Ambiente de trabalho proprietário ou de software livre: seria apenas o primeiro suficientemente bom?
Discordo fortemente quando alguém afirma equivocadamente que “Linux” (querendo frequentemente dizer GNU e outros sistemas tipo Unix) seria projetado para ser usado somente pela linha de comando e, assim, usuários finais seriam melhor servidos por um ou dois sistemas operacionais não livres para computadores pessoais, especialmente aquele que atualmente domina o mercado.
Há de fato um enorme esforço de “Linux”/etc. no lado do servidor (back-end), isso felizmente, já que Ă© o sistema operacional que tem sustentado atualmente a sociedade da informação global, executando a maioria dos servidores da Web, a infraestrutura de telecomunicações em geral, os maiores supercomputadores, projetos cientĂficos de variadas áreas, dispositivos mĂłveis e embarcados, incluindo veĂculos automotores. Os ditos interpretadores de comandos na realidade tornam a vida de quem aprende a usá-los mais fácil e rápida. Isso nĂŁo Ă© uma fraqueza, e sim uma vantagem muito poderosa.
Dito isso, também tem havido grande desenvolvimento, por décadas, do que chamamos de ambientes de área de trabalho livres (Free Desktop), com diversas implementações, algumas menos e outras mais orientadas ao usuário final.
Usuários comuns de navegadores Web e aplicativos em geral nĂŁo tĂŞm necessidade de saber muito sobre o que o computador faz por trás da interface gráfica humano-máquina. Eles contam com outras pessoas para suporte tĂ©cnico, e os ambientes desktop livres nĂŁo mudam esse fato. A maior diferença Ă© que oferecem mais opções e liberdades, dando a impressĂŁo de uma escolha mais difĂcil. Contudo, independentemente do tipo de software envolvido, quando solicitados a instalar ou dar manutenção em uma máquina dessas, faz parte do trabalho de profissionais de TI levantar o que seus clientes precisam no computador, conhecer as opções disponĂveis ou pesquisá-las, para satisfazer essas necessidades. NĂŁo precisa ser como uma religiĂŁo com uma Ăşnica verdade inquestionável para todas as situações, como infelizmente parece ser o caso com frequĂŞncia. Ao contrário, a idĂ©ia aqui Ă© empoderar os usuários para que consigam exercer sua liberdade e mantĂŞ-la sustentável.
Meu pai (com mais de 70 anos), que felizmente Ă© saudável, mas nunca tinha usado um computador antes, acabou se tornando um usuário final de Xfce e Firefox praticamente sem treinamento. Ele sabe como ligar, colocar sua senha, iniciar o navegador por um Ăcone na tela, abrir alguns sites que deixei marcados na Barra de Favoritos, como de instituições financeiras, correio eletrĂ´nico, notĂcias etc. Eventualmente, aprendeu como digitar outros endereços simples, fazer buscas, e atĂ© a me chamar para uma sessĂŁo de assistĂŞncia remota quando precisa. Isso teve inĂcio antes de ter começado a usar celulares inteligentes. É como o usuário idoso mĂ©dio de outros sistemas, ou melhor. Há alguns docentes pĂłs-doutores na universidade que, mesmo com o sistema operacional dominante, chegam a ter dificuldade para fazer isso tudo, talvez por falta da vontade necessária. Ele na realidade atĂ© chegou a experimentar, sem minha interferĂŞncia, o sistema proprietário que veio instalado em um entĂŁo novo notebook, já há vários anos. NĂŁo demorou atĂ© me pedir para “consertá-lo”, deixando como está acostumado. De vez em quando, atualizo para ele o Xubuntu, que entĂŁo permanece estável, eficiente em uso de recursos, seguro, possuindo o que ele precisa, sendo que com outro sistema provavelmente a máquina já estaria obsoleta. EntĂŁo, como poderia nĂŁo estar feliz com isso? Ele reclama quando um site nĂŁo faz o que ele quer, o provedor de Internet cai ou a impressora trava, como qualquer outro usuário. Por tudo que Ă© tĂŁo elogiado naquele tĂpico sistema operacional proprietário, dito intuitivo, era para ser bem fácil para todas as pessoas se acostumarem a ele, certo?
A lição Ă© que qualquer mudança de hábito Ă© muito difĂcil para a maioria das pessoas, que costumam ser teimosas. Se tivessem sido ensinadas desde o princĂpio a usar algum ambiente desktop, ferramentas e aplicativos livres, mesmo que diferentes de seus equivalentes privativos com funcionalidades semelhantes, elas estariam acostumadas e provavelmente evitariam a situação oposta. Assim como as massas tĂŞm sofrido lavagem cerebral para acreditarem que existe apenas uma maneira de usar o computador. É por isso que elas mantĂŞm tudo na mesma, ainda que estejam sujeitas a obsolescĂŞncia programada, aprisionamento tecnolĂłgico, práticas monopolistas, comprometimento de privacidade e segurança, ou algum outro tipo de dependĂŞncia pesada das maiores corporações de tecnologia, preferindo isso a aprender qualquer coisa que pudesse torná-las capazes de mais liberdade.
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