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from Ideias de Chirico

Ressalva: Nesta Ideia de Chirico, traduzi um ensaio que eu já compartilhara em alguma das Notas Costuradas. Trata-se de “The computer build to last 50 years”, onde se fala sobre o conceito de um computador eterno, de manutenção permanente, como o são as máquinas de escrever. O texto foi escrito em inglês por Lionel Dricot (m.c.c. Ploum), famoso blogueiro e escritor belga, que recentemente publicou um romance distópico, o “Bikepunk”. Outro dia trarei outros textos do Ploum traduzidos do francês.

Esta tradução foi sugerida por @diegopds@bolha.us, que também fez a revisão do texto. Termos técnicos que não têm relativas precisas em português foram mantidos ou têm sua forma original entre parênteses, antecedida de uma sugestão de tradução. Afora esses casos, tentei ao máximo buscar traduções ou mesmo criar palavras que se adequem ao português. Logo, reconheçam esta tradução como propositiva. Isso faz parte de uma política linguística aqui nas Ideias de Chirico de, sempre que possível, usar termos estrangeiros traduzidos ou aportuguesados. Tal política está melhor desenvolvida na aba “Sobre”, ao topo desta página.

Para aqueles que gostarem deste texto e souberem o idioma inglês, também sugiro a leitura de “Reinventing How We Use Computers”, em que Ploum discorre mais sobre como imagina o Forever Computer em termos visuais e ergonômicos. O ensaio abaixo também conversa com uma outra publicação destas Ideias de Chirico, “Como e por que parei de comprar notebooks novos”, uma tradução de um texto do blogue Low Tech Magazine.

Boa leitura!

Três máquinas de escrever e um dispositivo de escrever similar à máquina de escrever sobre um piso de tacos. Imagem granulada e em preto e branco

“O computador feito para durar 50 anos”, escrito por Lionel Dricot (Ploum) em 2021

Como criar um computador duradouro que poupará sua atenção, sua carteira, sua criatividade, sua alma e o planeta. Acabar com monopólios será somente uma das consequências.

Cada vez que vejo minha máquina de escrever Hermes Rocket (à esquerda na imagem), fico surpreso pelo fato dela parecer bem moderna e, depois de uma limpeza, funcionar como por mágica. O aparelho tem 75 anos e é uma peça de tecnologia bem complexa, com mais de 2000 partes móveis. Isso ainda é uma das melhores ferramentas para focar na escrita. Bem, nem tanto. Prefiro a mais jovem Lettera 32, que tem quase 50 anos (à direita na imagem).

Máquinas de escrever são uma peça de maquinaria incrivelmente complexa e precisa. Em seu auge, nas décadas em torno da Segunda Guerra Mundial, as fabricávamos tão bem que hoje já não precisamos mais fabricar máquinas de escrever. Simplesmente temos o suficiente delas na Terra. Você pode contestar que isso se deve porque ninguém mais as usa. Não é verdade. Um monte de escritores seguem as usando, elas ficaram na moda durante os anos 2010 e, para escapar da vigilância, alguns serviços secretos voltaram a utilizá-las. É um mercado bem nichado, mas existente.

Aprofundemos essa ideia: basicamente fabricamos o suficiente de máquinas de escrever para o mundo em menos de um século. Se quisermos mais máquinas, a solução não será fabricar mais, mas encontrá-las em sótãos e restaurá-las. Para a maioria das máquinas de escrever, restauração é somente questão de tomar tempo para fazê-lo. Não há habilidades ou ferramentas complexas envolvidas. Mesmo as operações mais difíceis poderiam ser aprendidas sozinhas, por simples tentativa e erro. Toda a teoria necessária para entender a máquina de escrever é a própria máquina de escrever.

Por outro lado, precisamos mudar nossos notebooks a cada três ou quatro anos. Nossos celulares a cada dois anos. E todas as outras peças de equipamento (carregadores, roteadores, modem, impressoras...) precisam ser trocadas regularmente.

Mesmo com a devida manutenção, elas simplesmente pifam. Não ficam mais compatíveis com seu ambiente. Já é impossível alguém sozinho saber perfeitamente o que elas estão fazendo, imagine consertá-las. Baterias se desgastam. Telas trincam. Processadores tornam-se obsoletos. Programas [software] tornam-se inseguros, isso quando não quebram ou se recusam a ser executados.

Não é que você mudou alguma coisa nos seus hábitos. Você ainda basicamente comunica-se com as pessoas, busca informações, vê vídeos. Mas hoje seu trabalho está no Slack, o que requer um CPU moderno para carregar a interface do que basicamente é um IRC enxuto. Seu programa de videoconferência usa um novo codec que requer um novo processador. E um novo roteador de rede sem fio [wi-fi]. Seu cliente de e-mail agora só roda em 64 bits. Se você não atualiza, fica largado ao léu.

Claro, computadores não são máquinas de escrever. Eles fazem bem mais do que máquinas de escrever.

Mas poderíamos imaginar um computador feito como uma máquina de escrever? Um computador que ficaria com você por toda sua vida e seria passado para seus filhos?

Poderíamos fazer um computador desenhado para durar ao menos 50 anos?

Bem, dado o modo como usamos os recursos do nosso planeta, a questão não é se poderíamos ou não. Precisamos fazê-lo, não importa como.

Então, como poderíamos fazer um computador que dure 50 anos? Isso é o que quero explicar neste ensaio. Em minhas notas, estou me referindo a esse objeto como o #ForeverComputer. Você deve ter um nome melhor. Isso não importa de fato. Não é o tipo de objeto que terá uma palestra anual para apresentar o modelo novo em folha, nem anúncios por todos os lados nos falando o quão revolucionário é.

Focando em casos de uso atemporal

Não tem jeito de se prever qual será o próximo codec de vídeo ou o próximo padrão de rede sem fio. Não há porquê de tentá-lo. Não se pode adivinhar que tipo de atividade online estará na moda nos próximos dois anos.

Em vez de tentar fazer isso tudo, a gente poderia focar em montar uma máquina que fará atividades atemporais, e fazê-lo bem. Minha máquina de escrever de 1944 ainda está escrevendo. Ainda está fazendo algo que acho útil. Em vez de tentar criar um plataforma de jogos genérica ou um computador para assistir à Netflix, vamos aceitar algumas limitações.

A máquina será feita para comunicar-se em formato escrito. Isso significa escrita e leitura. Isso já cobre um monte de usos. Escrita de documentos. Escrita de e-mails. Leitura de mensagens, documentos, livros digitais. Busca por informação na rede. Leitura de blogues, newsletters e fóruns.

Isso não parece muito, mas, se você pensar nisso, já é bastante. Muita gente ficaria feliz por ter um computador que faz somente isso. Claro, designers gráficos, produtores de filmes e gamers não ficariam felizes com um computador assim. Esse não é o ponto. É só que a gente não precisa de um computador novinho toda hora. Espaços de trabalho dedicados e poderosos ainda poderiam existir, mas poderiam ser compartilhados ou ser renovados menos frequentemente se todo mundo tivesse acesso ao seu próprio dispositivo para escrita e leitura.

Restringindo o uso, a gente cria muitas oportunidades de design.

Peças [hardware]

A meta de um computador de 50 anos não é ser miúdo, ultraportátil e ultrapotente. Em vez disso, tem de ser robusto e resiliente.

Na época da máquina de escrever, um aparelho de cinco quilos era considerado como ultraportátil. Como eu era acostumado a um MacBook de 900g e senti que meu Thinkpad de 1,1kg era volumoso, pude me imaginar sobrecarregado. Mas, assim que comecei a escrever em um Freewhite (na imagem, entre minhas máquinas de escrever), percebi algo importante. Se quisermos criar objetos duradouros, os objetos precisam ser capazes de criar uma conexão conosco.

A sensação com um objeto mais pesado e bem desenhado é diferente. Você não precisa dele sempre consigo só por precaução. Você não o joga na sua mochila sem pensar. Ele não está lá para lhe aliviar do tédio. Ao contrário, carregar o objeto é um comprometimento. Um ato consciente de que você precisa dele. Você o sente em suas mãos, sente o peso. Você está dizendo ao objeto: “Eu preciso de você. Você tem um propósito”. Quando tal comprometimento é feito, o propósito raramente é “rolar um fio sem fim de vídeos de gatos”. Ter um propósito torna mais difícil jogar o objeto fora porque uma versão novinha acabou de ser lançada. Isso também ajuda a desenhar uma linha entre os momentos nos quais você usa o objeto e os momentos em que não o usa.

Além de robustez, um dos principais objetivos do ForeverComputer seria usar o mínimo de eletricidade possível. Baterias devem ser facilmente substituíveis.

A fim de que se torne relevante para os próximos 50 anos, o computador precisa ser feito com partes facilmente substituíveis. As inspirações são o Fairphone e o notebook da MNT Reform. As especificações de todas as partes precisam ser de código aberto, logo todo mundo pode produzi-las, consertá-las ou mesmo inventar alternativas. As partes poderiam ser separadas em alguns blocos lógicos: a unidade da computação, o que inclui a placa-mãe, CPU e RAM; a unidade de energia, ou seja, a bateria, a tela, o teclado; a unidade de rede, a unidade de som e a unidade de armazenamento. Tudo isso vem em um revestimento.

Claro, cada bloco poderia ser feito de componentes separados que poderiam ser consertados, mas fazer blocos lógicos claros com interfaces definidas nos permite uma compatibilidade mais fácil. O corpo requer atenção especial porque isso vai ser a essência do objeto. Assim como para o navio de Teseu, o computador pode permanecer o mesmo ainda que você substitua cada parte. Mas o revestimento protetor é especial. Desde que você mantenha o revestimento original, a sensação para com o objeto seria a de que nada foi mudado.

Em vez de ser produzido em massa na China, ForeverComputers poderiam ser fabricados localmente, a partir de cópias do projeto, de código aberto. Manufaturadores poderiam trazer em jogo suas próprias habilidades, suas próprias experiências. A gente poderia ir mais longe conectando cada ForeverComputer a um sistema do tipo Mattereum, em que modificações e reparos serão listadas. Assim, cada computador seria único, com uma história de pertencimento. Assim como o Fairphone, o computador deveria ser fabricado com materiais da forma mais ética possível. Se você quer criar uma conexão com um objeto, se você quiser dar-lhe uma alma, esse objeto deveria ser o mais respeitoso possível com seus princípios éticos.

Escolhas optativas

Logo que temos a escolha de usar sobretudo um computador para a interação escrita, faz sentido, no estado atual da tecnologia, usar uma tela de tinta eletrônica [e-ink]. Telas de tinta eletrônica economizam bastante energia. Isso faria toda a diferença entre um dispositivo que você tem de recarregar toda noite, trocando a bateria a cada dois anos, e um dispositivo que basicamente fica ocioso por dias, algumas vezes por semanas, e que você recarrega uma vez ou outra. Ou que você nunca precisa recarregar se, por exemplo, o revestimento protetor externo vier com painéis solares ou uma manivela emergencial.

Tela de tinta eletrônica atualmente é mais difícil de ser usada com mouses e dispositivos de apontar [pointing devices]. Mas a gente pode construir um computador sem nenhum dispositivo de apontar. Geeks e programadores sabem do benefício de fluxos de trabalho voltados ao teclado. Eles são eficientes, mas difíceis de aprender.

Com um programa dedicado, esse problema poderia ser resolvido de forma inteligente. O Freewrite tem uma parte dedicada na tela, sobretudo usada para estatísticas textuais ou para a disposição da hora. Esse conceito poderia ser estendido para mostrar comandos disponíveis. Boa parte das pessoas está pronta para aprender como usar suas ferramentas. Mas, ao mudar a interface toda hora com atualizações imprevistas, ao pedir que designers inovem em vez de focar em utilidade, a gente esquece de qualquer aprendizado a longo prazo, considerando usuários como idiotas em vez de os empoderar.

Podemos criar uma interface para o usuário orientada ao texto com uma curva de aprendizado gradual? Para um dispositivo que deve durar 50 anos, isso faz sentido. Por essência, tal dispositivo deve revelar a si mesmo, desbloqueando seus potenciais gradualmente. Um design cuidadoso não será sobre “mirar um dado segmento consumidor”, mas “fazê-lo útil para humanos que dedicaram tempo para aprender”.

Claro, alguém pode imaginar a substituição de um bloco de inserção de dados [input block] para ter um teclado com um dispositivo de apontar, como o famoso ponto vermelho da Thinkpad. Ou um mouse USB poderia ser conectado. Ou a tela poderia ser sensível ao toque. Mas e se a gente tentasse fazer o máximo que pudermos sem eles?

Tinta eletrônica sem dispositivo de apontar mataria qualquer rolagem infinita, forçando-nos a pensar na interface do usuário como uma ferramenta textual que deve ser eficiente e servir ao usuário, mesmo que isso requeira algum aprendizado. Ferramentas precisam ser aprendidas e cuidadas. Se você não precisa aprender, se você não precisa cuidar, então provavelmente não é uma ferramenta. Você não está a usando, você está sendo usado.

Claro, isso não significa que todo usuário precisa aprender a programar a fim de estar preparado para usar isso. Uma boa interface durável requer algum aprendizado, mas não requer quaisquer modelos mentais complexos. Você entende intuitivamente como uma máquina de escrever funciona. Você pode aprender alguns recursos mais complexos como tabulações. Mas você não precisa entender como o mecanismo interno funciona para recuar o papel com cada pressionar de tecla.

Offline por padrão

Nossos dispositivos atuais esperam estar online todo o tempo. Se você se desconecta por qualquer motivo, verá um monte de notificações, um monte de erros. Em 2020, usuários de MacOS infamemente descobriram que seus SO estavam enviando várias informações para os servidores da Apple, porque, por algumas horas, esses servidores não estavam respondendo, resultando em uma epidemia de bugues e erros. Ao mesmo tempo, simplesmente tentar usar meu notebook offline permitiu-me encontrar um bugue na distribuição Regolith Linux. Esperando estar online, uma pequena aplicação [applet] tentava reconectar furiosamente, usando toda a CPU disponível. O bugue nunca foi achado antes de mim porque poucos usuários ficam offline por um extenso período de tempo (deve-se notar que isso foi consertado nas horas que se seguiram ao meu informe inicial, código aberto é massa).

Essa conectividade permanente tem um efeito profundo na nossa atenção e no modo com que usamos computadores. Por padrão, o computador está nos notificando o tempo inteiro com sons e popapes. Desligá-los requer uma configuração avançada e, algumas vezes, raque [hack]. No MacOS, por exemplo, você não pode ligar o modo Não Perturbe permanentemente. Propositalmente, não ser perturbado é algo que deve ser raro. O raque que eu usava era configurar o modo para ser ativado automaticamente entre 3h da manhã e 2h da manhã.

Quando você está online, seu cérebro entende que algo pode estar acontecendo, mesmo sem notificação. Pode haver um novo e-mail esperando por você. Qualquer coisa nova em um website aleatório. Está lá, bem no seu computador. Basta mover a janela aberta para fora e você pode ter algo que você está ansiando: novidade. Você não tem de pensar. Logo que você tenha algum pensamento difícil, seus dedos provavelmente irão encontrar alguma diversão espontaneamente.

Mas essa conexão permanente é uma escolha. A gente pode desenhar um computador para ser offline por padrão [offline first]. Uma vez conectado, ele sincronizará tudo de que precisa: e-mails serão enviados e recebidos, notícias e podcasts serão baixados dos seus websites e RSS, arquivos serão subidos, alguns websites ou gemini pods podem até mesmo ser baixados até uma dada intensidade. Isso seria algo consciente. O estado da sua sincronização será mostrada em tela cheia. Por padrão, você não seria permitido de usar o computador enquanto estivesse online. Você verificaria se toda a sincronização foi finalizada para então deixar o computador offline de volta. Claro, a tela cheia poderia ser contornada, mas você precisaria fazê-lo conscientemente. Estar online não seria um padrão irracional.

Esse projeto de “offline por padrão” também teria um profundo impacto nas peças. Isso significa que, também por padrão, o bloco de rede poderia ser cabeado. Tudo de que você precisaria seria um simples conector RJ-45.

A gente não sabe como os protocolos de rede sem fio mudarão. Há uma grande possibilidade de que a rede sem fio de hoje em dia não seja suportado pelos roteadores de amanhã ou apenas seja um plano de recuperação alternativo. Mas há chances de que o RJ-45 permanecerá por ao menos algumas décadas. E se não o RJ-45, um simples adaptador poderia ser impresso.

Rede sem fio tem outros problemas: ela suga energia. Precisa de sempre estar escaneando em plano de fundo. Não é confiável e é complexa. Se você quer conectar-se à rede sem fio só por um instante, precisa habilitá-la, esperar pela busca em plano de fundo, escolher a rede para se conectar, cruzar seus dedos para que não haja nenhum ponto de acesso aleatório que queira espiar seus dados, escrever a senha. Esperar. Reescrever a senha porque provavelmente você escreveu um zero em vez de um O. Esperar. Parece que está conectado. É isso? Todos os arquivos estão sincronizados? Por que a conexão foi interrompida? Será que estou fora da área? Será que as paredes são muito grossas?

Por outro lado, tudo isso poderia ser alcançado plugando um conector RJ-45. Tem uma luzinha verde ou laranja? Sim, então o cabo está bem plugado, problema resolvido. Isso também acrescenta consciência de conexão. Você precisa andar até o roteador e fisicamente conectar o cabo. A sensação é de estar enchendo o tanque com informação.

Claro, a concepção de código aberto significa que qualquer um pode produzir uma placa de rede sem fio ou 5G que você pode plugar em um ForeverComputer. Mas, assim como os dispositivos de apontar, vale a pena tentar ver o quão longe podemos ir sem ela.

Apresentando a conectividade ponto a ponto (P2P)

O paradigma de “offline por padrão” leva a uma nova era de conectividade: P2P (physical peer to peer)¹. Em vez de conectar-se a um servidor central, você pode conectar dois computadores aleatórios com um simples cabo.

Durante essa conexão, ambos computadores dirão um ao outro do que eles necessitam e, se por algum caso puderem satisfazer alguma dessas necessidades, as satisfarão. Eles poderiam também transmitir mensagens criptografadas para outros usuários, como garrafas no mar. Se acontecer de você encontrar Alice, por favor, dê-lhe esta mensagem.

Conexão entre pares implica em forte criptografia. Informação privada deve ser criptografada sem nenhum outro metadado que não o destinatário. O computador conectando-se a você não tem ideia se você é o remetente original ou somente um nó da cadeia de transmissão. Informação pública deve ser assinada, então você tem a certeza de que vêm do usuário que você confia.

Isso também significa que nossos discos rígidos enormes poderiam ser usados totalmente. Em vez de assentar-se em um monte de discos rígidos vazios, seu armazenamento agirá como um mensageiro para outros. Quando estiver cheio, de forma inteligente apagará coisas mais velhas e provavelmente menos importantes.

A fim de usar meu computador offline, eu baixei a Wikipédia, com gravuras, usando o programa Kiwix. Isso só tomou 30GB do meu disco rígido e posso ter a Wikipédia comigo todo o tempo. Só me falta uma toalha para ser um verdadeiro mochileiro das galáxias.

Nesse modelo, grandes servidores centrais apenas servem como um portal que faz as coisas acontecerem mais rápido. Eles não são mais necessários. Se um portal central desaparecer, não há um grande problema.

Mas não é só sobre Wikipédia. Protocolos como IPFS pode nos permitir construir toda uma internet P2P e sem servidores. Em algumas áreas rurais do planeta, onde o acesso à banda larga não é fácil, tais Redes Tolerantes a Atraso (Delay Tolerant Networks ― DTNs) já são funcionais e extensivelmente em uso, incluindo para navegar na internet.

Programas [Software]

Não precisa dizer que, a fim de construir um computador que poderia ser usado pelos próximos 50 anos, todo programa deve ser de código aberto.

“Código aberto” significa que bugues e problemas de segurança podem ser resolvidos muito tempo depois de que a empresa que os codificou desapareceu. Mais uma vez, veja as máquinas de escrever. Muitas empresas desapareceram ou se transformaram a ponto de não serem mais reconhecidas (tente trazer de volta o seu IBM Selectric para um atendente da IBM pedindo por um conserto, só para ver a cara dele. E, sim, seu IBM Selectric provavelmente tem exatamente 50 anos). Mas máquinas de escrever ainda são uma coisa porque você não precisa de uma empresa para consertá-las para você. Tudo de que precisa é um pouco de tempo, destreza e conhecimento. Para as partes faltantes, outras máquinas de escrever, algumas vezes de outras marcas, podem ser recolhidas.

Para um computador de 50 anos atinja o mercado, precisamos de um sistema operacional. Essa é a parte mais fácil já que os melhores sistemas operacionais que há já são de código aberto. Precisamos também de uma interface de usuário que deve ser dedicada para nossas necessidades particulares. Isso é um trabalho duro, mas viável.

A parte da rede P2P offline por padrão é talvez a parte mais desafiadora. Como dito antes, peças essenciais como IPFS já existem. Mas tudo tem que ser colado junto com uma boa interface de usuário.

Claro, faz sentido confiar primeiramente em alguns servidores centrais. Por exemplo, codificar em Debian e conseguir subir todos os recursos dedicados como parte do repositório oficial do Debian já oferece alguma garantia a longo prazo.

O ponto principal é mudar nossa postura psicológica a respeito de projetos tecnológicos. Descartemos a mentalidade do Vale do Silício de tentar permanecer na surdina para então, do nada, tentar ter o máximo de fatia de mercado possível a fim de contratar mais desenvolvedores.

O próprio fato de eu estar escrevendo isto publicamente é um compromisso com o espírito do projeto. Se nós conseguirmos mesmo fazer um computador que seja utilizável por 50 anos e eu estiver envolvido, quero que se destaque que, desde sua primeira descrição, tudo foi feito de forma aberta e livre.

Mais sobre a perspectiva

Um computador feito para durar 50 anos não é sobre fatia de mercado. Não é sobre levantar uma marca, arrecadar dinheiro de capital de risco [venture capital] e ser vendido por um monopólio. Não é sobre criar um unicórnio ou mesmo um bom negócio.

É tudo sobre criar uma ferramenta que ajude a humanidade a sobreviver. É tudo sobre tomar o melhor de oito bilhões de cérebros para criar esta ferramenta, em vez de contratar alguns programadores.

Claro, a gente precisa pagar as contas. Uma empresa pode ser um bom veículo para criar um computador ou ao menos partes dele. Não há nada de errado com empresas. Na verdade, penso que uma empresa é atualmente a melhor opção. Mas, logo no início, tudo deve ser feito levando em consideração que o produto deve durar mais do que a empresa.

O que significa que os clientes comprarão uma ferramenta. Um objeto. Isso lhes pertencerá. Eles poderão fazer o que quer que seja com isso posteriormente.

Parece óbvio, mas hoje em dia quase todos os itens de alta tecnologia que compramos não nos pertence. Nós os alugamos. Dependemos da empresa para os utilizar. Não somos permitidos a fazer o que queremos. Somos até mesmo forçados a fazer coisas que não queremos como atualizar programas em um momento inadequado, enviar dados sobre nós, e hospedar programas que não queremos usar, que não podem ser removidos, ou usar serviços de nuvem proprietários.

Parando para pensar, o computador feito para durar 50 anos é uma tentativa de lidar com o consumo excessivo de dispositivos, de combater monopólios, de reivindicar nossa atenção, nosso tempo e nossa privacidade e de nos libertar de indústrias abusivas.

Não é muito para um único dispositivo? Não, porque esses problemas são todos faces diferentes de uma mesma moeda. Você não pode combatê-los separadamente. Você não pode combatê-los em seus próprios campos. A única esperança? Mudar o campo. Mudar as regras do jogo.

O ForeverComputer não é uma substituição. Ele não será melhor do que seu MacBook ou seu tablet Android. Não será mais barato. Será diferente. Será uma alternativa. Lhe permitirá que use seu tempo em um computador de forma diferente.

Ele não precisa substituir tudo o mais para vencer. Precisa somente existir. Fornecer um espaço seguro. O Mastodon jamais substituirá o Twitter. O Linux para computadores jamais substituiu o Windows. Mas eles são um imenso sucesso porque existem.

Podemos sonhar. Se o conceito tornar-se popular o suficiente, alguns negócios podem tentar tornar-se compatíveis com esse mercado de nicho. Alguns sites ou serviços populares podem tentar tornar-se acessíveis em um aparelho que fica offline a maior parte do tempo, que não requer por padrão um dispositivo de apontar e que requer somente uma tela de tinta eletrônica.

Claro, esses negócios poderiam encontrar algo mais do que publicidade, taxa de cliques e visualizações para arrecadar dinheiro. Esse é o ponto principal. Cada oportunidade de substituir um trabalho de publicidade (o que inclui todos os funcionários da Google e do Facebook) por um meio honesto de arrecadar dinheiro é um passo de destruir um pouco menos o nosso planeta.

Construindo as primeiras camadas

Há um equilíbrio delicado em jogo quando uma inovação tenta mudar nossa relação com tecnologia. A fim de ter sucesso, precisam-se de tecnologias, um produto e conteúdos. A maioria dos tecnólogos tenta primeiro fazer as tecnologias, então os produtos inseridos nelas, então espera pelo conteúdo. Ou isso falha, ou torna-se um troço de nicho. Para ter sucesso, deve haver um jogo de vai-e-vem entre essas etapas. As pessoas têm de gradualmente usar os novos produtos sem o perceber.

O ForeverComputer que descrevi aqui nunca ganharia tração real se lançado hoje. Seria incompatível com muitos dos conteúdos que consumimos todo dia.

O primeiríssimo pequeno passo que imaginei é fazer algum conteúdo que poderia mais tarde já estar compatível. Como não sou o cara do hardware (sou um escritor com experiência em software), isso também é o passo mais fácil que eu mesmo poderia fazer hoje.

Eu chamo esse primeiro passo de WriteOnly [“Só-Escreva”]. Ele não existe ainda, mas é bem mais realista do que o ForeverComputer.

WriteOnly, como o imagino, é uma ferramenta minimalista de publicação para escritores. A meta é simples: escrever arquivos de texto em Markdown no seu computador. Mantê-los. E publicá-los pelo WriteOnly. Os leitores escolherão como ler. Eles podem ler em um site como um blogue, receber seu texto por e-mail ou RSS se eles estiverem inscritos, podem também optar por ler através do Gemini, do DAT ou do IPFS². Podem receber uma notificação através de uma rede social ou através do Fediverso. Isso não lhe interessa. Você não deve se importar com isso, só escrever. Seus arquivos de texto que são sua escrita.

Os recursos são mínimos. Sem comentários. Sem rastreio. Sem estatísticas. Imagens ficam granuladas [dithered] e em escala de cinza por padrão (um formato que permite que fiquem incrivelmente leves ao tempo que ficam mais informativas e mais nítidas do que imagens totalmente coloridas quando dispostas em uma tela de tinta eletrônica).

A meta do WriteOnly é impedir que escritores fiquem preocupados com onde publicar um determinado escrito. Ele também é uma luta contra a censura e o conformismo cultural. Escritores não devem tentar escrever para agradar aos leitores de uma dada plataforma, de acordo com a métrica dos magnatas dessa plataforma. Eles devem conectar-se com seus eus internos e escrever, lançando palavras aos ventos.

Nunca sabemos qual será o impacto de nossas palavras. Devemos deixar nossa escrita livre em vez de reduzi-la a uma ferramenta de marketing para vender coisas ou a nós mesmos.

O benefício de uma plataforma como WriteOnly é que, ao adicionar um novo método de publicação, todo o conteúdo existente seria adicionado nela. A meta final é manter sua escrita acessível para qualquer um sem deixar hospedado em nenhum lugar certo. Poderia ser através de IPFS, DAT ou qualquer novo protocolo em cadeia de blocos [blockchain]. Não sabemos ainda, mas já podemos trabalhar no WriteOnly como uma plataforma de código aberto.

Também podemos já trabalhar no ForeverComputer. Provavelmente haverá diferentes versões. Alguns podem falhar. Outros podem reinventar a computação pessoal como a conhecemos.

Em todo caso, sei o que quero amanhã.

Quero um computador de código aberto, sustentável, descentralizado, offline por padrão e durável.

Quero um computador feito para durar 50 anos e posto na minha mesa próximo à minha máquina de escrever.

Quero um ForeverComputer.

Faça acontecer

Como falei, sou um cara do software. É improvável que eu consiga fazer o ForeverComputer acontecer sozinho. Mas ainda tenho um monte de ideias de como fazê-lo. Também quero focar primeiro no WriteOnly. Se você acha que poderia me ajudar a torná-lo realidade e quer investir nesse projeto, contate-me por lionel@ploum.net.

Se você gostaria de usar um ForeverComputer ou um WriteOnly, pode também seguir este blogue (que está sobretudo em francês) ou inscrever-se aqui em um grupo de discussão [mailing-list] dedicado. Não venderei esses endereços, não os compartilharei e não os usarei para nada além de informá-los sobre o projeto quando se tornar realidade. Na verdade, há uma boa chance de que nenhuma mensagem seja enviada para este grupo de discussão dedicado. E, para tornar as coisas mais difíceis, você terá que confirmar seu endereço de e-mail clicando em um link dentro de uma mensagem de confirmação escrita em francês.

ATUALIZAÇÃO de dezembro de 2022: o grupo de discussão agora é uma lista de discussão aberta:

https://lists.sr.ht/~lioploum/forevercomputer

Leituras complementares

“The Future of Stuffs”, de Vinay Gupta. Um livro curto, de leitura obrigatória, sobre nossa relação com os objetos e a fabricação.

“The Typewriter Revolution”, de Richard Polt. Um livro e guia completo sobre a filosofia por trás das máquinas de escrever no século XXI. Quem as utiliza, como e por que usar uma você mesmo em uma era de conectividade permanente.

NinjaTrappeur fez em casa uma máquina de escrever digital com uma tela de tinta eletrônica em um revestimento de madeira:

https://alternativebit.fr/posts/ultimate-writer/

Outro projeto DIY com tela de tinta eletrônica e painel solar inclusos:

https://forum.ei2030.org/t/e-ink-low-power-cpu-solar-power-3-sides-of-the-same-lid/82

SL está usando um sistema operacional velho e experimental (Plan9), que o permite de fazer somente o que ele quer (e-mail, navegação de web simples e programação).

http://helpful.cat-v.org/Blog/2019/12/03/0/

Dois artistas vivendo fora de rede em um barco a vela e conectando-se só raramente.

https://100r.co/site/working_offgrid_efficiently.html

“Se alguém produzisse uma máquina de escrever simples, uma máquina de escrever eletrônica que fosse silenciosa, que eu pudesse usar em aviões, que me mostrasse uma tela de 8,5 por 11, como uma página regular, e eu pudesse armazenar nela e imprimir a partir dele como um manuscrito, eu compraria um na mesma hora!” (Harlan Ellison, escritor de ficção científica e cenarista de Star Trek).

http://harlanellison.com/interview.htm

LowTech magazine tem um artigo excelente sobre uma internet low-tech, incluindo Redes Tolerantes a Atraso: https://solar.lowtechmagazine.com/2015/10/how-to-build-a-low-tech-internet.html

Outro artigo da LowTech magazine sobre o impacto que as máquinas de escrever e os computadores tiveram no trabalho de escritório.

https://solar.lowtechmagazine.com/2016/11/why-the-office-needs-a-typewriter-revolution.html

ATUALIZAÇÃO de 6 de fevereiro de 2020: esqueci completamente de Scuttlebutt, que é uma rede social offline por padrão e P2P. Ela faz exatamente o que estou descrevendo aqui para se comunicar.

https://scuttlebutt.nz/get-started/

Uma boa e curta introdução sobre a rede no BoingBoing:

https://boingboing.net/2017/04/07/bug-in-tech-for-antipreppers.html

ATUALIZAÇÃO de 8 de fevereiro de 2020: o excelente “Tales from the Dork Web” tem uma edição sobre o Computador de 100 Anos, que é surpreendentemente similar a este ensaio.

https://thedorkweb.substack.com/p/the-100-year-computer

Adiciono também esta tentativa a um protocolo offline por padrão: o protocolo Pigeon:

https://github.com/PigeonProtocolConsortium/pigeon-spec

E outra máquina de escrever DIY com tinta eletrônica:

https://hackaday.com/2019/02/18/offline-e-paper-typewriter-lets-you-write-without-distractions/

ATUALIZAÇÃO de 15 de fevereiro de 2020: o designer Micah Daigle propôs o conceito de Prose, um notebook com tinta eletrônica e livre de distrações.


¹: Nota do revisor desta tradução: “P2P físico”, a meu ver, é uma redundância. Aqui, sou obrigado a entrar mais fundo num detalhe técnico. Não sei se Ploum tem conhecimento sobre redes de computadores. Mas a rede ponto a ponto (P2P) surge justamente na rede física composta por dois computadores: um ligado ao outro por meio de um cabo; o P2P não-físico seria, por exemplo, o Torrent (que comumente se dá via internet).

²: Sugestão de leituras sobre os protocolos Gemini e IPFS: Gemini (protocolo) – Wikipédia, a enciclopédia livre, Dat (software) – Wikipedia e Sistema de Arquivos Interplanetário – Wikipédia, a enciclopédia livre.

#tradução #tecnologia


 
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from felipe siles

Não trabalho profissionalmente com tecnologia, mas sou um entusiasta do software livre e um dos meus hobbies é configurar pequenos aparelhos dedicados a funções específicas. Já tive uma TV Box rodando lisinho um servidor de Nextcloud, e funcionou direitinho uns anos até falecer. E fazia muito tempo que eu queria fazer um experimento de montar um console gamer retrô a partir de alguma TV Box ou Raspberry que tivesse dando sopa por aí. E esse dia chegou! O generoso Biloti, a quem muito agradeço, ofereceu no Mastodon alguns computadores antigos dos quais ele estava se desfazendo, e como moramos na região de Campinas (SP), pedi para reservar um deles para mim e combinamos a entrega, ali pelo centro da cidade. Acabei demorando um pouquinho para colocar o projeto em ação, devido ao fato de que o mini PC precisava trocar a bateria da placa mãe, mas eis que descobri que essa complexa manutenção numa ótima lojinha da minha cidade custou a bagatela de R$30,00. Vamos à ficha técnica do mini PC:

Acer Revo Aspire R3600 CPU: Intel Atom 230 HD: 320GB Memória RAM: 4GB Video: nVidia ION integrada Arquitetura: 32 bits

Depois desse complexo concerto, comecei a botar a mão na massa para montar meu mini PC gamer, o primeiro passo foi a escolha do sistema operacional, optei pelo Lakka, vi alguns reviews na internet elogiosos e me pareceu simples de instalar e configurar. Baixei a imagem da distro no site oficial, escolhendo a modalidade Generic PC e depois 32 bits CPU. Confesso que tive dificuldade em montar o pendrive bootável (inclusive já adianto que todos os pontos onde tive dificuldade se deram pelo fato de que a maioria dos tutoriais na internet eram orientados para o Windows, e eu fiz todo o processo pelo Debian Linux). O site oficial recomenda o Balena Etcher, mas não consegui instalá-lo em nenhum dos meus dois computadores com Debian, e os programas que eu costumo usar não montam o pendrive se o arquivo não for .iso. Depois de muita pesquisa e quebração de cabeça, consegui montar o pendrive bootável pelo Impression, que consegui instalar na minha máquina via Flathub. Feito o pendrive, o restante, pelo menos pra mim, é caminho da roça hehehe espeta o pendrive no bicho, liga, entra na BIOS, muda o dispositivo de boot pro pendrive e instala o bicho. Sucesso!!!

Enquanto o processo de instalação acontecia, comecei a baixar as famosas ROMs para rodar nos emuladores que já vêm nativos no Lakka. Não vou entrar em detalhes sobre essa parte porque tecnicamente se trata de pirataria, mas é fácil descobrir por aí pesquisando sobre emuladores e roms. Optei, pelo menos em um primeiro momento, por baixar ROMs de videogames até no máximo 16 bits, para obter um bom desempenho num computador com hardware mais modesto. Pensando nisso, baixei ROMs de:

  • 8 bits: Atari 2600, Master System, Nintendinho, Game Gear, Game Boy e Game Boy Color;
  • 16 bits: Mega Drive, Sega CD, Super Nintendo e Neo Geo.

(Mais para frente quero testar o desempenho de ROMS de consoles de 32 bits, vou começar por videogames com hardware mais leves como Game Boy Advanced e 32X Mega Drive, mas depois arriscar outros consoles mais potentes, como Sega Saturno e PlayStation. Se fizer o teste, eu edito este texto futuramente contando como foi.)

Instalado o sistema operacional e baixadas as ROMS, veio mais uma parte que precisei levemente quebrar a cabeça. É que o sistema de compartilhamento padrão de arquivos do Lakka é o Samba, e ele não está instalado no meu computador, e não consegui fazer a instalação, por ignorância mesmo. Vi que o Lakka tem a opção de compartilhamento por SSH, que é mais familiar para mim, e ativei essa opção. Consegui acessar o Lakka via SSH primeiro pelo terminal, mas depois acabei achando mais prático instalar o Dolphin na minha máquina e mexer direto pelo gerenciador de arquivos. Ah, demorei um pouco para descobrir: a senha padrão de root do SSH do Lakka é root.

Copiadas as ROMs para o miniPC gamer, começou a jogatina! A parte legal é que a maioria dos emuladores mais conhecidos já vêm instalados, então é só colocar as ROMs mesmo e começar a diversão. Num primeiro momento, pedi para o Lakka analisar o diretório onde estavam as ROMs e depois me arrependi um pouco, além de demorar uma eternidade, ele criou listas de jogos gigantescas, onde é até difícil encontrar o jogo que você quer jogar. E se você pede pra analisar de novo, ele vai criando vários itens repetidos nas listas. Acabei optando, então, por um uso mais minimalista, deletei as listas e agora peço para analisar apenas a ROM do jogo que vou jogar naquele momento, assim ficam listados no menu principal apenas os jogos que eu de fato jogo. E toda a biblioteca está a disposição para testes, mas um pouco mais escondida, perfeito pra mim! Saí jogando vários clássicos, como Sonic, Alladin, Yoshi Island, entre outros!!!

Ah, usei o joystick do meu Xbox One ligado no cabo USB, funcionou bem, inclusive o botão do meio acessa o menu, o que achei ótimo! Porém, não sei se por causa da qualidade do cabo, ou da saída do controle, ele desconecta com uma certa frequência, o que é um pouco irritante, e quando a pilha está acabando começa a desconectar toda hora também. Então encomendei um joystick do tipo Xbox, só que com o cabo já embutido, acredito que vá melhor a experiência, qualquer coisa conto pra vocês na edição do presente texto. Mas achei ótimo que o sistema operacional funciona muito bem só com o joystick, sem necessidade de teclado e mouse.

Uma coisa que comecei a refletir depois de montar esse PC Gamer Retro é o quanto a biblioteca de diversos consoles antigos é rica, muito boa e com ótima qualidade. Fiquei pensando se a gente precisa mesmo de tanta novidade, jogo novo, ficar comprando jogo, console, sei lá, a diversão tá ali disponível, e de qualidade muito boa! Temos muito o que explorar nesses clássicos ainda, sempre tem algo que não ainda não conhecemos dentro do que já foi lançado.

Quando eu era criança e adolescente, jogando meu Master System e depois Super Nintendo, minha dificuldade no inglês dificultou um pouco a minha experiência em alguns RPGs, que é um gênero que eu adoro, e acabava que eu sempre precisava recorrer aos chamados detonados para terminar esses jogos. Estou jogando agora os RPGs clássicos, só que em português ou espanhol, para aproveitar melhor a experiência. Comecei por Legend of Zelda: Oracle of Ages do Game Boy Color, e quero desbravar a franquia no mundo dos 8 bits e 16 bits. Depois pretendo revisitar Final Fantasy, Chrono Trigger e outros clássicos do gênero.

Enfim, a experiência de revisitar esses clássicos tem sido tão positiva que o meu Xbox One tá parado, parado... vamos ver o que acontece com ele nos próximos capítulos...

Custo da operação: – R$17,10 = ida e volta de ônibus de Cosmópolis para Campinas; – R$30,00 = troca da bateria da placa mãe; – energia elétrica e internet, que já pagaria mesmo; – algumas horas de vida que não voltam mais (rs).

Equipamentos que eu já tinha e foram utilizados no processo: – televisão; – computador; – Joystick de Xbox One.

Edição: faltou mencionar o desempenho. Os jogos todos rodaram lisos, mesmo os de NeoGeo, que exigem mais processamento. Já quando rodei os jogos com outra tarefa no fundo, como reconhecer pastas ou baixar capas de jogos, o desempenho caiu consideravelmente e os jogos 16 bits ficaram engasgados, os de 8 bits rodando normal. Minha recomendação, se tiver configurações parecidas de hardware, é não rodar outras tarefas durante a jogatina.

 
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from Ni idea

#Amo animais

Negocio curioso que descobri vendo uma quantidade pouco saudável de perfis do bumble é o seguinte:

Nenhuma das pessoas que diz amar animais é vegana.

Veganos ou mesmo vegetarianos quase não aparecem, mas quando aparecem, nunca dizem amar animais.

Doidera né? Ou não. Pelo menos a parte dos veganos. Não são pessoas movidas por amor, o buraco é bem mais embaixo. Não sou vegana mas muitas pessoas conhecidas sim e fui a feiras eventos cursos e nunca, jamais, ouvi nada sobre amor. Nunquinha. Tem ideologia sim, mas de uma forma muito mais... pragmática? Não sei. De qualquer forma eu gosto. Toda militancia baseada em amor me parece rasa, como o tal “love is love” que e a coisa mais higienizada que vi.

E eu gosto de amar, hein? Para caralho. Eu tenho o cantico de salomao versiculo 8:7 tatuado no peito.

....

Os perfis de bumble que amam animais? Cachorro. Eles amam cachorro. Às vezes gatos. Com uma frequencia alarmante cavalos. Que eles montam. O que é simplesmente tortura.

Ah e metade desses perfis comentam por texto ou emoji ou foto que eles também AMAM churrasco.

Enfim

Não tenho muito mais a elaborar. Alias nada a elaborar, era só uma observação. Se quiser comentar algo e esse texto magicamente chegou mais longe que meus mutuals, me menciona em @sondra@masto.donte.com.br

 
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from Ni idea

#Sin interés en la política

App de namoro é terrível e tal já sabemos. Mas uma coisa que gosto no bumble é que um dos elementos que podemos colocar no perfil é a orientação (?) política não na bio, mas num coiso de marcar opções.

Segundo o DataEu 50% das pessoas não colocam nada nessa parte. E das que colocam algo, 70% colocam “sem interesse na política” e o resto varia entre centro, direita, esquerda e socialista (sim as opções tem duas esquerdas por alguma razão)

Se eu tivesse muita grana sobrando eu pagaria pra usar, só pra poder filtrar e ver só perfis que marquem esquerda e facilitar minha vida. Mas supreendentemente nem é tanto porque eu gostaria de não ver pessoas de direita, que sabem o que querem pro mundo, e sim pra filtrar os que não se interessam por política.

Veja bem, eu não quero passar um date falando sobre como o mundo está se acabando lentamente e vivemos uma distopia etc. Não é como se eu passasse todo o dia militante. Mas boy como vc coloca literalmente “eu não ligo pra nada que afeta os outros e pra nada que me afeta pq sou tão obtuso que não percebo de as coisas me afetam pq possp ir no starbucks e pra mim isso é sinal de que a justiça divina existe”?????

E se é alguém superficial de 20 anos... ok. Não acho bom sinal mas entendo que tuas prioridades estejam em outro lugar.

Mas vejo essa opção marcada em profissional da MEDICINA, ECONOMIA, PSICOLOGIA...

Como assim? Aaaaaaaa

Ou sei lá em pessoas que dizem que gostam da natureza, ou de férias ou que são feministas. Pessoas interessadas em responsabilidade afetiva, livros, FILOSOFIA...

Como vc pode passar pela vida interessado em coisas intrisicamente políticas e ao mesmo tempo ignorando todas as forças que constantemente decidem tudo por vc? Voluntariamente?

Eu passo reto nos que são de direita, sim. Mas segundo minha profunda analise sociológica de app de namoro, nosso problema está mais na porção da sociedade que não liga do que na que liga errado. Eu hein

 
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from Ideias de Chirico

Imagem monocromática de uma rua vazia de cidade pequena.

Imagem de uma rua da Serra Grande, onde estas notas foram costuradas.

O quê? Mais uma coletânea de notas? Paciência. Estou traduzindo dois textos, escrevendo outro, e, enquanto eles não saem, textos improvisados são tudo o que posso oferecer. Eis aí notas que não consegui desenvolver o suficiente para uma publicação independente, publicações minhas de outros lugares, recomendações de links e tutti quanti. Afinal, este blogue é meu data lake.

Isso o algoritmo não mostra!

Há alguns anos, nos meios antigoverno havia o bordão de que “Isso a Globo não mostra!”. Tinha-se a ideia, não sem razão, de que a TV Globo, mais preocupada em alheiar o telespectador da realidade autóctone, tirava-lhe alguma consciência política, mostrava-lhe o cenário cor de rosa das novelas, do mundo das celebridades.

Quando a internet surgiu, era a expectativa de que o Muro de Berlim dos meios hegemônicos caísse. Toda a informação estaria agora disponível ― mas caoticamente. Como acessar esse mar de dados? Como partir do bit para o dado, do dado para a informação e da informação para o conhecimento?

Curadoria.

Aí residia a importância dos blogues, dos indexadores, de motores de busca e de outras plataformas.

Mas então, com o TikTok, há o sucesso dos algoritmos de curadoria de conteúdo, um tipo de inteligência artificial muito mais danosa para a cultura do que as conhecidas LLM. Se eu abrir neste momento a aba reels do Instagram, saberei exatamente o que verei ― aquilo que mais amo, aquilo com o qual mais me identifico, aquilo que mais me define como pessoa.

Com o algoritmo de curadoria de conteúdo, o outro, aquilo que desconheço e pelo qual sou desconhecido e aquilo que mais me estranha não me é apresentado. E assim a minha noção de alteridade fica estanque e circunscrita a um pequeno circuito.

A esta altura, devemos refletir: a quem servem os algoritmos de curadoria de conteúdo? A quem serve o ser humano cercado daquilo que ele mesmo deixou que um outro lhe apresentasse, um outro que não está aberto ao escrutínio externo, mas que, apesar de tudo, conhece-o como a palma de sua mão invisível e não humana? O que pode acrescentar, nutrir ou expandir uma ferramenta que me mostrará somente aquilo de que gosto e com o qual me identifico?

O que o algoritmo não mostra?

(O midiólogo Marshall McLuhan define o mito de Narciso como a metáfora do ser humano encantado, não por si mesmo, mas pela imagem como a extensão de seu próprio corpo).

Se antes, quando da popularização da internet, o bom uso de um motor de busca residia no uso inteligente das palavras-chaves, agora como fazer um bom uso do algoritmo de curadoria de conteúdo, sem que caiamos em um lupe de conteúdo adocicado, de fácil digestão e que não expande a nossa sensibilidade ou o nosso mapa cultural?

A resposta está, mais uma vez, no hacking.

É preciso trapacear com as tecnologias se quisermos tirar seu máximo de proveito. No caso dos algoritmos de curadoria, é preciso que se aplique ao máximo o conceito zen-budista de “destacamento”: urge que larguemos mão daquilo que mais amamos e mesmo daquilo que mais nos define como pessoa social ― nacionalidade, língua, gênero, gosto cultural. Como fazê-lo? Usando VPN, um alias mail, trocando a língua do dispositivo e evitando um comportamento automático diante do aplicativo ― esta, a trapaça mais difícil de todas.

Posso sair do espectro do conteúdo masculino-jovem-branco-nerd-intelectual sempre que eu puder quando criar uma persona que fuja desse perfil dentro de alguma plataforma.

Somado a isso tudo e também graças à minha tática de utilizar o TikTok de uma forma não viciante, o algoritmo levantou um perfilamento errôneo a partir dos escassos dados. Na minha aba principal (For You), aparece-me um conteúdo voltado ao público feminino, branco, empreendedor, de classe média, não falante de português brasileiro (inclusive falando do Brasil em outras línguas).

Só assim, com trapaça e letramento digitais, tem-se acesso àquilo que não está circunscrito ao nosso ambiente ordinário e à nossa identidade cultural, social etc.

A partir do momento em que o algoritmo de curadoria acertar e o aplicativo ficar cada vez mais e mais sedutor, basta que se resete a preferência de conteúdo e criar uma nova persona.

Por uma tecnologia wabi-sabi

Minha escrivaninha tem mais de dez anos. Quanto mais velha, mais charmosa fica, e mais prazerosa é a experiência de se escrever sobre ela. Feita no saguão do meu tio marceneiro, é de uma madeira barata e não tem verniz. Todo o seu tempo está marcado em sua superfície e não há modo ― nem razão ― de o esconder. Aqui, forma e conteúdo respondem um ao outro.

Minha mesa é wabi-sabi. Wabi-sabi é o conceito japonês que, inspirado pela natureza, define a beleza das coisas a partir de sua imperfeição. A natureza é bela, porque é irregural, inconstante e imprevisível.

Meu computador portátil, sobre essa mesma escrivaninha, também tem mais de dez anos. Mas algo falta aqui... Feito de plástico fino, está rachado em um canto, tem Durepox nas dobradiças. Uma ótima representação do navio de Teseu, suas peças já foram trocadas mais de uma vez sem perder, no entanto, sua essência.

Meu computador, ao contrário da mesa feita pelo meu tio, não foi feito para durar e não foi desenhado para durar mais do que dez anos, não foi feito como um objeto que aceita as intempéries do tempo.

A resposta para um design tecnológico wabi-sabi pode ser encontrado no livro “Em louvor das sombras”. Objetos que sejam claros, translúcidos ou que refletem em demasia, tendem a envelhecer mal ― edifícios com revestimento polido, roupas claras de tecidos finos, panelas de alumínio, mesas de madeira compensada lisa, computadores da Apple ―; objetos com porosidade, escuros ou que tendem a conter o reflexo, tendem a envelhecer bem ― edifícios brutalistas, roupas de tecido rústico, panelas de barro, mesas de madeira inteiriça e desvernizada, computadores da IBM.

Objetos wabi-sabi, táteis que são, criam uma boa conexão conosco, já que cada minuto que se passa com eles é apreciado.

Imagem monocromática de uma praça em uma cidade pequena.

Imagem da Serra Grande.

Sobre a lembrança e a escrita

Costumo escrever no meu diário com algum atraso. Por exemplo, se hoje é dia 3 de julho, só vou escrever sobre este dia amanhã ou depois de amanhã.

Porque não sei o peso dos fatos quando estou os vivendo. Já houve mais de uma vez em que busquei algum escrito de algum dia marcante e tudo o que consegui encontrar foram reclamações e comentários de autossubestimação, feitos no calor do momento.

Preciso de um tempo para escrever sobre algo que vivi até que isso se torne uma lembrança sólida. E não há garantias de que a impressão do que você acabou de viver é sólida; tampouco de que a lembrança do que você viveu mês passado é sólida.

Acho que um ou dois dias é o suficiente para apontar uma lembrança relevante e ao mesmo tempo confiável.

Inveja linguística

Há uma expressão em inglês que eu queria muito que tivesse uma equivalente em português ou que fosse aportuguesado.

Em inglês, se você pede ajuda para uma pessoa e ela, ou não se esforça, ou responde uma parada bem óbvia, você pode falar:

Thanks for nothing!

Dizer “Ainda bem que você me falou”, como é corrente no Brasil, é de uma ironia mais sutil… Não é tão escrachado quanto “thx 4 nothing”.

Pior que, se a gente traduzir literalmente, parece que estamos agradecendo e respondendo ao agradecimento ao mesmo tempo: “Obrigado por nada” (“Obrigado!”, “Por nada!”).

Ensaio de uma análise do discurso sobre o verbo “consumir”

Há alguns anos, se algum amigo seu quisesse saber o que você tem assistido, lido ou ouvido, perguntaria assim mesmo: o que você tem assistido, lido ou ouvido? Vocês dois talvez estivessem por encontrar-se em um bar ou restaurante para consumir uma cerveja, consumir uma bebida, consumir algum serviço. Ao fim do encontro, pagariam pelo que consumiram.

Hoje, na mesma situação, “consumir” seria o mesmo verbo utilizado para falar de música, de cerveja, de literatura ou de serviços de streaming.

O curioso é que no período em que não havia outra forma de ter acesso às formas de entretenimento que não pagando por elas, não se falava de “consumir” uma música ou um filme, mas de assistir, ouvir, usufruir ou simplesmente apreciar.

Creio que isso tenha pouco a ver com o fato das formas de entretenimento terem pulado do ramo do compartilhamento virtual livre para o do espaço dos streamings, mas que denuncie a influência da cultura de influenciador sobre as formas de entretenimento.

Isso pode pôr pouco a pouco a cultura e os bens de consumo em um mesmo patamar, como coisas perecíveis e passíveis de um mesmo processo cíclico de produção. Isso é um embrolho que sutilmente pode reduzir o valor do artista e dos trabalhadores da cultura.

Um navegador orientado ao teclado

Estou adorando conhecer o navegador qutebrowser, totalmente orientado ao teclado. Ele é baseado no editor de textos Vim, altamente configurável e torna a navegação muito mais confortável. O trade-off é que você leva um tempo procurando entender o mecanismo e também aprendendo atalhos, mas é algo que se aprende naturalmente.

Mas aprender é o ordinário na tecnologia...

Quando você passa a usar esse tipo de recurso, passa a priorizar bastante a ergonomia e passa a perceber o quão intuitivo é o mouse ― e o quão era difícil usar computadores antes desse periférico.

Por outro lado, ao se utilizar maismente o teclado, está-se mais preparado para uma privação hipotética de um dispositivo de interação mais visual. A importância dessa ideia está melhor desenvolvida no ensaio de Ploum que estou a traduzir, “O computador feito para durar 50 anos”.

Descoberta de um potencial

Em julho de 2025 completou um ano desde que comecei a estudar francês ― sozinho, sem aulas formais. Agora já sou capaz de compreender textos complexos e vídeos de nível C2. Claro, com legendas e sobre determinados assuntos.

De qualquer modo, acho que encontrei um talento...

Citações

Um homem offline é mais elegante.

― Anônimo.

Viver é diferente de estar vivo.

― povo da Serra Grande.

Algumas perguntas que tenho e que não tive o tempo de pesquisar a respeito:

  1. Por que é mais fácil pensar em cores pastéis do que em cores vibrantes?

  2. Por que a cor do sol nascente é mais branco enquanto a cor do sol poente é mais amarelo?

  3. Existe algum mamífero de cor verde?

Linkroll

cute cars, um blogue hospedado na neocities.org sobre carros. Carros fofinhos. Parece um espaço vindo direto dos primórdios da internet só que falando de modelos automotivos modernos. Mesmo que os carros atuais sejam todos muito iguaizinhos e sem graça, ainda há aqueles que atiçam nosso lado “ite, Malia”.

P.S.: fiquei triste pelo meu modelo favorito da atualidade, o Chery QQ3, não estar no cute cars ainda!

Yana Yuhai, em sua newsletter “Contemplation Station”, traz reflexões sobre por que o tempo passava mais devagar durante a infância e dá algumas orientações sobre como podemos trazer essa lentidão de volta.

• why time felt slower when we were kids (and how to get it back)

A página pagemelt, conhecida por seus longos vídeos-ensaios, publicou recentemente um vídeo sobre curadoria na internet. Isso me chamou a atenção, porque raramente alguém tece críticas ao algoritmo, uma inteligência artificial que limita a nossa própria capacidade de explorar a internet e nos põe em um estado de passividade diante de todas as informações.

• be your own algorithm

Andy Clark, importante filósofo e neurocientista que investiga as relações entre o cérebro e as tecnologias, escreve na revista Nature sobre como ele interpreta a inteligência artificial enquanto extensão da mente.

• Extending Minds with Generative AI

Do Clark, li o seu antológico “Natural born cyborgs: Minds, Technologies, and the Future of Human Intelligence” (2003), e gostei muito da escrita e das suas ideias.

Indo além de Marshall McLuhan, Clark acredita que as tecnologias são extensões do cérebro e que devem ser inclusive serem tratadas como tais ― o que significa que se você danificar um dispositivo de alguém, está danificando parte de sua cognição.

Pedidos

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#notas #cotidiano #tecnologia


 
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from felipe siles

“Estou vendo que você, assim como tantos outros, descobriu os prazeres do Espelho de Ojesed. Imagino, que a essa altura, já sabe o que ele faz. Deixe-me lhe dar uma pista. O homem mais feliz do mundo iria olhar para o espelho e veria a si próprio, exatamente como ele é. (...) Ele nos mostra, nada mais, nada menos, do que os desejos mais profundos e desesperados dos nossos corações. (...) Lembre-se de uma coisa, Harry! Esse espelho não nos dá o conhecimento, nem a verdade. Muitos homens definharam diante dele, até enlouqueceram”. (Alvo Dumbledore no filme Harry Potter e a Pedra Filosofal, da famigerada e devidamente cancelada escritora transfóbica J.K.Rowling. Antes que me cancelem também, eu só gostaria de lembrar que até mesmo o relógio parado acerta a hora duas vezes ao dia.)

Já é sabido, por diversas fontes, que o Brasil é um país cujos habitantes passam horas e horas com o nariz metido em frente às telas. Seja pela simples observação cotidiana, no transporte público, espaços públicos ou até num círculo de amigos; ou seja recorrendo a fontes mais robustas de informação, conseguimos chegar facilmente a essa conclusão. Segundo matéria do Jornal da USP de 2023, o brasileiro passa em média 56% do seu tempo acordado em frente a telas. Já essa matéria do Metrópoles, de 2024, coloca o Brasil como segundo colocado do ranking mundial em relação a países que passam mais tempo online. Uma média de 9h13min, atrás apenas da África do Sul, com 9h24. Além disso, segundo reportagens, o Brasil é o segundo país que mais consome streaming no mundo (Metrópoles, 2021), o terceiro maior consumidor de redes sociais (Metrópoles, 2023) e o maior mercado gamer da América Latina (Techtudo, 2023).

Até agora vejo a questão ser interpretada numa chave moralista, do tipo: “o brasileiro não gosta de ler, não quer saber de estudos, só quer saber de celular” ou paternalista, no sentido de que “esse é o entretenimento que o povo gosta, a intelectualidade é que precisa se render aos hábitos populares e falar com a galera criando seu canal de divulgação científica no Instagram (nada contra, nada a favor também)”. O que eu venho propor é mais uma chave interpretativa: será que o fato de tantos rankings apontarem para uma convergência, que é o tempo médio gasto em escapismo digital, seja na verdade o sintoma e não a doença em si?

Estamos em uma sociedade profundamente e historicamente desigual. Durante muito tempo, o estudo e o trabalho foram a promessa de mobilidade social para uma população marginalizada. Gerações cresceram vendo seus avós, pais e tios se matando de estudar e trabalhar, sem alcançarem a promessa. Eles, no fundo sabem, que essa promessa contempla pouquíssimos, e sabem que o Estado brasileiro e as instituições em geral não estão nem aí para eles.

Soma-se a isso todas as camadas de violências contra alguns segmentos marginalizados. A título de exemplo e indício nesse sentido, existe uma matéria de 2023 do TechTudo, que informa que o maior percentual de gamers no Brasil são pessoas negras e pardas. A matéria supracitada no começo do texto sobre streamings, informa que o maior percentual de assinantes é de mulheres. Um episódio anedótico, mas quando estive em uma aldeia indígena em São Paulo, em idos de 2019, me chamou a atenção uma forte adesão dos jovens indígenas ao jogo de celular Free Fire, mas enfim, carece de dados mais detalhados e estudos mais aprofundados. Os idosos, que também são marginalizados e tiveram sua vida precarizada pelos ajustes e reformas na Previdência Social, são o público alvo preferido das milícias digitais, e é sabido que passam muito tempo no Whatsapp e Telegram, consumindo e disseminando conteúdos de extrema direita. Extrema direita essa conhecida por sua estética que flerta com o entretenimento de gosto duvidoso e seu discurso descolado da realidade material, ou seja, escapista.

O cenário brasileiro é tão desolador e o processo de precarização da vida está em estágios tão avançados, que eu acredito que essa tendência tende a se agravar. Esse cenário distópico é o paraíso para a extrema direita, e para os bravateiros e oportunistas de plantão, que vendem sonhos e ilusões, sejam promessas de emagrecimento, corpo perfeito, chip da beleza, enriquecimento através de esquemas de pirâmides, BETs, empreendedorismo e todo tipo de picaretagem e malandragem já conhecida por aí.

Para os governos e oligarquias é muito cômoda essa situação. Você não precisa gastar dinheiro com cultura, com parques, com entretenimento saudável, com segurança pública, se o jovem periférico está enfurnado em casa jogando Fortnite e rolando Reels do Instagram. Para a mãe desse garoto é melhor ele em casa no celular do que na rua correndo o risco de ser morto pelo tráfico, pela milícia ou pela polícia. O escapismo brasileiro não é questão de escolha, para algumas pessoas, é questão de vida ou morte.

 
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from Ni idea

Eu to vivendo umas paradas muito estranhas desde março aqui em casa

Os móveis estão se movendo, somando ou subtraindo e eu to tendo que lidar com o estresse totalmente sem sentido disso, já que no geral é pra melhor mesmo.

Aí hoje um negócio pegou tão forte que percebi um negócio.

A gente se acostuma muito com as coisas mesmo quando elas não estão boas. A gente prefere um ruim conhecido a um bom desconhecido. Não sempre, mas vezes o suficiente pra ser estranho demais.

Primeiro veio a cama. Essa parte foi ok pq a cama melhorou muito meu quarto e fiquei feliz. Mas aí a cama velha foi pra sala e de repente minha sala super espaçosa passou a ser como todas por aí cheia de coisas. Mas ok isso é entendível, ninguém gosta de amontoar do nada.

Aí pula uns três meses quase e levam embora o sofá. Eu me resisti muito porque ele ainda servia apesar de estar com aspecto horrível por ser destruído pela gata e ficar largando espuma todos os dias pelos lados. Ele saiu e de repente eu tinha espaço de novo. Não como antes nem de nenhuma forma ideal, mas serve pra dançar forró, aí tudo bem. Acho que superei o sofá.

Mas hoje fiz a mudança menos drástica de todas eu to estressada até agora. Girei a geladeira no lugar em 90 graus. Ah, e limpei em cima e toda a porta do lado de fora que além de meses de mancha de mãos também tinha outros respingos e manchas totalmente sem explicação, tava meio nojento. E também agora é bem mais cômodo abrir e olhar dentro e pegar e colocar coisas pq eu nao to entre a porta e a parede tendo que me espremer e fazer malabares. Mas me sinto incomoda??? a geladeira parece mais pequena???? E não é só isso. Limpei mas fiquei sentindo que me cegava a luz refletindo nela? Ela está no mesmo lugar que antes, mas agora é a porta e não a parte do lado.

Acho que tenho saudade do incômodo e da sujeira. A sujeira é dos últimos meses (nos quais limpei ela por dentro mais de uma vez e não sei pq nao limpei por fora) mas eu já tinha familiaridade com as manchas. E a incomodidade... 6 anos quase. Sem precisar, fiz isso pra não ter que fechar a porta da cozinha. Mas é perfeitamente possível e viável e assim é objetivamente melhor.

Mas não acostumo

 
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from Ni idea

Ontem fui pra uma festa junina e na volta senti muito frio. Aí pensei em como fui burra de não sair com cachecol de casa e como a gente não aprende de certos erros. Aí pensei ok vou escrever la no blog sobre como às vezes a gente não aprende.

Mas não formei nem meia ideia e pensei em desenvolver isso depois. No caminho pra casa ia sentindo frio e pensando pensamentos e varios deles concluiram em ok vou fazer um post no blog sobre ESTE outro tema. Já nem lembro quais coisas eram. Eram varios e parecian por 5 segundos ser uma boa ideia.

Como resolve isso? Tenho uma séria desconfiança de que ir anotando todas as ideias num caderninhos quando as tengo e ver o que rola escrever depois não vai funcionar e vai ser como as notas de ideias geniais que tenho quando to drogada: ao estar sobria perdem o sentido.

Bateu até uma tristeza pensei que não poderia sustentar um blogue assim, sem nunca ter nem metade de uma ideia mais ou menos formada. Espero poder mesmo assim. Veremos. Me desejem sorte.

Enfim. Se vc ta saindo e pensa não vou voltar pra buscar coisa x (óculos escuro, gorro, agua...) pra nao atrasar porque o uber/pessoa ta esperando... VOLTE pegue essa coisa. Aprenda do meu erro.

 
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from Ideias de Chirico

Imagem de um vaso sanitário sendo utilizado como vaso de plantas em um canto abandonado.

Imagem: Flickr. O hábito de lavar banheiros pode se tornar uma experiência do sagrado ― ou seja, de auto-observação.

As maiores lições da vida, penso, vêm do chão diário. O ordinário é a escola dos pobres, das crianças e dos curiosos.

Pense no espaço mais visitado de sua casa. (Visitado, não permanecido). Você dirá “Meu quarto, claro!” ou “A cozinha!”. No entanto, provavelmente você não dorme, trabalhe ou come com tanta frequência quanto se lave ou use o vaso sanitário...

Meu banheiro é esse espaço, o menor de minha casa de solteiro ― ele tem em torno de seis metros quadrados ― e onde menos permaneço. Apesar disso, frequentemente eu sentia um desprazer ou até vergonha de estar ali.

Tentei de tudo para amenizar esse mal-estar: desde organizar meus objetos de higiene, de modo a deixar no espaço somente aquilo que eu utilizasse de verdade, até pôr ali um aroma de essência, de modo a “enganar” o mal cheiro. Nada feito. Segui desgostoso quanto àquele espaço tão visitado.

Certa volta, pesquisando algumas resenhas sobre o filme “Dias Perfeitos” (2023) no Youtube, encontrei um vídeo não relacionado que falava de 10 hábitos domésticos do Japão. Longe de entrar na real simbologia deste hábito, encantou-me em especial o hábito japonês de lavar o vaso sanitário todos os dias, logo pelas manhãs.

Ótimo! Esta talvez fosse a solução para o meu infindável desprezo pelo espaço sanitário: lavar meu banheiro todos os dias!

O primeiro dia de limpeza foi o mais extenuante de todos ― muito trabalho a fazer. Porém, conforme os dias passavam, percebia certos efeitos a partir desse hábito. E certas lições!

Todo ato no presente é um presente para o futuro

Penso na higiene do espaço sanitário como um ato de autocuidado. É como ir ao dentista: o começo da operação incomoda, mas você sairá de todo o processo satisfeito consigo mesmo de ter tido a iniciativa. Trata-se de um desses sacrifícios que nos fazem bem. Assim é a psicoterapia, a academia de musculação e a universidade.

Quando termino a tarefa, saio com a sensação de que estou cuidando de mim. Ao fim do dia, quando vejo que o banheiro ainda está em boas condições de uso, agradeço ao meu eu do passado por ter me dado aquele presente...

Talvez por conta dessa singela sensação de recompensa, sempre que estou prestes a dormir, sinto-me estranhamente animado ao pensar que no dia seguinte limparei meu banheiro novamente. Seja como for, no momento mesmo da limpeza, ponho boa música para tocar enquanto sinto a brisa matinal. Essa é uma forma de me incentivar a seguir com o serviço.

Ao fim de tudo, sinto uma grande autoestima por ter cumprido uma tarefa pesada logo no início do dia. Vejo que depois que adotei esse hábito, minha rotina tornou-se mais flúida, talvez por conta mesmo desse ímpeto de produtividade que a limpeza do banheiro causou...

Lavar o banheiro tornou-se uma necessidade corporal, como tomar banho e escovar os dentes.

Lavar o banheiro é uma ponte entre o presente, o passado e o futuro. Um regalo que me dou a mim mesmo.

Tarefas difíceis tornam-se fáceis quando repetidas

Os primeiros dias em uma linha de montagem industrial devem ser os mais difíceis. Não estamos ainda habituados às ferramentas; não sabemos qual será o nosso produto final; a nossa excelência varia de turno para turno. Ao cabo de um mês, entretanto, somos peritos em nossos ofícios.

Fazer e fazer e fazer até fazer-se.

Quando trabalhei na Guarda Municipal de Fortaleza como estagiário, cheguei a fazer as tarefas mais repetitivas do mundo ― de digitalizar pilhas de documentos a preencher formulários através de atendimento ao público. À medida que eu sentia menos atrito entre mim e as ferramentas de trabalho, senti-me mais confortável para fazer algo em plano de fundo, como ouvir música ou podcast, ao mesmo tempo que sentia mais satisfação com o próprio trabalho, já que meu grau de excelência subia.

Diz-se que a inspiração no mundo oriental está ligada à constância da prática. Se você pratica muita escrita em prosa, ocasionalmente escreverá uma boa peça literária; se pinta telas regularmente, em algum momento se tornará um grande artista. Não se trata do velho ditado “A prática leva à perfeição”, mas sim “A prática leva à inspiração”.

Assim penso na realização das coisas. A inspiração não vem dos céus, da aleatoriedade ou do mundo das ideias, e sim da terra, da prática e do chão diário. O poeta João Cabral de Melo Neto não mencionava sequer a palavra “inspiração” para falar da criação de seus poemas, mas “fermentação”. “O canto é que faz cantar”, já dizia um dos Fernandos Pessoas.

Dito isso, penso que “estar inspirado” em uma tarefa quer dizer “fazer uma tarefa tranquilamente”, smoothly. É difícil estarmos inspirados para lavar banheiros ― porque é uma atividade que pouco fazemos (mesmo aqueles afeitos ou obrigados à limpeza doméstica). Lavar o banheiro todos os dias, no entanto, tem me ensinado que um trabalho difícil torna-se fácil quando é feito diária e religiosamente. Tem me ensinado a ser paciente com aquilo que é difícil, enfim.

No primeiríssimo dia em que passei a realizá-lo, havia muito por limpar: a pia não fluía, o espelho não refletia como esperado, o vaso sanitário fedia. Levei em todo o processo de limpeza mais ou menos uma hora. Pouco a pouco, porém, conforme os dias passavam e eu ficava mais confortável com os procedimentos, havia menos peças sanitárias a limpar. Consequentemente, o tempo transcorrido para a limpeza diminuía. Nos últimos dias antes de finalizar este texto, não levo mais do que 15 minutos para deixar todo o banheiro pronto para o uso no restante do dia.

Lavá-lo deixou de ser um trabalho e passou a ser uma tarefa.

Rotina é a descoberta das coisas que já conheço

Sempre que higienizo meu banheiro, percebo algo novo a ser cuidado ― uma quina que me passara despercebida no dia anterior, algum produto ou instrumento que cairia melhor em uma dada peça, ou mesmo a própria descoberta de que a atividade em si está mais prática do que antes. Por fim, percebo a mim mesmo como um ser novo. Noto então que ter uma rotina não se trata de fazer tudo da mesma forma todos os dias, mas sim de aperfeiçoar-se a cada nova realização.

A partir do momento em que percebi que ter uma rotina não é repetir, passei a me descobrir dia após dia. Ter uma rotina passou a ser então um meio de auto-observação. Ao fazer atividades previstas e necessárias, tenho a oportunidade de reparar como me saio nelas ou mesmo como me comporto quando elas não saem como esperado. Difícil é a auto-observação a partir de coisas inéditas. Para se conhecer é necessário algum controle ou previsibilidade situacionais. Até por isso, a meditação budista limita-se a estar sentado.

Para nos conhecermos e nos conhecermos melhor, creio também que seja preciso de mais atrito com nossos espaços, isto é, que tenhamos o mínimo de mediadores possível. Como melhor se conhece Brasília: vendo vídeos no Youtube sobre a cidade, falando com alguém que para lá viajou, lendo livros de história do urbanismo brasileiro, ou viajando à Brasília mesmo?

(Em chão brasiliense, está-se de todo, não há mediadores).

Por isso também, sempre que possível, ando a pé. Adoro caminhar. Caminhar, além de matar o tédio, mostra-nos que os trajetos nunca são os mesmos. Os veículos, mesmo os mecânicos ― como a bicicleta e o patinete ―, isolam-nos de nosso entorno e, consequentemente, de nosso percurso. Em um automóvel, percebemos muito menos as mudanças da cidade do que quando caminhamos. A pé, entretanto, cada pedra, cada brisa e cada sombra importa; e assim a descoberta torna-se constante.

E em que lugar temos o mínimo de mediadores no mundo? Em nossas casas. É aí onde podemos ficar nus, onde despejamos no chão nossos sapatos e nossas máscaras sociais. Por coincidência, é em nossas casas onde as rotinas fazem-se mais presentes. E é em nossas casas onde podemos, de algum modo, criar alguma ambiência de previsibilidade e de meditação. Nada nos é mais previsível do que nós mesmos. Logo, nada pode ser melhor compreendido por nós do que nós mesmos ― em nosso #cotidiano.


 
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from Ideias de Chirico

Imagem de um círculo feito com pincel grosso e tinta nanquim. À esquerda e à direita há inscrições em japonês.

Círculo Ensō, símbolo sagrado do Zen Budismo. Ensō simboliza coisas como força, elegância, o universo, mente unificada, o estado mental do artista no momento da criação e a aceitação da imperfeição como algo perfeito.

Um compêndio de links, recomendações e textos curtos que não renderiam uma publicação à parte. Enjoy.

A habilidade mais difícil para um introvertido

Depois de aprender informática básica, quatro línguas estrangeiras, taquigrafia, escrita criativa, violino e bateria, estou aprendendo a habilidade mais difícil de todas: falar abobrinha.

Kisscrolling

Lembrei de quando era adolescente e tinha um romance digital com uma moça da cidade vizinha, lá na gloriosa Serra Grande, nos idos de 2010.

Quando eu recebia uma foto dela, costumava beijar a tela do meu Nokia de botõezinhos.

Hoje em dia isso já não daria certo, porque, se você beija a tela sensível ao toque, pode acabar excluindo a foto...

Chère-lock Holmes

Bordão do Detetive Paixão para investigados pegos no flagra:

Conheço você com a palma da minha mão...

Japão estanque: ex-tanque

Ando pensando nesse meu fascínio que tenho pelo Japão. Um fascínio quase ingênuo, de coisa exótica. Nos últimos dois anos tenho lido e estudado sobre tudo que acho da cultura nipônica ― fugindo do lugar comum e do pop.

Agora mesmo estou assistindo a um filme do Ozu, um cineasta clássico do Japão. O conheci pelo Wim Wenders, que fez inclusive um filme dedicado ao diretor nipônico, chamado “Tokyo Ga”.

Falo tudo isso porque enquanto estou nessa obsessão por uma cultura estrangeira, penso que há algo muito semelhante bem “do lado de casa” ― os povos indígenas do Brasil.

Alguns intelectuais japoneses de esquerda defendem o decrescimento como uma tendência positiva, e o percebem exatamente no Japão. Ailton Krenak, escritor indígena brasileiro, também tem ideias que apontam o desacelacionismo como meio de conservação da natureza e, por consequência, da humanidade.

Não sei ainda organizar esse pensamento. Até lá, fico fascinado pelo que de extraordinário tem o Japão antigo ― o gosto pela sombra e pelo estático ―; e pelo que de comum têm o Brasil e o Japão ― a antropofagia cultural.

Sobre o feed infinito e a noção de passado

Ouvi uma crítica justa aos stories e outras mídias similares, vinda do antropólogo Michel Alcoforado. O que vemos em um story damos por “presente”. Não interessa se o rosto do perfil publicado está muito diferente desde a última vez em que o vimos.

Em um certo fim de semana, publiquei imagens minhas no Instagram que estavam distantes temporalmente, imagens com cinco anos de diferença. Todas as pessoas que comentaram foram levadas a pensar que tudo aquilo acontecia comigo naquele momento.

Esmartefone + feed infinito: ideia de um presente contínuo interminável. Há aí tanto a mudança da noção de tempo, quanto a mudança da ideia de história e de nostalgia.

“O Centro é o lugar do imprevisível ):)”

Outro dia fui a um passeio didático pelo centro da cidade feito para meus alunos estrangeiros do curso de português.

Chamaram um professor de geografia que fez loas ao caráter caótico do centro da cidade, contrastando-a com os shopping-centers:

Se você for ao shopping, tudo acontecerá como planejado; mas se você for ao centro da cidade, pode ser surpreendido a todo momento.

Só que, momentos depois, enquanto ele falava, dois moradores de rua começaram a intervir no que ele falava, batendo palmas, interceptando. Vocês não conseguem imaginar a cara de contrariado que ele tinha…

Linkroll

Ótima resenha da New Yorker sobre o filme Perfect Days (2023), também resenhado nestas Ideias de Chirico.

• Perfect Days and the perils of minimalism.

Esse texto me atentou para um traço incomum da personagem Hirayama, que o torna ímpar e fora do zeitgeist contemporâneo: ele é um indivíduo sem curiosidade. Depois que li esse texto, fiquei pensando sobre o porquê de eu mesmo levar o cenário de Perfect Days como ideal, já que não me vejo no futuro como um homem sem curiosidade. O título é um pouco impreciso, porque se fala pouquíssimo sobre o minimalismo do ambiente do protagonista.

Mina Le, ensaísta e influenciadora do campo da moda, fala em seu vídeo-ensaio sobre o porquê de as redes sociais não serem mais divertidas.

• why is social media not fun anymore?

Os motivos apontados por Le: o algoritmo de curadoria de conteúdo e a ironia crônica das comunidades atuais. Em outras palavras, somente o algoritmo: ele é anticultural, porque sempre vai ofuscar a recomendação orgânica ― de pares para pares ―, e é anticomunitário, porque sempre vai privilegiar o discurso inflamatório (no qual está a ironia), que retém mais engajamento dos usuários. Enquanto todos temem e criticam a inteligência artificial generativa, eu digo: o algoritmo de recomendação de conteúdo é muito mais danoso para a cultura e para a criatividade do que qualquer outra tecnologia que será desenvolvida a partir de agora.

O filme Jaws (na versão brasileira, “Tubarão”) nesta sexta-feira (20/06) completará 50 anos desde o seu lançamento em 1975. Por que esta efeméride é interessante, paralém da relevância desse suspense estadunidense? Porque foi o filme Tubarão que se inaugurou a expressão blockbuster como alcunha de filmes de grande sucesso.

Block em inglês significa quadra. No dia do lançamento do longametragem, a fila para o cinema rodou o quarteirão. Os jornais da época então mencionaram Jaws como um blockbuster. Blockbuster seria aquilo que “destrói quarteirões” ― um termo primeiramente utilizado para se referir a bombas no contexto da Segunda Guerra Mundial.

Soube desta efeméride pelo podcast Xadrez Verbal nº 423 e tirei outras informações a partir destes textos:

• Why Hit Movies Are Called Blockbusters.

• 50 years ago, ‘Jaws’ scared us senseless. We never got over it.

Um youtubeiro decidiu trancar o próprio esmartefone em um cofre, porque estava cansado de ler notícias sobre as quais não queria saber. O movimento de entropia é interessantíssimo: para compensar a ausência do aparelho, ele comprou cadernetas, um despertador analógico e um telefone com fio.

I hate my phone so I got rid of it

O problema de toda essa experiência, acho, está em tentar acessar os mesmos espaços sem esmartefone como se vivesse com um. Já espoilerando: em alguns momentos ele precisou pedir emprestado o aparelho de outras pessoas enquanto esteve fora de casa.

Experiências assim fazem pensar que é preciso inventar um viver distinto àqueles que não se adequam ou se negam a viver a vida digital compulsória. O clube ludista de Nova York já deu o primeiro passo.

Imagem monocromática de Matt Smith, programador de jogos para ZX Spectrum, um homem jovem de cabelos altos e lisos, utilizando um moletom. Ao seu redor há vários teclados ou computadores do modelo ZX Spectrum. À sua frente há uma televisão, que antigamente era utilizada como tela de computador.

Matt Smith, programador de jogos para ZX Spectrum.

Citações

Poems are basically like dreams... Something that everybody likes to tell other people, but nobody actually cares about when it's not their own.

― Autoria desconhecida.

Poema é igual a peido ― cada um só aguenta o seu.

Uma variação da citação anterior.

Jamais vou me esquecer de quando eu fui em um planetário e alguém vaiou quando mostraram a Terra.

― Algum vídeo curto que vi por aí.

Sinto que muita gente abre uma empresa e acaba caindo no modelo de que “somos uma família”, certo? E isso é um sinal de alerta gigante porque toda família é disfuncional. Todas, todas são.

― James Hoffmann, via Manual do Usuário.

Quando algum gringo zombar do seu sotaque diga: “Você fala inglês porque é o único idioma que você sabe; eu falo inglês porque é o único idioma que você entende”.

― Algum vídeo curto.

A vida é como uma toalha de banho: o lado que você passa na bunda hoje pode passar na sua cara amanhã”

― Um meme boomer.

A computer is like air conditioning – it becomes useless when you open Windows.

― Linus Torvalds.

Email is the cockroach of the internet – it outlives every wave trying to kill it. Forget Slack, forget Discord, forget chat apps. Email is universal, decentralized, and asynchronous. It's not sexy, but it's the ultimate survivor.

― JA Westenberg (@Daojoan@mastodon.social)

#notas #cotidiano #tecnologia


 
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from Ni idea

Esses dias li um texto bacana num blogue e percebi qual é uma das principais razões pra eu enrolar tanto pra escrever o meu: eu não sei escrever em estilo blogue.

Antes eu só argumentava que não sei escrever. Mas isso é genérico e meio falso, como podem ver estou escrevendo e sendo entendida (espero)

Mas é que em blogue bacana tem uma estrutura basica apesar de possiveis variações que é que os assuntos tem uma conclusão. A pessoa começa contando uma história (às vezes bem tangente ao assunto e só pra efeito dramático) aí chega na parte principal, conta os conflitos surgidos com o assunto e no final chega a uma conclusão, uma moral da história, um final feliz, uma resposta, enfim, deu pra entender.

Aí percebi que sempre que eu pensava em escrever aqui ficava procurando uma RESPOSTA ao assunto pra poder seguir essa estrutura, e como eu quase nunca tenho essa resposta pq to constantemente confusa com tudo e ignoro coisa demais, ficava uma ideia meio solta que eu sentia que simplesmente não dava pra escrever.

Ironicamente e talvez pela única vez, hoje tenho uma resposta. E é o ato mesmo de escrever e publicar. E é que eu vou simplesmente escrever nem que seja uma ideia solta. Não vai ter um fio narrativo/argumentativo como os blogues legais, sinto muito.

Se liberar de travas auto impostas é bom demais, recomendo.

 
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from felipe siles

Introdução

Como sou uma pessoa de origem nas classes mais populares, que até conseguiu através dos estudos uma relativa mobilidade social, o impulso de gastar, consumir, se recompensar é um fantasma que está sempre me rondando. Como quase todo mundo que tem cartão de crédito, já perdi a mão e adquiri uma dívida gigantesca. Como não tenho parentes ricos para recorrer, sou sempre eu mesmo quem precisa corrigir as minhas próprias merdas, então fui ao longo dos anos consumindo diversos materiais de educação financeiro: textos, vídeos, livros, etc. Mas a maior dificuldade diante da maioria desses materiais, é que nunca tive a disciplina e paciência de anotar tudo o que gasto. Inclusive, sempre achei uma tarefa meio burra, já que existem outras formas de fazer esse registro, como o próprio extrato do banco ou do cartão.

Como a maior parte da minha carreira profissional é como profissional autônomo, a sazonalidade dos pagamentos aumentavam o caos financeiro. Daí que descobri, quase que por acaso, o livro Finanças para autônomos de Eduardo Amuri e, de tudo que eu consumi sobre o assunto, foi o que mais faz sentido pra mim. Acabei adaptando algumas dicas do livro, e outras inventei. Vou enumerar, então, que medidas são essas que uso para controlar meu dinheiro e indicar se foram tiradas/adaptadas ou não desse livro.

Este texto é despretensioso, não tem objetivo de ser um guia financeiro para ninguém, apenas um registro de como eu faço as coisas, do meu jeito, que pode servir ou não para outras pessoas. Mas não sou especialista em finanças, se precisar de ajuda de verdade, procure um profissional especializado.

Capa do livro Finanças para autônomos, de Eduardo Amuri

1. Calculo a média das coisas

Essa é uma dica retirada do livro. Como para praticamente todo mundo os valores das receitas e principalmente despesas flutuam, é bem importante calcular as coisas pela média. Quanto maior a amostragem, mais perto vai estar da realidade concreta do dia-a-dia. Então eu tenho uma planilha mensal com receitas e gastos. As receitas e gastos que são fixos, simplesmente coloco o valor, e as que são flexíveis, coloco a média mensal. Organizo tudo detalhado: receitas como bolsa de doutorado, e despesas como assinaturas, faxina, transporte, alimentação, etc. Ah, os investimentos que faço de maneira recorrente, minha reserva de emergência e meu pé de meia, estão nessa planilha também. Essa planilha me ajuda a ter uma visão do todo. E do lado dela coloco colunas referentes aos meses do ano, e vou ticando conforme vou efetuando ou recebendo os pagamentos.

2. Cartões pré-pagos

Uma dica que eu achei muito interessante no livro, mas não achava muito prática no mundo contemporâneo: o autor aconselha o leitor a sacar dinheiro físico toda semana, e usar apenas o montante sacado. Já tentei fazer isso, mas a falta de troco dos estabelecimentos me fez perder tempo e passar raiva. Mesmo assim, a ideia nunca saiu da minha cabeça, do meu radar, e eu ficava pensando como aplicar o conceito no mundo dos bancos digitais e do pix. Eis que encontrei a solução: cartão de débito ou crédito pré-pago. Existem diversos bancos e financeiras que oferecem esse serviço, não vou dizer quais por dois motivos: primeiro, não vou fazer propaganda de banco (me poupo dessa vergonha); e segundo, porque o texto periga ficar datado, já que instituições podem acrescentar ou retirar esse produto de seu cardápio de serviços oferecidos.

Eu possuo três cartões pré-pagos: em um deles deixo todos os débitos automáticos (contas, assinaturas, doações, etc), e recarrego esse cartão uma vez por mês, assim que cai a minha bolsa de doutorado. Tenho um cartão de débito pré-pago para utilizar no dia-a-dia, principalmente para comer em restaurantes, feiras, padarias, etc, eu brinco que é o meu VR. E um cartão de crédito pré-pago que uso para pequenos gastos esporádicos em aplicativos (basicamente carro particular, entrega de comida e recarga de bilhete de transporte público). E como uso menos esse cartão de crédito, ele ainda me salva quando o de débito, que utilizo mais, acaba o saldo. Esses dois cartões, que utilizo no meu cotidiano, são recarregados toda segunda-feira. E, lógico, coloco os valores das recargas como gastos fixos na minha planilha. Como existem meses de 4 e de 5 semanas, eu multiplico esse gasto na planilha mensal por 4,5. Costuma funcionar.

3. Poupo, logo existo

Meio óbvio, mas acho importante mencionar: todo mês eu destino 10% do que eu ganho para uma reserva emergencial e 10% invisto no meu pé de meia, que é um dinheiro que eu pretendo sacar só quando eu me aposentar. Dessa forma, 20% do que eu ganho é investido. Eu queria até investir mais, mas já notei que quando eu invisto mais que isso, meu dinheiro acaba mais rápido e eu preciso ficar mexendo na reserva emergencial. Dentro do patamar do que eu ganho e consumo, esses 20% até que ficam equilibrados.

4. Vendo coisas que não usa mais

Uma coisa que eu gosto muito de fazer é vender coisas que tenho e não uso mais. Como eu disse no começo do texto, houve épocas onde eu consumi muito, até para me recompensar e sentir o processo de mobilidade social (aquele prazer de comprar algo que você não podia ter antes, como por exemplo o álbum de figurinhas da Copa do Mundo). Acabou que eu acumulei muita coisa que não uso. Hobbies e coleções que comecei e depois abandonei, principalmente. E pode ser que o que está parado na sua casa possa ser útil para outra pessoa.

Já testei diversos sites de vendas, eu gosto muito daquele lá que as pessoas vendem coisas que elas enjoaram kkkk, pelo menos é um site brasileiro. As taxas são altas, mas o serviço é bom, e é um dos únicos lugares onde dá pra vender livros, já que o público desse site é majoritariamente de classe média. Já vi muita gente reclamando da galera fazer ofertas baixas, e conheço muita gente que fica alimentando aquele fetiche de que suas coisas podem ser vendidas bem caras para um colecionador. Eu sou bem desapegado, faço uma pesquisa de preço e coloco tudo na média ou até abaixo do preço médio, para desapegar logo. Pra quem não tem nada, meio é dobro. Eu acho que se um objeto render qualquer troco é melhor do que a situação dele parado na minha casa rendendo R$0,00. E não me preocupo em recuperar o que investi nesses objetos ou até com uma eventual valorização de um objeto raro, vejo mais esse hobbie como uma contenção de danos, já gastei dinheiro que não podia mesmo, como que eu recupero pelo menos uma parte dele?

E lembre-se, essa tarefa demanda um trabalhinho: é fazer o anúncio, responder eventualmente alguma pergunta de cliente, embalar o produto, levar no correio ou na transportadora, então planeje-se. Eu saco o dinheiro obtido com essas vendas uma vez ao mês, e jogo numa conta separada, que uso para algo bem específico, que prefiro não dizer o que é, por questões de privacidade.

5. Tenho várias contas bancárias (todas gratuitas), cada uma com uma função diferente

Em primeiro lugar, se você paga mensalidade da sua conta bancária, eu sugiro dar uma olhada em um conteúdo da Nath Finanças, onde ela ensina como obter contas gratuitas em praticamente todos os bancos famosos. Vai naquele site de vídeos que você sabe qual é, digita Nath Finanças, o nome do seu banco e “conta gratuita”, você certamente achará o tutorial (não vem me pedir o link, pelo amor de Jah, acha você).

Eu tenho contas separadas para receitas e gastos separados. Tenho uma conta apenas para receber minha bolsa de doutorado. Outra conta só para receber os freelas. Tenho as contas dos cartões pré-pagos que eu mencionei. A reserva de emergência ainda fica em outra conta de banco. Essa é a forma que eu encontrei para evitar gastos acidentais e principalmente pra ficar organizado, e até mesmo para dificultar meu próprio acesso a algumas dessas contas.

Eu tenho dois dispositivos móveis, onde estão meus aplicativos de banco. No meu celular, está apenas um desses aplicativos de banco, aquele banco do meu cartão pré-pago, e onde eu já deixo aquele famoso dinheiro do ladrão, caso eu seja assaltado. Os demais aplicativos de banco ficam em outro dispositivo, do qual não vou entrar em maiores detalhes, por questões de segurança pessoal.

Conclusão

Faz pouco mais de um ano que me organizo dessa maneira e vem dando muito certo. Consegui nesse período até pagar 3 dívidas grandes que tinha com banco. Minha reserva de emergência foi suficiente para me salvar de alguns perrengues: comprei um computador de gabinete quando meu notebook deu pau, ajudei meu irmão a pagar a cirurgia de uma das nossas cachorras, e volta e meia salvo algum amigo ou parente que tá numa situação financeira complicada.

Não sou um exemplo de sucesso, sou apenas uma pessoa de classe média baixa, que trabalha muito, cozinha a própria comida e se locomove na maior parte do tempo de ônibus, mas esse método me ajudou a tirar a preocupação financeira da minha cabeça, que já tirou muitas noites de sono, felizmente não me assombra mais... vamos ver até quando... tomara que por muito tempo...

Ainda não estou 100% satisfeito e quero ao longo dos anos adotar formas mais simples e baratas de viver, até para conseguir poupar mais dinheiro. Minha vida já é bem austera, mas sinto que ainda dá pra fazer pequenos ajustes para torná-la ainda mais simples, os saudosos Pepe Mujica e Papa Francisco são meus musos inspiradores. Mas para a minha vida hoje, tá funcionando direitinho e me poupando de passar sustos e perrengues.

P.S.: não confio nesses aplicativos de controle financeiro que puxam a movimentação direto do aplicativo do banco, não me parece seguro fazer isso.

P.S.2: hoje em dia não utilizo cartão de crédito nem cheque especial, a duras penas aprendi a fugir dessas duas armadilhas.

P.S.3: nunca negocie dívida direto com o banco, existem instituições terceiras que fazem a negociação muito mais vantajosa para o devedor. Uma dessas instituições é aquela onde o nome da pessoa vai parar quando ela está devendo.

 
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from felipe siles

Peço licença povaria!

A BBC News Brasil publicou uma matéria da jornalista Thais Carrança, analisando os dados do Censo 2022 relativos à religião. A manchete destaca o arrefecimento do crescimento evangélico, inédito desde 1960. Ao longo da matéria podemos também constatar que o Brasil nunca foi um país tão religiosamente diverso como no momento.

Mas a grande notícia para o povo do asé, é que as religiões de matriz africana (umbanda e o candomblé) mais do que triplicaram seu tamanho em relação ao censo anterior, obtendo o maior crescimento percentual dentre todas as religiões no Brasil. Se em 2010 éramos 525,6 mil, em 2022 subimos nosso número para 1,8 milhões, representando 1% da população brasileira. Trata-se de um número ainda pequeno, se comparado aos cristãos por exemplo (só de católicos são 100 milhões), mas não se trata de um número desprezível. 1,8 milhões de pessoas está num patamar parecido com a população da cidade de Curitiba e de países como Letônia, Kosovo e Bahrein.

Ao olhar com mais calma a matéria e os dados trazidos por ela, alguns pontos que me chamam a atenção:

  1. Muitas pessoas que eram adeptas de religiões de matriz africana, mas antes se declaravam como católicas ou espíritas, passaram a afirmar sua religiosidade e ancestralidade. A própria matéria fala sobre isso no item 2, e o declínio no número de espíritas e católicos pode ser um indício que fortaleça esse argumento. Acho esse ponto particularmente positivo, pois apesar de todo o preconceito, racismo e intolerância religiosa que sofremos, as pessoas estão perdendo o medo de assumir suas identidades, o que é muito positivo. É muito provável que o número de adeptos de religiões de matriz africana não era de 525,6 mil na realidade concreta de 2010, certamente esse número estava subestimado;

  2. No item 8 a matéria discute a escolaridade dos grupos religiosos. Os espíritas são de longe os mais escolarizados, 48% possuem nível superior, porém os adeptos de candomblé e umbanda vêm logo atrás, com 25,5%. Acredito que isso seja um reflexo da política de cotas raciais nas últimas décadas. Uma parcela da população passou a acessar a universidade pública, e passou a produzir discurso oficial. Muitas dessas pessoas encontraram um ambiente hostil nessas instituições, e precisaram se reconectar com suas negritudes justamente no espaço do terreiro. Formou-se uma nova classe média negra e parda, intelectualizada, que produz e consome conhecimento, informação e cultura afro-centradas. Esse engajamento intelectual e religioso da classe média negra nos terreiros acaba emprestando legitimidade e respaldo à causa, criando um ambiente em que mesmo as pessoas que não pertencem a essas classes médias negras passem a perder o medo de assumir sua religiosidade. Creio que esse mesmo fenômeno esteja conectado ao aumento de pessoas que se declaram como pretas e pardas, já que o debate em torno do letramento racial ganhou popularidade e capilaridade nos últimos anos;

  3. Acredito que o número de adeptos de religiões de matriz africana pode até estar subestimado, já que existe uma grande zona cinzenta que é a categoria “Outras”, onde estão 7 milhões de brasileiros. Creio que muita gente pode ter se declarado como pertencente a religiosidades afro-brasileiras menos numerosas que o candomblé e a umbanda, como por exemplo: o culto tradicional iorubá Esin Orisa Ibilé (ao qual pertenço), o Terecô maranhense, a vertente cubana do culto de Ifá, entre muitas outras expressões espirituais africanas, afro-brasileiras e afro-indígenas. Por essa matéria, não conseguimos ainda dados mais precisos da categoria “Outros”, talvez valha a pena aguardar novas divulgações do IBGE com mais dados, para fazer uma nova análise.

Na condição de devoto do orixá, fico extremamente feliz com o crescimento, espero que seja um pequeno indício de que, apesar de tantos retrocessos que estamos passando com o avanço mundial da extrema direita, a semente de um mundo com maior diversidade cultural e religiosa começou a brotar.

Asé!

 
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from Ideias de Chirico

Imagem de uma pessoa escrevendo agilmente em um teclado de notebook

Imagem: Flickr.

Imagine que você vive em um mundo no qual não se usa outro meio de transporte a não ser o das próprias pernas. Todas as pessoas nesse mundo caminham, não importa qual a distância. Não se pilota motocicleta, não se dirige carro, não se voa de avião, nem mesmo se pedala com bicicleta ― muito embora essas tecnologias já existam. Vem alguém e lhe oferece um curso gratuito de automóvel, no que você retruca: “Por que eu deveria aprender mais uma habilidade de locomoção? Levei três anos para caminhar!”. “Aprender a pedalar? Eu já dou no pé todo dia, obrigado”. “Avião? Por que voar se posso andar?”

Volte ao mundo em que você vive. A situação imaginada acima sobre locomoção é parelha com a situação real da escrita nos dias de hoje. Uma brutal parte das pessoas digitam, escrevem longos textos, namoram, fazem negócios e cálculos utilizando uma tecnologia do século XIX e não o percebem... Surgem outras mais atualizadas e propícias para novas necessidades e ainda assim as pessoas recusam. “Já está bom assim”. “Não preciso aprender outra habilidade”. “Por que eu deveria reaprender a escrever?” etc., etc., etc.

Essa tecnologia a que me refiro é a máquina de escrever. Você sabia que a disposição das nossas teclas nunca mudou desde a invenção desse equipamento mecânico? Escrevemos em nossos telefones, em nossos tablets e em nossos computadores pessoais da mesma forma como se escrevia há quase dois séculos!

Escrevo este texto para mostrar meu testemunho do porque é importante reaprendermos a viver, isto é, aprimorarmos atividades tão cotidianas como é o próprio escrever.

Este texto que vocês leem é um desses de metalinguagem em que comento sobre uma tecnologia ao tempo que a utilizo para o redigir. Elaborei a publicação sobre gravador de voz tecendo notas esporádicas com um aplicativo de gravador de voz para telefone, assim como escrevi sobre o uso de máquina de escrever escrevendo com minha Remington 15.

Estou neste momento escrevendo em um teclado de leiaute Dvorak. Não sinto meus dedos tensos. Mal os movimento. Quem me observa de longe, provavelmente pensa que estou blefando minha escrita: não tiro a mão esquerda da linha central; mesmo a direita, mais ativa, quase não sai do lugar ― a não ser para teclar backspace. Por consequência, o teclado não faz tanto ruído, e de certa forma mantem-se conservado, já que a digitação não é tão agressiva. A escrita do dia a dia é bem mais prática e até os atalhos mais comuns são mais confortáveis, pois as teclas mais frequentes são mais próximas umas das outras.

O teclado Dvorak é designado como um padrão feito para movimentar ao mínimo os dedos, uma vez que as teclas mais utilizadas (a princípio, em língua inglesa) são postas na linha central. Ao tempo que a mão esquerda ocupa-se da digitação das vogais e das pontuações, a direita fica com as consoantes, com os acentos gráficos e com o backspace. Disso resulta que boa parte das palavras podem ser escritas sem que se movimente tanto as mãos.

Tem sido assim há pouco mais de um ano e não penso em deixar de teclar dessa forma. Assim como pedalar e falar em inglês, aprender um novo leiaute é uma dessas habilidades que requerem uma dura dedicação de alguns meses, mas seus frutos são para toda a vida. É um presente que você dá para o seu eu do futuro.

Sei,sei... Nesta ideia de Chirico me superei. Por que diabos perder tempo reaprendendo a digitar? Eu poderia muito bem só digitar olhando para o teclado, “catando milho” com dois dedos, como fazem os estudantes italianos, não é mesmo?

Porém, antes de me chamarem de doido, procurem me entender.

Precedentes

Não sou o primeiro e não serei o último a estranhar a naturalização da utilização de instrumentos e modelos disfuncionais. Um dos registros de reclames mais antigos sobre o leiaute padrão de máquinas de escrever e computadores vem do escritor de ficção científica Isaac Asimov, que no prefácio de seu livro “Histórias de Robôs – Volume 3” declara como

Mais estranha ainda é a tenaz oposição a qualquer modificação no teclado das máquinas de escrever, embora o padrão universal de hoje em dia seja um disparate criado pelo inventor do instrumento por motivos banais. O mais avançado dos computadores atuais [...] emprega este teclado. Na realidade, ele diminui a velocidade datilográfica por causa da utilização desproporcional das duas mãos, principalmente ao favorecer a maior aplicação da canhota num mundo em que noventa por cento da população é mais hábil com a direita.

Por que essa atitude refratária com as mudanças?

Simplesmente pelo medo que se tem do processo de reeducação! As pessoas adultas gastam infinidades de horas para se habituar com polegadas e milhas, com os vinte e oito dias de fevereiro, com letras que não se pronunciam, em night e debt por exemplo, com exercícios de datilografia e sabe Deus mais o quê. Introduzir algo completamente inédito implica recomeçar tudo de novo, voltar à estaca zero da ignorância e correr no velho risco, tão conhecido, de possíveis fracassos.

Citação de Asimov a partir da fotografia da página do livro.

Reprodução do prefácio “Os robôs, os computadores e o medo” do livro “Histórias de Robôs”, de Isaac Asimov. Cortesia de @diegopds@bolha.us

Desde que ingressei no curso de Letras, em 2019, o volume de textos por digitar no computador aumentou. Somado a isso, durante 2020 comecei a trabalhar como ~semiescravo~, digo, treinador de inteligência artificial. Forneci input por quase um ano ao sistema de transcrição automática de texto da ByteDance, empresa chinesa que administra o TikTok.

A digitação tornou-se, então, cotidiana. Havia dias em que eu mais escrevia do que falava. Com a pandemia, surgiu um tempo livre para estudar datilografia. Através de treinos pelo sítio web KeyBR (que, apesar do nome, não é um domínio brasileiro), aprendi touchtyping, uma técnica pela qual se digita através da memória muscular, sem olhar para o teclado.

A partir do touchtyping, passei a digitar rápida e focadamente, pois, sem a necessidade de dividir a atenção entre a tela e o teclado, a chance de me perder na linha sobre a qual escrevo é bem menor. Saber essa técnica também me deu mais segurança para ocasionalmente buscar um leiaute datilográfico alternativo.

Inicialmente poder digitar tão confortavelmente e com agilidade foi uma boa decisão. Todavia, passados alguns anos, meu teclado foi degringolando, até que ocasionalmente parou de funcionar. Minha hipótese é de que o teclado QWERTY, o padrão universal de teclados, facilitou o processo de danificação da membrana. Ora, uma vez que no padrão QWERTY as vogais são dispostas muito distantes umas da outras, somos impelidos a movimentar mais os dedos, consequentemente aplicando mais força sobre as teclas.

Logo: datilógrafo agressivo + texto sob prazo apertado + leiaute desenhado para movimentar mais os dedos = laptop velho partido ao meio.

A partir da leitura do Dvorak Zine, que conheci pelo Mastodon em 2023, passei a me interessar por esse leiaute alternativo. Muita informação esparsa sobre o pouco explorado mundo da digitação pode ser encontrada nesse genial textinho do começo do século. A leitura desse zine digital vale a pena sobretudo pela história da falida jornada de August Dvorak em promover a sua invenção.

As pessoas esquecem-se de que o leiaute padrão dos computadores descendem das máquinas de escrever, cujo leiaute, por sua vez, tem suas concepção cercada de mistérios. Diz-se por um lado que a organização do QWERTY parte da tentativa de retardar a digitação do datilógrafo a fim de evitar que ele trave as sapatas da máquina de escrever; por outro, diz-se que a disposição de seus caracteres buscou facilitar a transcrição de decodificadores de código Morse. Ambas as hipóteses demonstram que o QWERTY é uma configuração que já não faz sentido no contexto computacional, que não trabalha nem com sapatas mecânicas, nem com código Morse.

Por sorte, os computadores são flexíveis quanto ao arranjo de seus periféricos, e, por consequência, a troca da disposição de teclado.

Imagem de uma máquina de escrever com o padrão Dvorak

Imagem: máquina de escrever com padrão Dvorak (c8.alamy.com). Apesar da homérica jornada de August Dvorak de tentar tornar o seu leiaute um padrão comum, o ineficiente padrão QWERTY segue como predominante até os nossos dias.

A promessa do padrão Dvorak, originalmente desenhado para as máquinas de escrever, era a de uma digitação mais ergonômica e potencialmente mais rápida. Esse último aspecto, no entanto, encontra divergências pelo baixo número de digitadores em Dvorak. Mesmo datilógrafos dvorakianos recordistas, como a escritora Barbara Blackburn, têm os seus resultados postos em dúvida. Logo, não há bastantes dados demostrando que a escrita nesse padrão datilográfico seja mais ágil propriamente do que a escrita no velho padrão de máquina de escrever.

Não é por isso, entretanto, que o Dvorak não apresente outros benefícios.

Ergonomia

A primeiríssima razão pela qual alguém abandona o teclado default é por conta do desconforto causado pelo sua disposição caótica. De fato, movimentamos demasiadamente nossos dedos enquanto digitamos. Vez ou outra vejo algum amigo desenvolvedor sofrendo de tendinite. E nisso o teclado com o qual escrevemos tem parte. Escapa aos fabricantes e consumidores uma percepção: o teclado QWERTY não foi feito para uma escrita confortável.

De nada adianta que o modelo do teclado seja ergonômico se se basear no leiaute da máquina de escrever, que não foi pensada para o uso doméstico, mas sim para datilógrafos de escritório do século XIX; se suas teclas não são dispostas de um modo que se movimente ao mínimo os dedos, de nada adianta um teclado ergonômico.

A situação do leiaute dvorakiano é diferente. Ele é por design um padrão feito para que se retirem ao mínimo os dedos da linha central do teclado. Dvorak é por concepção, um padrão ergonômico, que, aí sim, somado a um teclado dito “ergonômico” trará um real benefício à saúde manual do datilógrafo.

Relação entre o leiaute Dvorak e a língua portuguesa

Quando publiquei sobre o leiaute Dvorak no fórum Órbita, do Manual do Usuário, houve alguns comentários como “Mas isso não é um problema para quem não escreve em inglês, já que August Dvorak desenhou o leiaute partindo dessa língua?”

Pela minha experiência, garanto que a escrita em língua portuguesa é na verdade favorecida por essa disposição de teclas. E diria mais: a escrita em língua portuguesa por esse padrão é mais favorecido do que a escrita em língua inglesa. Nas vezes em que escrevi alguma mensagem em língua inglesa, achei esquisita como consoantes comuns em inglês, como “Y” e “K” estão mais para o interior do teclado.. Ademais, o português e o inglês apresentam algumas raízes e influências em comum, como o francês, o grego e o latim, causando algumas felizes palavras cognatas.

Apesar disso, creio também que isso independe da similaridade linguística. Como escreve o programador dvorakiano Nando Florestan sobre esse leiaute:

Pessoalmente não me interessei tanto [pelo Brasileiro Nativo, variante do Dvorak para português], por acreditar que, embora o Dvorak Simplified Keyboard seja otimizado para o inglês (as letras mais usadas ficam na “home row”), o português seja parecido a ponto de não fazer quase nenhuma diferença. Além disso, muitos brasileiros escrevem bastante coisa em inglês...

Pelo sim, pelo não, o QWERTY também não foi desenhado para o português, não é? De qualquer forma, a designação feita por August Dvorak para uma escrita confortável em inglês acaba por beneficiar também lusodigitadores.

Esquema do padrão Dvorak adaptado para português.

Imagem: esquema Dvorak com acentos e o caractere “ç”, adaptada para a língua portuguesa. Ilustração de Heitor Moraes, via blogue do Nando Florestan. Este é a variante que utilizo.

Como as vogais no modelo Dvorak estão mais próximas, torna-se mais fácil fazer ditongos. “A” é ao lado de “O”, que é ao lado de “E” o que permite fazer nossos primorosos “ão” e “ões” com muita fluidez; a vogal “E”, por sua vez, está exatamente ao lado de “U”, o que nos permite o “EU” com muita mais facilidade. Também o fato de que as vogais estão com a mão esquerda e os acentos gráficos estão com a mão direita ajuda a variar a atividade das duas mãos e, por consequência, a tornar a escrita mais flúida e rápida.

Não somente existe proximidade entre as vogais, como também existe entre as consoantes que fazem encontros consonantais, como “TR”, “CR”, “CH” e “NH”. “M”, que sempre antecipa o “B” intervocálico, também se avizinha da letra “B” nesse leiaute alternativo.

Atalhos

Apesar do padrão Dvorak ter sido desenhado bem antes da concepção dos computadores domésticos, a disposição de seus caracteres permite o acionamento de atalhos de uma forma mais prática.

Como falado anteriormente, a maior característica do teclado Dvorak é que as vogais do alfabeto foram dispostos ao lado esquerdo, enquanto que as consoantes ficaram para a mão direita. Essa disposição permite que a mão esquerda fique ocupada com a pressão sobre a tecla Ctrl, enquanto a direita aciona os atalhos, com a possibilidade de acionar três ou quatro comandos sem tirar a mão da mesma posição. Atalhos como Ctrl + C (copiar), Ctrl + V (colar), Ctrl + T (fechar janela), Ctrl + W (fechar aba de navegador), Ctrl + Z (desfazer ação) e Ctrl + F (buscar palavra) podem ser acionados sem que se tire as mãos do lugar. Isso evita distensões de uma mão só com comandos do tipo Ctrl + T, ou Ctrl + V, que são muito comuns para a configuração QWERTY; e tudo isso sem que o datilógrafo precise olhar para o teclado, já que o Dvorak tem como o pilar a escrita através de memória muscular ― o touchtyping.

Outra vez a máquina de escrever...

Apesar de ter encontrado e aprendido um leiaute de teclado que é mais confortável e mais prático e mais conveniente do que o leiaute QWERTY, também tenho uma máquina de escrever. Com o leiaute QWERTY, claro. Para bater em papel. “Anrã... Qual o sentido disso?”, você deve me perguntar, cínico leitor.

Acontece que, como especifiquei em um texto recente, cada ferramenta de escrita cria uma atitude diferente perante o texto, o influenciando. “Nosso equipamento participa na formação dos nossos pensamentos”, escreveu Friendrich Nietzsche em carta para um amigo que elogiou os últimos textos do filósofo alemão depois deste ganhar uma máquina de escrever.

Imagem: reprodução de “A Geração Superficial”, de Nicholas Carr, com o relato de Nietzsche sobre a importância da máquina de escrever em sua escrita. Cortesia de @diegopds@bolha.us

O escritor belga Lionel Dricot ― vulgo “Ploum” ― publicou recentemente um romance distópico, o Bikepunk ― les chroniques du flash. Trata-se de uma história passada 20 anos depois do assim chamado flash, uma imensa luz vertiginosa que emanou sobre toda a terra, e deixou toda a humanidade cega, infértil e sem energia. A personagem protagonista, Gaïa, nascida no ano do flash e farta de sua comunidade sedenta por mulheres férteis, parte para uma fuga com Thy, um ermitão sexagenário que misteriosamente não foi impactado pelo fenômeno. Neste ambiente sem eletricidade, amoral e decadente, a bicicleta é um instrumento de emancipação.

E também a máquina de escrever.

Ploum decidiu lançar mão sobre este instrumento a fim de sentir-se climatizado dentro do enredo. Mas não só: Ploum é entusiasta do low-tech e um grande crítico da imposição de meios elétricos ― apesar de ser professor de informática de código aberto em uma Universidade belga. Além disso, o autor também queria desconectar-se para a redigir o seu livro.

Quando estou sentado de frente para a máquina de escrever, estou impelido por um retorno acústico-tátil da sapata de cada letra chocando-se sobre o papel, o que é capaz de me manter por horas a fio diante do texto e me fazer sentir que estou conectado a ele. Esse feedback falta ao computador. Além disso, um computador, mesmo com um novíssimo disco SSD, tem uma latência em sua inicialização; ao tempo que não levo mais do que dois minutos para acertar o papel sobre o carro da máquina de escrever.

Não minto que já fiz algumas experiências de tornar o computador um instrumento centrado para a escrita e até configurei o programa com o qual escrevo como padrão na inicialização. A retomada de textos já iniciados, entretanto, não é muito feliz: tenho de me esbarrar com filas e mais filas de arquivos, o que acaba por me distrair.

Sim, eu poderia conseguir uma máquina de escrever com o padrão Dvorak. No entanto, além de ser raro uma máquina com Dvorak, me faltariam os acentos, que só vieram ao Dvorak em uma padronização recente nesse leiaute.

A escrita sobre a máquina de escrever pode ser mais lenta, sim, porém é mais focada, não exige muitos recursos, como internet ou eletricidade. Ah, e ― adivinhem só: o papel não emite luz! ― o que é uma salvação para alguém com astigmatismo, como eu.

Somado a tudo isso, tenho utilizado o Ghostwriter, um programa especializado para a escrita de textos longos. Ele me permite escrever no computador sem que o backspace seja habilitado (um recurso conhecido como Hemingway mode), me impedindo de editar o texto. Só me resta então digitar sem “olhar para trás”, como se faz com a máquina de escrever. Além disso, Ghostwriter me permite escrever e visualizar o texto em linguagem Markdown, com o qual publico neste blogue; sem contar com outras disposições, como apresentar o texto sendo escrito sempre próximo ao centro da tela, o que torna a experiência ainda mais similar à máquina de escrever.

Dado esse setape, é como se eu escrevesse em uma máquina de escrever elétrica com leiaute Dvorak. Isso não resolveria todos os meus problemas. Lembro de um causo sobre Gabriel García Marquez que diz que quando o Nobel-laureado escritor foi reclamar com o prefeito da cidade onde morava pelas constantes quedas de energia que atrapalhavam os textos batidos em sua máquina de escrever elétrica, o político respondeu: “Balzac, que era muito melhor do que você, escrevia com pena e papel”.

Certo de que esse causo ilustra sobretudo o descompromisso do governo com a manutenção do bem estar e da cultura, isso faz refletir sobre a necessidade de se ter sempre um plano B, ou mesmo de “se virar com pouco”.

A máquina de escrever mecânica segue como o instrumento de escrita mais resistente. E ainda tem a vantagem de exigir baixa manutenção: só requer uma tampa, a trava de carro (para evitar que alguma peça quebre em uma eventual queda) e uma eventual lubrificação. Agora mesmo escrevo com meu notebook em um jardim da universidade, e estou mais preocupado se meu notebook não toma sol do que se meu texto está bem feito. Claro, será um problema também se cair água sobre uma máquina de escrever, no entanto, deve haver uma grande carga d'água para que lhe dê uma boa ferrugem.

Salvo modelos mais antigos, como a linha Thinkpad da antiga IBM, os notebooks em geral são peças que demandam mais de recursos e de cuidados. Computadores são equipamentos frágeis. Por isso ― para parafrasear Henri Thoreau ―, nós mais pertencemos aos nossos computadores do que eles nos pertencem. É preciso não sermos servos de uma #tecnologia.


 
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notícia de que o projeto Redis — moderno sistema de banco de dados chave-valor largamente utilizado — passa a ter sua publicação regida pela Licença Pública Geral Affero GNU (AGPLv3), que prevê Copyleft de programas de computador (software) executados em máquinas remotas (“servidores”) e acessados através das redes (por “clientes”).

Matérias jornalísticas relatam que a grande indústria ainda não estaria tão contente com essa decisão, por considerar a licença adotada “restritiva demais”. Essa queixa era de se esperar, pois a ideia desse tipo de licença é, justamente, impedir que software feito para ser livre seja subvertido para retirar a liberdade dos usuários. AGPLv3, especificamente, é uma variação da Licença Pública Geral GNU (v. 3) adicionando uma cláusula que enfatiza a cooperação comunitária quando o programa é executado em servidores e consumido remotamente. Ela proíbe que modificações do código-fonte original fiquem escondidas: além de seguir a mesma licença, o código das alterações, segundo AGPLv3, deve estar disponível para quem acessa esse sistema. Isso possibilita que todos se beneficiem dos aprimoramentos, inclusive quem realizou o desenvolvimento anterior, formando um círculo virtuoso.

As licenças mais fortes de software livre foram redigidas com o propósito de manter livre o software livre. É tão difícil às pessoas entenderem isso? Deve ser, já que preferem terminologias de “código aberto/fechado” etc. sem considerar ou menosprezando suas implicações. No caso concreto, o problema é que, assim, ninguém — lamentavelmente, tampouco a imprensa — considera a questão a partir das liberdades dos usuários. Mesmo assim, se prestar atenção, está implícito que a privação de liberdade teria afastado “desenvolvedores” e, consequentemente, diminuído o ritmo do projeto Redis, como admite a nota divulgada pela empresa responsável. Isso ocorreu após o considerável fiasco de ter adotado uma licença própria, de mero “código disponível”, há pouco mais de um ano. Ou seja, Redis está claramente preocupado com reaver a participação da comunidade, sem a qual o projeto fica menos viável, comercialmente mesmo. Aí está o motivo de sua nova decisão.

💡 Fazendo um parêntese, quando abordamos a liberdade “dos usuários” de software, conceitualmente, a quem nos referimos? Estão contempladas direta ou indiretamente nessa definição todas as pessoas físicas ou jurídicas, sejam elas menos capazes (liberdades 0 e 2) ou mais capazes de produzir modificações (liberdades 1 e 3).

Talvez a movimentação de Redis tenha sido intempestiva. A duvidosa estratégia da liderança do projeto, contudo, parece vir de longo prazo e seu eventual fracasso poderia ter sido evitado. Se você quer publicar seu trabalho garantindo liberdade a quem vai consumi-lo, sem permitir que tubarões se apropriem indevidamente dele, adote desde o princípio uma licença que determine que as modificações devem continuar livres. Esse conselho vale para muitos tipos de trabalho intelectual.

📢 Outro recado geral, para qualquer pessoa, mas em especial às que escrevem sobre o tema, é: não confundam conceitos basilares como se fossem sinônimos. Podemos dar mais atenção ao ponto de vista de quem utiliza ( #SoftwareLivre ) e menos do ponto de vista predominante da indústria ( #BigTech / #OpenSource ).

 
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De 1 a 4 de maio de 2025, quinta-feira a domingo, pela primeira vez na região Nordeste do Brasil, a capital do estado de Alagoas sediará um encontro nacional sobre Debian composto por palestras, oficinas, sprints, festa de caça aos bugs e eventos sociais.

Logotipo do evento mesclando formatos de vela de jangada e o redemoinho do Debian com os dizeres MiniDebConf Maceió 2025A MiniDebConf Maceió 2025 é um evento aberto a todas as pessoas, independentemente do seu nível de conhecimento sobre Debian [GNU/Linux]. O mais importante será reunir a comunidade para celebrar um dos maiores projetos de Software Livre no mundo e, por isso, a organização deseja receber desde usuários(as) inexperientes que estão iniciando o seu contato com o Debian até Desenvolvedores(as) oficiais do projeto. Ou seja, estão todos(as) convidados(as)!

MiniDebConfs são encontros locais organizados por membros do Projeto Debian para atingir objetivos semelhantes aos da DebConf — a conferência Debian global — mas em um contexto nacional. Durante todo o ano, são organizadas MiniDebConfs ao redor do mundo.

Esta será a sexta edição de uma MiniDebConf no Brasil, e a primeira realizada no Nordeste. Em Maceió, serão quatro dias dedicados a temas ligados ao Debian.

📅 Programação: https://maceio.mini.debconf.org/schedule/

📹️ Transmissão do Auditório: https://maceio.mini.debconf.org/schedule/venue/1/

📝 Perguntas remotas poderão ser enviadas pelo canal #debian-br-eventos na rede OFTC de IRC. Na página da transmissão, há uma ligação para entrar facilmente no canal pelo navegador Web — JavaScript de qwebirc.org (GPLv2).

💡 Programe-se para o horário das atividades que pretende assistir, já que o vídeo normalmente é transmitido exclusivamente ao vivo. Gravações costumam ser publicadas posteriormente em https://meetings-archive.debian.net/pub/debian-meetings/

Texto parcialmente extraído da página oficial do evento — © 2025 Comunidade Debian Brasil (CC Atribuição) — adaptado ao blogue, modificado e complementado por Daltux.

#Debian #GNU #GNUlinux #SoftwareLivre #eventos

 
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