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notícia de que o projeto Redis — moderno sistema de banco de dados chave-valor largamente utilizado — passa a ter sua publicação regida pela Licença Pública Geral Affero GNU (AGPLv3), que prevê Copyleft de programas de computador (software) executados em máquinas remotas (“servidores”) e acessados através das redes (por “clientes”).

Matérias jornalísticas relatam que a grande indústria ainda não estaria tão contente com essa decisão, por considerar a licença adotada “restritiva demais”. Essa queixa era de se esperar, pois a ideia desse tipo de licença é, justamente, impedir que software feito para ser livre seja subvertido para retirar a liberdade dos usuários. AGPLv3, especificamente, é uma variação da Licença Pública Geral GNU (v. 3) adicionando uma cláusula que enfatiza a cooperação comunitária quando o programa é executado em servidores e consumido remotamente. Ela proíbe que modificações do código-fonte original fiquem escondidas: além de seguir a mesma licença, o código das alterações, segundo AGPLv3, deve estar disponível para quem acessa esse sistema. Isso possibilita que todos se beneficiem dos aprimoramentos, inclusive quem realizou o desenvolvimento anterior, formando um círculo virtuoso.

As licenças mais fortes de software livre foram redigidas com o propósito de manter livre o software livre. É tão difícil às pessoas entenderem isso? Deve ser, já que preferem terminologias de “código aberto/fechado” etc. sem considerar ou menosprezando suas implicações. No caso concreto, o problema é que, assim, ninguém — lamentavelmente, tampouco a imprensa — considera a questão a partir das liberdades dos usuários. Mesmo assim, se prestar atenção, está implícito que a privação de liberdade teria afastado “desenvolvedores” e, consequentemente, diminuído o ritmo do projeto Redis, como admite a nota divulgada pela empresa responsável. Isso ocorreu após o considerável fiasco de ter adotado uma licença própria, de mero “código disponível”, há pouco mais de um ano. Ou seja, Redis está claramente preocupado com reaver a participação da comunidade, sem a qual o projeto fica menos viável, comercialmente mesmo. Aí está o motivo de sua nova decisão.

💡 Fazendo um parêntese, quando abordamos a liberdade “dos usuários” de software, conceitualmente, a quem nos referimos? Estão contempladas direta ou indiretamente nessa definição todas as pessoas físicas ou jurídicas, sejam elas menos capazes (liberdades 0 e 2) ou mais capazes de produzir modificações (liberdades 1 e 3).

Talvez a movimentação de Redis tenha sido intempestiva. A duvidosa estratégia da liderança do projeto, contudo, parece vir de longo prazo e seu eventual fracasso poderia ter sido evitado. Se você quer publicar seu trabalho garantindo liberdade a quem vai consumi-lo, sem permitir que tubarões se apropriem indevidamente dele, adote desde o princípio uma licença que determine que as modificações devem continuar livres. Esse conselho vale para muitos tipos de trabalho intelectual.

📢 Outro recado geral, para qualquer pessoa, mas em especial às que escrevem sobre o tema, é: não confundam conceitos basilares como se fossem sinônimos. Podemos dar mais atenção ao ponto de vista de quem utiliza ( #SoftwareLivre ) e menos do ponto de vista predominante da indústria ( #BigTech / #OpenSource ).

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