Discurso para concludentes do PEC-PLE 2025
Ressalva: No último dia 28 aconteceu a cerimônia de entrega dos certificados do curso de português para estrangeiros do Núcleo de Línguas da minha universidade. Como relato nesta publicação, ministrei aulas de português como língua estrangeira (PLE) desde fevereiro deste ano por meio do Programa Estudantes-Convênio (PEC-PLE), cujo objetivo é preparar estudantes de outros países para a prova Celpe-Bras. Como sou concludente do curso de Letras, infelizmente já não poderei seguir com as aulas no ano que vem.
Como tinha muito o que falar naquele momento, decidi escrever um texto sobre a minha relação especial com o ensino de PLE, com a língua portuguesa em si, e algumas considerações sobre o Brasil enquanto país de acolhimento. Antes mesmo de começar o pronunciamento, falei um pouco sobre o impacto dessas aulas em minha formação, como me encontrei bem nesse ramo educacional e também chamei a atenção para a falta de formação para o ensino de português para estrangeiros nas universidades brasileiras.
Bati esse texto à máquina de escrever na tarde anterior ao evento, mas, apesar da pressa e do improviso, penso que consegui condensar bem a minha postura sobre o meu idioma materno e sobre meu país.
Transcrevo-o aqui tanto porque alguns alunos os quais eu gostaria de que estivessem lá não puderam comparecer, quanto porque penso que esta fala possa interessar a mais pessoas. Nesta transcrição fiz algumas correções, mas procurei manter também algumas adaptações que fiz no momento da fala.
Aqui o texto:
Discurso para concludentes do PEC-PLE 2025
Pronunciado em 28 de outubro às 16h30 no Núcleo de Línguas da Universidade Estadual do Ceará, campus Itaperi
Boa tarde a todos.
Bom, aqui estamos. Finalmente posso falar em português com todos vocês! É com esta língua que penso todos os dias, com que amo, aquela com que expresso meus medos e meus sonhos da forma mais precisa possível; e é esta língua que herdo a vocês!
Esta minha fala é o atestado de meu trabalho com Alef e Tobias nos últimos oito meses. Em fevereiro, eu não podia falar uma frase sequer, sem que, para ser entendido, precisasse modular minha fala, explicar termos, fazer breves traduções; hoje posso utilizar minha língua da forma mais sofisticada possível, que sei que todos vocês irão me compreender! E mais: serão capazes de dar uma resposta à altura.
Sei que alguns de vocês vieram ao Brasil aprender português sobretudo para a realização de uma prova de proficiência linguística. Felicito-lhes pela coragem. Não sei se eu mesmo o faria. No entanto, gostaria de que o interesse de vocês ultrapassasse o nível instrumental deste idioma. Esta é a língua dos meus pais e dos meus melhores amigos; ensiná-la a vocês foi mais do que um trabalho: foi parte de uma missão. Entendam-na como um presente que lhes dou.
“Minha língua é minha pátria”, diz uma canção de Caetano Veloso que estudamos em sala de aula. A partir do momento em que vocês aprenderam esta língua com que falo, não estão pura e simplesmente habilitados a iniciar estudos universitários no Brasil; vocês ingressaram na comunidade lusófona, que se espalha pelos quatro cantos do mundo, até mesmo em países que não têm o português como idioma oficial.
Se você fala a língua com que falo ou a aprende, você é meu compatriota; se você me entende, você me é um irmão. Digo isto não somente por mim: é assim que os brasileiros interpretamos a nossa língua. Quando um brasileiro vê um estrangeiro a aprender a sua língua, para ele significa mais uma pessoa do mundo desconhecido com que pode se comunicar, é mais uma antena com que pode transmitir sua mensagem para o mundo.
Atualmente tenho domínio de quatro línguas estrangeiras; e com toda a minha franqueza, tenho de admitir que o português segue como minha favorita. Não porque eu tenha alguma afeição somente, mas porque com esta língua é possível fazer tudo: é possível cantar desde o punk rock mais rasgado de um Garotos Podres até o mais sensível chorinho de Cartola; pode-se fazer a literatura mais dura de um João Cabral de Melo Neto ou de um Graciliano Ramos, mas pode-se fazer a literatura mais barroca de um Guimarães Rosa ou de Cecília Meireles. A língua portuguesa pode tudo. Pode poetizar, pode cinemar, pode musicar. E também pode (e deve) se internacionalizar. E nisto nós professores e vocês estudantes pudemos contribuir.
E tão diverso quanto esta língua são os países que a falam. Somos atualmente 265 milhões de pessoas lusófonas, espalhadas nas Américas, na África, na Europa e, em algum grau, na Ásia e na Oceania. Mas talvez não haja outro país que mais fez desta língua sua bandeira do que o Brasil.
Sei que alguns de vocês podem pensar, e pensam certo, que a implementação da língua portuguesa é resultado de um processo de colonização e de regimes autoritários subsequentes. Até meados do século XIX, esta não era sequer o idioma mais falado em território brasileiro. Nas primeiras décadas do século XX, logo após uma série de genocídios [de povos] indígenas causados pelo império lusobrasileiro, a ditadura Vargas proibiu que qualquer outra língua que não o português fosse falada e até mesmo ensinada pelos brasileiros, malgrado a constante onda de imigração de japoneses, italianos e alemães em nosso país, iniciada no século anterior.
Ao fim de tudo, o português acabou sendo a única língua falada oficialmente nos mais de oito milhões de quilômetros quadrados do Brasil. Com suas variações, com seus dialetos, mas falada. E em seu bojo guardou a influência de todos os povos que por ela percorreram: árabes, africanos, ameríndios, europeus.
O brasileiro é hoje majoritariamente monolíngue, mas faz desta língua a sua ferramenta de trabalho e o seu brinquedo.
Quando suas jornadas neste país acabarem, espero que ao menos alguns de vocês fiquem. Mas se não ficarem, que levem o Brasil aonde forem.
Entendam no entanto que não existe um Brasil. Existem Brasis. Tão diverso quanto sua língua, é este país difícil de ser definido. O comediante francês Paul Cabannes certa vez disse que no Brasil nada é pouco; no Brasil tudo é muito: se alguém dança, ela dança muito; se namora, namora muito; se estuda, estuda muito. E neste país de intensidades espero que vocês também sejam, aprendam, amem e festejem muito.
E quero dizer que, independentemente de quais sejam seus planos neste país, com a maior franqueza do mundo: vai dar certo. Cedo ou tarde, vocês conseguirão realizar tudo o que quiserem no Brasil. Ele pode ter um monte de problemas, mas tudo o que se sonha no Brasil, se realiza. Como diria o poeta Décio Pignatari: “No Brasil, só não resulta o que você não faz”.
E a partir deste programa, estou certo de que estou mais perto de realizar o meu sonho que é tornar o português uma linguagem internacional e o Brasil um país internacional. Por isso, agradeço a cada um de vocês que participou deste pequeno passo na nossa História.
Enantchê nuê, Cotonou!
Natonde mingue, Brazzaville! Natonde mingue, Kinshassa!
Obrigadu, Dili!
Assantsi, Nairóbi!
Gracias, gente de Cienfuegos, Bogotá y San José!
Um grande abraço desde a Serra Grande, a terra onde nasci. Good luck, bonne chance, vos deseo suerte.
Obrigado pela atenção!
Post-scriptum: todo o poder ao Sul global!
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