Meu último texto aqui no blog sobre não ter redes sociais comerciais teve uma repercussão bem interessante, e reverberou de uma maneira bem bacana, com várias pessoas dando um retorno positivo e até inspirando outros textos. Fico muito feliz de que o compartilhamento da minha vivência tenha sido útil e, dada a relevância do tema que essa repercussão revelou, resolvi criar uma série de textos sobre cada ferramenta específica da big tech que eu não uso (e também sobre as que eu uso né, afinal não só de negativa vive o homem rs). A ideia é mostrar na prática como essa falta de uso me afeta e minhas estratégias para contornar alguns problemas que isso possa acarretar.
Muita gente relatou dificuldade com a ideia de sair do Instagram, por isso resolvi começar com essa plataforma. Realmente, o Instagram infelizmente se tornou um monopólio em termos de redes sociais, por mais que existam concorrentes, como o TikTok. Aquela rede que já serviu para compartilhar fotos pessoais e imagens, acabou se tornando essa espécie de aplicativo faz-tudo: é mensageiro, entretenimento, notícias, vendas, entre outras coisas. Além disso, a rede se tornou o principal canal de comunicação de diversas instituições, como bares, restaurantes, lojas, marcas, e, infelizmente, também de órgãos públicos ou de utilidade pública (congressos acadêmicos, associações de pesquisadores, coletivos e movimentos, etc). Infelizmente é muito difícil sair dessa armadilha e não ter uma conta no Instagram implica em abrir mão de muita coisa. Como eu sempre digo, nunca julgo quem precisa estar na rede, considero essa pessoa uma vítima.
Antes de mais nada, vamos aos principais motivos concretos de porque eu não tenho conta pessoal no Instagram:
- Como já havia dito no meu texto anterior, nunca tive muito interesse por redes sociais de fotos, sempre preferi as de texto;
- Considero uma rede danosa para a saúde mental, existem fortes indícios de que o uso massivo da plataforma possa estar indiretamente associado a problemas sérios principalmente entre adolescentes, como aumento do índice de suicídios femininos e cyber bullying;
- É uma rede feita para viciar e te enclausurar dentro dela;
- Não é uma rede segura, o fato de não ter o código aberto faz com que sabe-se lá o que eles fazem com seus dados e informações;
- É uma ferramenta que ajuda a espalhar notícias falsas e divugar as ideias da extrema direita no mundo, e é omissa para conter esse conteúdo;
- O Instagram gera uma grande quantidade de lixo virtual, que está hospedado em servidores consumindo recursos naturais.
Vamos então às soluções práticas que eu adoto para contornar a falta de um perfil pessoal.
Ter o contato das pessoas fora dali
Hoje em dia acho muito importante ter o contato das pessoas (telefone e email principalmente) justamente para não ficar dependente dessa rede para conversar com as pessoas que você conhece. Se você pensa em deletar sua conta pessoal do Instagram, uma sugestão que eu dou é olhar a sua caixa de entrada, ver as pessoas com quem você conversa normalmente, checar se tem o contato delas fora dali e, se não tiver, pedir o telefone e/ou email dessa pessoa.
Monitorar contas
Utilizo o Aximo Bot para monitorar algumas contas do meu interesse, de órgãos e instituições que, infelizmente, não possuem feed RSS. Ele às vezes dá um bug e você precisa forçar a atualização da feed, é um problema um pouco chato, mas contornável. Num passado não tão distante eu utilizava o Lemeno e achava excelente! Mas, não sei porque motivo, ele parou de atualizar a feed e acabei abandonando, não sei se esse problema já foi resolvido, acho que vale o teste.
Infelizmente, devido ao fato da API do Instagram ser fechada, essas soluções precisam constantemente ser atualizadas e algumas acabam até sendo descontinuadas, como foi o caso do excelente Bibliogram.
Por U$8,32 o RSS App transforma as feeds de qualquer conta no Instagram em uma feed RSS. Infelizmente esse valor, que talvez seja baixo para muita gente, é um pouco pesado para meu orçamento modesto, de alguém que vive de sua bolsa de pesquisa.
Outra coisa possível de se fazer também, é reclamar com as instituições e estabelecimentos, pedindo para que tenham outros canais de comunicação que não o Instagram.
Entretenimento
Sempre considerei o entretenimento oferecido por essas plataformas de videos curtos (Instagram, TikTok, Kwai) de péssima qualidade. Eu sei que esse é um ponto bem espinhoso, já que definir concreta e objetivamente o que seria um entretenimento de qualidade é algo bem complicado, e pode soar bastante classista. Mesmo sendo dificil, vou fazer uma tentativa, possivelmente com problemas.
Eu gosto de comparar a indústria do entretenimento com a alimentícia. Ambas têm um ponto em comum muito nítido: o objetivo final em lucrar e enriquecer seus donos, proprietários e acionistas. Em relação à indústria alimentícia é um pouco mais fácil de você definir concretamente o que é um alimento de qualidade, já que existem parâmetros para isso, como os nutrientes, propriedades, efeitos daquele alimento na saúde, por mais que, assim como na indústria do entretenimento, existam fatores culturais.
Então dizer que um entrenimento é bom porque é popular, porque tem bons números, no meu entendimento é uma falácia, na medida que o consumo é mediado e direcionado por processos que dizem respeito ao lucro de grandes empresas, como a publicidade. Um video do TikTok não é necessariamente bom porque tem bilhões de visualizações, assim como Coca-Cola não é um alimento bom para saúde, por mais que seja consumida por bilhões de pessoas.
Então uma dica para largar do Instagram enquanto vício é consumir outras fontes de arte e entretenimento: filmes, séries, livros, HQs, mangás, peças de teatro, shows, passeios, etc.
Investir tempo em redes sociais não comerciais
Ainda quero fazer um texto mais detalhado sobre o Fediverse, e dar boas dicas de instâncias nele. Mas hoje em dia tenho gostado cada vez mais de interagir com as pessoas por redes sociais não comerciais, sem algoritmo e sem propaganda, tenho conseguido formar “minha galera” e manter contato com essas pessoas.
Não adianta, a nossa subjetividade hoje em dia é muito moldada pelas redes sociais, estou nelas desde 2004, no Orkut... Não acho que é algo que nós vamos nos livrar totalmente e nem sei se precisa.
Eu tenho encontrado nas redes sociais não comerciais um ambiente muito mais agradável e saudável do que na Big Tech, já que não há ali a preocupação de te prender ou vender algo.
Minha rede social principal hoje em dia é o Mastodon, uma rede de microblog, ou seja, pequenos textos. Tenho gostado muito do Lemmy também, que é uma rede de fóruns de discussão.
Se você gosta de redes sociais de fotos, em primeiro lugar eu lamento por você (rs), mas falando sério eu sugiro que conheça o Pixelfed, que é livre, de código aberto e faz parte do Fediverse, sendo possível não só acessá-lo sem login, mas também por outras plataformas como Mastodon e futuramente até a famigerada Threads.
Ter vida social fora da internet
Um ponto que eu percebo que pega para muita gente é a comodidade de ter a vida social totalmente online. Conheço pessoas inclusive que namoram online e praticamente nunca se encontram presencialmente. Não sou psicanalista, portanto não sou a melhor pessoa para avaliar os impactos na saúde mental dessa abordagem. Entendo também que quando a pessoa passa dos 30 anos ela, em geral, vai perdendo o pique de sair, ir em festas, fazer esse tipo de socialização.
Minha dica é fazer parte de coletivos com quem você se identifica. Pode ser ONG, religião, grupo de teatro, partido político, movimento social, clube de leitura, escola de samba, não importa. Mas faça parte de grupos, integre-se, participe ativamente deles. Infelizmente a urbanidade nos tornou pessoas solitárias na multidão, e essa é uma forma de emular levemente uma vida “em vila”. Ter o nosso clã, as pessoas que confiamos, nos identificamos, e vemos presencialmente com alguma regularidade.
O (mau) hábito de rolar a feed do Instagram está muito associado com driblar uma vida tediosa, que a urbe nos coloca. Acredito que uma forma de lidar com isso é procurar uma vida menos tediosa, e com atividades interessantes. Mas o ócio, o vazio e o tédio fazem parte da vida também. Então aprenda a lidar com ele, se não conseguir sozinho ou sozinha, peça ajuda de profissionais. É importante lidar com situações entediantes ou ruins sem ficar entupindo seu cérebro de dopamina. Esse é o princípio da maioria dos vícios, inclusive o vício no Instagram.
Acessando conteúdo do Instagram sem logar
Existem diversos clientes interessantes de Instagram, como o Imginn e o Picuki, que permitem visualizar contas sem precisar logar. Eu configuro dois aplicativos para redirecionar links que me enviam do Instagram para o Imginn. No computador utilizo a extensão de navegador LibRedirect e substituo a instância do Bibliogram pelo link do Imginn. E no celular eu utilizo o aplicativo da F-Droid UnTrack Me, e faço a mesma configuração.
Pra Android existem aplicativos clientes de Instagram, como o próprio Picuki e o Barinsta, mas não me adaptei muito bem a eles, mas de repente vale o teste pra ver se serve para você.
Conta institucional
É fato, não ter nenhum Instagram limita demais as possibilidades, infelizmente. Como ele virou um monopólio em termos de redes sociais, não ter acesso a ele faz com que seja muito difícil ou até impossível obter algumas informações que só estão nele. Às vezes é preciso fazer aquele contato profissional que você não consegue o telefone e email da pessoa de jeito nenhum ou comprar algo específico que só é vendido e anunciado por ali.
A solução que eu dei para esses casos, é ter uma conta institucional e não pessoal. No meu caso, é a conta do meu podcast, o Estação Música. Obviamente, não tenho o aplicativo do Instagram no meu celular, assim como evito qualquer aplicativo que vá me distrair e passar muito tempo nele. Mas configurei a DM dessa conta para outros dois aplicativos que utilizo, que são agregadores de mensageiros: Ferdium e Beeper, e funciona muito bem.
Essa conta atualmente (14/01/24) não possui nenhuma postagem, mas em breve quero transformá-la num portifólio do meu podcast para estar ali naquela prateleira. A ideia não é criar conteúdo, produzir stories, nada disso. Apenas criar alguns cards fixos mostrando para a pessoa onde encontrar o podcast e os seus episódios, só isso.
Outra coisa é importante é isolar seu uso em um container no navegador, para que ao usar essa conta ela não compartilhe dados sensíveis com outros sites utilizados no ambiente do navegador. Para isso, eu utilizo o ótimo Multi-Account Containers da Mozilla.
Se você não possui nenhum projeto desse tipo, use a criatividade. De repente utilize a conta de algum projeto que você faz parte ou crie uma conta mais discreta, que não posta nenhum conteúdo. Importante não ter acesso a essa conta pelo celular, justamente para evitar o vício e a perda de tempo, sempre utilizar o navegador do computador ou algum cliente.
Conclusão
Não vou dizer que a vida sem Instagram é confortável. Minha opção por não ter um perfil pessoal na plataforma é política, diz respeito à militância contra a Big Tech. E militância implica em sacrifícios, eu até me sinto comôdo em saber que existem pessoas que morrem por conta de suas militâncias e eu só preciso às vezes fazer uma atualização manual em um bot do Telegram que não está funcionando direito, acho que está tudo bem.
Seria muito bom se os estabelecimentos e instituições sempre tivessem pelo menos um blog, com uma feed RSS, para que a informação circulasse também fora do ambiente da Meta. Inclusive existem plugins que integram o Wordpress ao Instagram, mas essa informação é pouco conhecida e difundida, infelizmente. Isso por culpa do próprio Instagram, que não permite integração com muitas ferramentas, obrigando o usuário que faça as coisas dentro dele ou dentro do ambiente Meta.
Por último, eu digo que me organizo dessa forma, sem o Instagram, principalmente em nome do autocuidade e da saúde mental. Mas eu sou muito pessimista em relação a um horizonte em que as pessoas diminuam ou até deixem de usá-lo. Sempre acho que se as pessoas pararem de usar, será para substituir por algo mais apelativo e ainda pior para a saúde mental, como um TikTok, por exemplo. Fiquei animado ao assistir uma reportagem sobre uma juventude low profile (discreta), que se orgulhava por usar muito pouco as redes. Fui pesquisar sobre o assunto e fui bombardeado de textos de como ser low profile dentro do Instagram. A falta de imaginação chegou a um nível que é necessário estar no Instagram até para ser low profile, complicado...
ATUALIZAÇÃO 11 de agosto de 2024
Deletei o Instagram institucional, do meu podcast. Não vinha utilizando ele pra nada. Usava pra de vez em quando falar com uma pessoa específica, mas consegui o contato dessa pessoa pelo whatsapp.
Espero que este texto tenha sido útil, até a próxima!
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