eu imaginava as personagens dos livros; por vezes eu chegava a desenhar uma cena literária apenas para torná-la mais evidente. Olhar e imaginação cresciam juntos, como músculo e osso.

Tenho a impressão de que, junto à aquisição de um olhar mais “puro” diante das coisas, ganha-se uma imaginação mais fértil; me parece que, à medida que eu melhorava meu desenho, imaginava melhor. A partir desse raciocínio, pode parecer baixa a relação entre a imaginação e a idade, e que aquela está mais ligada ao meio e à educação de quem observa do que o quão velho ele está.

Penso que, mais importante ainda do que uma visão externa mais “limpa” ― livre de racionalizações mais ou menos arbitrárias e intrusivas ―, é a visão interna mais “limpa”, isto é, uma auto-observação mais meditativa; uma visão em primeiridade de quem está vendo a si mesmo. A partir de uma auto-observação em estágio de primeiridade, podemos nos perceber como novos indivíduos.

Meditar é, entre outras coisas, observar a si mesmo como fazemos com nuvens, as ondas do mar ou o movimento das ruas, a fim de nos conhecermos. Observando-se dessa forma, é possível um olhar intrapessoal tanto menos autocomplacente quanto menos exigente e também manchado pela visão externa que guardamos conosco.

Livre do jugo do danoso superego, esse já não seria um olhar adulto, mas um olhar pós-adulto.

¹ = “Signo” aqui quer dizer “Uma coisa que está no lugar de outra”, como assim define o poeta e semioticista Décio Pignatari. Tudo o que representa são signos, ou pode-se mesmo dizer que todas as coisas são signos: as nuvens, o relógio, uma pintura abstrata.

#cotidiano


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Sala de aula. Várias cadeiras com o assento de cor laranja. Ao fundo , uma lousa para pincel. Ao redor, nas paredes, há bandeiras de vários países.

Sala de aula na qual darei aulas de português para estrangeiros durante este ano de 2025.

Um texto diferente do que tenho publicado. Apenas quero compartilhar algumas coisas que tem me acontecido.

Na última segunda-feira, dia 10 de fevereiro, passei a ministrar aulas de português como língua estrangeira (PLE), ofertadas em um projeto de extensão da Universidade Estadual do Ceará. Esse era um projeto que eu almejava há muito tempo e que só agora o pude realizar.

O que era para ser um mero projeto de extensão para pagar minhas contas e oferecer uma experiência extracurricular (na faculdade não temos cadeira de ensino de PLE), passou a modificar minha perspectiva sobre vários assuntos, a começar pela perspectiva sobre a minha própria língua.

Por muito tempo, principalmente nos primeiros anos do curso de Letras Vernáculas, imaginei algum método de estranhar a língua portuguesa. Como assim? Eu queria olhá-la, lê-la, falá-la como um estrangeiro, como se nunca tivesse a visto antes. Esse desejo vinha sobremaneira dos meus experimentos com poesia concreta ― em alguns deles eu queria tornar a língua portuguesa um “ícone puro”, uma forma sem conteúdo (ou, como dizia sabiamente Décio Pignatari, tornar a língua portuguesa uma linguagem...)

Creio que quando dou aulas de PLE, consigo em alguns momentos chegar a esse ponto de estranhamento, de reset linguístico. Enquanto ensino o português para os estudantes estrangeiros, percebo suas dificuldades e passo a entendê-los; estranho a minha pronunciação; tenho dúvidas de ortografia; percebo as especificidades de minha língua e também as suas lacunas. E então, passo a amá-la mais. Amo minha língua depois de ensiná-la como se ama mais a própria casa depois de viajar.

Outra perspectiva modificada foi a profissional. Pela primeira vez na vida sinto prazer genuíno em ensinar. Mesmo. Ao terminar as aulas, não me sinto cansado; ao chegar em casa, não fico ansioso para fazer planos de aula; ao me deitar para dormir, sinto entusiasmo ao saber que no dia seguinte estarei em sala de aula. Acho que só agora, depois de quase um ano como professor, estou curtindo de verdade dar aulas!

Sei que a situação é assaz excepcional: ensino algo de que gosto a pessoas que precisam aprendê-lo. Os estudantes imigrantes do programa do qual participo estão se preparando para uma prova para comprovar aptidão em língua portuguesa. Caso sejam aprovados, estudarão nos cursos que desejam. Caso não passem na prova, ou repetem as aulas de língua portuguesa (consumindo mais dinheiro estatal de seus países), ou voltam para suas casas familiares ― o que talvez os deixaria envergonhados. Só que essa possibilidade parece não ser cogitada. Aparentemente gostam das minhas aulas, pois permanecem focados e até se divertem!

Há algumas discussões sobre se é realmente necessário saber outras línguas além do português para dar aulas de PLE. Com as línguas estrangeiras que aprendi ou tenho aprendido ― como espanhol, inglês e francês ―,por muito tempo imaginei aproveitá-las para ensinar estrangeiros a falar português.

Creio que, se eu fosse monolíngue, haveria muito mais dificuldade de apresentar um conceito. Além disso, falante somente de uma língua, eu não entenderia como ocorre a aquisição de línguas. Saber outras línguas tanto facilita o ensino quanto o aprendizado da língua materna...

Textinho rápido, apenas para atualizá-los sobre o que tem me ocupado nas últimas semanas ― já que só relatá-lo pela página /now não seria suficiente ― e aquecer um pouco a escrita com algumas reflexões que o meu novo trabalho tem proporcionado. Sigam me lendo, e, caso tenham alguma coisa para comentar, não hesitem em me contatar pelo e-mail que está no rodapé desta publicação.

#cotidiano


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A partir da recomendação de uma tradição vinda do blogue do Rodrigo Ghedin, passarei a escrever um relato a cada novo aniversário meu. Hoje completo vinte e nove anos.

Sinto que me tornei um leitor “fluente” apenas neste ano. Só agora sou capaz de estar com um livro durante horas sem que isso me enfade ou entedie, ou sem que o livro se torne uma atividade a ser enfrentada, mas uma atividade de lazer ou de formação como qualquer outra. Levei dez anos para fazê-lo ― em 2014, aos 18 anos, comprei o primeiro livro de minha biblioteca.

O mais engraçado é que sou um estudante de Letras! Só de pensar que levei tanto tempo para estar confortável com os livros, tremo ao imaginar em como deverei formar a leitura de meus futuros alunos escolares ― se é que eu irei para esta área de trabalho...

Também sinto que me tornei um adulto somente neste ano. Agora consigo responder pelos meus atos, planejar melhor minhas coisas, ver as coisas e decidi-las por conta própria, bem como estar consciente de cada comportamento que deve ser tomado a cada situação.

Para tanto, houve um grosso investimento em psicoterapia, vida social saudável, como também em formação intelectual. Minha irmã mesmo, com quem já tive uma série de problemas no passado e que me via como uma criança, na última vez em que nos vimos, disse que eu estava mais maduro ― mudar a impressão que familiares têm de nós é uma raridade, vocês devem concordar...

Inclusive pela primeira vez na vida depois que saí da casa de meus pais, em 2016, estou em paz com meus irmãos. Já não procuro mais me comparar com eles. Não os trato mais como superego ― aquela voz misteriosa que sussurra uma censura, aquele fantasma que se projeta sobre a visão na hora agá de um vacilo.

O evento de aniversário em si infelizmente ainda me afeta. Não consigo ficar alegre ou minimamente otimista quando chega todo dia 22 de janeiro. Me sinto mais velho e mais atrasado. Além de que ainda não superei meus traumas com esta data. Não esqueci das vezes que as pessoas que eu amei fizeram pouco deste dia; nem da vez que, na expectativa de que meu pai fosse me fazer uma festa de aniversário, em vez disso, ele me pôs para trabalhar de graça em um restaurante que nem era seu.

Então pouco a pouco fui me desencantando com este evento. Hoje, durante meus aniversários, prefiro estar assim: sozinho com minhas palavras em uma cafeteria, na esperança de que ninguém lembre que neste dia eu nascera. O máximo que aceito é um e-mail de amigos que quero bem. Tem sido assim desde 2022.

Por outro lado, até que enfim consegui voltar a me arriscar no amor. A última vez foi em 2023, e tive vários problemas com calúnia e manipulação ― e isso em um relacionamento casual, que não durou duas semanas. Fiquei então um ano sem sair com ninguém, só voltando a conhecer mais pessoas no fim de 2024. Sempre fui um fracasso com a vida amorosa, porém creio que agora estou em condições de melhorar minha situação.

#cotidiano


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Há muito tempo, quando frequentei o Twitter, me incomodava a quantidade de vezes com que o tuiteiro médio recorria a si mesmo em suas postagens. Com essa consciência, fiz uma promessa para mim mesmo: nunca falaria de mim em redes sociais. Com o tempo, fui vendo que, ao contrário do que imaginava, é possível, sim, escrever um texto interessante tendo a si como ponto de partida.

Além disso, falar de outra pessoa, de certo modo, é também falar de nós mesmos, pois isso denuncia como essa figura nos influenciou ou por que ela nos é relevante. Há uma frase atribuída ao poeta francês Arthur Rimbaud que diz: “Mim é um outro” ― considerando a adaptação para este scherzo, claro.

Ultimamente tenho pensado em textos intitulados scherzo, que faria pelo prazer de escrever, trabalhando sobre algum aspecto estético. Já pensei em redigir um scherzo todo feito na dashboard do blogue, feito de uma sentada só; ou outro somente com palavras iniciadas com a letra “p” ou com a letra “a”; ou ainda outro no qual é vetado o uso do verbo “ser”. Mas me faltava o ímpeto. Enquanto lia na cama “On writing”, de Stephen King, aceitei o autodesafio de escrever sobre mim mesmo sem recorrer ao primeiro pronome pessoal no singular do caso reto ― vocês sabem qual.

Estou sendo café-com-leite neste mesmo scherzo porque me dei a permissão de escrever verbos em primeira pessoa, bem como a de utilizar pronomes possessivos da primeira pessoa ― o que forçosamente acusam o “mim”. Pode ser que em outro scherzo me dê a doida e exclua de todo o texto esses recursos gramaticais ― o que provavelmente daria uma bela tralha acadêmica, com o convencional abuso do pronome apassivador mesmo ao se falar de experiências pessoais, como em “Percebeu-se uma grande dor no cotovelo direito”.

Por que os scherzos? Porque precisava de algum estímulo de escrita enquanto alguma ideia séria de texto não surgia. Queria algum artifício análogo ao improviso para a música ou o croqui para o desenho, um exercício de linguagem que impulsionasse a expansão de seu campo de possibilidades e que pudesse ser feito despretensiosamente, em uma tarde de domingo, só pelo puro prazer. Em algum outro texto destas Ideias de Chirico devo ter escrito que a prosa é uma linguagem que não permite naturalmente que possamos escrever pelo mero prazer de escrever...

Scherzo significa “jogo” ou “brincadeira” em língua italiana; também é um movimento musical da música erudita, uma parte da peça musical desenrolada velozmente. Da mesma forma, tento escrever com a maior velocidade possível.

Este que vos escreve poderia muito bem também escrever um texto avulso sobre si mesmo, copicolá-lo em um Gepetto qualquer desses desta onda de IA e pedir-lhe para que retire todos os pronomes pessoais. Como parte do jogo, estou escrevendo a primeira versão deste texto na minha querida Remington 15, sem chance sequer de utilizar o backspace. O limite de páginas? Quem sabe. Bref. Tenho falado de tudo, menos de mim. Como este será o primeiro texto que publico no ano, falarei sobre o meu Réveillon.

Virei o ano de 2024 para o de 2025 na casa de minha cunhada, junto com meu irmão e alguns de seus amigos. Estive muito indeciso nesta opção porque aquele fora um espaço no qual passei uma parte não muito agradável da pandemia. Mas ou era isso, ou atravessar um mar de gente na festa pública na praia de Fortaleza, longe de casa e sob os perigos noturnos.

Outro motivo que me fez optar por reveillar indoors foi a própria presença do meu irmão, que atualmente mora nos Estados Unidos, trabalhando com pesquisa na área de produção animal. Só posso vê-lo uma vez ao ano, quando muito duas. Como estaremos longe um do outro em breve ― voltará lá para cima em meados de janeiro ―, preferi ficar com ele. Os amigos e familiares que moram próximo e que foram à praia poderiam esperar...

Nesta virada de ano fiz coisas comuns, mas que não costumo fazer. Imaginem o quê? Dançar e cantar. Depois da virada, me apareceu uma mulher, amiga de minha cunhada, que me puxou para dançar. Como se fala em “Promessa ao amanhecer”, “O que uma mulher quer, Deus também quer”. Mesmo sem ter dado um passo de forró na vida, aceitei o desafio de aprender a dirigir com o carro andando. Não me saí mal, mas, de qualquer modo, ainda bem que não houve registros da festa ― não que se saiba.

Ao pé da varanda da casa, os anfitriões montaram um pequeno espaço com projetores de tela, caixa de som e microfones. Ou seja, montaram um palco de karaokê! Como já dava meia noite e meia, como ninguém começara a cantar, e como a cerveja já esquentava na barriga, tive a iniciativa de cantar uma das poucas músicas que sei de cor: “Bella Ciao”. Não, não a aprendi por conta de La casa de papel. Sim, sei língua italiana e a cantei fora do tom. Mas como “Bella ciao” é cantada em estádios de futebol italianos por torcidas antifa, me senti confortável ao desafinar.

Desta vez tentei contrastar a experiência do Réveillon do ano passado, que passei involuntariamente sozinho por vários motivos, entre os quais a falta de férias no trabalho que eu tinha então. Como não foi uma boa, decidi fazer o oposto daquilo, e brincar enquanto boa parte das pessoas do mundo também brincavam.

Certas datas festivas, como Natal e Carnaval, consigo atravessar sozinho. Nunca gostei das alegrias planejadas desses dois dias. Não é o caso do Ano Novo. Desde criança me acostumei a sair com a família e com amigos para ir a algum lugar aberto, onde se possa ver fogos de artifício, rir e beber cerveja. Meu organismo já está programado para fazê-lo na primeira hora de todo ano.

Acho que já está bom por este scherzo. Na hora da revisão, espero não ter perdido o jogo mais vezes do que esperava enquanto escrevia. Obrigado pela leitura e feliz Ano Novo!

#cotidiano


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Três desenhos feitos por crianças, que estão sobrepostas sobre uma mesa de madeira gasta.

Sempre foi um sonho meu ser desenhado. Por outra pessoa. Sim, porque no período mesmo em que aprendia a desenhar, eu próprio fiz autorretratos. Mas, para mim, ter a própria imagem feita por outros era um grande sinal de admiração. Não é (tanto) este o caso quando o desenhado e o desenhista são a mesma pessoa...

Claro, autorretratar é um ótimo exercício de autoanálise. Mil autorretratos, no entanto, podem não elevar a autoestima de quem desenha. Talvez fosse essa pequena ponta de carinho que eu gostaria de ter!

Mas aí o destino me fez professor escolar de Língua Portuguesa e agora com frequência sou modelo de meus alunos, que volta e meia me presenteiam com um desenho. Nos últimos seis meses de aula, recebi pelo menos três desenhozinhos ― além de recadinhos. Como forma de agradecimento a eles, nesta publicação analisarei suas artes. Para preservar suas identidades, os nomes abaixo são fictícios.

Toca o Vivaldi, DJ!

“Arlon, 04.04.24”, arte de Paula Benevides.

Desenho feito por uma criança. É o retrato de um homem jovem de barba e cabelos curtos. Está feito em estilo mangá.

Nem todos os autorretratos de Rembrandt juntos atingiriam a profundeza que esta obra de Paula Benevides, estudante de 14 anos, atinge. Em papel pólen 70 g/m², com a gramatura alta o suficiente para suportar uma boa camada de grafite, “Arlon, 04.04.24” é uma obra prima da arte discente. O modelo, autodeclarado branco, foi retratado com traços indígenas ― olhos puxados, cabelos lisos, lábios finos ―, um fenótipo muito presente na população do Ceará. Isso implicaria em uma dívida geracional aos povos originários ― “todos somos descendentes de indígenas”?

A figura retratada mostra uma aparente apatia frente ao que está diante de si (sua presença demarcada pela penumbra sobre os olhos); isso, no entanto, só disfarçaria sua segurança, similar ao de um atleta olímpico diante de uma prova decisiva ― o modelo é posto de frente ao observador provavelmente para provocar este efeito.

Nesta obra enfatizaram-se os ombros, denotando estabilidade. Para a artista, o modelo é uma figura de autoridade, mas que flutua ― não se vê seus pés. Apenas um Velásquez pintando a família real espanhola seria capaz de tamanho feito.

É possível notar a influência das iluminuras japonesas, bem como a arte contemporânea do mangá, o que torna a obra de Paula Benevides um ícone da arte pop brasileira...

“04/06/24 Arlon”, de Eddy Leite.

Desenho feito por uma criança. É o retrato de uma figura masculina de óculos, camiseta e calças. Está em estilo de cartum.

Traço näif, humor, simplicidade e objetividade: essas são características da primorosa arte de Eddy Leite, estudante de 11 anos, que acaba de despontar em sua promissora carreira através de “04/04/24 Arlon”.

Se por um lado Paula (acima) e Patty (abaixo) preferiram expor closes do modelo, Eddy, detalhista desenhista, preferiu “montar todo o mosaico”, e trabalhou com astúcia movido por seu cubista instinto de mostrar o objeto observado em sua plenitude, buscando não esconder um traço sequer do expectador.

Todas as partes do corpo da figura têm a mesma medida, vejam vocês! Em vez de um corpo de proporção de oito cabeças ― como manda a Academia de Belas-Artes ―, Eddy, conscientemente disruptivo e em um claro protesto contra essa instituição, preferiu desenhá-lo na proporção de três cabeças. Ainda assim, sua obra é muito mais precisa do que o mais acurado afresco de Leonardo da Vinci. Neste momento ― tenho certeza ―, as mais aclamadas salas de aula de desenho acadêmico em Paris devem estar confusas, necessitando de rever toda a sua teoria de anatomia...

Ao contrário das demais artes expostas nesta publicação, Eddy fez o modelo não como alguém que pretende algum confronto, mas como alguém que, diante das intempéries da vida, não se mostra abalado. Notem que, enquanto todo o corpo do modelo possui rugas e marcas de movimento, seu rosto segue liso como bumbum de bebê.

“Prof. Arlon. 'Eu sei que não ficou nada a ver, mas to tentando'”, arte de Patty Ferreira.

Desenho feito por uma criança de uma cabeça de cabelos curtos e óculos. A orelha esquerda tem um pequeno buraco no lóbulo.

Esta obra foi realizada por Patty, uma estudante de 11 anos, e é um grafite sobre papel ofício 65 g/m², entregue em um caprichado envelope artesanal de material igual ao da obra.

Patty, na incrível altura de seus 11 anos, já demonstra um excepcional domínio de sua ferramenta artística: o lápis hexagonal de ponta de grafite, da fabricante Bic. A figura central desta obra foi retratada com a dor honesta de um combatente da Segunda Guerra Mundial ou da Guerra do Vietnã ― é possível até mesmo notar pequenas gotas de lágrima em volta dos olhos (ou seriam talvez reflexos de luz ao fim do túnel desta vida que é ser professor?).

A boca de dentes plenamente cerrados denotam um momento de aflição (algo que o deixa como “um goleiro na hora do gol”, como dizia Belchior) ― alguma incompreensão por parte da turma, alguma desobediência, falta de cooperação por parte do estafe escolar? Patty nos convida a terminar de compor este quadro que, com toda a certeza, já ocupa o rol dos cânones ocidentais...

Seu traço é frenético, mas mostra domínio das proporções do rosto humano. Sua direta menção à arte grega do escorço é por demais notável, máxime por sua multidirecionalidade. Além disso, Patty é claramente uma adepta da escola de expressionismo alemão, pois que carrega o frenesi de um Wols, o desespero de um Egon Schiele e a melancolia de uma Käthe Kollwitz.

Os signos que Patty nos fornece são feitos aos mínimos traços: duas linhas formam a orelha, outras duas delineiam o nariz, dois círculos fazem os óculos etc., uma atitude típica de quem entendeu as maiores lições da Escola Bauhaus de design ― “Menos é mais”.

Claramente uma obra que fará demasiado burburinho nos principais museus de arte europeus, como o Centro Pompidou, e que, por conta de sua irreverência deveras singular, circulará bastante pelas principais colunas de arte dos Estados Unidos, como o da New Yorker.


#cotidiano

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Foto da silhueta de alguns postes de luz contra a luz do final da tarde. No céu, degradês em lilás, amarelo e azul escuro.

Entardecer em Fortaleza. Foto minha.

Como ando meio sem ideia do que publicar, eis um compilado de postagens do meu microblogue Akkoma, conversas de e-mail, ivesdropes e outros fragmentos de pensamentos que não renderiam uma publicação, mas que valem a pena compartilhar, além de eventuais recomendações.

Sobre o estado das Ideias de Chirico

Com frequência tenho um desejo de escrever ― sem saber o quê. É mais uma vontade de escrever por escrever ― como se assovia em vez de cantar. Uma pena que não dá para fazer “estudos” com escrita, como se faz com pintura por exemplo, ou “improvisos melódicos” como com um instrumento musical. Às vezes o que quero é escrever só pelo prazer de linguagem.

Ter um blogue tem me ensinado que a visibilidade vem através do tempo, e não através de um só espaço, e que às vezes ela não apresenta sinais ― como curtidas e compartilhamentos. Blogar tem me educado a não desanimar quando as coisas publicadas não causam “ruído” de primeira.

O que interessa é você deixar pontes visíveis para a sua produção. Sejam hashtags ou hiperlinkagens, se há pontes, as pessoas vão circular por ali.

Veículo para vídeos curtos

Assistir a vídeos curtos pelo computador é dez vezes melhor do que assistir pelo telefone. Assim dá para dividir a tela em duas, deixar o feed em um lado, e outra aba em outro, onde se pode pesquisar alguma recomendação ou abrir algum perfil enquanto o vídeo roda. Acho também que assim me sinto menos preso. Recomendo bastante.

National rock

Nomes de bandas brasileiras de pop-rock ― meio desprezadas ― escritos em inglês soam como qualquer outra banda estadunidense que o povo paga pau por aí:

New Cloth;

Initial Capital;

Assassins Mamonas;

Urban Legion;

Hawaii's Engineers;

Red Baron;

The Success' Mudguards

Twenty Two CPM.

Please, come to Brazil ― and make money!

Estava ouvindo o pessoal do podcast mimimídias ― aqui o corte do episódio ― falando sobre a nova música do Offspring, Come to Brazil, e Clara Matheus falou uma coisa que faz sentido.

Uma vez que o público brasileiro engaja em publicações de gringos falando sobre o Brasil (essa coisa toda de Brazil mentioned), agora os artistas internacionais, caso estejam precisando de uma grana, na dúvida metem o nosso país em uma nova produção.

Essa música do Offspring por exemplo parece ser puro suco de turismo barato, coisa de quem só ouviu falar do Rio de Janeiro, de mulher bonita, caipirinha, churrasco, samba etc.

Ouvir o mundo falar do Brasil é legal, mas tem de se ver se é um movimento genuíno, de alguém que conhece o país, e se, afinal, não é uma forma de nos transformar em massa de manobra para descolar um cachê...

E-mail para o Professor Pasquale

Religiosa e diariamente acompanho “A Nossa Língua de Todo Dia”, programa da Rádio CBN que ouço via podcast, apresentado pelo lendário Professor Pasquale. Neste programa, Pasquale responde, de segunda à sexta, a dúvidas de gramática. Como forma de ilustrar as regras gramaticais, ele roda ótimas músicas ― ou, como ele chama, “auxílios luxuosos”.

Em meados de setembro enviei uma mensagem na qual, além de pedir a solução de uma dúvida, também comentei sobre outro boletim seu, cujo título era “É correto aplicar o plural em frases que citam o número zero?” ― aqui o episódio. Aí, Pasquale faz uma confusão sobre a ironia em construções, muito comum entre a juventude, do tipo “Tal notícia surpreendeu um total de zero pessoas”, aplicando a mais rançosa das gramáticas normativas.

No começo deste mês de outubro, Pasquale respondeu minha dúvida. Entretanto, por uma questão de economia de tempo, não leu o meu comentário a respeito de sua má interpretação sobre construções com “zero”. Como forma de pôr a discussão para frente, aqui vai o meu e-mail na íntegra:

Boa tarde, professor Pasquale e equipe CBN! Quem escreve outra vez Arlon de Serra Grande, aquele que enviou a pergunta do programa do dia 7 de junho, sobre o uso do verbo ser em “Deus é contigo”. Antes de fazer minha nova pergunta, gostaria de dar meus dois centavos sobre a dúvida/discussão levantada no programa do dia 29 de agosto, a respeito de expressões com “zero”.

Expressões do tipo “O evento recebeu zero pessoas”, “Estou estagiando com a remuneração de zero centavos” etc., são muito comuns entre a geração de cristal (também conhecida por geração Z) e pode entrar no rol das expressões figurativas, logo, não deve ser lida de modo literal.

Me explico: quem o diz provavelmente tem plena consciência de que as palavras seguidas de zero não são flexionadas no plural. Ainda assim essa pessoa o faz para enfatizar a ineficácia ou a frustração de um evento esperado. Tanto é que em geral, quando as pessoas falam essa expressão, sublinham-na com o tom da voz: “Eu estou ganhando duro e ganhando ZERO centavos por isso, acredita?”.

Há ainda outra expressão neste formato: “A nossa festa recebeu um total de zero pessoas”. Ora, quando se fala de “total”, fala-se de soma, mas a expectativa de que há alguma quantia somável é quebrada pelo “zero”, que é ainda enfatizada pelo plural cinicamente flexionado. Então, dito isso, defendo que essa construção de suposto desvio é consciente, fruto de sarcasmo.

À parte disso, gostaria de lhe perguntar sobre outra coisa. Tenho percebido que há uma série de palavras em LP terminadas em “bundo”. Sua significação é quase que intuitiva para o falante. Por exemplo:“furibundo” é aquele que está com fúria; “meditabundo” é aquele que medita, ou que está pensativo; “moribundo” é aquele que está por morrer. Não nos esqueçamos ainda do conhecidíssimo “vagabundo”, aquele que vaga, que é associado ao ócio.

Mas, afinal, de onde vem e o que significa esse “bundo” grudado nessas palavras? Por que há variações dessas palavras mais simplificadas, como “furioso” e “meditativo”? Faço essa pergunta porque sei que você é uma figura muito afeita à filologia (ciência também conhecida como linguística histórica ― cuidado para não pronunciarem “linguiça”, hein!), e dúvidas filológicas são difíceis de serem sanadas através da internet.

É tudo. Se não for pedir demais, gostaria de que mandassem um abraço a Yuri Bravos, grande companheiro da internet fediversal, também daqui de Fortaleza, e, assim como eu, ouvinte assíduo da Nossa Língua de Todo Dia.

Abraços!

Readymades de ônibus

Frases roubadas de pichações, conversas, telas de telefone ou outras quase-interjeições que ouvi/li enquanto tomava condução coletiva.

“Vivo isso, não disso”.

“Prefiro me vestir igual um mendigo do que ficar igual um mendigo depois”.

“Não tenha medo de peidar enquanto mija ― não há chuva sem trovão. Mas cuidado com o deslizamento de terra...”.

“Não estou dizendo nada, só estou falando”.

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Imagem de uma folha em branco com uma lapiseira ao lado sobre uma mesa de madeira.

Após apresentar “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéry à turma de 7° série, o professor de redação pediu-lhes para que apresentassem uma síntese do livro. O único comando que ele dispôs no quadro negro foi “Escrevam apenas o essencial da história”.

Enquanto toda a sala rascunhava rapidamente sobre seus papéis, o pior aluno entregou uma folha em branco. O professor, contrariado, indagou do que se tratava aquilo. E o aluno timidamente respondeu:

― Professor, é que eu aprendi com o Pequeno Príncipe que

O essencial é invisível aos olhos.

Este aluno recebeu a melhor nota da turma.

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