O problema do liberalismo
Se alguém se considera “liberal”, tudo bem. O único problema é que cedo ou tarde irá cair em inconsistências e aporias.
O liberalismo se baseia no princípio de que o indivíduo vem primeiro do que a sociedade. Ou seja, a sociedade é feita da reunião de indivíduos.
Alguns liberais mais radicais, ditos “neoliberais” chegam mesmo a dizer que a “sociedade não existe, existem indivíduos e famílias”. Mas a contradição já chega aí, ao aceitar que a sociedade é no máximo uma “grande família”. Aliás, curiosamente se pode dizer que nenhuma organização tolhe mais o indivíduo do que justamente a família.
Mas fiquemos com os liberais mais moderados que toleram a existência da sociedade. Para explicar a formação desta a partir dos indivíduos que a precedem eles recorrem à tese contratualista: a sociedade nasce do contrato livre entre indivíduos.
Em geral, esses indivíduos que criam o contrato social são geralmente do sexo masculino. Não se sabe onde estavam as mulheres nesse momento de assinar o contrato social.
Mas vamos deixar mais esta contradição de lado. Há outra pior: com que linguagem os indivíduos se reuniram para redigir o contrato original?
Algum liberal poderia tentar explicar como os indivíduos em sua vida solitária constituiram sua linguagem, provavelmente para falar consigo próprios.
Neste caso, cada indivíduo teria criado uma linguagem própria, diferente dos demais. Como eles conseguiram se entender já deve ter sido um grande problema.
Na verdade, não pode existir nada mais “social” do que a linguagem. Alguém que fala, o faz para um interlocutor. O paradoxo está que o contrato social original precisou ser construído antes do surgimento da linguagem e ao mesmo tempo depender dessa mesma linguagem.
Nenhum liberal consegue realmente fugir desse paradoxo que o leva para uma aporia: como foi possível aceitar um contrato antes do surgimento de uma linguagem? Talvez por isso os neoliberais defendam que não existe sociedade. Mas isso não resolve realmente o problema.
Inconsistências como essa são graves porque sempre seguem adiante. O liberal pode até tentar desvencilhar-se delas, mas elas se agarram no raciocínio porque elas já estavam lá desde o início.
Inconsistências não conseguem sustentar o raciocínio lógico. Este serve justamente para evitar aquelas.
O que neste caso resulta a dizer que a sociedade precede o indivíduo. Sociedades não são feitas de indivíduos, indivíduos é que são feitos de sociedade. E a marca desta no indivíduo se chama precisamente linguagem.
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