Cryptorave – Tecnologia e Política são Indissociáveis

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Nota da autora, 19 de setembro de 2024: Este texto foi escrito em 12 de maio de 2024 e enviado para a redação paulista de um certo jornal comunista. O texto até então não foi publicado e a justificativa oficial foi que a redação estava sobrecarregada para revisá-lo e publicá-lo. Hoje, após 4 meses de espera, acho que posso afirmar que a falta de retorno sobre o texto reflete uma omissão incorreta da redação do jornal. Confiante de estar defendendo a linha correta, e tendo as possibilidades de debate interno no partido sido negadas, torno público este texto para que seja conhecido e criticado abertamente.

Nota da autora, 24 de setembro de 2024: Faço a autocrítica e considero incorreta minha atitude de expor o nome da organização e do jornal. O objetivo deste compartilhamento é tornar a matéria pública para debate e não em criticar o trabalho desta ou daquela organização.

O compartilhamento deste texto é permitido segundo a licença CC BY-ND 4.0.


Nos dias 10 e 11 de maio de 2024 ocorreu em São Paulo mais uma edição da Cryptorave, o maior evento aberto e gratuito de criptografia e segurança do mundo, que reuniu, em 24 horas, diversas atividades sobre segurança, hacking, privacidade e liberdade na rede. Inspirada em uma ação global para disseminar e democratizar o conhecimento e conceitos básicos de criptografia e software livre, o evento teve início em 2014, como reação à divulgação de informações que confirmaram a ação de governos e corporações para manter a população mundial sob vigilância e monitoramento constantes.

O público presente revelou à quem mais interessa debater segurança digital e tecnopolítica. Mulheres, pessoas negras, neurodivergentes e trans marcaram forte presença tanto na plateia quanto no palco, contrariando o estereótipo de um setor dominado por homens cis héteros e brancos. Um lembrete de quais são os grupos dentro da classe trabalhadora que mais sofrem opressão e violência, inclusive nos espaços digitais.

O keynote de abertura, sob o tema “Tecnologias de IA e seu impacto nas vidas e narrativas Palestinas” reforçou o posicionamento político do evento, denunciando mais uma vez como as tecnologias digitais tem sido usadas para explorar e violentar a população.

Mesmo onde não há uma guerra declarada, governos ainda perseguem sua própria população tratando-a como um inimigo interno. O Movimento Passe Livre (MPL) propôs uma roda de conversa sobre segurança e autodefesa trazendo informações sobre como movimentos sociais estão sendo criminalizados, e que isso é um projeto de São Paulo, do Brasil e de toda a América Latina.

Relatos de vazamentos de informações internas dos movimentos e coação de menores de idade para fazer a identificação de pessoas em fotos publicadas em mídias sociais confirmaram que a preocupação com segurança não se trata de paranoia. Trata-se de uma postura urgente para garantir os direitos constitucionais à livre manifestação de pensamento, a plena liberdade de associação para fins lícitos, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, a inviolabilidade das comunicações – salvo com permissão judicial – e o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

No keynote de encerramento “Tecnoautoritarismo: Spyware, OSINT e outras tecnologias de vigilância na América Latina” foram denunciadas as táticas de censura e espionagem dos governos contra nossos companheiros no Equador, Colômbia e México. Fica evidente, a partir de contratos de governos na América Latina para uso de ferramentas de espionagem israelense, que o avanço da máquina de guerra sobre a Palestina não é apenas uma ameaça imediata para o povo palestino, mas também uma ameaça para nós na América Latina, ao passo que o desenvolvimento de software para a guerra israelense são financiados com dinheiro público de governos latino-americanos e usados, sem a devida previsão legal, contra o próprio povo.

As novas tecnologias informacionais são a tônica de nosso velho e admirável mundo novo. Um mundo onde tudo muda a velocidades crescentes, mas apenas para intensificar e diversificar as velhas formas de produção e extração de mais-valia. É preciso rever o colonialismo não como um fenômeno do passado, mas como um processo que perdura e se atualiza com novas expressões, e que hoje se apresenta em formato digital. A questão da tecnologia não é uma questão isolada, mas parte da materialidade do nosso tempo, se inserindo nas relações sociais como um elemento constitutivo da sociedade.

Não é mais tolerável que militantes ignorem o debate sobre segurança da informação. Dados e metadados estão sendo coletados em enorme escala e armazenados indefinidamente em grandes centros de processamento de dados. Essas informações são agregadas com uso de técnicas de inteligência artificial (IA) para reduzir o trabalho vivo necessário, permitindo aumentar a quantidade de informações processadas por governos e corporações em uma escala sem precedentes. Técnicas estas que avançam ano após ano, e que poderão ser aplicadas retroativamente em dados coletados no presente para o perfilamento de militantes e ações contrarrevolucionárias.

O esforço e o custo necessários para adotar e manter soluções alternativas, independentes de plataformas controladas pelos monopólios de tecnologia, devem ser priorizados para a segurança de nossos militantes e a continuidade de nossa luta, ao passo que atrapalham a coleta de informações e, por consequência, as práticas de espionagem adotadas pelos governos contra a sua própria população.

É preciso lutar pelo fim da exploração, mas também pelo fim da expropriação de dados. O atual estágio de desenvolvimento tecnológico abriu novos caminhos para a exploração do trabalho, mas também as formas de lutar e se organizar. O caminho contudo permanece familiar: tomada de consciência e muita organização popular!